Usucapião familiar

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O seguinte trabalho tem como objetivo a abordagem sobre a forma de aquisição originária de propriedade. Perpassando por todos os tipos de Usucapião até chegar ao problema central deste trabalho, a usucapião Familiar.

        

Sumário: 1. Introdução; 2. Usucapião; 2.1 Requisitos para aquisição; 2.2 Tipos de Usucapião; 3.Nova Usucapião; 3.1 Discussões Doutrinárias; 4. Considerações finais.

RESUMO

O seguinte trabalho tem como objetivo a abordagem sobre a forma de aquisição originária de propriedade. Perpassando por todos os tipos de Usucapião até chegar ao problema central deste trabalho, A usucapião Familiar, que irá consistir em uma forma de aquisição de propriedade mediante posse continua, sem oposição e por abandono do lar. Será abordado também as divergências doutrinarias quanto a constitucionalidade ou não da introdução dessa nova lei no âmbito legislativo brasileiro.

PALAVRAS CHAVES: Usucapião. Minha Casa, Minha Vida. Nova Usucapião. Inconstitucionalidade.

1 INTRODUÇÃO

A usucapião somente pode ocorrer nos direitos reais, que consistem em relações existentes entre o homem e o objeto, trazendo assim proteção perante a sociedade de suas posses e propriedades. Para a efetiva ocorrência de usucapião, o usucapiente deverá seguir certos requisitos para a obtenção do bem, que irá variar de acordo com as características desses, se é especial, extraordinário ou ordinário.

O direito real pode ser definido como o poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. No polo passivo incluem-se os membros da coletividade, pois todos devem abster-se de qualquer atitude que possa turbar o direito do titular. (GONÇALVES, 2012).

Três requisitos comuns a todos e essenciais é a vontade de exercer posse, agir como proprietário, ser o objeto passível de usucapião e a sua posse ininterrupta. O Código Civil regulamente a aquisição de propriedade mediante a usucapião pelos artigos 1.238 ao 1.244, sendo que houve uma inserção de uma nova modalidade de usucapião, a usucapião familiar.

A nova usucapião foi alvo de várias críticas, que serão aqui explanados, por ser considerado um retrocesso no Código Civil e interferência nos avanços do Direito de Família. A Usucapião por abandono do lar, outra de suas nomenclaturas, consiste em um casal possuir uma propriedade no nome de ambos, e um deles abandona o lar sem justificativa. A partir desse novo artigo no Código Civil, se tornou possível o coproprietário se tornar o único proprietário com um período de posse de dois anos ininterruptos. Tal medida ocasionou muita divergência no âmbito doutrinário ao considerar inconstitucional tal medida que visa sancionar e culpar aquele que fosse supostamente responsável pelo fim do matrimônio.

2 USUCAPIÃO

Para que se possa falar sobre a usucapião é necessário, primeiramente, uma abordagem acerca dos Direitos Reais ou das Coisas. Esse direito procura regulamentar a relação existente entre o homem e a coisa, diferentemente dos direitos pessoais, formulando normas relativas à aquisição, conservação, exercício e a possível perda da coisa material suscetível de apropriação, bem como as formas de sua utilização econômica. Adotando, também, em casos excepcionais, que incida sobre bens imateriais, como os direitos autorais, por exemplo.

É válido ressaltar que essa regulamentação abrange, tão somente, os bens considerados úteis e raros, ou seja, que fomentem a disputa entre os homens, gerando, consequentemente, o domínio relativo ao bem. Bens de uso comum, ou que não sejam capazes de gerar interesse econômico, como a água do mar, a luz do sol, que são abundantes, não interessa ao direito das coisas.

A justificativa para que essa modalidade de aquisição de propriedade seja considerada válida envolve a função social da propriedade, que surgiu como forma de impor deveres sociais à ela, com o intuito de deixar de atender apenas aos interesses individuais do proprietário, e passar a incorporar os interesses coletivos. Isso significa que, mesmo o proprietário (individual) tendo a posse do bem, não poderá esquecer de sua função social que abrange o interesse geral, devendo dar a devida destinação que lhe é atribuída.

  1. REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO

É com base no bem geral da sociedade que surge a possibilidade de usucapir. Como já foi mencionado, a usucapião é uma das modalidades de aquisição de propriedade, juntamente com o registro do título e a acessão, que concede ao possuidor do bem, mesmo que não seja o proprietário, a aquisição da propriedade desde que sejam atendidos alguns requisitos previstos em lei.

Quanto a isso, assevera Carlos Roberto Gonçalves:

Os pressupostos da usucapião são: coisa hábil ou suscetível de usucapião, posse, decurso do tempo, justo título e boa-fé. Os três primeiros são indispensáveis e exigidos em todas as espécies de usucapião. O justo título e a boa-fé somente são reclamados na usucapião ordinária. Preambularmente, é necessário verificar se o bem que se pretende usucapir é suscetível de prescrição aquisitiva, pois nem todos se sujeitam a ela, como os bens fora do comércio e os bens públicos.” (GONÇALVES, 2012, p.301)

Para que seja possível a usucapião, são necessários esses 3 requisitos básicos. Porém, antes de aprofundar no assunto, é de fundamental importância estabelecer a similaridade existente entra esse meio de aquisição de posse, a ad usucapionem, com a prescrição aquisitiva:

A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva, em confronto com a prescrição extintiva, que é disciplinada nos arts. 205 e 206 do Código Civil. Em ambas, aparece o elemento tempo influindo na aquisição e na extinção de direitos. A primeira, regulada no direito das coisas, é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei; a segunda, tratada na Parte Geral do Código, é a perda da pretensão e, por conseguinte, da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela durante determinado espaço de tempo.(GONÇALVES, 2012, p.167)

Como mencionado, a prescrição extintiva é caracterizada pela extinção da possibilidade de se reivindicar um direito pela perda do prazo. De forma oposta, a prescrição aquisitiva, à qual pertence a usucapião, não se tem a perda de um direito, e sim a aquisição de um direito sobre um bem pelo decurso do prazo.

Retomando o assunto relativo aos requisitos da usucapião, como bem aborda Carlos Roberto, o primeiro pressuposto gira em torno do bem ser hábil ou suscetível de usucapião. Para que seja verificado, é necessário analisar se são bens fora do comércio, divididos em naturalmente indisponíveis (ar atmosférico), legalmente indisponíveis (órgãos do corpo) e indisponíveis pela vontade humana, ou bens públicos, como aborda o art.102 do Código Civil, “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.

O segundo requisito está relacionado à posse que, para Fábio Ulhoa:

Em todas as espécies de usucapião, há três elementos comuns à posse: continuidade, inexistência de oposição e a intenção de dono do possuidor. São os elementos que, aliados aos requisitos próprios de cada espécie, caracterizam a posse que dá ensejo à aquisição do imóvel por usucapião; a chamada posse ad usucapionem.(COELHO, 2012, p.70)

Quanto a continuidade, que dizer que não deve haver interrupção, até que seja ajuizada a ação de usucapião. Porém, deixar o imóvel, por exemplo, não ocasiona essa interrupção, desde que o usucapiente não pare de comportar-se como o dono, exercendo sua função social. Além disso, em alguns casos, é válido a soma de prazos.

A posse que, porventura, é contestada não permite a usucapião, isso porque configura a segunda espécie da posse, a inexistência de oposição. O que se pretende afirmar com isso é que se houve defesa de posse pelo possuidor, por meios judiciais ou de autotutela, ela deixa de ser mansa e pacífica, descaracterizando a usucapião. É interessante ressaltar que, para parte da doutrina, nem sempre que o possuidor defender sua posse estará retirando seu caráter pacífico.   

O animus domini é o terceiro elemento da posse e significa que o possuidor da coisa deve ter a intenção de ser dono dela. Requer uma postura ativa por parte de quem possui, agindo como se fosse o dono, exercendo os poderes relativos à propriedade, e uma postura passiva do proprietário, por meio de seu desleixo ou falta de interesse pelo bem, que acaba por contribuir para a usucapião.

Como mencionado, deve o possuidor ter o imóvel como se fosse seu. Desta forma, afasta a hipótese de que o detentor ou quem tem, devido o contrato celebrado com o proprietário, apenas direito de uso do bem, como o locatário, comodatário, por exemplo, o direito de usucapir, isso porque falta o animus domini, a intenção de ser dono da coisa sem que haja a entrega do bem após o uso do mesmo.

Além da coisa hábil e da posse, já abordados, existe um terceiro pressuposto para a usucapião, o decurso do tempo. Esse é o fator principal para sua caracterização, variando conforme estipula a lei. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1238, reduziu o lapso temporal em que se deve exercer a posse do bem de modo ininterrupto para 15 anos, se extraordinária, e pode ser reduzida, conforme destaca o parágrafo único, para 10 anos, se o possuidor estiver estabelecido sua moradia ou feito serviços de cunho produtivo no bem. Se for ordinária (art.1242), aquele que possuir, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o imóvel por 10 anos, adquire a propriedade:

Art.1238: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

  1. TIPOS DE USUCAPIÃO

Como já mencionado, existem algumas formas de usucapião, podendo ser classificada em extraordinária e ordinária, além de uma modalidade especial, que atinge os bens urbanos e rurais, bem como os coletivos e o familiar.

Desta forma, a extraordinária independe de justo título ou boa-fé, presente apenas na ordinária, ficando a cargo apenas o decurso do prazo de 15 anos, devendo ser contínua, exercida de forma mansa e pacífica e com o animus de dono da coisa. O prazo pode ser diminuído para 10 anos, caso o possuidor more no imóvel e nele tenha estabelecido moradia habitual ou feito obras ou serviços produtivos.

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Em relação a esta modalidade, assevera Carlos Roberto Gonçalves:

Corresponde à espécie de usucapião mais comum e conhecida. Basta o ânimo de dono e a continuidade e tranquilidade da posse por quinze anos. O usucapiente não necessita de justo título nem de boa-fé, que sequer são presumidos: simplesmente não são requisitos exigidos. O título, se existir, será apenas reforço de prova, nada mais. O conceito de “posse-trabalho”, quer se corporifique na construção de uma residência, quer se concretize em investimentos de caráter produtivo ou cultural, levou o legislador a reduzir para dez anos a usucapião extraordinária, como consta do parágrafo único supratranscrito.(GONÇALVES, 2012, p.169)

A usucapião ordinária tem dois requisitos fundamentais, o justo título e a boa-fé, como bem ensina Fábio Ulhoa Coelho:

Na usucapião ordinária, exige-se da posse que ostente duas características específicas. Ela deve ser de boa-fé e com justo título. Quer dizer, o possuidor deve ignorar os obstáculos à regular aquisição da propriedade e demonstrar a existência dum negócio jurídico (contrato de compra e venda, doação, beneficiário em testamento etc.) na origem de sua posse. Quando atendidos esses pressupostos, o prazo para a aquisição da propriedade será de 10 anos. (COELHO, 2012, p.72)

Da mesma forma que a extraordinária, a usucapião ordinária permite a redução do prazo para 5 anos, em seu art.1242 do Código Civil, parágrafo único, que está relacionado com aquisição onerosa do bem que venha a ser cancelado posteriormente, desde que seus possuidores tenham fixado moradia ou algum investimento com importância social e econômica:

A primeira diz respeito à aquisição onerosa do bem, com base em registro do Registro de Imóveis que vem a ser posteriormente cancelado. Para atender a essa condição, o possuidor deve ter pago pela coisa a quem parecia ser, pelo constante do Registro de Imóveis, o verdadeiro proprietário do bem. A segunda está relacionada à destinação dada ao imóvel. Para que se beneficie do prazo menor, o possuidor deve ter fixado no local sua moradia (ainda que não habitual) ou feito nele um investimento com importância social ou econômica. (COELHO, 2012, p.72)

A próxima espécie de usucapião é a especial, que pode ser dividida em rural, urbana, coletiva e familiar. A primeira delas está disposta no art. 1239[4] do Código Civil, bem como no art. 191 da Constituição Federal. Desta forma, disserta Carlos Roberto Gonçalves:

A usucapião especial rural não se contenta com a simples posse. O seu objetivo é a fixação do homem no campo, exigindo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente. Constitui a consagração do princípio ruralista de que deve ser dono da terra rural quem a tiver frutificado com o seu suor, tendo nela a sua morada e a de sua família. Tais requisitos impedem que a pessoa jurídica requeira usucapião com base no dispositivo legal em apreço porque ela não tem família nem morada. Tal modalidade não exige, todavia, justo título nem boa-fé. (GONÇALVES, 2012, p.171)

A usucapião urbana está presente no art.183 da Constituição Federal e no art.1240[5] do Código Civil, ou ainda no art.9º do Estatuto da cidade. Desde que não o possuidor não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, poderá ter a posse do bem após terminar o prazo legal de 5 anos. O legislador fixou uma área considerada suficiente para a morada do possuidor e sua família que é de 250 metros quadrados não sendo possível, a princípio, usucapir área maior que esta, ou estando em área maior, pretender usucapir apenas a parcela relativa ao estipulado pelo legislador.

Também é de 5 anos o prazo de usucapião quando o imóvel urbano tem até 250 metros quadrados e é usado como moradia do possuidor ou de sua família. Nesse caso, também é indispensável, para a aquisição da propriedade, que o possuidor não seja dono de nenhum outro imóvel, urbano ou rural. Como se destina o instituto a amparar interesses da população de baixa renda, tanto a norma constitucional como as ordinárias limitaram o reconhecimento do direito à usucapião especial de imóvel urbano a certo possuidor por uma só vez.(COELHO, 2012, p.72-73)

A usucapião urbana coletiva está prevista no estatuto da cidade, art.10º[6] e representa uma inovação ao tentar regularizar áreas de favelas que não tenham condições para a legalização do domínio. Diante disso, assevera Carlos Roberto Gonçalves:

Não há um limite do tamanho da área, devendo, contudo, superar duzentos e cinquenta metros quadrados. A área deve ser de propriedade particular, uma vez que é proibido usucapir terras públicas (CF, art. 183, § 3º; CC, art. 102; STF, Súmula 340). Não se trata de terra bruta, mas sim ocupada por pessoas que vivem em barracos ou habitações precárias construídas com material frágil, até mesmo com coberturas improvisadas. Tendo em vista os parâmetros constitucionais, não se admite que cada um dos ocupantes receba parte ideal, conquanto possa ser diferenciada (Estatuto da Cidade, art. 10, § 3º), superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, extensão estipulada para moradia urbana, consoante se infere do preceito contido no caput do mencionado art. 183 da Constituição Federal. (GONÇALVES, 2012, p.175)

  1. NOVA USUCAPIÃO

A nova modalidade de usucapião familiar foi inserida pela lei 12.424, de 16 de junho de 2011, a qual altera a Lei no11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. §1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.

Posto isso, pode-se observar a diferença entre a aquisição de propriedade por usucapião antigas e a nova usucapião, como já explanado anteriormente o tempo necessário para adquirir a propriedade varia entre cinco a quinze anos, dependendo da modalidade. Essa nova espécie inseriu o menor tempo de exercício de posse direta que iria garantir ao usucapiente a propriedade do imóvel.

Essa modalidade de usucapião familiar, disciplinou uma nova modalidade de usucapião especial urbana, que tanto na antiga usucapião especial urbana, vale ressaltar ainda vigente, quanto na nova usucapião, ambos precisam exercer posse mansa e pacifica ininterrupta e que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, utilizando-o com fim de moradia sua ou de sua família. Outro requisito importante é o tamanho da propriedade, que caso exceda 250m² não poderá sofrer a usucapião especial urbana, nas duas modalidades, e esse artigo a fim de evitar enriquecimento sem causa delimita a aquisição de imóvel para somente uma vez, sendo vedada uma outra utilização do direito.

Carlos Roberto Gonçalves (2012) explica as diferenças existentes entre as duas modalidades de usucapião especial urbana:

Podem ser apontadas, no entanto, as seguintes diferenças entre as duas modalidades: a) na usucapião familiar, ao contrário do que sucede na usucapião especial urbana disciplinada no art. 1.240 do Código Civil, exige-se, além dos requisitos mencionados, que o usucapiente seja coproprietário do imóvel, em comunhão ou  condomínio com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro; b) exige-se, também, que estes tenham abandonado o lar de forma voluntária e injustificada; e c) o tempo necessário para usucapir é flagrantemente inferior às demais espécies de usucapião, consumando-se a prescrição aquisitiva no prazo de dois anos.

  1. DISCUSSÕES DOUTRINÁRIAS

Após essa breve explicação do que consiste a usucapião familiar, há de se entender que o legislador teve o intuito de proteger aquele que foi abandonado e permaneceu no lar, visando assim a proteção da família, que muito se assemelha com o que disciplinava o antigo Código Civil. Desse modo, para uma melhor compreensão, é tácito ressaltar o significado de abandono que poderá acarretar na aquisição de uma propriedade.

O fato de um dos cônjuge abandonar o lar, ou seja, se retirar do lar, não implica na contagem do prazo. Para poder ocasionar a pretensão do direito de usucapir a propriedade somente ocorrerá através daqueles casos em que há um abandono doloso, voluntário e sem justificativa, pois seria incoerente dar direito a um dos cônjuges de usucapir de uma propriedade, que antes pertencia aos dois como penalidade por algo que não teve culpa.

Não caberia os casos em que o marido se muda para trabalhar e sustentar a família, ou então a mulher ou marido se retiram da casa por não terem mais condições de viverem juntos pela presença de muitos conflitos. Ou seja, os casos em que houver uma justificativa razoável para a sua retirada do lar, não poderá esse fato ser utilizado contra ele(a).

Juarez Giacobbo (2011, p.31) cita no seu artigo como sendo somente possível utilizarem do art. 1.240-A em benefício próprio, quando:

Não engloba-se, dessa forma, o caso do cônjuge ou companheiro que é transferido, enquanto trabalhador da iniciativa privada ou servidor público, para outra cidade, afastando-se do lar, pois neste caso, não estaria presente o animus de abandonar, ausentar-se, mas tão somente um dever de afastar-se em razão de um fato externo. Igualmente, não se pode englobar na figura do abando aquele que recebe ordem judicial de afastar-se do lar por decorrência de medida protetiva.

Além disso, outra questão de importância e divergência doutrinária é se essa nova usucapião afronta ou não a constituição, os que consideram que afrontam tem como base o princípio de culpa na relação conjugal que já fora tirado do nosso ordenamento jurídico com o novo Código Civil, sendo que antes aquele que houvesse culpa pelo termino do casamento ia sofrer sequelas.

O vetusto Código Civil de 1916 continha, em seu artigo 317, a previsão de um “numerus clausus” de hipóteses em que se daria o “desquite”. Em qualquer delas, o fundamento do pedido estava vinculado ao “princípio da culpa”, ou seja, apenas o comportamento do outro cônjuge que caracterizasse uma hipótese de violação a dever conjugal é que ensejaria o “desquite”, sendo declarado “culpado” aquele que houvesse violado tal dever, arrostando as sequelas daí decorrentes. (LUIZ SANTOS, 2002).

Sendo assim, essa nova lei com muito se assemelha ao principio da culpa antigamente utilizado, que culpa e penaliza aquele que supostamente era culpado pelo término do casamento, o que de acordo com Stephanie Pena (2012) em seu artigo, discorre que “O abandono do lar como requisito para usucapir um imóvel, aparece em inconformidade com a CF/88, uma vez que a imputação da culpa àquele que ensejou a dissolução do casamento/união estável já foi superada através da Emenda Constitucional n. 66 de 2010.”

Há aqueles que acham justo que haja direito de usucapir ao que permaneceu no imóvel. Esse não irá simplesmente adquirir o imóvel e sim terá que passar por todos aqueles requisitos explanados acima, como não possuir nenhum imóvel urbano e rural no seu nome e utilizar esse para sua moradia. Por não ser proprietária de toda a propriedade, sendo somente um(a) coproprietário(a), fica impedido(a) de exercer todos os poderes inerentes ao proprietário, e dada a ausência do cônjuge não haveria como mudar tal situação. Com o advento dessa nova lei, tornou possível mudar essa situação, se tornando a real proprietária de todo o terreno, uma vez que o outro cônjuge não apresenta mais sinais de pretensões em manter a casa ou qualquer motivo razoável para ter abandonado esta.

Um julgamento que mostra situações assim ocorreu no Rio Grande do Sel, em que o marido abandonou a mulher. Mesmo tendo sumido e deixado a esposa tomando conta de tudo por si própria dos deveres que deveriam sem de ambos, se encontrava impossibilitada de exercer qualquer ação que cabe somente ao proprietário com a propriedade que habitava, porém o TJ julgou o caso a seu favor.

APELAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA E AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. USUCAPIÃO ESPECIAL POR ABANDONO FAMILIAR. RECONHECIMENTO. Ainda que a apelante não tenha tido vista de documentos juntados pelo apelado, não se verifica nisso cerceamento de defesa se os documentos em questão não são acolhidos pela sentença para decidir contra a apelante. Na hipótese, da falta de intimação sobre a juntada dos documentos não resultou nenhum prejuízo para a apelante. E sem prejuízo não há nulidade. Não há falar que a sentença padeça de ausência de prestação jurisdicional por não ter tratado de questão suscitada pela apelante apenas depois da prolatação da sentença. Caso de réu/apelado que abandonou o lar e a família há mais de 20 anos atrás, deixando a ré/apelante residindo sozinha com os filhos comuns por todo esse tempo. Tratando-se de imóvel com área inferior ao limite legal, reconhece-se o direito à usucapião especial por abandono do lar. Inteligência do art. 1.240-A, do CCB. REJEITADAS AS PRELIMINARES, DERAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70058681693, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 10/04/2014)

(TJ-RS - AC: 70058681693 RS , Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 10/04/2014, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/04/2014)

Portanto, o que está presente nas discussões doutrinárias é o medo dessa nova usucapião acarretar o retrocesso em penalizar e culpabilizar um dos cônjuges pelo término do matrimônio. Caso seja desse jeito, estaria ocorrendo uma incompatibilidade dessa lei com a carta Magna, porém há de frisar que o juiz tem o seu livre convencimento e poderá decidir de caso em caso se cabe ou não fornecer a usucapião familiar.

A principal crítica que se tem feito à nova espécie é que ela ressuscita a discussão sobre a causa do término do relacionamento afetivo, uma vez que o abandono do lar deve ser voluntário, isto é, culposo, numa época em que se prega a extinção da discussão sobre a culpa para a dissolução do casamento e da união estável. (CARLOS GONÇALVES, 2012)

A dissolução conjugal não pode ser levado a julgamento pela culpa de qualquer das partes, o que acabaria ocasionando ao suposto culpado uma sanção. Na legislação brasileira, ao se permitir o divórcio e a dissolução conjugal, somente era necessário a apresentação de prova de separação por dois anos, sem levar em conta para esse fim a culpa dos cônjuges, pois isso afronta direitos fundamentais garantidos na Constituição, como a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Ao possui na descrição do artigo 1.240-A a expressão de abandono do lar, o cônjuge que permaneceu no imóvel deverá levar ao tribunal provas de abandono e afastamento intencional, trazendo à tona, o que já foi banido da legislação brasileira, o princípio da culpa.

O avanço propiciado pela Emenda Constitucional n° 66 foi de que a separação-sanção não se aloja mais ao cenário jurídico, bastando unicamente a prova do tempo, a nova sistemática do Direito de Família, não obstante o §2° do art. 1.649 do código civil, excluiu-se a figura do divórcio-sanção do cenário jurídico[...] (p.36)

Para tanto, será necessário aos aplicadores do Direito adequar a nova legislação em acordo com as normas e princípios estabelecidos na Constituição Federal por meio de uma interpretação teleológica. (JUAREZ SOUZA, 2011, p.41)

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como abordado acima, são três os pressupostos gerais da usucapião, seja ele ser suscetível a usucapião, a existência de posse, apresentando vontade para tal e o tempo especifico de cada modalidade de usucapião. Sendo vedado a usucapião em bens públicos.

A espécie de usucapião extraordinária consiste na mais comum, bastando o animus de possuidor e a continuidade da posse por quinze anos, não necessitando de boa-fé nem justo título. Já na ordinária, existem dois requisitos a mais e havendo esses dois requisitos haverá uma redução do tempo comparado a extraordinária. O tempo necessário da posse para poder usucapir será de dez anos quando o usucapiente for possuidor de justo título e de boa-fé. Restando assim as modalidades especiais, que foram explicitadas acima, sendo de problema central deste trabalho a familiar.

A usucapião familiar fora introduzida pela lei Minha Casa, Minha Vida e levanta muitas divergências doutrinarias acerca da sua constitucionalidade. Grande parte da doutrina, como visto acima, não suporta essa lei e acredita na sua inconstitucionalidade, pois mesmo que tenha sido uma lei com boa intenção de distribuição de propriedade para aqueles de baixa renda, não foi uma boa lei por interferir diretamente com a Carta Magna.

A usucapião tem como redação central o abandono do lar que leva a uma sanção de perda de propriedade por ter abandonado a casa e a família, protegendo o núcleo família, mas penalizando algo que há muito fora retirado do âmbito legislativo brasileiro por ser uma afronta direta aos princípios norteadores do sistema de liberdade e dignidade da pessoa humana.

Além disso o tempo de posse para garantir a utilização do direito é consideravelmente curto em comparação com os demais, que seria um outro modo de penalização por abandono do lar, a perda rápida de sua propriedade, que muito se assemelha com o tempo utilizado para a realização do divórcio antigamente.

Ao se deparar com um caso de usucapião familiar, deve-se levar em conta somente o lado objetivo, e não subjetivo, não ter que pedir comprovação de abandono, e sim a posse pacifica e ininterrupta durante dois anos da propriedade com o fim de moradia, tirando assim o lado inconstitucional de penalização. O que poderia ser considerado como uma usucapião especial urbana, porém com um prazo de tempo consideravelmente menor.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Tribunal de Justiça. Rio Grande do Sul. Acórdão julgador: Oitava Câmara Cível. Relator: PORTANOVA, Rui. Publicado no DJ de 23-04-2014.  Disponível em: < http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/117319642/apelacao-civel-ac-70058681693-rs >. Acessado em 25-10-2014.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Direito das Coisa. Direito Autoral. 4° edição, volume 4. Editora Saraiva, 2012. PDF.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das coisas. 7° Edição, volume 5. Editora Saraiva, 2012. PDF.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Das Coisas. Sinopses Jurídicas. 13° edição, volume 3. 2012. Editora Saraiva. PDF.

PENA, Stephanie Lais Santos. Aspectos inconstitucionais da usucapião familiarJus Navigandi, Teresina, ano 18n. 357111 abr. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24163>. Acesso em: 28 out. 2014.
 

SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Doutrina – A Separação Judicial e o Divórcio no Novo Código Civil. 2002. Disponível em: < http://direitodefamiliars.blogspot.com.br/2011/06/doutrina-separacao-judicial-e-o.html > Acesso em: 28 de out de 2014.

SOUZA, Juarez Giacobbo de. O Advento do Artigo 1.240-A do Código Civil: Análise jurídica e doutrinária. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2011. Disponível em: < https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/69813/000874121.pdf?sequence=1 > Acessado em: 30 de out de 2014.


[1] Paper apresentado à disciplina de Direitos Reais, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[4]Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”.

[5]Art.1.240.Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

[6] “Art.10º:As áreas urbanas com mais de 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados), ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”.

Sobre os autores
Iman El Kems

Aluna do 10 período do Curso de Direito, da UNDB.

Pedro Vitor Teixeira Cotrim

Aluno do 5º período do curso de Direito, da UNDB.

Viviane de Brito

Professora Esp., orientadora.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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