4. Comentário ao acórdão
Primeiramente, cabe relembrar que algumas profissões, por terem a necessidade de determinado conhecimento técnico e teórico, não podem ser exercidas sem a devida precaução e legalidade. Desta forma, cabe ao Poder Público fiscalizar tais atividades para que estas não sejam exercidas de maneira aleatória e sem o devido conhecimento. Entre elas, temos principalmente as profissões relativas à saúde como a medicina, odontologia e farmácia, uma vez que o seu exercício por pessoa não capacitada pode gerar danos à saúde pública.
No caso em questão, trata-se de recurso de apelação com pedido de absolvição interposto em face de sentença que condenou os réus pelos crimes de Exercício Ilegal da Medicina e Falsidade ideológica. O acórdão deu parcial provimento ao recurso apenas para reformar a aplicação do concurso material, vez que entendeu que as penas não carecem de reforma pois foram devidamente dosadas.
Quanto ao exercício ilegal da medicina, está tipificado no art. 282. do CP e pune, com pena de seis meses a dois anos de detenção, duas formas distintas de conduta delituosa. A primeira se caracteriza pela ação de alguém exercer sem autorização legal a profissão de médico, dentista ou farmacêutico. A lei visa, neste caso, punir o falso médico ou o falso dentista, ou seja, aquele que, não sendo portador da condição legal de médico, exerça a medicina. O segundo pune a conduta do médico que se excede nos limites de sua própria atividade. Neste caso, estamos diante de um crime próprio e que somente o médico, o dentista e o farmacêutico podem cometer, cada um em relação à sua própria habilitação profissional.
Temos as duas hipóteses no caso em tela, primeiro Fernando que é médico e, na ocasião, Secretário da Saúde e Vice-Prefeito de Embu- Guaçu, contratou o acusado Rodrigo, que não tem diploma de medicina reconhecido no Brasil (se formou em Medicina na Venezuela) para trabalhar em sua clínica médica, com o conhecimento de que Rodrigo não possuía licença, autorização ou registro junto ao Conselho Regional de Medicina para o exercício da profissão.
Os desembargadores entenderam que ainda que Rodrigo tivesse diploma de médico de outro pais isso não era o suficiente, conforme se demonstra de trecho do acordão:
“Sabe-se que, aquele que exercer a profissão de médico sem que esteja previamente habilitado legalmente, autorizado, mesmo quando já tenha concluído o respectivo curso de graduação, realizará a conduta típica. Isto porque, a habilitação legal para o exercício da profissão é o registro no órgão competente, não o diploma, que é requisito daquele.” (fls 13)
Ficou comprovada nos autos mediante a oitiva de testemunha e a juntada de atestados médicos a atuação de Rodrigo, que exerceu a medicina sem estar legalmente habilitado, e a de Fernando por agir em conjunto com Rodrigo fornecendo os meios para que ele pudesse praticar a profissão, enquanto exercia seus deveres como Vice-Prefeito, não deixando, assim, de perder as consultas e, consequentemente, os valores recebidos por elas.
Diante dos fatos alegados o acórdão manteve a sentença e condenou os réus a:
“Ante o exposto, pelo meu voto AFASTO a preliminar arguida e DOU PARCIAL PROVIMENTO aos recursos defensivos, somente para constar a condenação do corréu Rodrigo Olmedo às penas de 06 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e o pagamento de 10 (dez) dias multa, no mínimo legal, pelo delito de exercício ilegal da medicina, e 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e o pagamento de 10 (dez) dias multa, no mínimo legal, pelo crime de falsidade ideológica, sendo a pena corporal substituída por duas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade e no pagamento de 20 (vinte) salários mínimos a entidade pública ou privada de caráter social a ser indicada oportunamente, e do corréu Fernando Branco Sapede às penas de 01 (um) ano de detenção, em regime inicial semiaberto, e o pagamento de 15 (quinze) dias multa, no mínimo legal, para o delito de exercício ilegal da medicina, e 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e o pagamento de 15 (quinze) dias multa, no mínimo legal, para o crime de falsidade ideológica, sendo a pena corporal substituída por duas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade e no pagamento de 40 (quarenta) salários mínimos a entidade pública ou privada de caráter social a ser indicada oportunamente, mantendo-se, no mais, a r. sentença condenatória por seus próprios e jurídicos fundamentos.”(fls.20/21)
ApCrim 0001103-50.2010.8.26.0177, 5ª Câmara de Direito Criminal, Relator: FREITAS FILHO, Revisor: JUVENAL DUARTE
Tal pratica, dotada de habitualidade, trata de perigo abstrato, uma vez que coloca em risco a saúde pública quando um sujeito, sem diploma universitário e, consequentemente, sem os devidos conhecimentos em medicina, atua como médico devidamente qualificado, expondo os pacientes que ali se consultam e confiam sua própria saúde à perigo.
Exatamente por não ter conhecimentos suficientes na área, os pacientes que foram tratados por esse sujeito e, inclusive, receberam receitas médicas, poderiam ter colocado sua saúde em risco por não serem devidamente cuidados por um profissional habilitado.