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Da sucessão no novo Código Civil

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5.0 - Pontos polêmicos

O Novo Código Civil, traz alguns pontos que, por falta de jurisprudência, estão trazendo, ou poderão trazer, discussões doutrinárias acerca de seu significado, ou da justiça de sua aplicação.

O primeiro ponto de discussão é quanto ao significado do ponto-e-vírgula do inciso I do artigo 1829, discussão esta já citada no item 3.1.3.

Um segundo ponto que pode ser destacado como polêmico, já fora analisado no item 4.0, sobre a sucessão de companheiro, pois, é possível levantar-se a dúvida - como fez, o já citado, Alex Sandro Ribeiro - a respeito de qual a lei deveria ser aplicada à matéria, chegando-se à conclusão de que seria aplicado o Novo Código Civil, e, concomitantemente, o § ún. do art. 7º da Lei n. 9.278/96.

Outro ponto que é capaz de gerar polêmica, é a possibilidade de o companheiro ser, via testamento, excluído da herança do de cujus, possibilidade esta apontada por Segismundo Gontijo (op. cit.).

Porém, além destes, já assinalados pontos polêmicos, podem ser apresentados também:

5.1 - Da distinção entre irmãos uni e bilaterais

Antes de mais nada, deve-se ater ao fato de que a Constituição não mais permite distinção entre filhos, ou, nas palavras da douta Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

"De modo especial, no que tange à igualdade dos direitos dos filhos, o § 6º do art. 227 da CF/88 implica numa única resposta à pergunta sobre a categoria dos filhos, hoje. Assim, a lei reconhece apenas duas categorias, ao sabor da análise do assunto filiação, isto é, aqueles que são filhos, e aqueles que não o são... De tal sorte que, em face da proibição constitucional no que concerne às designações discriminatórias, perde completamente o sentido, sob o prisma do Direito, os adjetivos legítimos, legitimados, ilegítimos, incestuosos, adulterinos, naturais, espúrios e adotivos.

Reconhece, a ordem constitucional, a ampla igualdade entre os filhos, quer os biológicos, havidos na relação do casamento ou não, quer os não-biológicos, que integram a categoria dos adotivos." (in artigo Dos filhos havidos fora do casamento)

Apesar de a própria Constituição proibir qualquer tipo de discriminação entre os filhos, o artigo 1841 estabelece in verbis:

"Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar."

Esta distinção é questionada frente à Constituição Federal, antes mesmo da aprovação do Novo Código Civil:

"...isoladamente, se posiciona Ulderico Pires dos Santos, com o qual, ousamos discordar.

Entende o eminente doutrinador que: ‘a distinção que o Código Civil faz em relação aos irmãos bilaterais e os unilaterais, pára os efeitos de sucessão, atenta contra o princípio da igualdade que a vigente Carta Constitucional lhes consagra ao equiparar para todos os efeitos, as diversas formas de filiação.

Nada induz o intérprete a supor que o legislador constitucional tenha querido circuscrever a sua ação protetora aos interesses apenas morais dos filhos(sic). Cuidando, como a norma constitucional suso cuida, da igualdade jurídica dos mesmos, não podia ela ter deixado de ampará-los também no que respeita aos seus interesses pecuniários, sejam eles filhos do mesmo pai e da mesma mãe, ou de pais diferentes, isto é, irmãos germanos ou unilaterais.

[...]

No entanto, persiste o entendimento de que em sendo a divisão da herança entre irmãos germanos e irmãos unilaterais esta deverá ser desigual. Caso contrário, aí sim, estar-se-ia a ferir o princípio da igualdade."[sic] (Fernanda de Souza Rabello, in op. cit.).

Porém, Fernanda de Souza Rabello afirma que:

"Ora, não se pode igualar os desiguais, irmãos unilaterais nunca serão como os bilaterais ou germanos.

Não se esta aqui a dividir a herança de seus pais, caso em que perfeitamente aplicável o princípio da igualdade entre todos os filhos, não importando a origem da filiação. Todos são considerados filhos, dividindo-se igualmente a herança entre eles.

Neste sentido vem se posicionando a doutrina majoritária. Orlando Gomes assevera que os irmãos de duplo sangue herdam o dobro da quota-parte dos irmãos de pai, ou de mãe Variam os métodos empregados para o cálculo do quinhão de cada qual." (op. cit.).

Deve-se antes de mais nada lembrar que, neste caso, a distinção é feita, pois trata-se de sucessão de colaterais, e não de descendentes.

A explicação da constitucionalidade de tal distinção é trazida de forma inafastável por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

"Entende a lei que seria injusto que um irmão unilateral recebesse a mesma quantia que um irmão bilateral, e isso pode ser explicado por uma ficção que estaria implícita no raciocínio legal, segundo a qual a herança teria passado, meio pelo meio, aos ascendentes do defunto. Ato contínuo, a morte dos ascendentes faria transmitir o acervo recebido aos descendentes de cada qual. Assim, o irmão bilateral receberia uma quota de seu pai, outra de sua mãe, ao passo que o irmão unilateral receberia uma única quota, advinda ou de seu pai, se este o genitor comum, ou de sua mãe, se irmãos unilaterais a matere.

Entretanto, tal ficção não é levada a extremos, motivo pelo qual, se concorrem apenas irmãos unilaterais, cada um deles recebe uma quota equivalente, cessando a presunção de que os genitores do de cujus teriam herdado antes dos irmãos deste.

Assim, tendo sido chamados à sucessão irmãos unilaterais em concorrência com irmãos bilaterais, a herança ser-lhes-á deferida na proporção de uma parte para duas..."[sic] (Comentários ao código civil, págs. 242 e 243).

Assim, apesar de não caber qualquer discussão quanto à constitucionalidade da distinção entre irmãos uni e bilaterais feitas pelo novo Código Civil, é possível que tal distinção seja alvo de críticas quanto a uma (im)possível inconstitucionalidade.

5.2 - O artigo 1816 e os filhos concebidos após a sucessão em que seu ascendente fora declarado indigno

O novo Código Civil trás o artigo 1816, que repete o que anteriormente era dito pelos artigos 1599 e 1602 do Código de 1916. Artigo este que, in verbis:

"São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.

Parágrafo único. O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens."

Trata-se de artigo da mais alta justiça, pois pune adequadamente aquele que foi considerado indigno de suceder ao falecido. Fez bem o Código em repetir tal punição, e, apresentou melhora em relação ao Código anterior, reunindo dois artigos em um único.

Mas, qual é a dúvida que pode ser gerada por tal artigo?

Cumpre aqui apresentar-se um caso hipotético.

Imagine-se um indivíduo qualquer que, casado e pai de dois filhos, seja considerado indigno de suceder à sua mãe. Após sentença transitada em julgado, onde ele é declarado indigno, a herança seria dividida entre seus dois filhos. Até aqui não há qualquer dificuldade, porém, imagine-se, ainda, que, após alguns anos, este indivíduo - que fora considerado morto - decide ter outro filho... Aqui está o problema: o filho concebido após a declaração de indignidade não terá direito à qualquer bem de sua avó, ficando - e muito - prejudicado em relação aos seus irmãos, que herdaram, sozinhos, a herança.

O Código Civil não trás qualquer solução para este problema.

Dirão uns que a sucessão se opera no momento da morte do de cujus, e que, portanto, só herdarão os netos que existam ao tempo da morte da avó.

Porém, a ficção jurídica que existe é a da morte do pai. É como se o pai herdasse, e, logo depois morresse, ou que estivesse morto antes da avó. Porém isto é apenas uma ficção jurídica. O pai está vivo, e poderá ter outros filhos, e não parece que esta explicação seja justa do ponto de vista dos filhos, onde, alguns herdam os bens da avó, e outro(s) não.

Talvez seja dito que este é um artigo que está em vigor desde 1916 - uma vez que seu ordenamento já existia, de forma pouco diversa, no Código anterior - e que até hoje, nunca tal caso hipotético foi apresentado na vida prática, e esta dúvida nunca ocorreu.

Mas, apesar de nunca ter sido levantada tal dúvida, e, apesar da dificuldade de se apresentar tal caso de forma concreta, o Direito não pode fingir que esta é uma hipótese impossível e simplesmente não legislar a respeito.

5.3 - Da falta de legislação quanto aos avanços da tecnologia

Quanto à falta de regulamentação referente aos recentes avanços tecnológicos, destaca-se a possibilidade assinalada por Anastácio Lima de Menezes Filho:

"Trata-se da hipótese em que um homem sofre terrível acidente ou está mortalmente enfermo, pedindo sua mulher que lhe retirem sêmen, e, antes ou após a morte, é inseminada, restando, ao final, à espera de rebento.

Sem necessidade de análises profundas, de plano constatamos como são insatisfatórias nossas regras sobre sucessões para solucionarem com justiça referido caso. Quem fica com a herança? O futuro filho? Ou seria mais justo os ascendente do de cujus?" (op. cit.).

Ou, imagine-se este outro exemplo hipotético, que, não tão simples quanto o primeiro, trás maiores dificuldades práticas:

"Criemos um caso hipotético - já possível atualmente, visto o atual estágio de desenvolvimento da ciência genética - onde um indivíduo, casado com uma mulher que, por deficiência qualquer seja incapaz de gerar, dentro de seu útero, uma criança.

Imagine-se que este indivíduo, desejando ter um filho, opte por fazer um clone de si mesmo, com a ajuda de um óvulo doado por sua esposa, e que, posteriormente à ‘fecundação’ seja implantado em uma ‘barriga de aluguel’.

Até aqui não existem grandes problemas jurídicos, apenas - e sobretudo éticos.

Mas, apenas para ‘apimentar’ o caso hipotético, suponha-se que seja gerada uma criança da forma como foi descrito, e que, depois do nascimento, uma ‘Vilma Martins’ - N. do A.: "Apenas para relembrar, Vilma Martins é a acusa de ter ‘seqüestrado’ na maternidade, dois bebês, os quais criou como se fossem seus filhos ‘legítimos’." - qualquer decida ‘adotar’ esta criança.

Porém, o caso se complica, tornando-se quase insolúvel, se, após uns vinte anos, este jovem participe de um concurso ‘lotérico’ qualquer e seja vencedor. Imagine-se o problema sucessório que se desencadearia caso este recém-milionário viesse a falecer...

Quem seriam os herdeiros?

‘Vilma Martins’ e seu companheiro, os quais criaram a criança como se fosse seu filho?

O ‘pai’, geneticamente igual ao de cujus?

A mãe que doou o ovário para a inseminação artificial?

A mãe de aluguel?

Ou os pais do ‘pai’, que, em caso de exame de ADN seriam apontados como genitores do falecido?" (Enéas Castilho Chiarini Júnior in artigo Torre de Babel).

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Sem entrar-se na discussão sobre as possibilidades jurídicas de solucionar-se os casos apresentados - como fez o primeiro autor, e deixou de fazê-lo o segundo -, cumpre apenas constatar-se que, realmente, o Código Civil deixou lacunas que poderão - e certamente irão - trazer grandes dificuldades de aplicação prática na solução de futuros conflitos.

Claro que têm razão os defensores do novo Código quando afirmam que um Código Civil não é campo para "experiências legislativas", e que deveriam ser trazidas para codificação apenas as orientações já consolidadas.

Porém, não parece razoável que questões como as levantadas permaneçam sem qualquer solução dentro do novo Código, que deveria trazer, ao menos, indícios razoáveis que fossem capazes de solucionar problemas deste jaez.

Neste campo - das lacunas legislativas deixadas pelo Código Civil - cumpre fomentar debates jurídicos que sejam capazes de encontrar soluções para casos semelhantes, e, ao mesmo tempo, pressionar o legislador para que sejam criadas leis que definitivamente acabem com estas discussões (mesmo que estas leis tragam, num primeiro momento, soluções não tão justas, pois a pior de todas as injustiças é a insegurança jurídica, principal inimiga do Direito).


6.0 - Conclusão

Quanto à sucessão legítima, como visto, o novo Código Civil não trouxe modificações profundas, exceto em três aspectos específicos: a) ordem de vocação hereditária, b) sucessão do cônjuge e c) sucessão do companheiro.

Modificações estas que, relativamente à sucessão do cônjuge - implicando na mudança da ordem de vocação hereditária - bem andou o legislador ao fazer do cônjuge supérstite concorrente relativamente à descendentes e ascendentes, pois, nas palavras do próprio Miguel Reale, comentando o que, à época ainda era o Projeto de Novo Código Civil:

"No que se refere à igualdade dos cônjuges, é preciso atentar ao fato de que houve alteração radical no tocante ao regime de bens, sendo desnecessário recordar que anteriormente prevalecia o regime da comunhão universal, de tal maneira que cada cônjuge era meeiro, não havendo razão alguma para ser herdeiro. Tendo já a metade do patrimônio, ficava excluída a idéia de herança. Mas, desde o momento em que passamos do regime da comunhão universal para o regime parcial de bens com comunhão de aqüestos, a situação mudou completamente. Seria injusto que o cônjuge somente participasse daquilo que é produto comum do trabalho, quando outros bens podem vir a integrar o patrimônio e ser objeto de sucessão. Nesse caso, o cônjuge, quando casado no regime da separação parcial de bens (note-se), concorre com os descendentes e com os ascendentes até a quarta parte da herança. De maneira que são duas as razões que justificam esse entendimento: de um lado, uma razão de ordem jurídica, que é a mudança do regime de bens do casamento; e a outra, a absoluta equiparação do homem e da mulher, pois a grande beneficiada com tal dispositivo é, no fundo, mais a mulher do que o homem." (op. cit., pág. 18).

Já, com relação à união estável, o Código ficou um pouco confuso, perdeu um pouco de sua coerência e prejudicou sua sistematização. Porém, é preciso lembrar que o projeto de Código data de 1975, antes, portanto, da Constituição Federal - a verdadeira responsável pelos avanços no campo de uniões não-matrimoniais -, tendo o Código sido apenas "remendado" para abrigar os avanços trazidos pela Carta Magna.

De qualquer maneira, trata-se de um Código Civil que acaba de entrar em vigor. Por um lado trás avanços em relação ao Código anterior, assimilando os avanços trazidos pela jurisprudência, e acrescentando alguns avanços jurídicos. Por outro lado, porém, ainda trás imperfeições e lacunas, problemas estes que somente serão resolvidos - ou minimizados - com o tempo, através da jurisprudência, fruto de muita discussão.


Referências Bibliográficas

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 6: direito das coisas. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002;

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HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões, vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856) / Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. - São Paulo: Saraiva, 2003;

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RIBEIRO, Alex Sandro. A sucessão na união estável face ao novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: jus.com.br/revista/ doutrina/texto.asp?id=2952>. Acesso em: 23 jun. 2003;

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Sobre o autor
Enéas Castilho Chiarini Júnior

advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Da sucessão no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 191, 13 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4511. Acesso em: 22 nov. 2024.

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