O Direito Pátrio aplicado ao marketing multinível.

A necessidade de criação de uma legislação própria para reger as práticas de marketing multinível no Brasil

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06/12/2015 às 11:03
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4. O CASO TELEXFREE

Após o crescimento da Mister Colibri no Brasil, outra empresa com um sistema de bonificação muito semelhante surgiu com força no mercado. Essa empresa foi a Telexfree. As pessoas já estavam empolgadas com a possibilidade de ganhar dinheiro sem precisar vender nada nem cadastrar ninguém que a Mister Colibri oferecia, apenas vendendo os Lp’s para as novas pessoas que entravam no negócio. Foi então que a Telexfree surgiu com uma promessa ainda mais atrativa, ganhar dinheiro real sem precisar vender nenhum produto e sem precisar cadastrar novas pessoas, apenas fazendo anúncios na plataforma da empresa. O negócio era baseado na comercialização de linhas Voip, que é um serviço de telefonia via internet, semelhante ao Skype. No caso específico da TelexFree, era oferecido ao interessado em divulgar o serviço duas opções. Uma delas era a chamada "Adcentral", no valor de US$ 299,00 (cerca de R$ 586,67), que rendia ao usuário o direito de postar um anúncio diariamente em sites específicos da Internet. Por isso, o usuário recebia US$ 49,90 (R$ 97,91) semanalmente, em um lucro anual de US$ 2594,80 (R$ 5089,69). A Telexfree prometia aos usuários que a diferença viria dos lucros de seu serviço Voip, apresentando inclusive estatísticas sobre o crescimento do uso de seu programa. Entretanto, o produto oferecido pela empresa se mostrava pouco competitivo no próprio mercado Voip, com um plano mensal de 3 mil minutos em ligações por R$ 97,91 (US$ 49,90). Em comparação, o Skype oferece um plano de ligações ilimitadas para um país à escolha do usuário por R$ 25,99.

4.1 O que foi o caso TelexFree

A Telexfree oferecia ainda um outro plano de divulgador chamado "Adcentral Family", no valor de US$ 1.375,00 (R$ 2.697,89) que prometia um lucro anual de US$ 12.974 (R$ 25.456,29) através de cinco divulgações diárias. Assim como na "Adcentral", o plano família não obrigava o usuário a vender o produto Voip em si, mas incentivava o recrutamento de outros divulgadores, através de um suposto aumento nos lucros trazido pelo trabalho feito pelos divulgadores que o usuário recrutou.

Como já foi falado, uma empresa, para poder pagar bônus fixos, precisa usar o dinheiro investido pelo novo franqueado para aplicar em alguma fonte de renda que possibilite a empresa lucrar e ainda poder pagar os bônus fixos prometidos. Isso não acontecia na TelexFree. A justificativa para o pagamento dos bônus vinha somente da comercialização dos pacotes Voip, e isso dentro do mercado tradicional. Mas, como já foi falado, o produto da TelexFree não era competitivo dentro do próprio mercado de Voip. O resultado era que as vendas desse Voip eram muito poucas em comparação ao que a empresa tinha que pagar em bonificações. Logicamente o dinheiro utilizado para realizar esses pagamentos era das novas adesões de novos investidores, em um clássico esquema de pirâmide financeira. A TelexFree poderia ter feito algo semelhante ao que a MulticlickBrasil fez, ou seja, diversificar suas atividades para gerar uma sustentabilidade, mesmo não tendo nascido já sustentável. Porém a empresa alcançou a marca histórica de 1 milhão de franqueados só aqui no Brasil e ainda continuava tentando justificar as bonificações apenas com a vendas dos pacotes Voip no mercado tradicional. Isso obviamente não seria possível e não precisa ser nenhum gênio para entender. Mas por que então a empresa demorou tanto para ser bloqueada pela justiça? Bem, aqui o fator que proporcionou isso foi a grande organização da empresa. Quem era franqueado da TelexFree simplesmente amava a empresa, pois recebia as bonificações na conta bancária sem nenhum atraso todos os meses. Fora isso, atores famosos entraram para o negócio, garotos propaganda também famosos foram contratados pela empresa para fazer as apresentações virtuais do sistema. Esse foi um período muito estressante para o marketing de rede legítimo, pois quem iria conseguir cadastrar pessoas em negócios tradicionais existindo um outro negócio que prometia lucros independente de vendas e de recrutamento de novas pessoas? Com razão, as empresas de MMN tradicionais começaram a fazer denúncias e a fomentar o comentário de que a TelexFree seria na verdade um grande esquema de pirâmide financeira disfarçada de marketing multinível. As denúncias aumentaram e chamaram a atenção da justiça finalmente.

O caso TelexFree foi a maior prova de que necessitamos urgentemente de uma legislação própria para o marketing multinível no Brasil, pois se houvessem leis que regulassem esse mercado essas milhares de pessoas não teriam tido tantos prejuízos. A empresa só conseguiu passar tanto tempo em funcionamento por que não existem formas unificadas de interpretar a atuação de uma empresa que esteja praticando, ou pelo menos se dizendo praticar, o MMN. Só a título de exemplo, segue abaixo uma ementa que demonstra a incoerência dos tribunais nos julgamentos de casos envolvendo pirâmides. Um tribunal bloqueia as contas da TelexFree e um outro determina multa diária que não pode ser cumprida por conta desse bloqueio das contas da empresa.

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTITUIÇÃO DE VALORES ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA PELO JUÍZO SINGULAR. TELEXFREE. CONTRATO DE ADESÃO DE SERVIÇOS E PUBLICIDADE MARKETING MULTINÍVEL. FORTES INDÍCIOS DE NEGÓCIO JURÍDICO QUE CONSUBSTANCIA PIRÂMIDE FINANCEIRA. PROMESSA DE LUCRO FÁCIL E RÁPIDO. IMPORTÂNCIA. PARTICIPAÇÃO DE MAIOR NÚMERO DE ADERENTES. INEXISTÊNCIA DA VENDA DE UM PRODUTO REAL A SUSTENTAR O NEGÓCIO. VEDAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. LEI Nº. 1.521/51. DECISÃO MANTIDA. MULTA DIÁRIA PARA CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO. DEPÓSITO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE CONTA BLOQUEADA POR OUTRO JUÍZO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. Ainda que no contrato de adesão de serviços de publicidade a empresa telexfree intitule-se como uma rede de marketing multinível, não há como convalidar seus negócios, se na prática, há fortes indícios de que sua atividade caracteriza-se pirâmide financeira, já que não existe a venda de um produto real que sustente o negócio, sendo a sua principal fonte de renda o incentivo à adesão de novas pessoas ao negócio, com promessa de ganho fácil e rápido. Assim, em havendo indícios de atividades consubstanciadas em "pirâmide financeira", o negócio jurídico reveste-se de ilicitude diante do que prevê a Lei nº 1521/51. Deste modo, o pleito do agravado é verossímil, devendo ser mantida a decisão que defere a antecipação de tutela concedida para restituição de valores, ante a presença dos requisitos do artigo 273 do CPC. Deve ser excluída a multa pelo descumprimento da decisão (depósito de valores), quando é sabido que a conta da empresa, no caso telexfree, encontra-se totalmente bloqueada por outro juízo (rio branco-ac), muito mais ainda quando a própria decisão recorrida determina a expedição de ofício àquele juízo cientificando-o da decisão e para que proceda a vinculação do valor no rosto dos autos e/ou proceda o desbloqueio e o depósito na conta única judicial deste tribunal.

(TJ-MT; AI 98696/2013; Rondonópolis; Segunda Câmara Cível; Relª Desª Marilsen Andrade Addário; Julg. 05/02/2014; DJMT 26/02/2014; Pág. 28).


5. COMO AS PIRÂMIDES FINANCEIRAS PODEM AFETAR O MERCADO

Todos esses casos de pirâmide financeira podem afetar bastante os setores da economia que produzem e comercializam produtos das mesmas espécies encontrados em negócios fraudulentos de pirâmide disfarçados de MMN. Por exemplo, depois do caso telexfree uma pessoa leiga, ao receber uma proposta de algum promotor de vendas de alguma operadora de telefonia a respeito de serviços Voip, pode interpretar de forma equivocada e raciocinar que esse tipo de produto, o Voip, está relacionado à golpe. Isso pode perfeitamente ocasionar uma queda das vendas de telefonia Voip no mercado, apenas pela imagem negativa que a TelexFree deixou em relação a esse serviço. Da mesma forma, as pessoas podem confundir um serviço de rastreamento veicular tradicional com o tipo de proposta que era oferecido pela BBOM quando ela ainda estava em operação no ramo de rastreamento( a BBOM aguarda o resultado do processo judicial para a liberação das suas atividades). Algo mais concreto, fácil de ocorrer, e que ocorre bastante, é a constante generalização do conceito de pirâmide financeira. As pessoas, no geral, igualam empresas que praticam o MMN tradicional, legítimo, a exemplo da Herbalife e Forever, com empresas fraudulentas como a TelexFree. É comum escutar comentários como: marketing multinível é um nome bonito para pirâmide; essas empresas são todas iguais, é tudo pirâmide financeira; não vou entrar nesse negócio de marketing multinível, isso é furada. Esses tipos de expressões são bem comuns de serem escutadas quando se toca no assunto aqui em questão. Dessa forma todo o mercado é afetado, tanto as empresas que operam no tradicional como as que operam no MMN.


6. INVESTIGAÇÃO DOS CASOS DE PIRÂMIDE NO BRASIL

Os casos de pirâmide financeira no Brasil são, em sua maioria, investigados pela Polícia Militar em parceria com o Ministério Público. Órgãos como os PROCONS dos estados podem oferecer denúncias, como foi o caso da TelexFree, mas a investigação ocorre por meio da Polícia Militar. Somente a investigação não é suficiente, sendo necessário também a fiscalização. Não temos ainda nenhum órgão responsável por fazer essa fiscalização das atividades das empresas que operam marketing multinível no Brasil.

Uma solução possível para essa questão da fiscalização seria um acompanhamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União, em que tais órgãos iriam receber relatórios periódicos das atividades das empresas que operam no Brasil, para identificar possíveis condutas estranhas que possam caracterizar formação de pirâmide financeira.

O mais adequado seria, logicamente, a criação de um órgão especializado nessa fiscalização, um órgão que tivesse apenas essa atribuição e responsabilidade. Dessa forma a fiscalização seria feita de forma mais centrada, minuciosa.


CONCLUSÃO

Por tudo que foi apresentado aqui pudemos observar que um mercado que movimenta milhões de reais todos os anos, que abrange mais de 5 milhões de pessoas e que, mais importante do que tudo isso, proporciona realização de sonhos, precisa estar regulamentado por uma lei específica. Além disso, os magistrados precisam conhecer mais sobre o assunto, compreender toda a complexidade das relações existentes no marketing multinível, compreender de uma vez por todas as diferenças entre pirâmide financeira e MMN legítimo, caso contrário, mesmo existindo uma lei, continuarão a acorrer abusos, manobras processuais erradas, decisões precipitadas. O marketing multinível já provou ao longo da história que é uma atividade legítima, hoje já representa mais de 30% do PIB norte americano. Aqui no Brasil já é uma realidade, onde é muito comum encontrar pessoas que estão evolvidas nesse mercado. Hoje é uma certeza afirmar que todos tem algum amigo, conhecido ou familiar que já trabalhou ou ainda trabalha com MMN. A necessidade dessa regulamentação do mercado não envolve apenas o perigo sempre eminente das pirâmides financeiras, pois empresas de boa índole já sofreram e continuam a sofrer com a falta de conhecimento da sociedade e dos magistrados competentes. Nunca na história desse país enfrentamos uma situação tão difícil financeiramente falando, o preço da gasolina não para de subir, os alimentos, transporte público, saúde pública, educação, lazer, e tudo o mais que tem algum tipo de valor pecuniário está subindo de preço dia após dia. Nesse cenário o MMN se torna uma válvula de escape, onde pessoas sem nenhum estudo podem mudar suas vidas por completo e mudar o destino traçado pela dura realidade a qual estamos inseridos hoje. Um mercado como esse não pode ficar a deriva de opiniões infundamentadas, de perseguições desleais, de ignorância intelectual a respeito do tema. Um mercado como esse deve ser respeitado e valorizado por toda a sociedade, pois o MMN é um dos poucos caminhos que um brasileiro assalariado pode percorrer em busca da liberdade financeira. Logicamente isso não é a intenção de nossos governantes, pois caso assim fosse, os currais eleitorais estariam ameaçados. Brasileiro não deve ganhar dinheiro, não deve crescer na vida, brasileiro tem que continuar ganhando um salário mínimo e aproveitando as vantagens maravilhosas dos programas governamentais, como bolsa família certo? Errado! Brasileiro deve ter sua dignidade protegida, pois isso é um fundamento da República Federativa do Brasil, consubstanciado no artigo 1°, inciso III da Constituição de 1988.

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Bibliografia

ARAGÃO, Paulo. Pequena história do Marketing Multinível. Recife, Comunigraf Editora, 2009

NOBREGA, Celso. Entendendo o Marketing de Rede. São Paulo, Editora Brasiliense, 2011.

BUAIZ, Sérgio. Marketing de Rede a fórmula da liderança: tudo que você precisa saber para irradiar energia e confiança dentro de suas organizações. Rio de Janeiro: Instituto MLM Brasil, 1998.

www.abevd.org.br. Acesso em 15 de 02 de 2015, disponível em www.abevd.org.br: https://www.abevd.org.br/sobre/historia/, 12/03/2015.

ALVARENGA, D. Saiba como identificar indícios de pirâmide para não cair em golpes. Acesso em 18 de 02 de 2015, disponível em G1 Economia: https://g1.globo.com/economia/noticia/2013/07/saiba-como-identificar-indicios-de-piramide-para-nao-cair-em-golpes.html, 12 de 07 de 2013.

ÊXODO, A Bíblia Sagrada. 4ª Ed. Tradução por João Ferreira de Almeida. Santo André: Geográfica Editora, 2004.

BRUNO, C. Ondas de Marketing Multinível. Acesso em 17 de 03 de 2015, disponível em Seu Peixe na Web: https://seupeixenaweb.com.br/ondas-de-marketing-multinivel/. 27/07/2013.

MUGNATTO, Silvia. Deputados querem regulamentar Marketing Multinível no País. Acesso em 25 de 04 de 2015, disponível em Câmara dos Deputados: https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/455917-DEPUTADOS-QUEREM-REGULAMENTAR-MARKETING-MULTINIVEL-NO-PAIS.html.

TJ-MT; AI 98696/2013; Rondonópolis; Segunda Câmara Cível; Relª Desª Marilsen Andrade Addário; Julg. 05/02/2014; DJMT 26/02/2014; Pág. 28

TJSE – AC 201400724182 – (18439/2014) – Relª Desª Maria Aparecida Santos Gama da Silva – DJe 12.11.2014 – p. 60


Abstract: Despite the misinformation and negative reputation, we must recognize that the so-called multilevel marketing is not an illegal practice. It is necessary not to confuse MLM with the crime that is known in the market as a financial pyramid. The first is a business model that rewards players with bonuses that help promote certain consumer goods and services, as an alternative to traditional investments in advertising. While the first "does not constitute a criminal offense per se," the practices are crime and can be disguised as multilevel marketing. The lack of specific legislation and a specialized government agency to regulate and supervise the network marketing practices in Brazil has caused many people to lose money, either by coming into financial pyramids disguised as MLM (multilevel marketing), or coming into companies that were blocked by the national justice under the suspicion that such organizations would be practicing, in fact, the best known financial hit in the US as scheme so-called "ponzi". The laws that are now applied to cases involving MLM are not suitable as they provide to other contexts, other realities. The financial market has evolved a lot in recent years and the concepts that were once irrefutable paradigms are becoming outdated. So there is a dire need of adequacy of Brazilian legislation to existing multilevel marketing practices in Brazil. In this context, it is in the National Congress Bill (PL) 6170/13 by Mr Silas House (PSD-AM), which seeks to regulate the activity of multilevel marketing operator in Brazil. Once created MMN Law consumers and entrepreneurs will no longer have any problems with financial scams disguised as MLM and unsubstantiated blockages by the judgment to the companies that are serious, but are constantly confused with pyramids.

Key words: Multilevel Marketing, Regulatory, Financial Pyramid, Bill.

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