A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos: um dissenso entre os operadores do direito

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Artigo de natureza técnico-jurídica cuja tônica incide em uma análise dos traços e dos princípios que regem a responsabilidade civil do Estado no que concerne aos atos omissivos.

 

 

RESUMO: Artigo de natureza técnico-jurídica cuja tônica incide em uma análise dos traços e dos princípios que regem a responsabilidade civil do Estado no que concerne aos atos omissivos. O objetivo primordial deste trabalho é refletir e compreender o caráter evolutivo das teorias da responsabilidade civil do Estado somado, em sentido restrito, aos fatos/elementos geradores da culpa, que lhes proporcionam ora consenso, ora discordâncias. É justamente nessa relação entre a conduta estatal omissiva e o fato gerador da responsabilidade civil que incide o problema a ser tratado: seria propriamente o Estado o autor do dano? Traçar-se-á parâmetros ao decorrer deste trabalho para a obtenção de tal resposta.

 

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Estado. Culpa. Atos Omissivos.

 

ABSTRACT: Article technical-legal tonic which focuses on an analysis of the traits and principles governing the liability of the State in respect of failure to act. The primary objective of this paper is to understand the nature and evolutionary theories of liability of the State in all, in the strict sense, the facts / generating elements of guilt, they now provide consensus, sometimes disagreements. It is precisely this relationship between the conduct and the state omission triggering event of liability that focuses the problem to be addressed: the State itself would be the perpetrator? It will trace the course of this work parameters for obtaining such a response.

 

1.      INTRODUÇÃO

É inegável que é dever do Estado ressarcir as vítimas por suas eventuais condutas danosas. A responsabilidade do Estado está expressa no art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, que consiste na responsabilidade do Estado responder por sua atuação administrativa, tanto por atos administrativos quanto por atos judiciais e legislativos. O então artigo 37, da CF/ 88 dispõe:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte [...]

§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, percebe-se o caráter objetivo da responsabilidade estatal que recai sobre três elementos: dano, ação administrativa e o nexo causal entre o dano e a ação administrativa. O Estado, então, é responsável pelo exercício de sua atividade administrativa que tenha relação direta de causa e efeito com o dano. Assim, adotou- se no Brasil a teoria do risco administrativo, onde o Estado só responderá quando houver a presença do nexo causal. Para tal entendimento, faz-se necessário apresentar os elementos de composição e adequação da responsabilidade civil do Estado, em sentido restrito, no que tange aos atos omissivos

 

2.      A RESPONSABILIDADE CIVIL

            A responsabilidade civil é tema muito abrangente, devendo ser objeto da parte geral do Direito Civil, já que se desdobra em todos os ramos, desde as obrigações até as sucessões. Responsabilidade é palavra polissêmica, e rotineiramente é sinônimo de diligência e cuidado. No mundo jurídico, por sua vez, responsabilidade está ligada ao fato de se responder pelos atos praticados. Neste diapasão, emerge a relevante definição de Plácido e Silva:

[...] dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção (2004, p. 125)

 

            Tratar de responsabilidade, então, é tratar do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. A ordem jurídica estabelece deveres a serem seguidos ou evitados pelas pessoas por exigência da convivência social. A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, geralmente acarreta um dano a outrem, de forma a gerar um novo dever jurídico, o de reparar o dano. Sobre o dano, pontua o artigo 186 do Código Civil:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, o instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, visto que a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta para o seu titular, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos. Serpa Lopes, da mesma forma entende a responsabilidade como obrigação: “... a responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva” (1989, p. 160).

 

3.      A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado pode ser entendida como a obrigação legal, imposta à Administração, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades. Isso porque da mesma forma que qualquer outro sujeito de direito pode o Estado vir a estar na situação de quem causou um dano a alguém, e assim sujeito à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos oriundos de seus agentes públicos. De forma delimitada e precisa conceitua sobre o tema Mello:

Entende-se por responsabilidade extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos (2007, p. 957).

Maria Sílvia Zanella di Pietro, ao seu turno, pontua que quando se fala de responsabilidade civil do Estado, cogita-se a dos três tipos de funções em que se reparte o poder estatal: a administrativa, a legislativa e a jurisdicional. Entretanto, dá se mais ênfase a responsabilidade resultante de comportamentos da Administração Pública. Segundo a doutrinadora, é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não sendo titular de direitos e obrigações na ordem civil.

Os danos oriundos da atividade estatal resultam de comportamentos provenientes, em tese, no intuito da Administração Pública, que é agir no interesse de toda a sociedade, por isto não a razão de que apenas um arque com os danos causados pelo Estado, visto que este age no proveito de todos. Diante disto, a responsabilidade do Estado obedece a um regime próprio capaz de compatibilizar-se com as particularidades de sua pessoa, com a espécie e origem de lesões passíveis de serem causadas, e capaz de proteger os particulares de riscos de suas condutas.

 

4.      A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS

            Primeiramente, faz-se mister que seja entendido o conceito de omissão enquanto uma ausência de ação; inércia, não fazer aquilo que moral ou juridicamente se devia fazer.O conceito da omissão, então, pode ser compreendido como a relação de existência ou não existência de qualquer coisa, a não realização de um comportamento exigido que o sujeito tinha possibilidade de realizar, a ausência de um fato. A omissão pode ocorrer quando o agente não tenha acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigido. Não apenas ações geram danos. A conduta omissiva pode ser também propiciadora de danos, quando alguém tem o dever de agir e não age e por sua inação deixa de impedir um sinistro. Esse dever de agir pode advir de lei, contrato ou uma conduta anterior do próprio omitente, que criou um risco de dano, devendo agir para impedi-lo.

Só pode ser atribuída a responsabilidade oriunda de omissão àquele que tinha o dever de agiu e não o fez. Esse dever de agir advêm de lei, contrato ou uma conduta anterior do próprio omitente, que criou um risco de dano. Quando provém de lei deve ser respeitado o princípio da juridicidade. Este é considerado o princípio basilar que rege os atos administrativos, praticados pelo Estado. Nele é posto que a Administração pública somente poderá fazer ou deixar de fazer algo, desde que prescrito por lei. Na responsabilidade do Estado por conduta omissiva, o agente tem o dever de agir, estabelecido em lei, mas, desobedecendo à lei, não age. Por não ter agido, propicia um dano ao particular. Portanto, trata-se de uma conduta ilícita, isto é, contrária à lei, em desacordo com o princípio da legalidade.

Grande divergência há na doutrina e jurisprudência quanto à aplicação do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, quando o dano tornou-se possível em decorrência da omissão do Estado. Parte entende que a responsabilidade estatal é sempre objetiva, independente de ter sido causada por conduta comissiva ou omissiva da Administração. Outra que em casos em que ocorre uma omissão do Estado, a responsabilidade é subjetiva, que exige dolo ou culpa da Administração, cabendo a parte comprovar a falta do serviço.

Para os que defendem a responsabilidade objetiva, quando o Estado deveria agir e não agiu e tinha plenas condições com sua atitude prevenir/evitar o sinistro danoso, pode vir a ter que indenizar os lesados, apenas demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que para a responsabilização do Estado sequer se exige que o agente esteja no exercício de suas funções quando da ocorrência do dano.

Responsabilidade objetiva do Estado. Acidente de transito envolvendo veículo oficial. Responsabilidade pública que se caracteriza, na forma do § 6° do artigo 37 da Constituição Federal, ante danos que agentes do ente estatal, nessa qualidade, causarem a terceiros, não sendo exigível que o servidor tenha agido no exercício de suas funções. Precedente (Supremo Tribunal Federal, RE 294.440 – AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02.08.2002).

Para os que defendem a responsabilidade subjetiva, é necessário, ainda seria que a vítima demonstrasse comportamento ilícito, consubstanciado na culpa ou dolo da Administração, em suas modalidades negligência, imperícia ou imprudência. Dizem que o fato causador do dano é alheio e não é causado pela Administração, mas mera condição que propicia sua ocorrência, sendo necessário um elemento a mais para responsabilizá-lo. Conforme este entendimento, caminham as contribuições de Maria Helena Diniz e Bandeira de Melo, os quais consideram que, havendo omissão do Estado ou do seu agente, haverá responsabilidade subjetiva, devendo o lesado provar o dolo ou culpa.  Nesse sentido, também a posição do Supremo:

Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligencia, a imprudência e a imperícia, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço (Supremo Tribunal Federal, RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27.02.2004).

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            Ainda sobre a matéria, parece adequado e pertinente tecer um último comentário. Certas vozes, de vez em quando, se levantam para sustentar a responsabilidade integral do Estado pelas omissões genéricas a ele imputadas. Tais vozes se tornam mais usuais na medida em que revelam a ineficiência do Poder Público para atender a certas demandas sociais. A solução, porém, não deve ter ranços de passionalismo, mas deve ser vista na ótica eminentemente política e jurídica. Não há dúvida de que o Estado é omisso no cumprimento de vários de seus deveres genéricos: há carência na educação, saúde, segurança, emprego, enfim todos os direitos sociais.

O atendimento dessas demandas reclama a implementação de políticas públicas para as quais o Estado nem sempre conta com os recursos financeiros suficientes (ou conta, as investe mal). Tais omissões, por genéricas que são, não rendem ensejo à responsabilidade civil do Estado, mas sim à eventual responsabilização política de seus dirigentes. É que tantas artimanhas comete o Poder Público na administração do interesse público, que a sociedade começa a indignar-se e a impacientar-se com as referidas lacunas. É compreensível, portanto, a indignação, mas o fato não conduz a que o Estado tenha que indenizar toda a sociedade pelas carências a que ela se sujeita. Deve, pois, separar-se o sentimento emocional das soluções jurídicas: são estas que o Direito contempla.

            Por força desses aspectos, veem-se com profunda preocupação decisões judiciais que atribuem responsabilidade civil do Estado por omissão, sem que esta tenha nexo direto de causalidade co o resultado, ou seja, omissões genéricas decorrentes das carências existentes e todas as sociedades. O mesmo ocorre com decisões que tratem as omissões sob o manto da responsabilidade objetiva, em flagrante desvio de perspectivas, o que merece cautela em seu trato.

 

 

5.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

Contudo, procurou-se analisar, através dos transcritos, que mantém-se a posição doutrinária acerca da responsabilidade civil do Estado por atos omissivos. Constatou-se com o entendimento jurisprudencial a tendência a objetivação da responsabilidade civil do Estado.

Faz-se necessário, para tal, ponderar a responsabilidade civil do Estado, sob pena do risco de se estender em demasia tal imputação e inviabilizar, na prática, a Administração. Assim, espera-se que a jurisprudência e as doutrinas do direito estabeleçam limites e pressupostos para essa responsabilidade civil.

 

REFERÊNCIAS

LOPES, Miguel Maria Serpa. Curso de direito civil: fontes contratuais das obrigações -responsabilidade civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989.

 

GÓIS, Ewerton Marcus de Oliveira. A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. IN: JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das  Cidades. Disponível em http://www.mp.go.gov.br. Acesso em: Maio de 2013.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. – 10.ed. São Paulo : Saraiva, 2007.

 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.2: direito das obrigações e responsabilidade civil/ Flávio Tartuce: 6 ed. – Rio de Janeiro: Forense – São Paulo: MÉTODO, 2011.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 957.

 

 

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Sobre os autores
Patrícia Mota Matos

Graduanda em Direito pela UEMA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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