Foi publicada na edição de 12.11.2015 do Diário Oficial da União a Lei nº 13.186/2015, que institui a Política de Educação para o Consumo Sustentável.
Importante referir que a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, já apresenta dentre seus objetivos o estímulo ao consumo sustentável (art. 7º, XV), inclusive definindo padrão sustentável de produção e consumo como sendo “a produção e consumo de bens e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras”.
A Política de Educação para o Consumo Sustentável tem como objetivo o estímulo a adoção de práticas de consumo e de técnicas de produção ecologicamente sustentável (art. 1º).Consumo sustentável é entendido como “o uso dos recursos naturais de forma a proporcionar qualidade de vida para a geração presente sem comprometer as necessidades das gerações futura”(art. 1º, parágrafo único).
Da leitura desse artigo 1º percebe-se o propósito do legislador de romper o estilo de vida e estratégia existencial consumista de que nos fala Zigmut Bauman, marca desta sociedade de consumidores em que estamos imersos.
Esse diploma legal representa a formalização de um pacto intergeracional, já anunciado mas não desenvolvido pela Lei da Política de Resíduos Sólidos, no qual a geração atual reconhece o caráter patológico do padrão de consumo vigente e busca reeducar-se, corrigindo a si mesma e garantindo para as gerações futuras um estilo de consumo que não leve ao esgotamento dos recursos naturais.
Isso transparece dos objetivos traçados nos nove incisos do artigo 2º, a respeito dos quais traçamos breves comentários.
“I – incentivar mudanças de atitudes dos consumidores na escolha de produtos que sejam produzidos com base em processos ecologicamente sustentáveis;”
Não basta preocupar-se com o impacto ambiental causado pelo uso de determinado produto, mas sim procurar saber o quão poluente foi o seu processo de produção. O impacto causado pela produção pode ter sido muito mais significativo do que o uso em si, o que descaracteriza o produto como ecologicamente sustentável.
“II – estimular a redução do consumo de água, energia e de outros recursos naturais, renováveis e não renováveis, no âmbito residencial e das atividades de produção, de comércio e de serviços”.
Premissa básica para assegurar às futuras gerações a satisfação de suas necessidades de consumo é o uso racional dos recursos naturais. A crise hídrica enfrentada por São Paulo este ano é mais um sinal de que o esgotamento dos recursos naturais está longe de ser uma preocupação exagerada propagada por ambientalistas, como muitos querem fazer crer.
Esse inciso II vai ao encontro do que escrever o Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si:”(...) nota-se um desperdício de água não só nos países desenvolvidos, mas também naqueles em vias de desenvolvimento que possuem grandes reservas. Isto mostra que o problema da água é, em parte, uma questão educativa e cultural, porque não há consciência da gravidade destes comportamentos..”.
“III- promover a redução do acúmulo de resíduos sólidos, pelo retorno pós-consumo de embalagens, pilhas, baterias, pneus, lâmpadas e outros produtos considerados perigosos ou de difícil decomposição;
IV – estimular a reutilização e a reciclagem dos produtos e embalagens “;
A Política Nacional de Resíduos Sólidos já adotara no Brasil a responsabilidade pós-consumo, atribuindo responsabilidade compartilhada entre os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes pelo produto após o uso pelo consumidor, devendo estruturar e implementar sistemas de logística reversa, como corolário do princípio do poluidor-pagador na gestão de resíduos sólidos.
Os inciso III e IV do artigo 3º , portanto, deve ser lido como o enunciado do propósito pedagógico de educar tanto os consumidores como os responsáveis por essa gestão dos resíduos sólidos pós-consumo de maneira a evitar o seu acúmulo no meio ambiente natural, estruturando e implementando sistemas de logística reversa.
“V – estimular as empresas a incorporarem as dimensões social, cultural e ambiental no processo de produção e gestão;
VI – promover ampla divulgação do ciclo de vida dos produtos, de técnicas adequadas de manejo dos recursos naturais e de produção e gestão empresarial;
VII – fomentar o uso de recursos naturais com base em técnicas e formas de manejo ecologicamente sustentáveis;”
O propósito desses incisos é o de incutir valores de sustentabilidade ambiental nas empresas, o que já vem se disseminando no meio empresarial. No entanto, infelizmente, muitas vezes a sustentabilidade surge como medidas de marketing e apenas para atender auditorias pontuais. Casos como a fraude na Volkswagen e do rompimento das barragens da minerado Samarco evidenciam que o lucro ainda tem maior peso do que a responsabilidade socioambiental das empresas.
“VIII – zelar pelo direito à informação e pelo fomento à rotulagem ambiental;”
Esse dispositivo é corolários do direito à informação ambiental (art. 4º, V da Lei 6.938/81; art.3º, IV da Lei 9.975/99; art. 31, IV da Lei 12,305/2010), sem dúvida o mais importante preceito da Política de Educação para o Consumo Sustentável.
“IX – incentivar a certificação ambiental”.
Esse dispositivo guarda relação com o anterior, na medida em que a certificação ambiental decorre de uma auditoria que certifique que o processo produtivo observa as normas de qualidade ambiental.
O artigo 3º, por sua vez, atribui aos entes federativos a incumbência de promover campanhas em prol do consumo sustentável, em espaço nobre dos meios de comunicação de massa e de capacitar os profissionais da área de educação para inclusão do consumo sustentável nos programas de educação ambiental do ensino médio e fundamental.
O inciso VI do §1º do artigo 225 da CF já atribui ao poder público, como meio de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o dever de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
A incumbência de incluir expressamente o consumo sustentável como item obrigatório dos programas de educação ambiental destaca a preocupação do legislador com o impacto ambiental causado pela “sociedade de consumidores”.
Uma leitura pouco reflexiva da Lei 13.1816/2015 pode induzir ao entendimento de que se trata de mais uma lei sem maior potencial de efetividade, pois contém dispositivos repetidos em outros diplomas legais.
Mas na realidade, a Política de Educação para o Consumo Sustentável, observando os princípios da Política Nacional de Educação Ambiental (em especial art. 4º, I e II da Lei 9.975/1999), coloca o consumismo como uma das maiores ameaças ao dever constitucional de assegurar às presentes e futuras gerações um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É uma norma de cunho programático, no sentido de impor tanto a coletividade como ao poder público o dever de promover medidas destinadas a construir valores sociais voltados ao consumo sustentável.
O propósito do legislador é louvável, mas surtirá sem efetividade a lei se tanto o poder público como a coletividade permanecerem promovendo o consumo desenfreado, facilitando o crédito, disseminando a cultura da ostentação, do acúmulo e da obsolescência programada.