A limitação da responsabilidade patrimonial na disciplina da Lei 12.441/11

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O trabalho estuda a EIRELI- Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, analisando o princípio da autonomia patrimonial, do qual decorre a Personalidade Jurídica, que garante ao empreendedor exercer atividade empresarial com responsabilidade limitada

 

A proteção de quem desejava exercer sozinho a atividade empresarial, limitando os riscos desta atividade, há tempos vinha sendo debatida no Brasil, já que em termos de proteção patrimonial a legislação pátria não se demostrava benéfica ao empresário individual.

Para solucionar este problema foi instituída através da Lei 12.411/2011 a figura jurídica da EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, que atendendo aos anseios gerais, possibilitou a constituição de uma pessoa jurídica de direito privado através da iniciativa de um único titular da totalidade do capital, permitindo-se assim, a limitação da responsabilidade através da aplicação do princípio da autonomia patrimonial inerente as pessoas jurídicas.

A separação do patrimônio da pessoa jurídica em relação ao patrimônio de seus titulares é respaldado pelo princípio da autonomia patrimonial, que é considerado como mais importante efeito da personificação, por conferir plena independência entre a pessoa jurídica e as pessoas que as criaram.

Segundo leciona Coelho (2006, p. 14):

A autonomia da pessoa jurídica é fundada no principio da autonomia patrimonial, segundo o qual “os sócios não podem ser considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionadas ao exercício da atividade econômica, explorada em conjunto”, havendo, portanto, a separação entre a pessoa jurídica e seus membros.

A limitação da responsabilidade sempre foi fator primordial para o incentivo ao desenvolvimento da atividade empresarial, que por ser uma atividade econômica, tem, como característica inerente, o risco do insucesso.

Nas lições do mestre Fábio Ulhoa Coelho (2015, p. 81):

Nas relações empresariais, o princípio da autonomia patrimonial deve ser estritamente observado porque esta técnica de segregação de riscos está ao alcance das duas partes da relação obrigacional. Se uma sociedade empresária, quando devedora de certa obrigação, está sob o abrigo do princípio da autonomia patrimonial, ela não pode, na posição de credora, pretender obstar  à outra sociedade empresária, que lhe deve, o acesso a igual benefício.    

Apesar de louvável a iniciativa, a lei que instituiu a EIRELI é passível de críticas, já que em sua tramitação o projeto de lei foi conceitualmente modificado, levando a criação de uma figura sui generis.

Desta forma, o intuito deste projeto é estudar a responsabilidade patrimonial do titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI, analisando-se para tanto, o seu projeto de lei a fim de compreender melhor os seus objetivos.

Busca-se assim, verificar se com a introdução em nosso ordenamento jurídico da Lei 12.441 de 11 de julho de 2011, que alterou o a Lei 10.406 de 2002, que instituiu o Código Civil Pátrio, foi atingido o objetivo maior de se limitar a responsabilidade daquele que desejasse exercer individualmente a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, isto é, a atividade empresarial, conforme previsto no artigo 966 do Código Civil, sem comprometer a totalidade de seu patrimônio.

O presente trabalho, objetiva ainda, analisar criticamente o instituto Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI, para verificar se este foi realmente o melhor caminho a seguir na consecução do objetivo almejado pelo Projeto de Lei nº 18, de 2011 (nº 4.605/09 na Câmara dos Deputados), que alterou a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Além do Projeto de Lei, para a melhor compreensão do presente estudo, se faz necessária a análise não só dos elementos intrínsecos à EIRELI, como a sua natureza jurídica, o capital inicial, o veto ao § 4º do art. 980-A do Código Civil, mas também de elementos extrínsecos, como a aplicação de institutos análogos no direito comparado e a influência do Projeto de Lei do Novo Código Comercial Brasileiro sobre a EIRELI.

Tal Projeto de lei acrescenta um novo artigo 985-A à Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Prevê a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada por um único sócio, pessoa natural titular da totalidade do capital social, prevê, ainda, a possibilidade de a empresa individual de responsabilidade limitada ser resultante da concentração de quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

De acordo com o projeto de lei a firma de empresa individual de responsabilidade limitada deverá ser formada pela inclusão da expressão “EIREL” após a razão social da empresa.

Um dos aspectos mais importantes, e que justifica sua criação, é a limitação da responsabilidade patrimonial da empresa individual de responsabilidade limitada, visto que preoconiza que apenas o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas adquiridas por esta, não se confundindo com o patrimônio pessoal do empresário. Por fim, aplicam-se à empresa de responsabilidade limitada os dispositivos relativos à Sociedade Limitada, no que couber e não gerar conflitos com a natureza jurídica desta.

Na justificação do projeto de lei se diz ter como objetivo a instituição legal da “Sociedade Unipessoal”, também chamda pela Doutrina de “ Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”.

Com base no referido projeto de lei, e, no que por fim resultou a lei 12.441/11 (Lei da EIRELI) é possível encontrar diversas modificações, das quais se questiona comprometer ou não o objetivo almejado pelo projeto de lei. Dentre tais modificações é possível mencionar o “caput” do artigo 980-A do Código Civil, que institui um capital social mínimo necessário para a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada, qual seja de 100 (cem) salários mínimos no ato do registro. O dispositivo legal prevê, de forma distinta do projeto de lei mencionado anteriormente, o nome empresarial, que deverá ser formado pela expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da empresa de responsabilidade limitada. Tais alterações foram inseridas no CC através da Lei n° 12.441/11, que será melhor abordada em capítulos posteriores.

A partir do avento da EIRELI passou a existir possibilidade de constituição de uma empresa indivual de responsabilidade limitada, ou seja, o empresário individual que registrar este tipo de empresa, não responderá pelas dívidas e obrigações da empresa com seu patrimônio pessoal, uma vez que a responsabilidade está limitada apenas ao capital social da empresa. Tal aspecto visa, portanto, permitir ao pequeno empreendedor exercer atividade empresarial individualmente, sem colocar em risco seus bens particulares; algo parecido com o que ocorre com as sociedades limitadas.

Acontece que há uma peculiaridade existente na EIRELI, da qual a distingue da sociedade limitada, pois enquanto nesta última o empresário pode constituir uma sociedade na qual todos os sócios tenham sua responsabilidade limitada, sem que a lei disponha de capital social mínimo; já na EIRELI, para dar início ao negócio é necessário comprovar capital social mínimo de 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Acerca da dispensa de um capital mínimo, bem como, da ausência de fixação de uma faixa de valores para constituição de uma sociedade, explica Ricardo Negrão (2010, p. 58) que:

A dispensa legal quanto à fixação de um capital mínimo permite a criação de sociedade por ações para pequenos ou grandes empreendimentos. Este mesmo raciocínio vale para as sociedades limitadas: não havendo faixas obrigatórias para a escolha do tipo societário, é possível sua constituição para um largo espectro de empreendimentos, como realmente ocorre na prática.

Acerca do capital social, explica Fábio Ulhoa Coelho (2015, p.128):

[...] representa, grosso modo, o montante de recursos que os sócios dispoinibilizam para a constituição da sociedade. De fato, para existir e dar início às suas atividades, a pessoa jurídica necessita de dinheiro ou bens, que são providenciados pelos que a constituem. Não se confunde o capital social com o patrimônio social. Este último é o conjunto de bens e direitos de titularidade da sociedade, (ou seja, tudo que é de sua propriedade).

Dessa forma, explica Gladston Mamede (2015, p.23):

Como se trata de norma federal, a exigência deve referir-se exclusivamente a valores fixados pela União, não sendo impactada pela existência de pisos salarias fixados pelos Estado em conformidade com a Lei 103/00. Os pisos salarias estaduais não são, em sentido estrito, salários-mínimos; são apenas pisos, com o perdão da reiteração. Esse valor mínimo deve ser apurado exclusivamente no momento da instituição da empresa individual de responsabilidade limitada. A elevação do salário mínimo não exige elevação do capital social; a interpretação contrária antentaria contra o art. 7°, IV, da Constituição da República, que veda seu uso como fator de indexação monetária. Anote-se, por fim, que o art. 980-A esteja devidamente integralizado no momento da instituição da pessoa jurídica.

Porém se a finalidade da lei era evitar a constituição das sociedades fictícias, quando os empresários individuais a instituíam a fim de proteger os bens pessoais quando do exercício da atividade empresarial, se questiona ser ou não eficaz a aplicação da lei, de modo a atingir seu objetivo principal. Visto que a lei não prevê a exigência de capital social mínimo para instituição de uma sociedade limitada, o que pode ainda continuar acarretar a criação de sociedades fictícias, por sua vez, despida de qualquer patrimônio. O valor de 100 (cem) vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país, que atualmente corresponde ao valor de R$ 78.800,00 (setenta e oito mil e oitocentos reais), pode também não ser condizente com a atividade empresarial que deseja o empresário individual exercer, tornando mais atrativa a constituição de uma sociedade fictícia.

O Princípio da Autonomia Patrimonial das pessoas jurídicas encontra-se consagrado no art. 1.024 do Código Civil, que preconiza que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2015, p. 80):

A autonomia patrimonial das sociedades empresárias é uma técnica de segregação de riscos. Outras técnicas jurídicas igualmente cumprem esta finalidade, como, por exemplo, o patrimônio especial, a conta de participação e, em alguns casos, o condomínio. Em razão da autonomia patrimonial, os bens, direitos e as obrigações da sociedade, enquanto pessoa jurídica, não se confundem com os dos seus sócios.  A principal implicação deste princípio é a impossibilidade de se cobrar, em regra, dos sócios, uma obrigação que não é deles, mas de outra pessoa, a sociedade. Outras implicações projetam-se na definição das partes do negócio jurídico e na questão da legitimidade processual, mas com relevância menor do que a da responsabilidade patrimonial.

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Como explica André Luiz Santa Cruz Ramos (2011) a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica é fruto de uma construção jurisprodencial, especialmente a inglesa e a norte-americana, tendo o caso pioneiro ocorrido na Inglaterra, em 1897, Salomon versus Salomon & Co. Ltda. Esse e outros precedentes possibilitou o afastamento dos efeitos oriundos da personalização da sociedade, quando utilizada de forma abusiva em prejuízo aos interesses dos credores.

Portanto, a desconsideração da personalidade jurídica é meio utilizado para salvarguadar o princípio da autonomia patrimonial, evitando-se o seu uso abusivo, pois como bem explica André Luiz Santa Cruz Ramos (2011), o reconhecimento da personalidade às pessoas jurídicas, correspondente a um benefício concedido pelo ordenamento jurídico objetivando incentivar os particulares a desempenharem atividades econômicas, pois estas interessam também ao próprio Estado. Portanto, o objetivo principal do reconhecimento da personalidade jurídica é incentivar o exercício da atividade econômica.

Sendo a personalidade jurídica da sociedade distinta da personalidade dos seus sócios, Gladson Mamede (2015) explica que há existência jurídica própria da sociedade. Dessa forma, muitos notaram que poderiam utilizar a personalidade jurídica como ferramenta para a prática de fatos ilícitos, lesando terceiros em benefício próprio, principalmente quando se tratavam de sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade em comandita simples e sociedade por comandita em ações, visto que tais sociedades possuem uma limitação entre a obrigação da sociedade e do patrimônio dos sócios, fenômeno que, como já dito, levou ao desenvolvimento da desconsideração da personalidade jurídica.

Segundo Ricardo Negrão (2010, p. 263):

A personalidade jurídica é uma ficção jurídica, cuja existência decorre da lei [...] para efeitos jurídicos, e, leia-se, para facilitar a vida em sociedade concede-se a capacidade para uma entidade puramente legal subsistir e desenvolver-se no mundo jurídico. Sua realização, dessa forma, é social, concedendo-lhe direitos obrigações.

Portanto, como já abordado, a sociedade empresária não se confunde com os indivíduos que se uniram para constituí-la. O entendimento de tal distinção faz-se necessário para melhor compreensão de um dos objetivos primordiais da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), qual seja garantir ao empresário que deseja exercer a atividade empresarial de forma individual o mesmo direito do qual gozava apenas o sócio de não ter o seu patrimônio pessoal atingido pelos riscos da atividade empresarial, visto que quando da criação da personalidade jurídica da empresa, apenas o patrimônio desta poderá ser atingido.

Acerca dos riscos sociais aduz Wilges Ariana Bruscato (2005, p. 184) que o:

 

Reconhecimento social e legislativo aos riscos sociais aos quais o empresário se submete se justifica, porque a par dos fatores que o empresário pode controlar no exercício de sua atividade, há outros fora de sua esfera de influência e controle, como as questões concernentes à macroeconomia. Tais fatores ficam a cargo do planejamento estratégico do governo, sendo, facilmente, influenciado por decisões políticas. Muitas das decisões da macroeconomia podem afetar, negativamente, determinado empresário ou setores da economia. E, ante tal fato, mesmo que o empresário seja prudente e diligente na condução de seus negócios, há acontecimentos que se precipitam e que nem toda a cautela poderia evitar. É justo, portanto, que se lhe reconheça uma proteção.

Portanto, o princípio da autonomia patrimonial é de tamanha importância para o exercício da atividade empresarial, já que limita a responsabilidade patrimonial dos sócios, já que estes não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade.

Gladston Mamede (2015, p. 233):

As pessoas jurídicas são seres finalísticos e escriturais; finalísticos por  serem constituídos para fins específicos (o objeto social), razão última do artifício jurídico de atribuir personalidades própria, distinta da personalidade de seu membro ou membros. Escriturais, em virtude de sua existência jurídica ter um lastro documental necessário: seus elementos identificadores, caracterizadores e seu funcionamento estão obrigatoriamente inscritos num ato constitutivo (contrato social ou estatuto social); sua existência jurídica  principia a partir do registro jurídico válido desse ato de constituição; finalmente, seus atos são inscritos em registros contábeis próprios.

Mas, ainda de acordo com os ensinamentos de Gladston Mamede (2015) não demorou muito para muitos perceberem que podiam utilizar a personalidade jurídica de associações, sociedades ou fundações, para a prática de atos ilícitos e fraudulentos, gerando prejuízo a terceiros, situação em que acarretou a criação da desconsideração da personalidade jurídica, hipótese excepcional em que há a possibilidade da diferenciação entre a personalidade jurídica e a personalidade dos sócios, associados ou administradores. Para sua aplicação é necessário não somente uma obrigação não satisfeita pela sociedade, pois está diretamente ligada ao uso inadequado da personalidade jurídica pelo sócio, não sendo necessário auferir dolo, abuso de direito, fraude, dissolução irregular da empresa, confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Para sua aplicação é imprescindível fundamentar o ato, demonstrando fatos e provas que comprovem estarem presentes os requisitos para desconsiderar a personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade juríca, por sua vez, trata-se de uma relativização do princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresária, de acordo com os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho (2015, p. 83):

[...] sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a partir da qual o juiz pode, em determinados casos, sustar a eficácia episódica do ato constitutivo da sociedade empresária, afastando os efeitos do princípio da autonomia patrimonial. Os caso em que o juiz está autorizado a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade empresária são os de manipulação fraudulenta da técnica de segregação de riscos (concepção subjetiva da teoria) ou a confusão de patrimônios ou de objetivos (concepção objetiva). A desconsideração da personalidade jurídica não significa, portanto, a negação da autonomia patrimonial ou questionamento de sua importância para o regular funcionamento da economia, em proveito de todos. Apenas quando presente um de seus pressupostos (fraude, confusão patrimonial etc.) é que o juiz pode desconsiderar a autonomia patrimonial da sociedade empresária.

Desse modo, explica Ricardo Negrão (2010, p. 34) que há duas situações que configuram abuso da personalidade jurídica, quais sejam o desvio de finalidade e a confusão patrimonial, onde:

Haverá desvio de finalidade quando o objeto social é mera fachada para exploração de atividade diversa. Na confusão patrimonial os bens pessoais e sociais embaralham-se, servindo-se, os administradores, de uns e de outros para, indistintamente, realizar pagamento de dívidas particulares dos sócios e da sociedade. Um exemplo de confusão patrimonial é a distribuição de patrimônio social aos sócios simuladamente, mediante elevada remuneração de sócio, gastos ruinosos ou em proveito próprio.

No que tange a empresa individual de responsabilidade quando introduzida no ordenamento jurídico brasileiro gerou grande discussão acerca do veto do § 4° do art. 980-A do CC por conter incompatibilidade com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 50 do CC. O veto envolveu análise do confronto entre o art. 50 e o art. 980-A.  Portanto, se discute a possibilidade de ser aplicada à EIRELI a desconsideração da personalidade jurídica, possibilitando a invasão no patrimônio pessoal dos sócios para quitar as dívidas adquiridas pela sociedade empresária.

O art 4° estatuía: § 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.

O art. 50 do CC ressalta que havendo abuso da personalidade jurídica, configurado pelo desvio da finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz poderá, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, desconsiderar a personalidade jurídica da empresa para, então, atingir o patrimônio dos sócios.

Dessa forma, conclui Fábio Ulhoa Coelho (2010, p. 41):

Em virtude de sua importância fundamental para a economia capitalista, o princípio da personalização das sociedades empresárias, e sua repercussão quanto à limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios, não pode ser descartado na disciplina da atividade econômica. Em consequência, a desconsideração deve ter necessariamente natureza excepcional, episódica, e não pode servir ao questionamento da subjetividade própria da sociedade. [...] Quer dizer. Não se justifica o afastamento da autonomia da pessoa jurídica apenas porque um seu credor não pôde satisfazer o crédito que titulariza. É indispensável tenha havido indevida utilização, a deturpação do instituto.

Então, a desconsideração da personalidade jurídica é importante aspecto de relativização do princípio da autonomia patrimonial, proteção garantida ao sócio, pois possibilita a limitação patrimonial deste. Acontece que, pode ocorrer o desvio de finalidade da porsonalização, quando utilizada pelo sócio de maneira ilícita, de forma a fraudar direitos de credores ou terceiros, situação em que a lei prevê a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica.

Para compreender a responsabilidade patrimonial decorrente do exercício individual da empresa, é importante analisar o instituto da personalidade juríca, principal aspecto do princípio da autonomial patrimonial. Pois quando criada a pessoa da empresa, somente essa, que, em regra, arcará com os riscos da atividade empresarial.

Segundo explica Bruscato (2005), o instituto da personalidade jurídica permite haver em separado o patrimônio social em relação ao patrimônio pessoal dos sócios da sociedade empresária. A autonomia patrimonial, que é uma das consequências da personificação, por sua vez, dá legitimidade à limitação de responsabilidade.

Acerca da responsabilidade patrimonial no exercício individual da empresa, o Enunciado nº 470 da V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ estabelece que: 

O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Segundo Leonardo Câmara Pereira Ribeiro (2013) a responsabilidade atribuída às sociedades limitadas pluripessoais será aplicada supletivamente à EIRELI. Portanto, com a criação da personalidade jurídica, passam a co-existir como pessoas distintas, os sócios da sociedade e a própria sociedade. O patrimônio da sociedade que, em regra, irá sofré as consequências do exercício da atividade empresarial.

Dessa forma, é importante analisar alguns dipositivos legais aplicáveis à EIRELI:

O art. 1.052 do CC refere-se a responsabilidade limitada do sócio ao valor de suas quotas, prevê também a possibilidade de responsabilidade solidária de todos pals quotas subscritas e não integralizadas:

Portanto, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Quando da integralização do capital , a EIRELI não permite que seja mediante prestação de serviços; e quando da estimação de bens terá prazo de 5 (cinco) anos da data do registro da sociedade, senão vejamos:

Art. 1.055: O capital social divide-se em quotas iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.

§ 1° Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.

§ 2 ° É vedada a contribuição que consista em prestação de serviços.

Importante destacar que quando se constatar desvio de finalidade, fraude, quando do exercício da atividade empresarial, a lei prevê a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, assunto que será abordado mais claramente em capítulos posteriores.

 

Conclui-se que a EIRELI - empresa individual de responsabilidade limitada, instituída pela Lei 12.441/2011, foi criada no Brasil de maneira tardia, visto que muitos países europeus já a admintiam há muitos anos. A legislação brasileira, desse modo, teve como modelo o direito alienígena.

É constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, cujo valor não pode ser inferior a 100 (cem) vezes o  salário mínimo vigente no país. O titular, em regra, não responderá com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da empresa.

Foi criada para atender os anseios de pequenos empreendedores, visando exercer atividade empresarial de forma individual, sem correr o risco de ver seu patrimônio pessoal afetado por tal atividade. Dessa forma, os principais objetivos da EIRELI é fazer cessar a instituição de sociedade fictícias, ou seja, circuntância em que um empresário individual desejando exercer atividade empresarial com responsabilidade limitada institui uma sociedade pluripessoal limitada, que, para atender ao requisito da pluripessoalidade, constitui sociedade, cujo sócio possui apenas 1% do capital social da empresa; bem como evitar a confusão patrimonial entre a pessoa do sócio e a pessoa da empresa.

Para alcançar seu objetivo a lei prevê a criação da personalidade jurídica da empresa, onde apenas esta pessoa poderá ter seu patrimônio atingido quando dos riscos da atividade empresarial. Decorre, portanto, do princípio da autonomia patrimonial.

Acontece que, há a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica quando esta for utilizada de forma fraudulenta, ocorrendo o desvio de sua finalidade. De modo que sua utilização pelos sócios acarrete prejuízo a terceiro, em benefício destes.

Para a instituição da EIRELI a lei prevê alguns requisitos, sendo importante destacar a integralização de um capital social mínimo no valor de 100 (cem) vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país, hoje correspondente ao valor de R$ 78.800,00 (setenta e oito mil e oitocentos reias). Portanto, muito se questiona acerca de tal exigência, visto que esta ainda pode tornar-se um impecílio à realização da finalidade da lei, pois pode fazer com que a instituição de sociedades fictícias seja mais atrativa do que a instituição da EIRELI, já que a lei não prevê para as demais modalidades societárias a exigência de um capital social mínimo.

Importante destacar que tal exigência não encontra-se prevista no Projeto de Lei n° 4605/2009 que visa a sua instituição, mas há previsão na Lei promulgada 12.441/2011.

Para aperfeiçoar o instituto da EIRELI há em trâmite o Projeto de Lei n° 6.698-B de 2013, que não prevê a instituição de capital mínimo, e, ainda traz a possibilidade de instituição da chamada sociedade unipessoal, que é a sociedade constituída por um único sócio.

Tramita, ainda, o Projeto de Lei n° 1572 de 2011, que institui o novo Código Comercial, trazendo alterações e melhoras para o mundo empresarial, integrando-o numa realidade moderna, visto ser o Código Comercial brasileiro, datado de 1850, não correspondendo, portanto, com a realidade atual.  

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de setembro de 2002. Institui o código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 05 out. 2015.

BRUSCATO, Wilges Ariana. Empresário Individual de Responsabilidade Limitada. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005.

COELHO, Fábio Ulhoa. 9. ed. De acordo com a nova Lei de falências. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 2.

_______. Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 14. ed. v.2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

_______. Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 19. ed. v.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.

MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 9. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. 

NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial: estudo unificado. 10. ed.  São Paulo: Editora Saraiva, 2010. 

_______. Ricardo. Manual de direito commercial & empresa: Teoria Geral da Empresa e Direito Societário. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3. ed. São Paulo: Editora Método, 2011.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 29. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

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