A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada no ano de 1945, em substituição à Liga das Nações – 1920- que, por sua vez, originou-se a partir do Tratado de Versalhes, que regulou o fim da Primeira Guerra Mundial. A ONU, reunindo inicialmente 51 países, dentre eles o Brasil, tem como objetivo principal a manutenção da paz em todo o mundo.
O sucesso das Missões de paz promovidas pela ONU depende, em grande parte, dos militares cedidos pelos países membros.
O Brasil se destaca como um desses países. No entanto, a participação brasileira são se resume apenas à cessão de pessoal: participa ativamente das discussões envolvendo manutenção de paz em diversos foros, sobretudo no Comitê Especial sobre Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas. Em linhas gerais, os representares brasileiros, nessas reuniões, após ressaltarem os méritos das operações a que se dedicam, insistem na necessidade não apenas de melhor disciplinar as operações delegadas, mas também de aprimorar o relacionamento entre o Conselho de Segurança, o Secretariado das Nações Unidas, os países contribuintes de pessoal para as missões de observação e as forças de paz, incluindo: a) aceleramento de processos concernentes a pedidos de indenização por morte ou por invalidez; b) solicitações de reembolso por uso do próprio nacional; c) aperfeiçoamento dos mecanismos de segurança do pessoal das Nações Unidas e associados no terreno; d) fortalecimento do Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas, agora com base no Relatório Brahimi; e E) de evitar que as operações de paz ofusquem as demais atividades da Organização, especialmente ações no campo do desenvolvimento econômico.
No que tange à cessão de pessoal militar, desvela-se a possibilidade de que soldados morram em missão, e quando tal ocorrência se transforma em fato, quando um soldado morre a serviço, com valores monetários a título de indenização pela perda de contingente nacional.
Assim, surge uma questão: a quem deve ser remetido o valor pago pela ONU? Ao Governo do país ou aos beneficiários do militar morto?
Alguns fundamentam sua opinião com vase em uma decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 2036/2004 – Segunda Câmara[1]), em que se defende que o valor pago pertence à União, devendo esse numerário ser transferido aos cofres públicos e não ao Fundo do Ministério da Defesa, ou a qualquer outro.
No entanto, esse pondo de vista perde consistência no momento em que se percebe tratar de decisão referente ao ressarcimento de despesas praticadas pela União ao enviar soldados e não com relação à indenização ao país por morte de elemento integrante de um contingente.
A referida decisão do TCU tem os seguintes termos:
“Então, se a indenização pressupõe um gasto, um custo, a quem caberá o reembolso pelas despesas efetuadas com as ações das Forças Armadas o exterior? Logicamente a quem efetuou os fastos com tais atividades, no caso o Tesouro Nacional; e não o Fundo do EMFA como quer o recorrente. Ao contrário, de as despesas forem executadas com recursos do Fundo do EMFA; aí sim ditos reembolsos devem ser a ele destinados. Portanto, a desobediência a essa lógica é que importaria no desvio da finalidade indenizatória dos recursos”.
Evidencia-se, portanto, que o reembolso referente aos fastos efetuados pela União, quanto a despesas com o pessoal enviado, deve caber àquele que efetuou os gastos, no caso, ao Tesouro Nacional.
Em outras palavras, a natureza desse reembolso torna-se orçamentária; impondo, assim, o retorno desse valor ao próprio orçamento da União.
Entretanto, o benefício pago pela ONU com relação à morte de militar em missão de paz não se reveste em caráter orçamentário; pelo contrário, entendesse que se trata de proposição acordada ente o país e o organismo internacional adquirindo tal acordo caráter pessoal indenizatório.
Deveras, a indenização por morte de militar em missão de paz deve ser repassada aos beneficiários ou, se for o caso, aos sucessores legais. Sob tal condição consuma-se o reembolso pago pela ONU ao Governo Brasileiro, uma vez que é característica daquela Organização essa foram de ressarcimento.
Aliás, esse é o teorema que hodiernamente encontra expresso sustentáculo no digesto normativo pátrio, mais precisamente na inteligência do §4º do art. 9º da Lei nº 10.937, de 2004. Vejamos:
Art. 9o No caso de falecimento de militar integrante de tropa brasileira, nos termos desta Lei, a União será responsável pelas providências de traslado do corpo, sepultamento e pagamento de um auxílio.
(...)
§ 4o Quaisquer benefícios assegurados por outros países ou por organismo internacional em virtude de falecimento do militar serão repassados aos seus beneficiários ou, na falta destes, aos herdeiros legais. (sem grifos no original)
Logo, ante a clarividência do dispositivo acima, dessume-se que o alhures mencionado Acórdão nº 2036/2004 não tem o condão de impedir o repasse da monta paga pela ONU a quem de direito (beneficiários ou legatários do militar finado). Exegese dissemelhante, além de restritiva de direitos, mostra-se como uma flagrante afronta ao preceito da legalidade, o qual, dentre outros, é de observância obrigatório para a Administração Pública, conforme determinação inserta no capoverso do art. 37 da Lei Fundamental.
Não se pode olvidar, porém, que a matéria, antes do advento da Lei nº 10.937/2004, era regulada pela Le in º 5.809/72, que não tem dispositivo tratando dos “benefícios assegurados por outros países ou por organismo internacional em virtude de falecimento do militar”, ou seja, havia uma lacuna na legislação pertinente.
De outra banda, a verdade é que mesmo sem dispositivo tratando da questão, como dito, o dinheiro oferecido pela morte do militar não tem natureza orçamentária, isto é, não vem para cobrir custos efetuados pela União. Destarte, a ratio desta pecúnia é a de compensar os beneficiários pela morte do militar em missão de paz, sendo desarrazoado que tal quantia seja endereçada aos cofres públicos.
Outro ponto a ser destacado é o art. 14 da Le in º 10.937/2004, com redação abaixo imprimida:
Art. 14. Esta Lei não se aplica aos militares integrantes de tropa brasileira que se encontre no exterior em missão de paz na data de sua publicação.
Da leitura do ditame, possível entender que os beneficiários de militar em missão de paz em 13/08/2004, data da publicação da Lei nº 10.937/2004 não se aplica a precisão do §4º do art. 9º.
Contudo, tal juízo seria um despautério, só resistindo a um exame perfunctório, pois como já exaustivamente repisado, a natureza dos recursos de organismos internais pago em virtude da morte do militar impõe o ressarcimento dos beneficiários, ou melhor, o repasse da pecúnia aos mesmos.
Igualmente, se os beneficiários de militar falecido antes de 13 de agosto de 2004 fazem jus aos benefícios oriundos de organismo internacional, ao passo que os beneficiários de militar que foi para missão de paz após a publicação da Lei nº 10.937/2004 também têm o mesmo direito, por uma questão de isonomia, princípio basilar do nosso ordenamento constitucional, plausível a extensão deste direito aos beneficiários daqueles em missão de paz em 13/08/2004.
De fato, andou mal o legislador quando a confecção do art. 14, não sendo estéril, para aperfeiçoamento da legislação castrense, a reforma do dispositivo em comento, que poderia passar a ter os seguintes termos:
Art.14 Esta Lei não se aplica aos militares integrantes de tropa brasileira que se encontre no exterior em missão de paz na data de sua publicação, com exceção do que trata o §4º do art. 9º. (sugestão)
Pelo exposto, a resposta ao questionamento (para quem dever ser remetido o valor pago pela ONU? Ao Governo do país ou aos beneficiários do militar morto?), necessariamente, será no sentido de que o quantum pago pela ONU deve ser trespassado aos beneficiários ou herdeiros do militar falecido em missão de paz, tendo em vista seu caráter indenizatório e pessoal.
Bibliografia
Lei nº 10.937/2004
Processo do TCU: 003-549-2001-0
[1] Processo TC-003-549-2001-0.