Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso analisará a mudança promovida no artigo 213 do Código Penal com o advento da Lei n.º 12015/09 e trará brevemente a situação anterior a edição da nova lei que ensejou a alteração legal sofrida pelo Código Penal, retratando a situação na qual a mulher era tratada perante a sociedade machista, trazendo ainda a nova classificação para o crime de estupro e a possibilidade da mulher figurar como autora do estupro. Como consequência, analisará a possibilidade da mulher autora ser compelida pelo homem vítima a realizar o aborto sentimental, contra a sua vontade e, ainda, se a mulher autora poderá utilizar-se do permissivo legal previsto no artigo 128, inciso II, para praticar o aborto sentimental, trazendo, como análise comparativa, caso ocorrido no ano de 1994 em Minas Gerais. O presente trabalho será desenvolvido através da análise de direitos e princípios, quais sejam, o direito à vida do feto, o direito a dignidade da pessoa humana da mulher e ainda os princípios da legalidade e da intranscendência da pena. Para tanto, foi utilizado o método de análise do direito comparado, trazendo decisões judiciais a nível nacional e internacional. Também se realizou uma análise da lei, em especial da Constituição Federal e do Código Penal. O tema vincula-se à área de concentração Direito, Sociedade Globalizada e Diálogo entre culturas jurídicas, tendo como linha de pesquisa o Constitucionalismo, Concretização de Direitos e Cidadania da Faculdade de Direito de Santa Maria.
Palavras-chave: Lei n.º 12.015/09. Homem. Mulher. Aborto sentimental. Estupro.
Sumário: 1 - As novas possibilidades de figuração no polo ativo do crime de estupro após o advento da lei n.º 12.015/09. 1.1 – As novas possibilidades de figuração no polo ativo do crime de estupro. 1.2 – A mulher enquanto autora e o homem enquanto vítima. 2 – A penalização da mulher autora do crime de estupro: possibilidade da aplicação das causas de aumento de pena e a (im)possibilidade do aborto sentimental. 2.1 – A penalização da mulher autora do crime de estupro. 2.1 – Possibilidade da aplicação das causas de aumento de pena do artigo 234-a do Código Penal e a (im)possibilidade do aborto sentimental. Considerações finais. Referências.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho busca estudar as alterações promovidas no Código Penal com o advento da Lei nº 12.015/09, tendo em vista as mudanças percebidas no conceito de crime de estupro e, principalmente, nas novas possibilidades de figuração no polo ativo e passivo do referido crime.
Analisará brevemente o antigo conceito e a classificação do crime de estupro, elencando também a situação histórico-social da mulher e a evolução do direito frente a sociedade afim de tratar de forma igualitária homens e mulheres.
Além disso, busca estudar a possibilidade da mulher autora do crime de estupro fazer jus ao permissivo legal previsto no artigo 128, inciso II do Código Penal, quando contraia a gestação e a (im)possibilidade de imposição à mulher autora do estupro, do aborto sentimental.
Também será realizado análise jurisprudencial internacional sobre o tema proposto realizando um comparativo com o direito nacional.
A delimitação do tema baseia-se no estudo da Lei n.º 12.015/09 e nas alterações ocorridas com o seu advento, trazendo conceitos doutrinários, julgados e notícias relacionadas ao tema, realizando um estudo hipotético das situações passíveis de ocorrência proporcionadas pela alteração legislativa ocasionada pela Lei n.º 12.015/09.
O estudo divide-se em dois capítulos. O primeiro contém uma base teórica de acordo com as alterações legais impostas pela Lei n.º 12.015/09, retratando como era a legislação que tratava do assunto e como ficou o ordenamento jurídico com o advento da Lei 12.015/09. Além disso, retrata o atual contexto histórico-social do Brasil, trazendo à baila algumas das justificativas plausíveis para a alterações no ordenamento jurídico Penal Brasileiro.
Este capítulo também tem o objetivo de retratar a possibilidade da mulher figurar como autora do crime de estupro após a mudança trazida pela Lei n.º 12.015 ao Código Penal. Traz as hipóteses de o homem figurar no polo passivo do referido crime, salientando os desvalores dos resultados acarretados com as condutas delituosas dos agentes autores do crime de estupro.
A metodologia aplicada no capítulo 1 é a teórica, amparada na pesquisa bibliográfica. Através desta foi possível ter acesso aos conceitos anteriormente estudados e os conceitos propostos pela doutrina majoritária após o advento da Lei n.º 12.015/09, bem como as justificativas para as alterações legais trazidas pela referida lei ao ordenamento jurídico penal.
Como trata-se de assunto relativamente recente, o segundo capítulo também foi elaborado com base na teoria, somando-se à uma pesquisa jurisprudencial, traçando situações hipotéticas e respondendo aos questionamentos gerados através do surgimento das referidas situações, sempre tendo por base as proposituras elencadas pelas alterações sofridas pelo Código Penal.
Neste capítulo se abordará a possibilidade de aplicação da causa de aumento de pena trazido pela inserção do artigo 234-A, inciso III e IV, ao Código Penal pela Lei n.º 12.015/09, além de elucidar a possibilidade da mulher fazer uso do permissivo legal do artigo 128, inciso II, do Código Penal, ao seu favor, mesmo sendo a autora do crime de estupro e não a vítima. Demonstrará que a penalização da mulher autora do crime de estupro merece ser proposta nos mesmos parâmetros daquelas impostas aos homens, baseando-se nos princípios constitucionais da legalidade e da isonomia e também, levantar as hipóteses que surgiram com as novas possibilidades de figuração no polo ativo e passivo do crime de estupro, através do método hipotético-dedutivo.
Por fim, suscita a hipótese da mulher autora do crime de estupro contrair a gestação da vítima, e elucidará a (im)possibilidade do aborto sentimental ser imposto contra essa pelo homem-vítima do crime de estupro. Para tanto, estudará a sentença dos Estados Unidos da América contra uma mulher acusada pelo crime de estupro contra homem e trará, a título análogo ao tema proposto, caso ocorrido em Minas Gerais no ano de 1995, fazendo um comparativo com o Direito Penal Pátrio, trazendo a hipótese de solução para o conflito se este ocorresse dentro do ordenamento jurídico Nacional.
Assim, o estudo proposto no capítulo 2 possui como metodologia dados teóricos com alguns julgados relacionados ao tema proposto, com relação a entendimentos doutrinários acerca do concurso material, antes e após o advento da Lei nº 12.015/09. Retratará a antiga autonomia dos crimes de estupro e do atentado violento ao pudor e demonstrará a unificação que garante a continuidade delitiva em caso do cometimento dos referidos crimes no mesmo ato, além de trazer possíveis situações fáticas e junto dessas as soluções adequadas para os conflitos, através do entendimento da doutrina majoritária nacional.
Tendo em vista a metodologia apresentada, o presente estudo tem como seus objetivos específicos, retratar a nova possibilidade de figuração no polo ativo do crime de estupro após o advento da Lei n.º 12.015/09 e trazer, brevemente, quais eram as hipóteses previstas pelo ordenamento jurídico, retratar a mulher enquanto autora do crime de estupro e o homem enquanto vítima demonstrando como era estabelecido em nosso ordenamento jurídico e quais os motivos que ensejaram a alteração legislativa proposta pela referida lei.
Ressalta-se que, o presente trabalho pertence à área de concentração Direito, Sociedade Globalizada e diálogo entre culturas com viés à linha de pesquisa Constitucionalismo, Concretização de Direitos e Cidadania da Faculdade de Direito de Santa Maria, na medida em que o presente estudo mostrará que a evolução do direito perante a sociedade vem ocorrendo, mas sempre flexibilizando o embate de princípios norteadores, deixando claro isso quando passa a admitir que o homem figure no polo passivo do crime de estupro, porém restringindo os direitos deste, não permitindo que seja imposta a obrigatoriedade da prática do aborto sentimental para a mulher autora do delito, além de restringir o uso do permissivo legal a mulher vítima do crime de estupro, sendo defeso a mulher autora do referido crime usar-se do permissivo para eximir-se de responsabilidade atribuídas à maternidade.
1. AS NOVAS POSSIBILIDADES DE FIGURAÇÃO NO POLO ATIVO DO CRIME DE ESTUPRO APÓS O ADVENTO DA LEI N.º 12.015/09
Nesse capítulo serão analisadas as novas possibilidades de figuração no polo ativo do crime de estupro, juntamente com a justificativas socioculturais e a evolução da sociedade como fatores determinantes para o fundamento da alteração da classificação do crime de estupro promovida com o advento da Lei n.º 12.015/09.
1.1 As novas possibilidades de figuração no polo ativo do crime de estupro
Até o ano de 2009, o crime de estupro era classificado pela doutrina como um crime próprio, onde, no polo ativo, somente o homem poderia figurar como autor e, no polo passivo, somente a mulher poderia figurar como vítima. A mulher poderia figurar no polo ativo do crime como autora mediata ou coautora1.
Na hipótese de autoria mediata, a doutrina trazia como exemplo a mulher que, apontando uma arma para cabeça de um homem, obrigasse-o a manter relação sexual com uma mulher. Já na hipótese de ser coautora, o exemplo seria o da mulher que auxiliasse o homem a consumar o crime de estupro, segurando a vítima para que o agressor pudesse realizar ato. É o que explicita Luís Régis Prado:
Excepcionalmente, na hipótese de o sujeito ativo da cópula carnal sofrer coação irresistível por parte de outra mulher para a realização do ato, pode-se afirmar que o sujeito ativo do delito é uma pessoa do sexo feminino, já que, nos termos do art. 22 do Código Penal, somente o coator responde pela prática do crime2.
Havia ainda a hipótese de a mulher figurar no polo ativo do referido crime como partícipe, “[...] por meio da instigação (participação moral; p. ex.: provocando o homem para que nele surja a vontade de cometer o crime ou estimulando a idéia já existente) ” ou, ainda, pela “cumplicidade (participação material; p. ex.: emprestando a arma, vigiando o local, deixando aberta a porta para o estuprador entrar, etc.)3.
Assim também exemplifica Eduardo Luiz Santos Cabette, denominando de partícipe a mulher que atua “atraindo a vítima para um local onde será atacada pelo homem comparsa4”.
Rogério Greco cita o entendimento do ilustre doutrinador Eugênio Raul Zaffaroni, que trata da autoria por determinação, caso em que “a mulher não responde como autora do crime de estupro, senão que se lhe aplica a pena do estupro por haver cometido o delito de determinar o estupro”5. Greco assim escreve sobre a autoria por determinação:
Podemos, dessa forma, utilizar a teoria do autor de determinação, preconizada por Zaffaroni, a fim de fazer com que a mulher que determinou a prática do estupro mediante conjunção carnal responda, com esse título especial — autora de determinação —, pelas mesmas penas cominadas ao estupro6.
Esse entendimento citado por Greco, preconizado por Zaffaroni, está em consonância com o artigo 22 do Código Penal, quando trata da coação irresistível e da obediência hierárquica7.
Na condição de vítima, somente a mulher poderia figurar, pelo fato de que a consumação do crime se dava com a prática da conjunção carnal, a qual compreende a relação pela vagina, ou seja, a cópula vagínica, vale dizer, "a inserção completa ou não do pênis do homem na cavidade vagínica da mulher8".
O homem, por sua vez, somente figuraria como vítima na hipótese do crime de atentado violento ao pudor, condição igual à da mulher que fosse forçada a manter relação sexual pela via anal ou oral, pois estas práticas eram consideradas outros atos libidinosos que não compreendiam a conjunção carnal9.
Ocorre que, questões culturais sempre influenciaram a legislação em geral. Com o direito penal não foi diferente, percebia-se claramente a influência do contexto social nas leis. Na maioria delas a mulher não recebia o mesmo tratamento que o homem e, como no caso em comento, recebia uma proteção que não era entendida a este.
Essa proteção recebida pela mulher com exclusividade, dava-se ao fato de que ela era tida como "sexo frágil". Como não tinha as mesmas condições sociais que o homem, acabava tornando-se vítima do crime de estupro em grande número10.
A proteção legal, mesmo sendo voltada de forma exclusiva à mulher, muitas vezes mostrava-se ineficaz, fosse pela vergonha que a vítima tinha de denunciar, pelo medo de represálias do agressor e, o que era pior, pelo receio do pré-julgamento que era feito pela própria sociedade, que as vezes acabava condenando a própria vítima, imputando-lhe a culpa do fato criminoso devido as roupas que usava, pelo jeito de ser que tivesse e, até mesmo, se não seguisse determinado estilo de vida imposto pela sociedade.
Nesse sentido, uma pesquisa realizada pelo IPEA, demonstrou a opinião da sociedade com relação a culpa da vítima pela atitude de agressor, afirmando que
[...] o fenômeno da violência contra as mulheres, que consiste em um poderoso instrumento de perpetuação da ordem patriarcal, normalmente está relacionado a algumas características: a) é visto como aceitável (dentro de alguns limites); b) é naturalizado como algo pertencente à sociedade e inerente às relações entre homens e mulheres; c) o agressor tem sua responsabilidade atenuada, seja porque não estava no exercício pleno da consciência, ou porque é muito pressionado socialmente, ou porque não consegue controlar seus instintos; d) e a mulher é vista como responsável pela violência, porque provocou o homem, seja porque não cumpriu com seus deveres de esposa e de “mãe de família”, seja porque de alguma forma não se comportou da maneira esperada socialmente11.
Analisando a tutela que era oferecida pela norma penal à mulher, parecia ser algo considerado positivo. Porém, demonstrava a desigualdade social que ocorria entre homens e mulheres, principalmente com relação aos temas envolvendo a sexualidade.
Nesse ponto, percebia-se que o bem jurídico tutelado não era a liberdade sexual da vítima, que somente poderia ser a mulher, mas, nas palavras de Nelson Hungria, o bem jurídico tutelado era “a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais”12, fato percebido de forma clara quando analisado o título do Código Penal em que estava inserido: crimes contra os costumes, deixando de valorar muitas vezes questões mais importantes, como a integridade física e a liberdade e a dignidade sexual da vítima.
A anterior denominação do Título VI – “Dos crimes contra os costumes” – era reveladora da importância que o legislador de 1940 atribuía à tutela da moralidade sexual e do pudor público nos crimes sexuais em geral, ao lado, e, às vezes, acima da proteção de outros bens jurídicos relevantes como a integridade física e psíquica e a liberdade sexual. É o que se verificava claramente, por exemplo, na previsão como causa extintiva de punibilidade o casamento da ofendida com o autor do crime sexual, por se considerar este, causa de desonra para a vítima e união em matrimonio uma forma de se reparar o mal causado pelo delito, mediante a restauração do conceito que usufruía ela no meio social13.
Assim sendo, resta demonstrado que a hipótese do homem figurar no polo passivo do delito não era cogitada e pela questão cultural, parecia ser impossível. Contudo, a sociedade tende a evoluir, seja nos aspectos culturais, seja nos aspectos morais, e como bem se pode observar atualmente, nas questões igualitárias entre homens e mulheres envolvendo a sexualidade.
Nesse sentido, importante se faz a evolução do Direito frente à evolução da sociedade, para que se consiga, ao menos em tese, dar a proteção que lhe cabe, atuando conforme o contexto social em que se encontre.
Dentro deste evoluir nos deparamos com dois limites temporais relacionadas à vida da lei: o termo inicial e o termo final. E a esta dimensão temporal também se diz eficácia da lei no tempo. Via de regra, uma lei é eficaz até que outra a revogue ou derrogue, isto é, até que seja antiquada ou modificada por outra. Contudo, a lei nova não pode retirar do "mundo” o fato jurídico, pois o evento já ocorreu e interferiu no “mundo jurídico14”.
Diferentemente de décadas atrás, atualmente homens e mulheres figuram em condições de quase igualdade, seja nas questões profissionais, financeiras e, também, nas questões que envolvem o tema sexualidade. Por essa razão, surgiu
[...] a necessidade de adaptação das normas penais em virtude da evolução da sociedade em sua forma de pensar e agir quanto a matéria sexual, e adaptar-se também às inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, desta forma, a Lei nº 12.015/2009 provocou uma alteração da nomenclatura do Título VI da Parte Especial do Código Penal, abandonando a visão tradicional “dos costumes” e trazendo uma nova denominação dada ao Título VI, “Dos crimes contra a dignidade sexual”, bem jurídico tutelado no artigo 1 º, III, da Constituição Federal15.
Nesse passo, é possível observar o avanço legislativo ocorrido com a entrada em vigor da Lei nº 12.015, datada de 07 de agosto do ano de 2009, que alterou de forma significativa o artigo 21316 e revogou o artigo 21417, ambos do Código Penal Brasileiro, trazendo nova classificação para o crime de estupro.
Quando a conduta for dirigida à conjunção carnal, o crime será de mão própria no que diz respeito ao sujeito ativo, seja ele um homem ou mesmo uma mulher, pois que exige uma atuação pessoal do agente, e próprio com relação ao sujeito passivo, que poderá ser também tanto um homem quanto uma mulher, uma vez que a conjunção carnal pressupõe uma relação heterossexual; quando o comportamento for dirigido a praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso estaremos diante de um crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo18.
A alteração legal colocou homem e mulher em condições de igualdade e deu ao crime de estupro a classificação de crime comum, de forma que homem e mulher podem figurar tanto no polo passivo quanto no polo ativo do delito. Agora, “não importa se o sujeito passivo é do sexo feminino, ou mesmo do sexo masculino que, se houver o constrangimento com a finalidade prevista no tipo penal do art. 213 do diploma repressivo, estaremos diante do crime de estupro”19.
A nova Lei, além de alterar o sujeito ativo e passivo do crime, adicionou elementos caracterizadores do delito antes denominado atentado violento ao pudor. Além da conjunção carnal, a redação passou a contemplar os atos libidinosos. Assim, “a nova lei optou pela rubrica estupro, que diz respeito ao fato de ter o agente constrangido alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou com ele permitir que se pratique outro ato libidinoso20”.
Nesse sentido, a alteração mais importante se deu no sujeito passivo do delito, onde, no lugar de mulher, encontra-se a expressão alguém. Dessa forma, a proteção da norma penal foi estendida ao homem e, como consequência lógica, a mulher também pode ser a autora do delito.
Outro fator importante foi a alteração referente aos atos libidinosos. Com a inclusão desse conceito, a prática forçada do sexo anal e do sexo oral também podem ser consideradas estupro, de acordo com a redação nova do artigo 213 do Código Penal, enquanto que, antes do advento da lei n.º 12.015, somente poderiam ser enquadrados como atos libidinosos propriamente ditos, conquanto o crime resultante da sua prática era o atentado violento ao pudor. Porém, se os atos libidinosos forem cometidos no intuito de se cometer o crime de estupro, aqueles serão absorvidos por este21.
Vale salientar também que, as questões envolvendo os chamados atos libidinosos devem ser analisadas frente ao caso concreto, observando o princípio da proporcionalidade das penas. Essa análise se faz crucial, pois poderiam ocorrer situações em que alguém viria a ser condenado pelo crime de estupro por beijar alguém de forma inesperada, o famoso beijo roubado, ou até mesmo por expor as partes íntimas a alguém, o que parece ser algo incoerente e com demasiado rigor punitivo.
Assim, se é correta a classificação do beijo lascivo ou com fim erótico como ato libidinoso, não é menos correto afirmar que a aplicação ao agente da pena mínima de seis anos, nesses casos, ofende substancialmente o princípio da proporcionalidade das penas22.
A alteração legal com relação aos sujeitos, ativo e passivo do crime de estupro, se mostrou necessária ao longo do tempo, pois o que antes era considerado assunto propriamente inerente ao homem, a sexualidade, hoje, é um tema considerado comum entre homens e mulheres.
As atitudes masculinas e femininas com relação a sexualidade eram extremamente desiguais. Enquanto o homem tido como "normal" era o que mantinha diversas relações extraconjugais, a mulher que tivesse a mesma atitude era considerada como uma devassa e sofria represálias da sociedade, e assim ensina Renata Sobral Costa, em seu artigo do ano de 2008:
A exploração da mulher pelo homem, característica de outros tipos de sociedade ou de organização social, mas notadamente do tipo patriarcal-agrário, tal como o que dominou longo tempo no Brasil, convém a extrema especialização ou diferenciação dos sexos. Os homens possuíam infinitas regalias, inclusive a de manter aventuras com criadas e ex-escravas, desde que fosse guardada certa discrição. No que se refere às mulheres, tudo que não se relacionasse com a procriação era proibido23.
Uma dessas represálias, citada anteriormente, era ser-lhe imputado pela própria sociedade a culpa pelo ato do estupro que viesse a sofrer. Vale salientar que essa imputação não se dava no âmbito jurídico, apenas dentro da sociedade em que a vítima vivia. Essa desigualdade era vista até mesmo na legislação pátria, pois
O legislador infraconstitucional diante das situações de violência contra a mulher viu-se que tais situações mereciam atenção jurídica especial. A mulher sempre foi desprestigiada no âmbito jurídico, no sentido de que não gozava ela de igualdade de direitos com o homem. Atualmente a Constituição Federal consagra igualdade de direitos e obrigações entre o homem e a mulher24.
A mulher figurava na sociedade como sendo um mero objeto de satisfação sexual do homem. Deveria ser fiel, não poderia trabalhar, deveria manter a casa em ordem e criar os filhos, enquanto o homem trabalhava para sustentar a família.
Vivia-se em uma sociedade patriarcal, a mulher era vista como propriedade do homem, com finalidade apenas de gerar filhos e satisfazer os desejos e caprichos dos seus maridos. Desta forma, estas passaram a acreditar que sua existência estaria restrita a reprodução e a sexualidade passiva, ficando sujeitas às mais variadas formas de violência, físicas e psicológicas, praticadas pelo marido. Outro fator que contribui para aceitação desta submissão e violência por parte das mulheres é o fator da dependência financeira, uma vez que não era permitido que as mulheres trabalhassem25.
Nesse sentido, até as revistas da época “ensinavam” as mulheres a comportarem-se diante de seus maridos. É o que mostra a Revista Claudia, em sua edição do ano de 1962: “Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto26”, bem como o periódico Jornal das Moças, em sua edição do ano de 1945 em seus anúncios: “A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa27”.
No contexto social atual esses valores não foram preservados. As mulheres, gradativamente, vêm conquistando direitos que antes eram exclusivamente masculinos.
O movimento feminista brasileiro foi um ator fundamental nesse processo de mudança legislativa e social, denunciando desigualdades, propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e, também, na interpretação da lei. Desde meados da década de 70, o movimento feminista brasileiro tem lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de Direitos Humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação, tanto nas leis como nas práticas sociais. De fato, a ação organizada do movimento de mulheres, no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e obrigações correlatas do Estado, tais como o reconhecimento da igualdade na família, o repúdio à violência doméstica, a igualdade entre filhos, o reconhecimento de direitos reprodutivos, etc.28
Embora ainda existam muito pré-conceitos em relação a mulher, que demonstra ter a mesma atitude em relação a sexualidade dos homens, já há uma aceitação muito maior por parte da população, e isso é claramente percebido na realidade atual da sociedade, não só do Brasil, mas da grande maioria mundial.
Mulheres estão mais independentes, profissional, financeira e sexualmente em relação aos homens. Adotam crianças e constituem família sem a presença masculina, por exemplo. Fatores esses que devem ser considerados positivos frente a evidente opressão social que sofriam em décadas passadas. Quando se fala em independência sexual é que surge a necessária proteção que a norma penal trouxe com a alteração do artigo 213 do Código Penal.
Enquanto mero objeto sexual frente ao homem, a mulher não tinha direito e nem mesmo condições, principalmente pela vergonha, de desejar publicamente um homem, muito menos teria condição de figurar no polo ativo do crime de estupro.
No contexto atual há uma valoração diferente, seja do ato em si, seja das consequências do mesmo. O ato do estupro praticado pela mulher ainda parece ser visto como algo de difícil ocorrência, contudo, não é impossível de ser perfectibilizado.
A possibilidade de uma mulher constranger um homem à conjunção carnal era algo provavelmente impensável na década de 40. De fato, mesmo nos dias de hoje, a ocorrência da hipótese é bastante rara. Cremos que isto se deve não apenas à baixa incidência desta forma de estupro, mas também porque o crime, quando ocorre, permanece na clandestinidade, já que dificilmente algum homem se exporia ao constrangimento de comunicar tal agressão às autoridades29.
Porém, o pré-julgamento que era feito anteriormente pela sociedade não tem mais o condão de inferiorizar a mulher infratora, mas de colocá-la em pé de igualdade com os homens e, mais ainda, a tutela oferecida para estes se mostra necessária.
Apesar de serem poucos os casos relatados até hoje, já se mostra real o que antes parecia ser impossível. A maioria esmagadora dos agressores ainda é do sexo masculino, independentemente da faixa etária da vítima, sendo que as mulheres são autoras do estupro em apenas 1,8% dos casos30. Portanto, a mulher pode sim ser a autora do crime de estupro e importante se faz a tutela da dignidade e da liberdade sexual do homem advinda da norma penal.
Casos assim estão tornando-se cada vez mais existentes em todo o mundo, porém no Brasil, ainda que os dados revelem que mulheres estão cometendo o crime de estupro, mesmo que em número mínimo, pouco se sabe e quase nenhuma notícia é encontrada a respeito.
Isso se deve ao fato de ocorrer com o homem o mesmo fator que ocorria (e ainda ocorre) com a mulher vítima do estupro: a vergonha de denunciar, pois "[...] dificilmente algum homem se exporia ao constrangimento de comunicar tal agressão às autoridades31".
A questão cultural do povo Brasileiro também é fator determinante em casos assim. O relato abaixo demonstra isso, apresentando uma situação em que uma mulher retrata o que seu namorado pensava a respeito do estupro praticado por mulher e se ele próprio fosse a vítima desse ato criminoso.
A sociedade sexista, homofóbica e transfóbica também é uma sociedade que reprime os homens estuprados, e inibe as denúncias de estupro. Meu próprio namorado me disse que não denunciaria caso fosse estuprado, pois sentiria muita vergonha. A falta de denúncias de estupro de homens é um caso sério. É por isso que é importante quebrar os estereótipos sexistas, que impõe expectativas sobre homens e mulheres que têm um efeito tão grande sobre a vida das pessoas, que podem fazer com que sintam vergonha demais para denunciar uma violência tão terrível32.
Obviamente que nem sempre a vergonha se dá pelos mesmos motivos. Enquanto a mulher tinha vergonha de denunciar, sob pena de ter sua reputação arrancada de si e ser vista de forma pejorativa pela própria sociedade, o homem tem vergonha de denunciar e ser tido como homossexual, restando demonstrado, assim, o fator "machismo" muito presente, mesmo no contexto atual, em que homens e mulheres figuram praticamente em pé de igualdade social.
Por essas razões, nota-se que as questões culturais ainda são retrógradas, desatualizadas frente ao contexto em que vivemos, pois ainda hoje parece ser "errado ser vítima" quando se trata do crime de estupro. Se a mulher é vítima, acaba sendo julgada pela sociedade e carrega um estigma, como se estivesse suja, contaminada pelo agressor33, ao passo que, se o homem é vítima acaba por ser julgado, porém de forma diversa.
1.2 A mulher enquanto autora e o homem enquanto vítima
Ainda que, no momento histórico em que vivemos, as condições de igualdade entre homens e mulheres sejam evidentes muitos são os questionamentos acerca da possibilidade da mulher ser a autora do crime de estupro, tanto pela questão física, como em relação a força física menor que possui em comparação ao homem, quanto as questões biológicas, que dizem respeito à ereção masculina, necessária a efetivar a conjunção carnal.
[...] houve as importantes negociações de compromissos e de acordos internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, tudo isso, incidiu diretamente sobre a legislação e as políticas públicas nos países-membro, inclusive no Brasil34.
Nesse sentido, seria impossível a mulher estuprar um homem enquanto não teria força o suficiente para isso, e também seria impossível com relação ao elemento volitivo, pois sem a vontade de realizar o ato sexual, o homem, em tese, não teria ereção, o que não proporcionaria a conjunção carnal.
Assim, faticamente, “[...] a situação da mulher sem ajuda de terceiros constranger o homem a ter conjunção carnal com ela própria, seria totalmente improvável, mesmo que o homem tivesse contra si, uma arma apontada35.”
Deve-se salientar que, dentro da proporcionalidade, o crime de estupro não compreende apenas a conjunção carnal. Atualmente, compreende também os atos libidinosos. E é nesse conceito que se tem uma vasta gama de possibilidades da consumação do crime de estupro, pois “na expressão outro ato libidinoso estão contidos todos os atos de natureza sexual, que não a conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente36”.
Assim sendo, não é necessário que a conjunção carnal propriamente dita aconteça para que o crime de estupro seja consumado, tampouco que o homem esteja em condições de oferecer resistência física durante a prática do crime - podendo ser amarrado mediante ameaça por arma de fogo - tendo em vista a possibilidade de ocorrer o referido crime através da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal.
Faticamente, “o ato que configura à conjunção carnal não gera qualquer discussão, pois, como já foi dito, trata-se da cópula vagínica. No entanto, não há um conceito preciso de ato libidinoso, de sorte a abranger uma enormidade de atos [...]”37.
Com a inclusão da expressão atos libidinosos no artigo 213 do Código Penal38, um vasto leque de possibilidades se abriu para que a mulher figurasse como autora do crime de estupro, pois o que era considerado elemento do tipo penal atentado violento ao pudor, passou a configurar também o crime de estupro.
De forma exemplificativa, é possível imaginar a mulher que, apontando arma de fogo para a um homem, acabe por amarrá-lo e, logo após, realiza com ele atos libidinosos contra a sua vontade, através da prática do sexo oral. Assim agindo, estaria, a rigor da lei, configurado o crime de estupro e figuraria no polo ativo do crime uma mulher39.
Outra situação que pode configurar o crime de estupro se dá, mesmo sem o contato do agressor na própria vítima. Imagine-se uma situação em que, apontando arma de fogo, a mulher obriga o homem a praticar atos libidinosos em seu próprio corpo. Nesse caso,
O constrangimento empregado pelo agente, portanto, pode ser dirigido a duas finalidades diversas. Na primeira delas, o agente obriga a própria vítima a praticar um ato libidinoso diverso da conjunção carnal. A sua conduta, portanto, é ativa, podendo atuar sobre seu próprio corpo, com atos de masturbação, por exemplo [...]. Assim, no momento em que o agente, por exemplo, valendo-se do emprego de ameaça, faz com que a vítima toque em si mesma, com o fim de masturbar-se, ou no próprio agente ou em terceira pessoa, nesse instante estará consumado o delito40.
As referidas situações hipotéticas apresentadas se tornaram reais diante das alterações feitas no artigo 213 do Código Penal, já que a situação narrada anteriormente seria classificada como sendo crime de atentado violento ao pudor, fosse pelos sujeitos ativos e passivos do delito, fosse pelas elementares caracterizadoras do delito, pois o que não compreendesse a cópula vagínica não era considerado elemento caracterizador do estupro, mas sim do atentado violento ao pudor.
O que deve ser considerado frente ao caso concreto não é apenas a ereção masculina, porquanto demonstra a vontade do homem de realizar o ato sexual, mas a prática forçada do ato sexual mediante violência ou grave ameaça. Nesse ponto o legislador colocou homem e mulher em pé de igualdade.
Uma coisa importante de lembrar, no caso de homens, ou qualquer pessoa que tenha um pênis, é que ao contrário do que se pensa geralmente, a ereção não é sinal de consentimento. A pessoa pode ter ereção enquanto está dormindo, ou por estimulação da próstata, ou tomando medicamentos (e medicamentos podem ser forçados)41.
Basta imaginar a seguinte situação, semelhante a anteriormente citada, porém invertendo-se os polos: um homem que, mediante violência ou grave ameaça, realize com uma mulher a prática do sexo oral. De acordo com o artigo 213 do atual Código Penal, este homem incorreu na prática do crime de estupro, ainda que sem a chamada conjunção carnal.
Se o homem que realiza esta prática incorre no crime de estupro, parece ilógico que a mulher não receba o mesmo tratamento, seja na condição de vítima, seja na condição de autora, já que cometeu o mesmo crime, perante as mesmas condições caracterizadoras do delito.
Assim dispondo, a nova redação do Código Penal atende a Constituição Federal, quando prevê em seu artigo 5º, caput e inciso I, a igualdade de direitos e deveres para homens e mulheres, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição42.
Porém, essa não se mostra a única forma possível da mulher figurar como autora do crime de estupro. Notícia veiculada em site brasileiro43 narrou uma situação ocorrida em junho de 2014 nos Estados Unidos, abordando o tema objeto deste estudo.
No caso, um homem, que não quis se identificar, dormia tranquilamente em sua residência, quando, por volta das 2 (duas) horas da madrugada, acordou sentindo falta de ar com uma mulher segurando-o pela cabeça e que, surpreendentemente, mantinha relações sexuais com ele.
Nesta situação, o homem conseguiu desvencilhar-se da mulher, expulsou-a e chamou a polícia que, após investigar o caso, confirmou a materialidade do fato quando encontrou DNA da acusada na vítima. Na polícia, a acusada confirmou o estupro, porém disse que não conhecia o homem e não lembrava o que havia ocorrido naquela noite pois, ainda segundo ela, era portadora de transtorno bipolar e psicose.
A acusada foi declarada culpada e sentenciada neste ano. A situação foi muito questionada, já que, pela ereção que a vítima manteve, poderia ter existido prévio consentimento do mesmo para a prática do ato sexual, porém o homem afirma que não conhecia a mulher e, a própria acusada confirmou tudo à polícia.
Outro caso de estupro praticado por mulher aconteceu em maio deste ano, em Port Elizabeth, na África do Sul, quando um homem foi abordado por 3 (três) mulheres armadas que estavam em um BMW. Forçado a entrar no veículo, o homem começou a ser acariciado, porém, não conseguiu manter ereção por causa do medo. Então foi obrigado a ingerir uma substância para que pudesse ejacular. Após, coletaram o sêmen da vítima e o abandonaram a 550 quilômetros do local onde foi abordado44.
Como se pode perceber, a ereção masculina não deve ser o único elemento a ser analisado frente ao caso concreto. No primeiro caso, mesmo havendo a prática da conjunção carnal, não houve o consentimento da vítima e foi configurado o crime de estupro tendo como autora uma mulher, mesmo que a situação pareça inimaginável. No segundo caso, mesmo sem haver a ereção da vítima, igualmente ocorreu o crime de estupro.
Após essa breve análise exemplificativa, é possível afirmar que a mulher pode figurar no polo ativo do crime de estupro, seja mediante atos libidinosos, seja mediante a conjunção carnal. Consequentemente, se a mulher pode figurar no polo ativo do crime a lógica aceitável é de que o homem pode ser a vítima.
Apesar de ainda existirem questionamentos sobre isso, a principal questão, que é a biológica, parece, através dos casos relatados, ter sido superada e, como citado anteriormente, não deve ser o único fator a ser considerado frente ao caso concreto pois,
Há um conceito popular de que a ereção e o orgasmo masculino significam apreciação e disponibilidade sexual, porém é comprovado que a ligeira estimulação genital ou mesmo o estresse resultar em ereção e clímax, de modo que não significam unicamente que o homem consente na prática sexual. Os homens podem ter ereções, mesmo em situações sexuais traumáticas ou dolorosas45.
Além de poder ser vítima do crime de estupro sob a hipótese da prática da conjunção carnal forçada, existe ainda a possibilidade do homem ser vítima na hipótese da incidência dos atos libidinosos. Nessa hipótese parece existir a maior probabilidade do acontecimento teórico tornar-se real, visto que não é necessário haver a ereção masculina, tampouco há que se falar em ejaculação, devendo ser analisado o dissenso46 da vítima e, sob a ótica do princípio da proporcionalidade, averiguar se o fato enquadra-se na hipótese de incidência e realmente configura o tipo descrito como estupro.
Nesse sentido, mesmo antes da fusão ocorrida entre o crime de estupro e o crime de atentado violento ao pudor, o entendimento era de que, para o cometimento do crime de atentado violento ao pudor não haveria a real necessidade de que o órgão sexual masculino estivesse em condições propicias a penetração bastava que apresentasse rigidez suficiente para isso, podendo ser configurado o referido crime mesmo se o homem autor do delito não apresentasse condições biológicas para manter uma ereção.
Assim era o entendimento, por exemplo, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina47 que, ao julgar recurso de embargos infringentes, decidiu por negar provimento ao embargo, entendendo a desnecessidade de baixa em diligência afim de realização de perícia médica, a pedido do embargante, para comprovação da disfunção erétil permanente do acusado em face de acidente sofrido com animal de carga há 4 anos da acusação.
Com base nos argumentos já referidos, entende-se pela possiblidade fática na mulher figurar no polo ativo do crime de estupro, bem como a possibilidade do homem figurar no polo passivo. Resta analisar agora a penalização da mulher autora do crime de estupro e a possível aplicação das causas de aumento de pena, inseridas no Código Penal pela Lei n.º 12.015/09.