Em decisão recente[1], a 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região entendeu ser devida a demissão por justa causa aplicada pela empresa a funcionária que se utilizava do e-mail corporativo para enviar e receber mensagens com finalidades diversas daquelas profissionais.
Reformando a decisão da 1ª instância, os desembargadores entenderam que:
“o e-mail corporativo é (...) uma ferramenta de trabalho, destinado essencialmente à troca de mensagens de caráter profissional. Ainda, a associação da má utilização ao bom nome e reputação da ré (...) poderá, em tese, acarretar a responsabilização da ré perante terceiros pelos danos praticados pelo empregado (art. 932, III, do CC) ou ainda prejuízo moral, já que lesivo à imagem da empresa”.
Em consequência disto, a Turma manteve a justa rescisão do contrato de trabalho, em razão do disposto no art. 482, “b”, da CLT (mau procedimento), afastando da trabalhadora o recebimento de aviso prévio indenizado, 13º salário proporcional, indenização de seguro-desemprego e multa do FGTS.
Embora aplicada às circunstâncias particulares do caso concreto, a repercussão que esta decisão pode ter no ambiente laboral pode ser muito grande, podendo gerar controvérsias e conflitos nas relações de trabalho.
Atualmente, os meios e canais eletrônicos de comunicação ligados à internet já são amplamente dissociados, e a troca de informações, seja qual for o canal, é constante e ininterrupta.
Inclusive nas atividades laborais, nas quais o uso é em larga escada, a troca de emails, mensagens de texto e aplicativos já é uma realidade inseparável, trazendo grande avanço para o meio empresarial, além de contribuir de alguma forma para o meio ambiente.
Através dos meios de comunicação promovidos com a internet, otimizou-se e facilitou-se o relacionamento entre empresa e trabalhador, e estes com seus fornecedores e clientes, criando uma grande rede de comunicação.
Contudo, apesar de, como dito, ser uma realidade no meio ambiente de trabalho, sua utilização ainda é obscura, e seu emprego no meio de trabalho não vem limitado em legislações especiais, necessitando, assim, um esforço do intérprete para buscar uma solução harmoniosa e satisfatória para todas as partes.
Por um lado, o empregado tem consigo a proteção à intimidade e privacidade (art. 5º, inciso X da CF), bem como proteção à sua personalidade e dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF), que são garantias fundamentais de aplicação imediatas, ou seja, são diretamente vinculantes e plenamente exigíveis, conforme preleciona também a Constituição em seu art. 5º, §1º.
Cabe lembrar ainda que o art. 5º, inciso XII da CF prevê que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Tais proteções possuem o fito de se afastar constrangimento ao empregado, conservar suas particularidades e vida privada. O contrato de trabalho não pode ser invasivo ao ponto de causar no trabalhador a violação de sua moral a pretexto de se salvaguardar os interesses da empresa, sob pena de caracterização de danos morais e seu respectivo ressarcimento.
Por outro lado, é devido à empresa fazer uso de seu poder fiscalizatório e controlar as atividades de seus empregados. Esta atribuição decorre do “poder de controle” do empregador, no qual, segundo NASCIMENTO[2] se traduz na “faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida”.
Sendo o correio eletrônico uma ferramenta disponibilizada pelo empregador, com o fim de auxiliar o empregado em suas tarefas rotineiras, pode igualmente este estabelecer os limites nos quais sua utilização deve respeitar, levando-se em consideração os objetivos empresariais, comerciais e financeiros do tomador de trabalho.
Como já mencionado, o sigilo das comunicações de dados também é inviolável, tal como o email. Apesar disto, como lembra MARTINS[3]:
“Não se pode dizer que haveria violação de privacidade do empregado quando o empregador exerce fiscalização sobre equipamentos de computador que lhe pertencem.
Ressalta-se que o correio eletrônico, em muitos casos, é da empresa e não do empregado. O telefone e o sistema utilizados para acesso à Internet são do empregados. Assim, o recebimento da comunicação é do empregador e não do empregado, como na hipótese de questões relacionadas apenas com o serviços.” (g.n.)
Inclusive, por serem de sua propriedade, e carregarem consigo logotipo e informação da empresa, caso os equipamentos sejam utilizados de modo indevido, como nos casos de discriminações e ofensas à honra, as empresas poderão ser, eventualmente, acionadas como corrés em ações indenizatórias promovidas pelo prejudicado, com fundamento do art. 932, III, do Código Civil.
Por todo o exposto, fica demonstrado que o uso de e-mails corporativos e demais ferramentas do meio corporativo por seus colaboradores ainda é uma tema que traz consigo muitas controvérsias, não sendo possível o limitar, a não ser nos meandros do caso concreto. Contudo, cabe ressaltar que seu uso desmedido e desarrazoado, que ultrapassem o limite do bom senso corporativo, pode acarretar ao empregado sérios riscos, sendo um dos mais graves a demissão pela justa causa.
NOTAS:
- Acórdão nº 20150183156, TRT 2ª Região.
- NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 717.
- MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 234.