Democracia direta,representativa e participativa:um breve exame sobre estes modelos

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04/12/2015 às 08:18
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O objetivo deste trabalho é analisar o processo histórico das diversas formas de participação do cidadão no governo do Estado (direta, representativa e participativa) e verificar qual delas atenderia plenamente a soberania popular neste terceiro milênio.

1. DEMOCRACIA DIRETA

A democracia direta[2] fora o regime político criado e implantado em Atenas (na Grécia), no século VI. a.C, sob o governo de Clístenes[3], atingindo seu apogeu no governo de Péricles, entre 461 a 429 a.C[4].

Para melhor entendê-la é importante citar trecho da “Oração aos Mortos na Guerra Ateniense” proferido por Péricles:

Nossa Constituição não copia as leis de Estados vizinhos; somos mais um padrão para os outros que imitadores. Nossa administração favorece muitos, em vez de poucos; por isso é chamada de democracia. [...] Se examinarmos as leis, veremos que proporcionam igual justiça a todos em suas diferenças particulares... avanços na vida pública dependem da reputação pela competência, sendo que as considerações de classe não interferem no mérito, nem pode a pobreza ser obstáculo para que um homem sirva o Estado, quando apto para a tarefa, não sendo impedido pela obscuridade de sua condição[5].

A democracia em Atenas gerou um novo tipo de política, no qual os conflitos sociais eram levados à atenção de todos - e debatidos no conselho e na assembléia - e mantidos dentro dos fóruns[6].

Urge ressaltar que a figura do cidadão total[7] (homus politicus) somente pôde ser viabilizada pela conjugação de inúmeros fatores, dentre eles: a simplicidade dos costumes[8], a pequenez do território[9], o número reduzido de cidadãos[10] (somente homens descendentes de famílias gregas) e, mormente, pela utilização da mão-de-obra escrava (legalizada na época), conforme leciona, sobre este último item, o Magnânimo professor e jurista Paulo Bonavides:

Demais disso, a democracia direta dos gregos se viu maculada da mais feia das nódoas sociais: a escravidão. E o doloroso e funesto nessa constatação é que sem o braço servil aquela democracia não poderia ter vingado, nem funcionado como funcionou, porquanto, sem laços matérias de sobrevivência que o afligissem, sem precisar ocupar as horas de cada dia com as tarefas de trabalho, transferidas por inteiro ao elemento escravo, o cidadão livre da polis grega, ao contrário do homem moderno, chamado a gerir e prover, em estado de sujeição e dependência, suas necessidades materiais, tinha como se dedicar integralmente à coisa pública, freqüentar comícios, ocupar tribunas, debater e decidir com liberdade e de forma direta e participativa todas as grandes questões públicas. (...) Um homem totalmente politizado.

O que não macula “in tottum” a evolução moral do povo grego que desafiou a tirania e a oligarquia disseminada nos outros povos habitados, criando uma idéia com o objetivo do auto-governo (identificação e coincidência de governantes e governados), dando pleno acesso para que os cidadãos pudessem participar diretamente das deliberações políticas[11], por intermédio da discussão, votação, e, inclusive, com a possibilidade de responsabilização criminal do autor de uma lei violadora da Constituição (politéia).[12]  

Nos períodos que sucederam à Antiguidade Clássica (Idade Média e Moderna), a democracia direta fora adotada somente na Suíça, no século XII, por meio dos “concílios” (reunião para resolver problemas coletivos) e, no século XIII, por intermédio da Landsgemeinde[13] que, uma vez por ano (normalmente num domingo de primavera), concedia abertura para que os cidadãos: votassem leis ordinárias, emendas à Constituição, tratados internacionais, emitissem autorizações para a cobrança de impostos e para a realização de despesas públicas de certo vulto, cabendo-lhes, também decidirem sobre a naturalização cantonal e a escolha de novos juízes[14].

O distinto filósofo suíço, Jean Jacques Rousseau (séc. XVIII), inspirado pela experiência nos Cantões, sustentava que somente o povo pode criar diretamente as leis que o regem[15], pois a soberania (vontade geral) não pode ser representada[16], embora consciente da existência dos obstáculos surgidos com a evolução humana[17] e mesmo expressando que “tomando o termo democracia na sua acepção rigorosa, poderemos dizer que jamais existiu verdadeira democracia, nem existirá nunca[18]” e que “Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Um governo tão perfeito, não convém aos homens[19]”.

Premente ressaltar que além da Landsgemeinde cair gradativamente em desuso (somente está presente em três Cantões Suiços na atualidade[20]), há estudos demonstrando que seria aparente a sua decisão direta[21].

De qualquer modo, fica cristalino que apesar da democracia direta ser o ideal maior, somente foi possível torná-la exequível na Grécia (naquelas condições suso mencionadas) e, em alguma medida, nos Cantões Suíços, o que obrigou a humanidade a formular mudanças procedimentais (meios), desde que não alterasse a sua essência (o povo externando sua vontade) [22].

Surgiu, então, a democracia representativa, conforme expôs o erudito John Stuart Mill, no séc. XIX, em sua consagrada obra “Governo Representativo”:

A partir destas considerações, é evidente que o único governo capaz de satisfazer completamente todas as exigências do Estado social é aquele em que o povo todo possa participar; onde qualquer participação, mesmo na função pública mais modesta, é útil; um governo no qual a participação deverá ser, em toda parte, tão grande quanto permita o grau geral de aprimoramento da comunidade; e, no qual, nada menos possa ser desejado do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Porém, uma vez que é impossível, em uma comunidade maior do que uma única cidade, que todos participem pessoalmente de todos os negócios públicos, a não ser de muito poucos, conclui-se que o tipo ideal de governo perfeito deve ser o representativo. (MILL, Stuart. O Governo Representativo. 65) (destaques nosso)

Nas linhas abaixo debuxadas será esmiuçado o modelo democrático representativo.

2. A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

A democracia representativa[23] (indireta) surgiu na experiência histórica inglesa, entre os séculos XIII e XIV[24], quando o Parlamento, que era inicialmente o local utilizado pelo Rei para reunir-se com os cavaleiros, lordes e burgueses, a fim de discutir interesses de cunho real, transmuta-se, após o “Bill of Rights”[25], no lugar que representava todo o reino, compreendido nesta noção também o povo, e fundamentalmente, a partir das Revoluções Americana e Francesa (a primeira contra o absolutismo inglês e a segunda contra o totalitarismo do clero e da nobreza)[26].

Os Estados Unidos consagraram em sua Constituição de 1787 que o Legislativo seria formado por duas casas: o Senado e a Câmara dos Deputados[27], já a França, estabeleceu na Constituição de 1791 que o Poder Legislativo seria delegado a uma Assembléia Nacional, constituída por representantes eleitos pelo povo para um mandato temporário e que não poderiam ser destituídos pelo Rei, este fiel executor da Lei[28], garantindo, dessa forma, a representação política dos cidadãos.

Na metade do século XIX, boa parte dos Estados europeus, sob a influência da Revolução Francesa, instituiu esta forma de governo[29]. Houve a ampliação progressiva do direito ao voto, até culminar no século XX, com o sufrágio universal. As associações corporativas foram sendo substituídas gradualmente por partidos políticos que, por desenvolverem uma função de ponte entre o indivíduo e o Estado, passaram a ser reconhecidos como órgão com função tipicamente pública[30].

Feito esse singelo histórico acerca da implantação deste modelo, surgem três pontos cruciais acerca da representatividade: O mandato é livre ou vinculado? O mandato serve para representar interesse geral do cidadão ou particular[31]? A quem pertence o mandato (eleito ou partido político)?

Em resposta a primeira e a segunda questão, pode-se afirmar que o representante pode atuar como delegado ou fiduciário.  Se é delegado, o representante se transforma num mero porta voz de seus representados, e, portanto, o seu mandato é extremamente limitado e revogável ad nutum, este tipo é denominado de Mandato Imperativo[32].

Ele foi largamente utilizado pelo sistema político francês até o advento da Revolução Francesa (1789-1799), enquanto na Inglaterra começou a enfraquecer sob os Tudors (dinastia de monarcas britânicos que reinou entre 1485 e 1603) e desapareceu no séc. XVII. Os eleitos pelas cidades e, depois pelos nobres e pelos clérigos recebiam instruções dos seus eleitores e agiam como seus representantes junto ao rei. O conjunto de eleitores se transformava numa verdadeira entidade privada que financiava seu representante, exigindo, em contrapartida, que o eleito seguisse estritamente a sua linha de pensamento, e o indenizasse em caso de prejuízo, podendo o seu mandato ser revogado a qualquer tempo[33].

Desse modo, a relação entre eleitorado e eleito apresentava as características do contrato de mandato do direito privado, tendo em vista que o objeto (a coisa) é ligado a assuntos de ordem particular.

Se é fiduciário, o eleito (gozando da confiança) tem o poder de agir com liberdade/autonomia em nome e por conta do representado, podendo interpretar com discernimento em benefício do eleitor. É a figura do Mandato Livre/Representativo[34].

Este tipo foi acolhido integralmente nos Estados Constitucionais[35], tendo em vista que os interesses representados não se limitam a assuntos de ordem privada vinculada a uma pessoa ou categoria, mas sim a todo o povo ou conjunto dos cidadãos restritos a um território (Municipal/Distrital, Estadual ou Nacional).

Um dos maiores defensores do mandato livre/representativo fora o ilustre Edmund Burke, conforme se extrai do seu célebre discurso aos eleitores de Bristol, o qual será mencionado um trecho:

(...)

Dar uma opinião é um direito de todos os homens; a dos constituintes é uma opinião de peso e respeitável, que se deve sempre considerar seriamente. Mas instruções autorizadas, mandatos emitidos, pelos quais os membros são obrigados a obedecer, cega e implicitamente, a votar, a defender ainda que contrários à mais evidente convicção do seu julgamento e consciência, essas são coisas inteiramente desconhecidas pelas leis desta terra e que surgem de um erro fundamental de toda a ordem e sentido de nossa Constituição. O Parlamento não é um congresso de embaixadores de interesses hostis e diferentes, que devem manter-se como agente e advogado contra outros agentes e advogados: o parlamento é uma assembléia deliberativa de uma nação, com interesse, aquele do todo – onde os objetos locais não devem servir de guia, mas o bem geral, resultante da razão geral do todo. Vocês de fato escolhem um membro; mas quando você escolheram, ele não é o membro de Bristol, mas é um membro do Parlamento. (Livro 3. Oligarquia) (BURKE, 1942, p. 312-313). (destaques nosso)

Por fim, premente ressaltar que o seu exercício decorre de poderes e condições estabelecidos pela Constituição[36] (pode ser classificada como: Liberal[37], Dirigente[38] e Balanço[39]), tais como: os assuntos, os procedimentos, a periodicidade, a responsabilidade, a remuneração, as hipóteses de perda (no caso do Brasil, no art. 55[40] da CF), etc...

Resta, apenas, solucionar a terceira questão (a quem pertence o mandato político?).

Para tanto, será examinado o resultado do grande debate político e judicial acerca da fidelidade partidária, travado no cenário brasileiro, quando o Partido da Frente Liberal (PFL) formulou ao TSE a Consulta n. 1.389/DF, sendo o Relator o Min. César Asfor Rocha, consubstanciado na seguinte indagação: “Os partidos políticos e coligações têm direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver um pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito para outra legenda?

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O TSE, na sessão de 27/03/07, além de fundamentos constitucionais (art. 14, parágrafo 3º e inciso V[41] e art. 17, parágrafo 1º[42]), se apoiou nos arts.108[43], 175, §3° c/c §4°[44] e 176[45] do Código Eleitoral e respondeu afirmativamente em pronunciamento assim ementado: “Consulta. Eleições proporcionais. Candidato eleito. Cancelamento de filiação. Transferência de partido. Vaga. Agremiação. Resposta afirmativa. (Resolução n. 22.526/2007)

Com base em tal Resolução, o Partido Popular Socialista, o Partido Social Democrata e o Democratas, em 04/05/07, impetraram Mandado de Segurança perante o STF (26.602, 26.603 e 26.604), contra decisão do Presidente da Câmara dos Deputados, que indeferiu requerimentos formulados pelas referidas agremiações, nas quais postulavam fosse declarada a vacância dos Deputados Federais que mudaram dos respectivos Partidos durante o mandato.

O Supremo Tribunal Federal, após uma longa e profunda discussão, pontuou, nos dias 03 e 04 de outubro 2007, que o abandono pelo parlamentar, de modo injustificável, da legenda pela qual foi eleito, tem como conseqüência jurídica a extinção do mandato, a partir da data da resposta formulada pelo TSE à Consulta 1398 (27 de março de 2007)[46].

Em suma, os Ministros entenderam que a repulsa jurisdicional à infidelidade partidária: a) preserva a legitimidade do processo eleitoral; b) faz respeitar a vontade soberana do cidadão; c) impede a deformação do modelo de representação popular; d) assegura a finalidade do sistema eleitoral proporcional; e) valoriza e fortalece as organizações partidárias e f) confere primazia à fidelidade que o Deputado eleito deve observar em relação ao corpo eleitoral e ao próprio partido sob cuja legenda disputou as eleições.

Portanto, na representação proporcional, nos moldes em que se dá no Brasil, o mandato eletivo pertence ao Partido Político[47] no qual o candidato foi eleito[48].

2.1 PONTOS QUE MERECEM SÉRIA REFLEXÃO

Neste singelo trabalho, não há espaço para reunião ou síntese dos aspectos positivos e negativos apurados ao longo da evolução da democracia representativa nos países, mas, propõe-se mencionar alguns pensamentos emanados do grande estudioso que se sobressai sobre este tema, o nobre John Stuart Mill, na já referida obra: “O Governo Representativo”:

As instituições representativas são de pouco valor e podem ser um simples instrumento de tirania e intriga, quando a maioria dos eleitores não estão suficientemente interessados em seu próprio governo para dar seu voto, ou se votam, não o fazem baseados em fundamentos públicos, mas vendem seu voto por dinheiro, ou votam obedecendo alguém que os controla ou em quem eles desejam favorecer por razões particulares. (destaques nosso)

É necessário um profundo empenho na educação dos cidadãos (moral e instrutiva) para que cada um deles tenha reais condições de compreender o contexto social em que estão inseridos e, por conseguinte, exerçam a seleção dos candidatos unicamente motivados pelo desejo do bem comum. Subjacente a isso, pressupõe-se um contexto de igualdade de oportunidades, a fim de que cada um deles possa desenvolver seus potenciais e estar no espaço público, onde ocorrem as decisões políticas, com a mesma dignidade que os demais participantes[49].

O Mestre entende ser imprescindível a preparação especializada para todo aquele que almejasse um posto de governante, notemos:

Cada ramo da administração pública é uma atividade especializada que possui seus próprios princípios e regras tradicionais (...)

Dificilmente se encontra um tipo de trabalho intelectual que precise ser realizado não somente por espíritos experientes e exercitados, mas por espíritos treinados para tal tarefa através de estudo longo e laborioso, como a atividade de fazer leis. (fls. 82-83) (g.n)

A preparação de homens para o governo é de absoluta importância para o futuro da democracia em todo o mundo. Nos Estados Unidos, em muitos Estados, alguns postos (como o de prefeito) só podem ser ocupados por quem tenha curso de administração em uma das universidades americanas. As Faculdades de Política já são uma realidade nos Estados Unidos, Inglaterra, Suíça e Rússia.[50].

Outro salutar comentário deste sábio é acerca da proporcionalidade da representação, para que todas as camadas da sociedade estejam representadas no mesmo grau, evitando assim a lesão aos direitos fundamentais da minoria:

Portanto um dos maiores perigos da democracia, assim como de todas as outras formas de governo, está no interesse ameaçador dos que ocupam o poder; é o perigo da legislação em favor de uma classe; do governo destinado (realmente colocando-o em prática ou não) ao benefício imediato da classe dominante, em detrimento permanente de todos. Uma das questões mais importantes que deve ser levada em consideração para determinar a melhor constituição de um governo representativo, é como proporcionar medidas eficazes contra este mal. (f. 108)

[...]

O sistema representativo deve ser constituído de forma tal a manter esta situação; não deve permitir que qualquer dos vários interesses seccionais torne-se tão poderoso que seja capaz de prevalecer contra a verdade e a justiça e contra os outros interesses parciais combinados. Sempre deverá existir um equilíbrio tal preservado entre os interesses pessoais que façam com que qualquer um deles dependa, para seu êxito, da possibilidade de obter o apoio de pelo menos grande parte daqueles que agem baseados em motivos mais elevados e opiniões mais abrangentes e de maior alcance. (fls.109-110)

[...]

Em uma democracia realmente igualitária, todo e qualquer departamento seria representado, não de forma desproporcional, mas sim proporcional. Uma maioria de eleitores sempre teria uma maioria de representantes, ao passo que uma minoria de eleitores sempre teria uma minoria dos representantes. Homem por homem, a minoria estaria tão preservada quanto a maioria. De outra forma, não há governo igualitário, mas um governo de desigualdades e privilégios. (destaques nosso) (MILL, Stuart. O Governo Representativo. p.112)

Contudo, mesmo atingindo todos os fins, pode-se afirmar que a democracia representativa não torna a soberania popular completa, tendo em vista não ser correto retirar do povo o direito de participar diretamente dos negócios públicos naquilo que é possível no mundo hodierno.

Eis que surge, no pós-guerra, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) asseverando que toda a pessoa tem o direito de participar diretamente dos negócios públicos do seu país, senão examinemos o art. 21°:

Artigo 21°

1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país.

3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. (g.n.)

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, espelha o dispositivo suso mencionado, em seu artigo 25[51].

Nesta senda, vale trazer o comentário de um dos maiores expoentes vivos em Direitos Humanos Internacional, o eminente professor Fábio Konder Comparatto:

Pode-se, pois, afirmar que as Constituições nacionais que não reconhecem hoje, as instituições da democracia direta (plebiscito, referendo, iniciativa popular legislativa, orçamento participativo) são não apenas ilegítimas como na verdade contrárias à ordem internacional. (g.n.) (A Afirmação Histórica dos Direitos do Homem, f. 317)

Tal modelo democrático é conhecido como “Democracia Participativa ou Mista[52]”, pois reúne em uma só Constituição a possibilidade de participação direta e indireta, a qual será ponderada logo em seguida:

3. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

O nosso ordenamento jurídico, refletindo o art. 21° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, já dera o primeiro passo que fora o de introduzir na Carta Magna a democracia participativa[53] e criar os mecanismos para sua efetivação (plebiscito, referendo e iniciativa popular[54]).

O instituto do plebiscito, que pode ser entendido como sendo uma consulta à opinião pública sobre uma questão de acentuada relevância política ou administrativa, antes de sua formulação legislativa[55], é encontrado na nossa Carta Republicana em cinco artigos: o já citado artigo 14, I, que prevê o exercício da soberania popular por seu intermédio; o § 3º e §4° do art. 18[56], que prevêem a sua obrigatoriedade, respectivamente, na incorporação, subdivisão e desmembramento dos Estados e para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios; o art. 49, XV[57], que estabelece a competência exclusiva do Congresso Nacional para convocação de plebiscitos e o art. 2° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias[58] que determinou a realização de plebiscito para a escolha da forma e do sistema de governo em 07 de setembro de 1993.

O plebiscito, que tinha sido utilizado apenas uma vez, quando os cidadãos brasileiros em 1993 foram convocados para escolher entre a república e a monarquia constitucional, bem como entre o parlamentarismo e o presidencialismo (art. 2° do ADCT), época em que definiram pela república (como forma de governo) e o presidencialismo (como sistema de governo), se repetirá brevemente (em 11/12/2011, das 8h às 17h).

 Será a respeito da divisão do Estado do Pará para a criação do Estado do Carajás e/ou do Estado do Tapajós[59], que segundo a disposição constitucional suso referida (§3º do art. 18), todos os eleitores diretamente interessados (aqueles que possuem domicílio eleitoral no Estado do Pará[60]) são obrigados a votar (relembrando: os que são maiores de 18 e menores de 70 anos, sendo facultativo: para os que possuam entre 16 e 18 anos, maiores de 70 anos e os analfabetos). Tapajós ocuparia 58% do atual território do Pará e teria 27 municípios. Carajás teria 25% do território com 39 cidades. O Pará ficaria com 17% do território e continuaria Belém como a capital[61].  

Nas urnas eletrônicas, os paraenses responderão a duas perguntas: “Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Tapajós?” e “Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Carajás?”. A votação será feita nos números 55 que corresponderá ao “não” ou 77 que corresponderá ao “sim”. Frisa-se que o voto em branco será computado apenas para fins de registro[62].

A propaganda plebiscitária (aquela que apresentará à população as propostas das Frentes que são a favor ou contra a divisão do Estado do Pará para a criação do Estado do Carajás e/ou do Estado do Tapajós) somente fora permitida a partir de 13 de setembro deste ano (inclusive por meio da Internet, panfletos e carros de som). No rádio e na televisão, ela ocorrerá no período de 11 de novembro a 7 de dezembro de 2011[63].

Noutro norte, o referendo, que pode ser definido como sendo uma consulta à opinião pública sobre alguma questão de acentuada relevância política ou administrativa, depois de sua formulação legislativa[64], encontra guarida constitucional no artigo 14, II[65] e no art. 49, XV,[66] que estabelece a competência exclusiva do Congresso Nacional para autorizar o referendo.

Foi realizado um referendo em 23 de outubro de 2005, sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, com vistas à aprovação ou não do disposto no art. 35 da Lei nº 10.826, de 23 de dezembro de 2003[67], conhecida como “Estatuto do Desarmamento”. Os eleitores podiam votar pelo "sim" (a favor da proibição) ou pelo "não" (contra a proibição). A maioria do eleitorado optou pelo "não", e não houve a proibição.

A iniciativa popular é a possibilidade de um grupo de cidadãos (correspondente a um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles[68]) elaborar um projeto de lei (circunscrito a um só assunto) e submetê-lo ao Poder Legislativo (Câmara dos Deputados), não podendo ser rejeitado por vício de forma[69]. Encontra-se alojado na Constituição Federal de 1988, no inciso III do art. 14[70] e no art. 61, § 2º[71].

Alguns Estados do Brasil foram mais abrangentes, permitindo emendar as Constituições por meio da iniciativa popular, como é o caso de São Paulo[72] e do Rio Grande do Sul[73].

Mesmo levando em consideração as dificuldades para preencher os quesitos constitucionais e legais[74], já houveram duas iniciativas populares efetivadas em ordem nacional, a primeira fora com a elaboração da Lei 8.930/94, que ampliou o rol dos crimes hediondos previstos no art. 1º da Lei 8.072/90, fruto de uma intensa campanha liderada pela Glória Perez, redatora de novelas para a Rede Globo de televisão e mãe da atriz Daniela Perez, assassinada brutalmente à época por um ator que com ela contracenava em novela escrita pela própria autora.

A segunda, mais recente, ocorrera por intermédio de uma campanha da sociedade civil brasileira em 2010, com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos e candidatas a cargos eletivos do país. Para isso, foi elaborado um Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Ficha Limpa) sobre a vida pregressa dos candidatos no escopo de tornar mais rígidos os critérios de quem não pode se candidatar - critérios de inelegibilidades[75].

Outro modo de participação popular se dá por meio da ação popular (art. 5°, LXXIII[76]) que é regulada pela Lei 4.717/65.

Segundo o ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles, a ação popular:

 
É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga[77].

O cidadão impugna ato ilegal ou ilegítimo da administração pública, antes ou após a sua consumação, que ele considere como lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. A competência da ação dependerá do local onde se originou o ato que se pretende anular.

Nesta empreitada ele receberá auxílio jurídico do Ministério Público que, segundo José Afonso da Silva, deverá: “a) acompanhar a ação; b) apressar a produção de prova; c) promover a responsabilidade civil e criminal, dos que nela incidirem; d) providenciar para que as requisições de documentos e informações sejam atendidas dentro do prazo fixado pelo juiz e, e) promover a execução da sentença condenatória[78].

Enfim, se trata de um poderoso instrumento de atuação política do cidadão que pode, através dela, proteger interesses da coletividade.

Importante esposar que existem outras formas de democracia participativa consagradas na nossa Carta Republicana, são elas: arts. 10[79]; 11[80]; 31, par 3[81]; 37, par. 3°[82]; 74, par. 2°[83]; 194, VII[84]; 206, VI [85]e 216, par. 1°[86].

Nos EUA, foi criado um mecanismo de participação popular denominado “recall”, cuja explicação fora brilhantemente sintetizada pelo notável jurista Caio Márcio de Brito Avila, ao final da sua tese de doutoramento na USP, sob o título “Recall – A revogação do mandato político pelos eleitores: Uma proposta para o sistema jurídico brasileiro”:

O recall é um mecanismo de democracia semi-direta, típico dos EUA, adotado no início do século XX em determinados Estados da Federação norte-americana para combater a corrupção e incompetência das autoridades públicas, principalmente em nível local. Caracteriza-se como direito político do cidadão, não sendo permitida sua utilização contra autoridades federais. O mecanismo existe atualmente em 18 Estados norte-americanos e o seu procedimento básico consiste numa primeira fase de coletas de assinaturas dos eleitores, mediante caução prévia em dinheiro e, após a obtenção de um percentual mínimo de assinaturas válidas, resulta numa segunda fase na qual se realiza, de modo geral, uma eleição especial para destituir (e substituir) autoridades públicas estaduais e municipais (geralmente eleitas, inclusive juízes) ou para revogar decisão judicial (de juízo monocrático ou de decisão de segundo grau de jurisdição) que tenha negado aplicação de lei, sendo que sua utilização hoje nos Estados Unidos, ocorre principalmente em nível local, onde se permite, inclusive, seu uso excepcional para destituição de diretores de escola. (p. 138) (disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-08032010-094820/pt-br.php) (destaque nosso)

E, em outros países, é adotado o “veto popular”, que confere o direito aos cidadãos de opinar, num determinado prazo, se determinada lei, discutida e aprovada pelo Poder Legislativo, será vigente no país ou não[87].

Depreende-se, em relação aos instrumentos encerrados na CF/88 (plebiscito, referendo e iniciativa popular), que o fator principal para que a sua aplicabilidade, ao longo da história, fosse tão tímida é a falta de interesse dos governantes[88]. Todavia, com o crescente aumento da cultura cívica (ciência do povo sobre a existência e as formas de efetivação) e a modernização tecnológica (ex: voto eletrônico), eles serão gradativamente implementados[89], mudando assim, a imagem da democracia na atualidade[90].

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Sobre o autor
Luciano Chacha de Rezende

Analista do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp (LFG). Especialista em Direito Público pela mesma Instituição. Especialista em Direito Tributário pelo IBET.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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