Conciliação:meio alternativo de solução de conflitos

Uma mudança de paradigmas em uma sociedade de educação judicante e litigiosa

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14/12/2015 às 13:28
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O presente estudo tem por escopo principal a análise do instituto da conciliação, promover a pacificação social diante dos problemas da jurisdição que em muitos casos se torna ineficaz pela morosidade exacerbada de seus procedimentos extremamente formais.

RESUMO

O presente estudo tem como objeto a análise do instituto da conciliação, método alternativo de solução de conflitos, com o objetivo principal de promover a pacificação social diante dos problemas da jurisdição que em muitos casos se torna ineficaz pela morosidade exacerbada de seus procedimentos extremamente formais.          Por meio de uma breve análise histórica, o estudo buscará demonstrar o método clássico de resolução dos conflitos, desde o predomínio da autotutela até o advento do Estado que chama para si a responsabilidade de resolver os conflitos sociais com o monopólio da jurisdição. O trabalho traz a proposta da criação de uma política pública voltada para a conciliação, que vá além do Poder Judiciário, envolvendo todos os entes federativos além dos segmentos sociais criadores de opinião e pesquisa. Somente um esforço conjunto entre Estado e sociedade será capaz de mudar a mentalidade social, algo essencial para a efetividade da chamada cultura de pacificação. Espera-se com o presente trabalho demonstrar a relevância deste instituto para a pacificação social, além de seu efeito reflexo para o alívio do Poder Judiciário.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o desiderato de abordar o instituto jurídico da conciliação aqui compreendida a conciliação judicial, extrajudicial, além dos mecanismos de facilitação entre as partes em conflito para o deslinde da controvérsia sem a necessidade de intervenção judicial.

O trabalho aponta a importância deste instituto frente à crise judiciária atual, onde os fóruns estão abarrotados de processos pendentes de julgamento, o que torna a tramitação lenta, ferindo mortalmente o constitucional princípio da celeridade processual, o que torna o judiciário uma ferramenta morosa não garantidora dos direitos que visa tutelar.

Em um primeiro momento demonstra-se a relevância da conciliação em relação ao cenário judicial atual, este trabalho busca classificar as diversas modalidades de meios de solução alternativa de conflitos existentes.

O foco de discussão a conciliação judicial e extrajudicial. A primeira criada como uma solução imediatista, para frear o acúmulo de processos pendentes de julgamento nos juízos de primeira instância e a segunda, idealizada para impedir que os litígios cheguem à esfera judicial, o que se torna possível se as controvérsias forem dirimidas em setores especiais de conciliação, setores estes que podem ser integrados por juntas de advogados, promotores ou mesmo membros do judiciário, especialmente designados para tanto.

A pesquisa analisa a natureza de uma típica audiência de conciliação, delimitando algumas de suas peculiaridades em relação às audiências litigiosas judiciais comuns, o que se traduz, especialmente, na liberdade de formas e ausência de formalismo exacerbado, diferentemente do que ocorre nas instâncias judiciárias.

Ainda será analisado no decorrer do presente estudo, visando elucidar os entendimentos que versa sobre um dos meios de resolução de conflitos, uma visão geral do atual Código de Processo Civil com projeto do Novo Código de Processo Civil, pois ocorreram determinadas modificações sobre o assunto em comento.

O intuito pretendido deste trabalho é que para entender a conciliação, primeiramente é necessário que se afaste a visão clássica processualista de litígio, em que as partes estão em constante conflito, defendendo interesses bem delimitados antagônicos e onde os interesses não encontram lugar para convergirem. Na conciliação o objetivo é a conversão dos interesses e o denominador comum possível de ser obtido através de negociação e diálogo mútuo. Em vista disso, ressaltamos a figura do conciliador e o seu papel no processo de conciliação, explicitando as formas e mecanismos à sua disposição para que seja possível a condução do litígio a uma resolução.

Por fim serão delimitadas as matérias que comportam a conciliação e os efeitos da conciliação judicial e extrajudicial. Espera-se demonstrar que a conciliação é um poderoso instrumento de solução de conflitos que ainda precisa ser muito explorada pelo Direito Pátrio, representando, mesmo, a solução mais palpável para o acúmulo de processos nas instâncias judiciais e os danos que isso representa para todos os cidadãos privados de uma solução rápida, pressuposto de sua eficácia.

A conciliação ainda é um fenômeno adstrito, em grande parte, à esfera judicial, por conta da nova orientação jurídica que tem obrigado os magistrados a instituírem setores de conciliação, e tentá-la sempre que possível em todas as fases processuais.

Apesar disso, a conciliação extrajudicial ainda é uma realidade distante da maioria dos juristas, o que pode ser explicado, talvez, por conta da educação jurídica nacional voltada para a resolução clássica de litígios, que formam profissionais voltados para a “cultura da sentença” [1] preocupados na maioria das vezes com os honorários advocatícios e não com a possibilidade de uma resolução de conflito pacífica.

Entende-se que a conciliação, efetivamente implementada, será necessária antes uma mudança nas bases estruturais do Direito nacional, conscientizando os novos bacharéis e operadores do direito sobre a sua importância e seus benefícios.

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O INSTITUTO DA CONCILIAÇÃO

2.1 Um Breve Histórico sobre a resolução de conflitos

Para adentrar em passado distante de como foram surgindo os conflitos, Franciso C. Weffort nos reporta em sua obra uma passagem de Maquiavel em “O príncipe” (cap. XVII) da qual ele afirma que os homens “são ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro”. Acentua que estes atributos negativos compõem a natureza humana e mostram que o conflito e a anarquia são desdobramentos necessários dessas paixões e instintos malévolos. [2]

O homem, ser eminentemente social, conforme defende Rousseau que: “tão logo sela o pacto social mostrando percebe a necessidade de se criar um conjunto de regras a ser respeitadas por todas as pessoas, no intuito de evitar conflitos de interesses que ameaçariam toda a sociedade, o que se dá por meio de limitações de algumas liberdades individuais”.[3]

Esse conjunto de regras, entretanto, não se mostra eminentemente preventivo no controle do surgimento dos litígios, sendo utilizado igualmente na resolução dos litígios instaurados. Ocorre que a visão moderna de sistema legislativo e judiciário não era realidade nos primórdios da sociedade.

Havia, sim, normas de conduta existentes nas primeiras sociedades, que eram baseadas em costumes e valores familiares transmitidos pela tradição de conhecimentos ao longo das gerações. Essas normas de conduta, entretanto, tinham sua aplicação circunscrita a pequenos agrupamentos, que significavam uma mesma unidade cultural e genética. Entre os diferentes grupos ainda imperava, portanto, a lei natural do mais forte, a mesma lei que rege o destino de todas as formas de vida na natureza.

A resolução dos conflitos de interesses era, portanto, relegada ao poder daqueles que mais estivessem aptos a impor suas vontades, através da chamada autotutela. Ainda nos agrupamentos homogêneos a autotutela era o sistema recorrente e considerado valorativo para indicar, de fato, com quem estava verdadeiramente a razão.

Um trecho do texto de Rousseau que Francisco C. Weffort cita:

[...] No período da revolução agrícola há séculos atrás as sociedades nômades não tinham sua noção de propriedade ou de hierarquia social, mas o implemento da agricultura naquela época foi uma verdadeira revolução, no sentido de que acentuou todos esses conceitos dotando-lhes da visão moderna tanto da propriedade como de hierarquia. Com a hierarquização dos homens e acúmulo de riquezas o pacto social assumiu uma roupagem inteiramente nova e a autotutela não desapareceu, mas o homem, preocupado em conservar a propriedade, cria algumas bases de defesa deste instituto. (ROUSSEAU apud WEFFORT, 2006).

Os meios de solução dos conflitos ainda violentos e desproporcionais, não são os meios coercitivos de exclusividade do Estado, mas há um esboço de normas sociais impondo limites à autotutela, ao menos no sentido de tentar dotá-la de legitimidade. Com a consolidação da figura do Estado, este passa a deter o monopólio da coerção para assegurar que os direitos e obrigações serão respeitados.

Acontece que o contrato social e a criação de normas públicas não são institutos plenamente suficientes para alcançar a paz social. Muitas vezes a pretensão de uma pessoa, que se traduz em seu direito, encontra óbices na esfera de direitos de outra pessoa, o que se convencionou chamar de conflito de interesses.

A entrega do litígio ao Estado para a resolução impositiva se mostra altamente danosa, pois desconsidera, em muitos casos, a natureza heterogênea dos direitos conflitantes. O litígio é encerrado com a tutela judiciária, mas o conflito permanece alimentado pela parte que se sente lesada com a justiça imposta. “O conflito é inerente à condição humana e, consequentemente, uma característica da sociedade que vivencia sua marcha constante, fenômeno que, exceto em plano religioso, não há quem vislumbre terminar”. [4]

Fez-se esse breve histórico para demonstrar como a solução de conflitos sempre foi obtida por meios impositivos quando levada ao Estado.  Não se busca a extinção dos conflitos, e sim uma resolução pacífica e célere, fenômeno esse inerente à sociedade.

A proposta deste trabalho é demonstrar uma forma de solucionar o conflito por meio de um mecanismo que efetivamente promova a paz social. Mecanismo este que pode ser usado pelo Estado, através dos órgãos habilitados, e que trará efetivos resultados e satisfação entre as partes que o buscarem. A Conciliação.

2.2 Evolução da Conciliação

A conciliação historicamente já estava presente na Constituição Imperial, ou seja, surgiu na Constituição do Brasil aprovada por Dom Pedro I em 1824, a qual tratava da organização judiciária estabelecendo a obrigatoriedade de o autor, em determinados conflitos, provar, preliminarmente, ter submetido o caso ao serviço de conciliação: “Artigo 161. Sem fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum.”. [5]

De acordo com o artigo supra percebe-se que não poderia prosperar o processo sem que antes tivesse, ao menos, passado pela a tentativa da autocomposição. Ratificando a intenção do legislador no artigo 162 desta mesma Constituição ficou dito que para esse fim haverá juiz de paz.

Marco Aurélio Gastaldi Buzzi faz uma citação referente à passagem da conciliação em alguns momentos históricos:

[...] Têm-se como dados históricos a “Lei Orgânica das Justiças de Paz – 15.10.1827 que em seu artigo 5º dispõe que Compete ao Juiz de Paz: I – Conciliar as partes que pretendem demandar, por todos os meios pacíficos que estiverem ao seu alcance, mandando lavrar termo de resultado, que assinará com as partes e o escrivão. O Regulamento de 15 de março de 1842, em seu artigo 1º, §1º, previa o instituto da conciliação. O Regulamento do Processo Comercial (Decreto 737, de 25 de novembro de 1850), contemplou a conciliação entre os seus artigos 23 até 38: Artigo 23 – Nenhuma causa comercial será proposta em juízo contencioso, sem que previamente se tenha tentado o meio de conciliação, ou por ato judicial, ou por comparecimento voluntário das partes. E regulada pelo Decreto n. 4.824 (22.11.1871), a Lei n. 2.033 (20.09.1871) tratou da 2ª Reforma Judiciária, restabelecendo a orientação liberal do Código de Processo Penal, contemplando a conciliação. Consolidação das Leis de Processo Civil (Antônio Joaquim Ribas – semente do CPC/1939): Artigo 185 – Em regra, nenhum processo pode começar sem que se faça constar que se tem intentado o meio de conciliação perante o Juiz de Paz. Por fim, cabe registrar que foi no Decreto n. 359, de 26 de abril de 1.890, editado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que aboliu a conciliação como formalidade preliminar ou essencial para serem intentadas ações cíveis e comerciais. (VIEIRA apud BUZZI, 2011). [6]

O elemento fundamental da época era figura do Juiz de Paz, o equivalente do nosso conciliador, o qual tornava efetiva, a condição de procedimento colocado pela Constituição vigente. 

Pela regulamentação da Lei Orgânica das Justiças de Paz, de 1.827, “o indivíduo para ser Juiz de Paz deveria apenas ser eleitor, não sendo necessária a formação jurídica”. Da mesma forma, o Conciliador moderno não precisa ter formação jurídica, pois seu campo de atuação está bem mais ligado à gestão de pessoas do que ao tecnicismo jurídico.  No período Imperial da história brasileira a conciliação vigorou por um bom prazo fazendo parte do sistema processual, especialmente centrado na figura dos Juízes de Paz.

Neste sentido Marco Aurélio Gastaldi Buzzi destaca:

[...] No próprio Brasil, a utilização dos métodos consensuais de solução de conflitos apenas está ressurgindo, vez que estes métodos já estiveram previstos até mesmo em uma das nossas Cartas Magnas, no artigo 161 da Constituição firmada por Dom Pedro I, no distante ano de 1.824, ao tempo do Brasil Império[7]. (GRINOVER apud BUZZI, 2011)

Avançando um pouco na história até o implemento da República, o Decreto n. 359, de 26 de abril de 1.890 fez com que a conciliação fosse extinta por Marechal Deodoro da Fonseca, ficando este instituto afastado do ordenamento jurídico por um longo período.

A funcionalidade do nosso objeto de estudo, a conciliação, só se tornaria novamente efetiva com o acúmulo da insatisfação social aos métodos ordinários de solução de litígios, que em muitos casos mantém os conflitos latentes, inviabilizando a pacificação social e abarrotando o Poder Judiciário de demandas judiciais com a consequente ingerência na resposta estatal.

O Código de Processo Civil de 1973 incluiu uma seção para tratar da conciliação no capítulo dedicado à audiência, obrigando o comparecimento das partes ou procuradores com poderes especiais. Ainda em seu artigo 331 modificado pela segunda vez pela Lei nº 10.444 de 2002, estabelece a audiência preliminar mediante a qual se promoverá a atividade conciliatória tendente à autocomposição que em caso de obtenção da conciliação será reduzida a termo e homologada por sentença, conforme disposto no §1º deste mesmo artigo supracitado.

Na atual Constituição Federal, recupera-se em parte a importância funcional da figura do juiz de paz, em seu artigo 98, inciso II, que dispõe que, o juiz de paz poderá exercer “atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação”.

Como se observa desse sintético histórico, muito tempo se passou para que surgisse uma norma que viabilizasse o procedimento conciliatório, sem subordinar esse instituto ao dogma processual judiciário, implantando métodos com capacidade de soluções em tempo razoável para os conflitos existentes na sociedade brasileira.

Avançando no histórico da conciliação não se pode deixar de mencionar a recente edição da Resolução n. 125, de 29 de dezembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, que tem como consequência a criação dos Núcleos de Gerência e Centrais de Conciliação tanto na esfera das Justiças Federal e Estadual como na Trabalhista.

Esta Resolução é de tamanha importância, que podemos considerar como o primeiro marco oficial dos novos tempos a respeito da conciliação, reconhecido plausivelmente como uma forma de resolver conflitos, objetivando uma Justiça Nacional desafogada e uma modificação no paradigma social brasileiro sobre a resolução dos litígios.

Atualmente verificamos que este importante instituto de resolução de conflitos está sendo incorporado no nosso ordenamento jurídico, tendo como principais patrocinadores os Tribunais Estaduais, renovando a Justiça Brasileira, de forma a atingir toda a sociedade.

A conciliação vem sendo a cada dia que passa conduzida pelos Magistrados, Promotores de Justiça, Advogados, e outros juristas, além de profissionais de outras áreas relacionadas, a fim de dirimir os conflitos a eles submetidos e restabelecer a tranqüilidade social, em prazo curto e razoável.

Como expoente dessa realidade pode-se citar o Movimento pela Conciliação, centrado na premissa de que os conflitos de interesses singelos devem ser resolvidos com métodos também singelos. 

2.3 Princípios gerais que norteiam os meios alternativos de solução de conflito

Antes de adentrar nos princípios em espécie se faz necessária uma abordagem, segundo argumentações de alguns doutrinadores, a respeito do valor que deve ser dispensado a este instituto tão importante para toda e qualquer área do nosso ordenamento jurídico.

Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo sistema ético-jurídico, os mais importantes a ser considerados não só pelo aplicador do Direito como também por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam.[8]

Nelson Nery Junior argumenta:

[...] a qualidade jurídica de um princípio não é definível in abstracto, sem que se conheça o método para o descobrimento do direito empregado em uma dada constituição. Pode-se afirmar que nenhum princípio atua por si só como “criador de normas”, mas apenas possui a “força” constitutiva ou valor constitutivo em união com o conjunto do reconhecido ordenamento, no qual lhe incumbe uma função bem definida. Nesse caso é uma parte juridicamente dogmatizada do sistema de normas e atua “normativamente. [9]( NERY JUNIOR, 2013)

Para o jurista Bento Herculano e Zulmar Duarte os princípios em acepção jurídica significam as “normas elementares ou requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa, revelando o conjunto de regras ou preceitos que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica” [10].

Ainda em lição sobre princípios Humberto Ávila destaca que:

[...] um sistema não pode ser composto somente por princípios, ou somente de regras. Um sistema só princípios seria demasiado e flexível, pela ausência de guias claros de comportamento e um sistema só de regras, aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de válvulas de abertura para o amoldamento das soluções Às particularidades dos casos concretos[11]. (ÁVILA, 2013).

Para ele os princípios não são menos ou mais importantes do que as regras, nem a s regras são mais necessárias que os princípios, cada um desempenha funções diferentes mas complementares[12].

Princípio, como o nome já diz, trata-se de algo a ser considerado inicialmente na análise de uma questão. Trata-se, portanto, de uma premissa inicial, abrangente, que pode ser aplicada na decisão de uma situação através dos valores gerais e dos dogmas pessoais que constituem a consciência individual de cada pessoa.

No direito, o conceito de princípio envolve tanto a criação legislativa, quanto sua interpretação e aplicação judicial. Os princípios gerais do Direito são normas de conteúdo geral que delimitam questões como a eficácia e limite das demais normas. Esses princípios se revestem dos principais valores democráticos e republicanos que originaram a atual Constituição Federal, e sendo o primeiro sistema de defesa da sociedade.

A atividade legislativa não pode ignorar os princípios gerais de direito, pois ao fazer isso estará fadando a norma à inconstitucionalidade. Isso porque o ordenamento jurídico deve ser considerado como um sistema único e integrado, em que as normas orbitam a Constituição Federal, dentro dos limites impostos por esta, sendo harmônicos entre si. É por esse mesmo motivo que eventual conflito entre normas é chamado de conflito aparente, porque não se pode admitir que haja dissonância dentro de um único sistema. Sé há conflito, os princípios fundamentais do direito não foram respeitados e a norma não é, efetivamente, válida.

Apesar de o sistema jurídico ser uno, por razões pedagógicas e doutrinárias o direito é segmentado, dividido de acordo com características pensadas pelos juristas para individualizá-lo. É por esse motivo que se divide o direito em Público e Privado, e depois em Material e Processual, e assim por diante. Dentro dessas divisões hipotéticas surgem novos princípios norteadores, os quais, sem olvidar dos princípios gerais do direito, surgem para facilitar ainda mais a criação legislativa e analise judiciária.

Os princípios de direito se revestem da essencialidade da norma, ou seja, das qualidades fundamentais do instituto estudado que o caracterizam como tal. Dentro do fenômeno da conciliação é possível delimitar alguns princípios, próprios da mediação, embora guarde afinidade com a mediação, outro instituto extremamente semelhante.

Passa-se, agora, valendo-se da taxonomia principiológica apresentada pela professora e pesquisadora jurídica Susana Bruno[13], a uma breve abordagem sobre os princípios gerais da conciliação, que são similares à da mediação, expediente basilar para a boa aplicação deste método de solução de litígios, seja na esfera judicial ou extrajudicial.

Neste primeiro momento serão abordados alguns princípios estudados e mais a frente em uma segunda oportunidade, no anexo da Resolução 125 do CNJ, também existe a possibilidade de se conhecer alguns outros princípios que não serão neste instante mencionados.

São eles os princípios aqui propostos:

I - Voluntariedade dos disputantes.

Esse princípio estatui que o procedimento de mediação ou conciliatório só poderá ser submetido às partes pelo seu assentimento. Isso significa que mesmo quando o Poder Judiciário imponha uma audiência preliminar conciliatória ou mediadora, esse expediente será apenas um meio de criar a oportunidade de diálogo entre as partes. Estas, entretanto, não estão obrigadas a chegar a um acordo.

É, como visto, um princípio aparentemente óbvio e traduz um dos requisitos essenciais da conciliação, que é a voluntariedade, a vontade das partes de chegar ao consenso, excluindo de um terceiro a responsabilidade por um veredicto que influa em seus patrimônios.

II - Não adversariedade.

Esse princípio traduz o ideal de que as partes submetidas ao processo conciliatório ou à mediação estejam imbuídas do desejo de cooperatividade mútua, objetivando um resultado que seja favorável para ambas. É este um princípio diametralmente oposto ao sistema adversarial clássico do procedimento judicial e traduz a essência da conciliação. Importa na mentalidade das partes, e no desejo de resolução do litígio por meio do diálogo informal, primando pela celeridade e minimização dos prejuízos.

III - Presença de terceiro interventor

As partes são auxiliadas por um terceiro imparcial, que deve manter distancia das delas, sem tomar partido de nenhuma. Apesar disso, o terceiro interventor, chamado de conciliador, pode ajudar as partes ativamente a encontrarem a solução para o seu conflito, o que se dá através de sugestões e iniciativas nos procedimentos de discussão.

IV - Confidencialidade

O processo de conciliação deve ser realizado em um ambiente privado. As partes juntamente com o conciliador travam um acordo de confidencialidade entre si, que permita confiança e liberdade para que os assuntos tratados na conciliação possam ser discutidos abertamente.

Sem esse princípio, o diálogo entre as partes, em muitos casos, pode se tornar impossível, pelo receio de que as informações dispensadas nesse momento venham a figurar posteriormente no processo judicial, o que pode se configurar em um prejuízo. Isso porque, muitas vezes, nesses diálogos as partes evidenciam brechas no direito que sustentavam como absoluto o que permite ao conciliador concentrar seus esforços para atingir um denominador comum.

Mesmo quando os advogados das partes também participarem da conciliação, eles estão insertos na abrangência deste princípio.

V - Oralidade/ Informalidade

Em contrate ao formalismo procedimental do processo judicial, o procedimento conciliatório prima pela informalidade. O diálogo é plenamente estimulado, e deve ser tentado a todo o momento, sendo apenas posteriormente formalizada a transigência por meio de um termo.

Esse princípio facilita a incorporação do procedimento conciliatório pelas partes, que entendem o que está acontecendo, participando ativamente e, ajudando o procedimento a avançar.

VI - Reaproximação das partes

A conciliação, ao contrário do Poder Judiciário, não busca apenas a resolução do litígio, mas a pacificação dos conflitos existentes entre as partes. Assim, não basta simplesmente que as partes entabulem um acordo para que a conciliação tenha atingido o êxito absoluto. O que se busca é efetivamente pacificar as partes, no mínimo com o fim das controvérsias existentes entre ambas, embora exista o interesse ainda maior de que as partes restabeleçam os relacionamentos que mantinham antes do surgimento do conflito.

Segundo o professor Jose Luis Bolzan de Morais (1999), a mediação não será exitosa se as partes acordarem um simples termo de indenizações, sem conseguir reatar as relações entre elas.

VII - Não competitividade

Na conciliação as partes devem ser levadas, desde o início, a assimilar a ideia de que ambas estão se esforçando, colaborando mutuamente, para que possam atingir um objetivo favorável ao final.

Os princípios são de grande importância em nosso sistema jurídico, pois cabem-lhes, segundo posição de Bento Herculano Duarte e Zulmar Duarte de Oliveira Júnior, as funções de orientar o legislador no momento em que ele vai elaborar a norma norteando-o quais são os valores que deverá tutelar; interpretar, pois várias vezes ele se depara com situações diversas sem convicção de qual melhor e real alcance da norma e qual a ser aplicada ao caso concreto; integrar de maneira a preencher os supostos espaços vazios integrando o ordenamento jurídico de forma que essas lacunas, ditas aparentes, terem a possibilidade de serem preenchidas, ressaltando assim, a necessidade de integração no plano do direito material e direito processual; e normatizar, isto é, de uma forma geral, princípios ligados ao próprio ordenamento jurídico, pois estes são extraídos do ordenamento jurídico positivado, ou seja, dos atos normativos, sendo assim só podem ter natureza normativa e tornando equivocado o pensamento de que são princípios jurídicos de caráter meramente abstratos. Os princípios não podem ser relegados a um patamar secundário, servindo apenas para integrar lacunas ou para auxiliar o julgador na tarefa interpretativa, quando menos estão alçados à condição de fonte secundária de direito[14].

Não se fala na conciliação em vencedores ou ganhadores, pois se espera que ambas as partes ganhem e cedam um pouco de forma satisfatória para ambos. Isso tudo visa, além de permitir o choque de interesses positivo, coibir eventuais sentimentos negativos, comuns entre as pessoas em conflitos. O nosso ordenamento jurídico tem de alguma forma balanceada garantir ao indivíduo a mais justa interpretação em conformidade com os princípios.

2.4 Conceitos fundamentais sobre a conciliação

Etimologicamente a palavra conciliação deriva do latim conciliatione, o que, conforme o dicionário Houaiss trás como significado “o ato ou efeito de conciliar; que nada mais é que um ajuste, acordo ou harmonização”.[15]

Partindo desse pressuposto, o autor Petrônio Calmon conceitua a conciliação como:

[...] Atividade desenvolvida para incentivar, facilitar e auxiliar as partes a se autocomporem, adotando metodologia que permite a apresentação de proposição por parte do conciliador, ou seja, é um mecanismo que tem como objetivo a obtenção da autocomposição com o auxílio e o incentivo de um terceiro imparcial[16]. (CALMON, 2007)

A conciliação se aproxima de uma composição comum entre as partes, como a celebração de um acordo. O diferencial refere-se à figura do terceiro interventor que é trazido ao procedimento para facilitar o diálogo das partes.

Júlio César Goulart Lanes ao se tratar de conceituar a conciliação define-a como “um ato pelo qual as partes põem fim a um litígio, mediante concessões mútuas, fundadas no tocante ao pretendido na disputa que foi sujeitada a apreciação do Poder Judiciário”.[17] Afirma ainda, que a conciliação é um instituto que pode ser visto como uma norma geral do processo, pelo fato de ser respaldada pelo Código de Processo Civil em alguns de seus artigos.[18]

Ada Pellegrini Grinover abordando de forma concisa a conciliação, afirma que este instituto ocorre quando interessados utilizam-se da intermediação de uma terceira pessoa, particular ao assunto, para chegarem à pacificação de seu conflito buscando um acordo entre eles.[19]

Não muito distinto dos pensamentos anteriores, Garcez discorre sobre este instituto, defendendo que a conciliação tem sido vinculada ao procedimento judicial, sendo exercida por juízes togados ou leigos, ou por conciliadores bacharéis em direito. Ele inclusive vai mais longe afirmando que:

[...] a conciliação representa um degrau a mais em relação aos outros métodos alternativos de solução de conflitos, pois o conciliador (terceiro imparcial) auxilia as partes a chegarem a um resultado, ou seja, a um acordo aconselhando e induzindo-as a um resultado dividindo seus direitos, para que possam decidir-se rapidamente. [20](GARCEZ, 2004)

O que se busca, por meio da conciliação, é a solução do problema pelas próprias partes, e em razão desse objetivo alguns autores a conceituam como um mecanismo autocompositivo, em que a solução é alcançada por elas por intermédio de um terceiro, conhecido como conciliador.

Este instituto tem por escopo, portanto, a atuação conjunta das partes, deixando o poder de decisão por conta delas, pondo fim ao conflito como resultado de um consenso do tipo “ganha-ganha”, ou seja, por diálogo e concessões mútuas, com orientações voltadas  para o presente e futuro, conforme a solução escolhida a ser alcançada. Assim as duas partes sairão ganhando, mesmo abrindo mão de alguns direitos.

Em linhas gerais, tem-se a premissa de que a conciliação é um instituto que tanto pode ser judicial como extrajudicial na solução e prevenção de conflitos, mediante o qual uma terceira pessoa imparcial interfere nesse conflito existente apresentando propostas, sugestões e formas de dirimi-lo.

A conciliação é empregada na legislação no sentido de procedimento do órgão judiciário, presidido por um terceiro imparcial cuja atuação visa facilitar o acordo entre os conflitantes.

A grande proposta da conciliação é alcançar a pacificação social sem a imposição da Justiça pelo Estado, fenômeno que gera, invariavelmente, insatisfação por uma das partes e não promove plenamente a pacificação social. A conciliação é uma negociação entre as partes dotada de um terceiro, a serviço do Estado, que é tecnicamente preparado para conduzir às partes ao diálogo de maneira a viabilizar sua transigência.

Não existe imposição de vontades. O que existe, e é naturalmente incorporado pelas partes, é a renuncia de uma parcela de seus direitos em prol de uma solução comum que atenda minimamente ao interesse de ambas.

A conciliação impende uma mudança na concepção social de direito e solução de conflitos. Sendo, portanto, a atuação do Estado, muito mais do que promover a conciliação, mas antes disso, conscientizar a sociedade deste instituto, quebrando paradigmas clássicos.

2.5 Noções gerais e distinção entre os principais meios alternativos de solução de conflitos: arbitragem, negociação, mediação e conciliação.

Depois de anteriormente já ter abordado e conceituado a conciliação e antes de uma distinção entre outros meios alternativos de solução de conflitos frente ao da conciliação, passa-se a conceituá-los individualmente de maneira breve:

I - Arbitragem

Carlos Alberto Carmona define a arbitragem como:

Meio alternativo de solução de controvérsias por meio da intervenção de um árbitro, escolhido pelas partes, que recebe poderes de uma convenção privada, para solucionar e decidir com base nela, sem interferência do Estado, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia de uma sentença judicial.[21] (CARMONA, 2009).

A arbitragem é regida pela Lei 9.307 de 1.996 e foi colocada à disposição de quem quer que seja para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais por meio de uma sentença arbitral que deverá ser cumprida pelas partes.

Em um primeiro momento, um observador descuidado pode considerar que a arbitragem seja a mesma coisa que o Poder Judiciário, diferindo apenas por tratar-se o julgador de pessoa sem o poder jurisdicional do Estado. Essa visão está totalmente equivocada.

A arbitragem trata-se de um instituto autônomo em que, diferentemente do Poder Judiciário, o julgador será uma pessoa escolhida pelas partes, em muitos casos, profissional técnico especializado no litígio apresentado. Além disso, o procedimento arbitral é todo escolhido pelas partes, primando pela celeridade em detrimento das formas imutáveis do processo civil.

Não há insegurança jurídica, pois ao árbitro se aplicam os mesmos deveres e penas incidentes sobre os equiparados a funcionários públicos, ademais, como estatui a lei, o árbitro é juiz, especificamente em relação ao litígio que está julgando.

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A decisão do árbitro é imposta tal qual uma sentença judicial, a diferença é que não será um integrante do Poder Judiciário que a proferirá (embora equiparado, como dito).

A arbitragem, é bom frisar, não exclui a conciliação, que pode ser tentada a qualquer momento em seu procedimento, que como já foi apresentado, prima pela celeridade e informalidade.

Ademais, a arbitragem é, hoje, o principal método de resolução de conflitos escolhido pelas grandes empresas e multinacionais, pela sua celeridade e tecnicismo além de outro fator primordial e de suma importância para esses grandes conglomerados empresariais, o sigilo, diferentemente do Poder Judiciário, em que os atos processuais, salvo exceções bem delimitadas, são públicos, a arbitragem toda é sigilosa, tendo apenas as partes acesso ao procedimento. É um meio alternativo, mas pouco procurado, pois é muito dispendioso.

II - Negociação

Pode-se dizer que a negociação é a forma mais conhecida de solução de conflitos, embora, na prática, seja a menos eficiente. Não que a proposta da conciliação seja ruim, o grande problema, que será invocado de forma recorrente ao longo deste trabalho, é a cultura nacional que não está familiarizada com a transigência pacifica por iniciativa das próprias partes.

A negociação, como já foi brevemente abordada, trata-se da resolução de conflito pelas próprias partes, sem a interferência de terceiros. Isso significa que as partes, em havendo litígio, buscam o diálogo e chegam a um denominador comum, reduzido a um acordo que pode, ou não, ser levado ao judiciário para homologação e, ou, execução como titulo judicial (se homologado judicialmente) ou extrajudicial.

A negociação também se refere a direitos patrimoniais disponíveis, mas pode cuidar de direitos familiares e indisponíveis, desde que submetida à apreciação judicial e manifestação do custus legis.

Os exemplos mais recorrentes de sua utilização são os acordos levados ao juízo pelas partes para homologação, seja no curso de um processo, ou dando origem ao que se convencionou chamar de processo anômalo, em que o juiz não exerce, de fato, o poder de decisão.

III - Mediação

A mediação é conceituada pelo autor José Maria Rossani Garcez como “a forma de solução de controvérsias, onde um terceiro, imparcial auxilia as partes a chegarem, elas próprias, a um acordo entre si, por meio de um processo estruturado”. [22]

O papel do mediador é de aproximar e auxiliar as partes, que serão as autoras das decisões, e fazendo com que possam melhor compreender as circunstâncias do problema existente.

Serpa Lopes citado por Susana Bruno dispõe que a mediação “é um processo informal, voluntário, onde um terceiro interventor, neutro, assiste aos disputantes na resolução das questões”.[23]

A palavra conceitual chave aqui é neutralidade. O mediador é um facilitador imparcial e neutro. Imparcial porque não tem envolvimento com as partes e nenhum interesse pessoal na resolução do litígio. Neutro, porque não se manifesta sobre o mérito do litígio. Não significa que o mediador apenas não faça um juízo de responsabilidade. Significa, mais, que o mediador não se envolve na negociação das partes diretamente, sugerindo meios de resolver a questão.

O mediador apenas ajuda as partes a criar o diálogo e conservá-lo, pontuando as intervenções, estimulando e coibindo as formas de manifestação e delimitando as vitórias alcançadas. É uma figura importante no Brasil, que infelizmente não tem uma cultura de diálogo, pois ajuda a pacificar as partes e direcioná-las para os pontos verdadeiramente relevantes em questões que muitas vezes envolvem rusgas não resolvidas sempre convidando o diálogo à frustração.

Feita estes breves conceitos entre os principais meios alternativos de solução de conflitos, passa-se a diferenciá-los de maneira breve.

A conciliação, assim como a negociação e a mediação é uma forma de autocomposição entre as partes que se afasta do modelo judiciário clássico da heterocomposição, em que o litígio é levado a uma terceira pessoa, neutra, que decidirá e imporá sua decisão.

Aliás, dos meios alternativos de solução de conflitos abordados neste tópico, a arbitragem é o único meio heterocompositivo, em que as partes escolhem a figura do árbitro, um terceiro imparcial, para decidir a controvérsia por meio de sentença a ser cumprida por elas e que muita das vezes gerando a insatisfação de uma delas.

A distinção entre a conciliação e a arbitragem é, portanto, a mais evidente, pois envolve a sistemática de resolução dos conflitos, com a entrega para um terceiro que será um condutor do diálogo entre as partes (caso da conciliação), ou efetivo julgador (caso da arbitragem).

Ainda considerando o terceiro chamado pelas partes para ajudar (ou efetivamente dirimir a controvérsia, caso da arbitragem, como já abordado), pode-se fazer uma nova distinção entre a conciliação e o único dos meios alternativos estudados que não faz uso da figura de um terceiro, a negociação.

A negociação, como o nome sugere, é o diálogo direto das partes visando à resolução do litígio através de uma tratativa. Essa modalidade não faz uso de um terceiro facilitador do diálogo, o que sugere que as partes estejam aptas a transigirem sem a necessidade de interferências externas.

Por fim, resta distinguir o instituto da conciliação com o da mediação. Esses são os institutos mais semelhantes, pois ambos são modelos autocompositivos em que um terceiro, imparcial, é chamado para facilitar o diálogo das partes, atuando como pacificador e conduzindo-as ao consenso.

A diferença fundamental entre estes institutos está na figura do terceiro e sua forma de atuação, como conciliador ou mediador. O mediador, como o nome sugere, é um terceiro essencialmente facilitador do diálogo. Trata-se, portanto, de um profissional treinado para conduzir a negociação das partes. O mediador não adota uma conduta pró-ativa, entrando no mérito da controvérsia com sugestões, mas reserva-se ao papel de conduzir as partes incansavelmente ao caminho do consenso, delimitando os pontos controvertidos e os sucessos já obtidos. Diferente, portanto, do conciliador, que além de facilitar o diálogo, invade a seara da controvérsia, sugerindo soluções, indicando valores e abusividades.

2.6 Reflexão sobre os meios alternativos de solução de conflitos.

Em linhas gerais, podemos observar que os institutos aqui anteriormente conceituados se tratam de meios extrajudiciais e alternativos de solução e pacificação de conflitos que tem como escopo resolver os problemas existentes entre as partes de maneira a pacificar a sociedade de forma mais eficaz possível.

Esses fenômenos têm como efeito reflexo o desafogamento do Poder Judiciário, que não precisa sequer ser acionado, a não ser, quando muito, para homologar as tratativas autocompositivas dotando-as da chamada executividade plena.

Os meios podem envolver a conduta exclusiva das partes, no desiderato de transigirem colocando fim no litígio, o caso da negociação, ou pode haver a presença de um terceiro, atuando como intermediador ou facilitador da comunicação entre as partes, tornando fácil a reflexão de cada qual sobre a controvérsia e mostrando as possibilidades de resolvê-las (nos casos da conciliação ou da mediação), ou atuando como verdadeiro julgador (no caso da arbitragem).

Qualquer que seja o meio escolhido, entretanto, verificamos a semelhança entre os métodos alternativos no sentido de que as partes envolvidas buscam, de forma consensual e não imposta (mesmo na arbitragem), a melhor opção para a solução de suas controvérsias, furtando-se do procedimento moroso judiciário.

Há que se ter em mente, portanto, que tanto a arbitragem, como a negociação, a mediação e a conciliação, ainda que sejam formas de solução de conflitos que possuem algumas distinções entre si, oferecem vantagens em relação ao Poder Judiciário que, em muitos casos, superam qualquer desestímulo aparente.

3  FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA CONCILIATIVA

3.1 Conflito: conceito e formação

Segunda a definição dada pelo Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, conflito é: “1. ato, estado ou efeito de divergirem muito ou de oporem duas ou mais coisas; 2. choque, enfrentamento; 3. Discussão acalorada, desavença.”[24]. Em suma, trazendo para uma definição dentro do tema ora desenvolvido, conflito pode ser considerado oposição de interesses, ideias, sentimentos opostos entre duas ou mais pessoas referente a um mesmo assunto ou objetos.

Fernanda Tartuce destaca em sua obra que “conflito, controvérsia, disputa, lide, litígio, contraste” são diversas nomenclaturas para este recorrente fenômeno nas relações pessoais. A limitação dos recursos pode conduzir à disputa entre os indivíduos quanto à sua titularidade. Preconiza ainda que “o conflito pode ser entendido como, segundo Cândido Dinamarco Rangel, “a situação existente entre duas ou mais pessoas ou grupos, caracterizado pela pretensão a um bem ou situação da vida e impossibilidade de obtê-lo”.[25]

Petrônio Calmon identifica três meios possíveis para a solução dos conflitos: “o conflito pode ser resolvido impositivamente por um só dos envolvidos, pacificamente pelos dois envolvidos, ou impositivamente por obra de um terceiro imparcial” [26] identificando aqui a autotutela, a autocomposição e a heterocomposição, estes dois últimos serão abordados em outro momento.

A principal questão a ser analisada é o conflito e sua solução, onde o desenvolvimento inicia-se pela função do direito como regulador social numa sociedade de cultura de conflitos os quais são resolvidos de maneira a surgirem outros pelo fato das partes conflitantes ficarem insatisfeitas quanto ao que foi definido.

3.2 A cultura da sentença e a cultura da pacificação.

A burocratização na gestão dos processos, complicações procedimentais, a falta de informação e orientação para os detentores dos interesses do conflito, a deficiência do patrocínio gratuito, tudo isso leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o judiciário e seus usuários acarretando o descrédito na magistratura e nos operadores do direito, segundo ensina a jurista Ada Pellegrine Grinover.[27]

A “cultura da sentença” está enraizada entre os operadores do Direito e na própria sociedade que se opõe à “cultura da pacificação” palavras de Kazuo Watanabe.

Quando o cidadão ingressa com uma ação, na maioria dos casos sequer lhe ocorre uma solução conciliada. Suas expectativas se dirigem quase que exclusivamente à obtenção de uma sentença favorável, que atenda unicamente aos seus interesses.

Essa mentalidade recorrente na sociedade brasileira não leva à efetiva pacificação das partes, mas, em muitas vezes, ao desentendimento gerado pela insatisfação da vencida. Com a insatisfação se segue uma enxurrada de recursos e, finalmente, na fase executória, todas as formas de evitar a execução são tentadas. As partes ficam frustradas e o sentimento agressivo da insatisfação é ainda mais alimentado.

Um dos grandes obstáculos para a “cultura da pacificação” está na formação acadêmica dos operadores de Direito que, em sua maioria, tem a mentalidade voltada para a solução contenciosa do conflito por meio de um processo judicial clássico, onde é proferida uma sentença, imposta pelo juiz, solucionando o litígio e impondo às partes o que deve ser feito.

As Faculdades de Direito no Brasil historicamente adotam um modelo de ensino voltado para a solução contenciosa dos conflitos, sendo poucas as faculdades a oferecer disciplinas voltadas à solução não-contenciosa com intuito de motivar os futuros operadores de direito a buscarem primeiro os meios alternativos de solução das controvérsias.

Entretanto, diante do elevado número de processos e recursos e da consequente morosidade da Justiça, além da crescente insatisfação social com a entrega jurisdicional do Estado, considerada muitas vezes injusta, percebe-se a necessidade urgente da busca pelos meios alternativos e solução de conflitos já citados anteriormente. Na verdade pode se falar no resgate da conciliação já prevista, conforme histórico, na Constituição do Império de 1.824.

O nosso sistema processual há algum tempo já prestigia os meios alternativos de solução de conflitos, como por exemplo, o tema central deste trabalho que é a conciliação, a qual está prevista nos artigos 125, IV, 331, 447 a 449 e 599, ambos do Código Processo Civil, dentre outros dispositivos que também fazem referências à conciliação.

Várias iniciativas foram tomadas procurando buscar, antes da propositura de uma ação judicial, a solução dos conflitos. Uma dessas iniciativas foi à autorização à utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, não só no curso do processo, como também anteriormente a este. A criação de Setores de Conciliação e Mediação foi autorizada pelo Provimento CSM nº 953/05 e instalados para evitar o aumento exagerado do número de processos e diminuir sua duração.

Portanto, é evidente que a “cultura da sentença”, tão cultivada na formação dos operadores do direito, tem a tendência de perder seu espaço para a “cultura da pacificação”, que tem como um de seus expoentes mais promissores o instituto da conciliação, que vem sendo a forma mais divulgada e se tornando aos poucos a mais evidente maneira de alcançar a paz social.

Há, por óbvio, um longo caminho a ser percorrido. Uma mudança em paradigmas tão intimamente incorporados ao inconsciente coletivo que não é algo que se mude de uma hora para outra. Além da mudança na mentalidade dos novos estudantes de direito é preciso modificar a mentalidade de toda a sociedade.

A sociedade brasileira tem uma mentalidade voltada para a instauração do litígio judicial em que as partes estão com suas expectativas bem distintas e totalmente distanciadas. O diálogo é, em muitos casos, totalmente inviabilizado. Isso ocorre porque a sociedade brasileira acostumou-se com uma solução imposta, em que não seja necessário abrir mão de uma parte de seus pretensos direitos em prol de uma decisão que atenda ao interesse de ambos e promova, efetivamente, a pacificação social.

O que quase a totalidade das partes ignora é que, assim como podem ter seu direito integralmente reafirmado pelo Poder Judiciário, também pode ocorrer de sucumbirem inteiramente na pretensão, e nesse momento que o litígio acaba e os conflitos se intensificam ainda mais.

 É da natureza de qualquer pessoa acreditar estar sempre com a razão, e a entrega jurisdicional, burocrática e com formas bem delineadas, para muitas partes se mostra um instituto praticamente ininteligível.

Na verdade, as partes não compreendem nada do processo. Não entendem os atos processuais que se desenrolam e, ao serem chamadas pelo Poder Judiciário, se sentem desconfortáveis e apreensivas. Ao serem inquiriras pelo Estado-Juiz, fica evidente seu animo beligerante, quando reafirmam sua qualidade de únicas titulares do direito, em detrimento da parte contrária, que está sempre cem por cento errada no fato jurídico apresentado.

Todo esse modelo precisa ser repensado. E essa já é uma realidade no âmbito das conciliações judiciais. A começar pelos atos processuais, que em um primeiro momento são suprimidos pela expectativa de uma conciliação.

A audiência de conciliação é um procedimento informal dentro de um processo extremamente formalista. Nessa audiência, as partes têm a prerrogativa de falar livremente, contanto que respeitem a condução do diálogo ao interesse conciliatório, o que é delimitado pelo conciliador.

Existem outras características do procedimento conciliatório que parecem pequenas, mas são providenciais na busca pela conciliação como a disposição dos lugares da parte, na mesa de conciliação, por exemplo, parece uma coisa sem a menor importância, mas é já voltada para a mudança de mentalidade que o instituto cumpre.

Ao contrario do Poder Judiciário, em que as partes se sentam com seus procuradores em lados opostos da mesa, com a figura do Estado Juiz no centro, acima e equidistante, na conciliação estão todos em pé de igualdade, de preferência em uma mesa redonda, o que simboliza a busca pela homogeneidade, demonstrando que o conflito pode ser resolvido por ambas. Acabando com a dialética de interesses paralelamente opostos.

Feita essa breve análise, passa-se a uma análise técnica da autocomposição, que é a natureza da forma buscada pela conciliação para a solução dos litígios.

3.3 Autocomposição e heterocomposição

Segundo Petrônio Calmon “autocomposição é a prevenção ou solução do litígio por decisão consensual das próprias pessoas envolvidas no conflito, não havendo imposição de um terceiro imparcial e a solução é parcial. Distingui-se da heterocomposição por conta da imposição de um terceiro imparcial, difere-se também da autotutela, pois é fruto do consenso e não imposta por uma das partes”.[28]

Ainda no que se refere à autocomposição, como bem aponta Fernanda Tartuce em sua obra sobre mediação:

[...] a busca pelo consenso e de mecanismos que o possibilitem vem sendo a tônica nas organizações, na legislação e na atuação dos órgãos estatais na administração da justiça por ser extremamente vantajoso que as partes se comuniquem para verdadeiramente buscar a superação do impasse.[29] (TARTUCE, 2008)

Nesse sentido, e dentro do que já foi exposto neste trabalho anteriormente, podemos extrair a informação de que a autocomposição se resume em o consenso entre as partes para resolver e por fim ao conflito existente. Como um gênero dos meios de solução de conflitos, a autocomposição é objeto de estudo do direito processual abordado por diversos ramos do conhecimento humano na intenção de obter uma das formas de alternativas, técnicas utilizadas nos diversos mecanismos voltadas para as emoções, persuasão etc..

José Carlos Barbosa Moreira citado por Petrônio Calmon afirma o seguinte: “para o direito processual civil, a autocomposição, possui três resultados possíveis, a causa de extinção do processo com resolução do mérito, de acordo com o disposto no artigo 269, incisos II, III, e V, mesmo assim, ela somente é relevante quando é realizada no processo ou a ele levado com vistas a receber a autoridade da sentença homologatória”. [30]

Nesse diapasão a autocomposição tem efeitos específicos para cada espécie dependendo do seu objeto levado a discussão. Colocará fim à controvérsia, encerrando o conflito, extinguindo a dúvida resultando em um título executivo gerando novas obrigações ou encerrar definitivamente qualquer vínculo entre as partes.[31]

Para efeitos de classificação, a doutrina a divide em autocomposição unilateral e bilateral. Nesse sentido, segue esclarecedora lição do doutrinador Petrônio Calmon:

[...] A autocomposição unilateral se manifesta pela renúncia, quando aquele que deduz a pretensão (atacante) dela abre mão, ou pela submissão, quando o atacado abre mão de sua resistência. A autocomposição bilateral se manifesta pela transação, acordo caracterizado por concessões recíprocas, ou seja, quando todos os envolvidos em um conflito abrem mão parcialmente do que entendem ser de seu direito. O atacante abre mão de parte de sua pretensão, enquanto o atacado abre mão de resistir à nova pretensão, já reduzida. [32] (CALMON, 2007).

No mesmo entendimento, para Fernanda Tartuce a autocomposição será unilateral quando depender de ato a ser praticado exclusivamente por uma das partes envolvidas em sua seara de disponibilidade, aqui é possível que o interessado renuncie, desiste ou reconhece juridicamente o pedido. A autocomposição será bilateral quando contar com a participação de todos os envolvidos na situação controvertida se compondo e definindo em conjunto o destino da pretensão pactuando um acordo reciprocamente configurando assim a transação, contrato típico previsto no artigo 840 do Código Civil.[33]

A autocomposição unilateral, portanto, se baseia na renúncia do direito da parte, ou seja, é quando o sujeito abandona a sua pretensão levada ao conciliador, concordando integralmente com o direito da outra parte.

Já a autocomposição bilateral é a forma clássica de solução de conflitos pelas partes, em que cada qual abre mão de uma parte de seus direitos o chamado “ganha-ganha”, para que ambos tenham acesso a parte das pretensões que aduziram.

Corrobora ainda o Calmon definindo a autocomposição, consoante abaixo transcrito:

[...] Em conclusão, a autocomposição é um legitimo tipo de solução de conflitos, pondo fim ao conflito jurídico (e muitas vezes ao sociológico), proporcionando condições para o prosseguimento da relação continuada (quando caso) e promovendo de forma mais ampla a almejada pacificação social. A autocomposição é excludente da jurisdição e da autotutela.[34] (CALMON, 2007)

Mas a autocomposição não é um instituto adotável para qualquer direito pretendido. Por sua natureza que permite como visto a autocomposição unilateral, em que uma das partes decairá na integralidade de seus direito por sua exclusiva vontade, por óbvio esse instituto só pode se referir a direitos patrimoniais disponíveis.

Invocando-se uma vez mais o insigne doutrinador Petrônio Calmon: “A doutrina aponta apenas para os bens disponíveis o objeto possível da autocomposição. De fato, ninguém pode abrir mão do bem que não pode dispor do contrário seria um contra-senso lógico, antes de ser jurídico”. [35] Neste diapasão, tem se o artigo 841 do Código Civil, in verbis: “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”.

 Igualmente por óbvio, os sujeitos partes da autocomposição terão necessariamente que ter capacidade jurídica, ou seja, menores ou incapazes não podem participar da autocomposição.

Nesses casos de incapacidade, absoluta ou relativa, é necessária a figura do Estado Juiz e do Fiscal da Lei para salvaguardar os interesses do incapaz, assistido ou curatelado. A autocomposição, nesses casos, está subordinada à fiscalização judiciária dos atos praticados por aquele que represente.

Isso tudo ocorre porque a autocomposição é a expressão máxima da vontade das partes, e essa vontade deve estar desimpedida e desembaraçada de qualquer empecilho. Se a natureza do objeto jurídico for indisponível ou a capacidade da parte limitada, o instituto jurídico da autotutela perde sua eficácia, pois fica eivado de invalidade.

Já a heterocomposição como acentua Fernanda Tartuce é quando um terceiro alheio ao conflito define a resposta com caráter impositivo em relação aos contendores. Acrescenta ainda que tal mecanismo pode se verificar pela via da arbitragem e pela via jurisdicional. Na primeira via o terceiro, considerado de confiança, é escolhido pelas próprias partes com o dever de decidir o impasse por elas apresentados, e na segunda via uma das partes acessa o Poder Judiciário para obter uma decisão proferida por uma autoridade estatal sobre o conflito apresentado.[36]

 Nesse aspecto, a heterocomposição tem-se como modalidades a Arbitragem, Jurisdição, Mediação e a Conciliação, porém tais divisões não são unânimes entre os doutrinadores, o que prevalece é a Arbitragem e a Jurisdição.

No que se refere à jurisdição sabe-se que, em sua clássica concepção trazida por Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, consiste em:

[...] uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação do conflito é feita mediante o processo seja expressando através de uma sentença de mérito, seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece, através da execução forçada. [37](CINTRA et. al., 2008)

Segundo Calmon, jurisdição é um meio heterocompositivo de solução dos conflitos em que a solução deste é imposta por um terceiro imparcial. Este terceiro substitui as partes em litígio, aplicando coercitivamente a solução analisando os fatos apresentados, pondo fim ao conflito que lhe é aparente.[38]

O convívio do indivíduo em uma sociedade de liberdade individual junto a uma coletividade de direitos iguais acaba criando naturais divergências e assim gerando litígios entre as relações humanas. O Direito (nosso ordenamento jurídico) tem por escopo prevenir e, se necessário, por fim aos conflitos existentes gerados nessas relações, assim, trazendo a desejada paz social dentro de uma almejada Justiça.

No que tange a arbitragem, podemos nos reportar aos dizeres de Carlos Alberto Carmona salientando que:

[...] processo e tutela não são termos exclusivos da atividade estatal exercida pelo Poder Judiciário, pois a arbitragem, igualmente, é um mecanismo de imposição da decisão por um terceiro imparcial, embora seja desvinculado de qualquer órgão estatal e escolhido pelas partes mediante compromisso.[39] (CARMONA, 2009)

Em breves palavras, quando o conflito a ser solucionado é feito por meio de intervenção de um terceiro à relação conflituosa, tem-se a chamada heterocomposição. As próprias partes ou somente uma delas submete a esse terceiro a solução de seu impasse buscando a melhor solução para o seu interesse. Essa intervenção é realizada de forma imparcial dentro de regras e procedimento de como solucionar o mencionado conflito.

3.4 Da conciliação judicial e extrajudicial

Frequentemente se associa o instituto da conciliação exclusivamente ao Poder Judiciário. Isso se deve, ao histórico do instituto, sua previsão legal e ao grande apelo midiático promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, no esforço de conscientizar a sociedade e diminuir o número de demandas judiciais, através das juntas de conciliação.

De fato, o instituto da conciliação guarda intima relação histórica com o Poder Judiciário, como já estudado, mas não é deste imprescindível. A conciliação pode ocorrer sem que o Judiciário seja acionado, ou paralelamente a ele, de forma preventiva.

A conciliação preventiva ocorre antes da instauração de um processo para a resolução do conflito. Esse método pode ser adotado pelo próprio Poder Judiciário, que crie câmaras ou setores de conciliação paralelos ao cartório distribuidor.

Claro que a conciliação não pode ser imposta e, por isso, as partes devem buscar ou aceitar essa forma de resolução de conflitos sugerida pelo Poder Judiciário, mas esse tipo de proposta, acompanhada de uma política publica sólida de informação já se mostrou promissora para atrair mais pessoas para esse método de resolução de conflitos.

Da mesma forma, a conciliação pode ser promovida por órgãos diversos do Poder Judiciário, que têm iguais interesses na pacificação social. É o caso das Defensorias Públicas de Justiça ou dos Ministérios Públicos, como já abordado. Esses órgãos podem igualmente conceber setores de conciliação para pacificar as partes, ratificando os eventuais acordos, sem a necessidade de invocar o moroso sistema judiciário, mas, indo ainda mais além, podem os setores de conciliação serem criados por pessoas particulares, ONGs ou voluntários.

A conciliação extrajudicial como vista, é uma poderosa arma de pacificação social que ainda está dando os seus primeiros passos e pode ser muito procurada e bem utilizada ainda. Como exemplo disso tem-se as Defensorias Públicas que garantem o acesso das pessoas menos abastadas ao Poder Judiciário, seja postulando um direito seu ou se defendo em Juízo.

Hoje as Defensorias Públicas tem enfrentado o mesmo problema que assola o Poder Judiciário, qual seja o invencível número de pessoas que buscam os seus serviços. Possível solução pode ser justamente apostar na conciliação extrajudicial como meio de atender todas as demandas. A tentativa de conciliação é o melhor mecanismo para garantir a solução de conflitos da maneira menos gravosa o possível pelas partes.

Quando estiver em jogo direito indisponíveis, faz-se necessária a análise judicial para verificar preenchimento de pressupostos fundamentais à expressão e validade da vontade. Em outros casos, existe a prerrogativa de referendar acordo, mas sem dotá-lo da chamada executividade plena. A executividade plena é um termo cunhado pela doutrina processualista para designar alguns efeitos que somente o titulo executivo judicial confere ao exeqüente tendo como exemplo o caso das obrigações alimentares. Outras questões, envolvendo interesses de crianças, adolescentes e incapazes igualmente ainda carecem da homologação judicial, pois a lei exige a fiscalização do custus legis, e a análise do Estado-Juiz.

Esses casos, contudo, não diminuem a relevância da conciliação, pois se estima que um grande percentual das demandas cíveis sejam resolvidas por intermédio deste instituto. O único problema ocorre quando uma das partes se trata da Administração Pública que, presa aos seus dogmas burocráticos, não permite a transigência, tornando a prestação jurisdicional ainda mais morosa.

Por ora, a conciliação é a facilitação do diálogo e prima pela vontade das partes, nada obsta, portanto, que as partes sejam ajudadas por particulares na condução do diálogo para que possam, efetivamente, resolver os seus conflitos, superá-los, e finalmente transigirem.

Isso se tomando em conta que o maior interesse da conciliação, o verdadeiro interesse social deste instituto, não é o acordo em si, mas a efetiva pacificação social. É o fim do conflito entre as partes, permitindo que possam viver harmonicamente novamente. Esse é o interesse inato da conciliação.

3.5 A formação da mentalidade do operador do direito

A atividade jurisdicional é uma das várias possibilidades de gerar a composição entre as partes, sendo uma das inúmeras vias existentes e não deve ser considerada a forma prioritária ou preferencial de encaminhamento de demandas.

É estabelecida entre nós uma visão do processo como tipo acusatório entre partes que, mesmo tendo evoluído, foi enraizado em nossa cultura contenciosa como meio de solução do conflito. A adoção de formas distintas de como lhe dar com os conflitos exige uma modificação da visão, não só do jurisdicionado, ou do administrador da justiça, mas principalmente dos operadores do direito.

A “cultura da sentença”, assim denominada por Kazuo Watanabe, instalou-se no íntimo de cada um de nós de maneira a preconizar como a única forma de solução contenciosa e adjudicada dos conflitos de interesse. [40]

Com o passar do tempo há que se substituir paulatinamente à cultura da sentença pela cultura da pacificação. Para que isso ocorra será necessária uma mudança na formação dos futuros operadores de direito como também uma conscientização dos que já trabalham na área há algum tempo por meio do incentivo.

Hoje em nossos ensinos jurídicos faltam aprofundamento nos estudos sobre os diferentes meios de compor soluções. Pode-se comprovar essa premissa com uma superficial análise curricular dos inúmeros cursos oferecidos de direito em nosso país, o que colabora muito para a conservação do paradigma de uma sociedade judicante e litigiosa.

Como aponta Fernanda Tartuce é notório que os operadores de direito tem em sua formação acadêmica um modelo centrado no sistema contencioso. O profissional da área de direito não conta, em sua formação com a habilitação em métodos consensuais na perspectiva de tratar a controvérsia.[41]

Tal dificuldade é possível contornar, vez que proporcionar instrumento de ensino das técnicas e semeá-las aos operadores de direito para que eles paulatinamente venham empregá-las[42]. Os resultados satisfatórios ajudaram na divulgação deste instituto.

Ainda, como bem destaca Fernanda Tartuce, revela-se essencial a mudança de tal panorama a partir da inserção nas faculdades de direito de oportunidades para o estudo dos meios alternativos de solução de conflitos, o que não está longe, pois várias faculdades já adotaram em suas grades curriculares um dos possíveis meios alternativos de solução de conflitos. [43]

Segundo Fernanda Tartuce, no âmbito do Ministério da Educação do Brasil - MEC, por iniciativa da Secretaria de Educação Superior, vem sendo inserida a recomendação de adoção de mecanismos extrajudiciais como objeto de estudo e desenvolvimento nos núcleos de prática profissional nos cursos de direito.[44]

 [...] Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização.

§ 1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES , para a avaliação pertinente. [45]

O paradigma, portanto, começou a ser mudado muitos dos nossos cursos jurídicos, existe a previsão da disciplina que aborda meios alternativos de resolução de controvérsias. Tal modificação tende a transformar e a preparar os operadores do direito para uma nova visão de tratamento de conflitos passando a gerar um panorama diferenciado.[46]

4 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A CONCILIAÇÃO

4.1 Marco legal da conciliação – Resolução 125 do CNJ

Como já dito neste trabalho, a sobrecarga de processos em todos os âmbitos do Poder Judiciário vem crescendo visivelmente a necessidade de uma Política Publica em relação ao tratamento dos conflitos sobrepondo a “cultura da pacificação” à “cultura da sentença”.

O Conselho Nacional de Justiça criou um grupo de trabalho composto por magistrados, com o objetivo de elaborar a minuta da resolução com a intenção de instituir uma Política Publica voltada ao tratamento adequado de conflitos no Brasil. Tal minuta foi submetida à aprovação em 29 de novembro de 2010 e consequentemente baixada a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça publicada em 1ª de dezembro de 2010 instituindo a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário.

Esta política tem por objetivo a utilização dos meios “alternativos” de solução de conflitos, tendo como objeto principal a conciliação e a mediação, no âmbito do Poder Judiciário e sob a fiscalização deste.

 Com o decorrer do tempo é notória a mudança da mentalidade dos operadores do direito e das próprias partes que procuram este instituto.  A ideia é de que a Política Publica de tratamento adequado de conflito centra-se ao acesso à justiça qualificada, sendo possível através da condução efetiva do processo pelo Juiz responsável pelo trabalho com os métodos consensuais de solução de controvérsias e pelos serviços de cidadania e orientação jurídica conduzindo a pacificação social abandonando a morosidade da justiça, diminuindo os processos e seus custos.

O acesso aos métodos alternativos exige a disponibilização de serviços que atendam aos cidadãos de modo mais abrangente do que a mera consecução de uma audiência conciliatória, esse acesso se refere, além disso, a orientação jurídica, assistência social e a obtenção de documentos essenciais ao exercício da cidadania.

A Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça busca uma nova imagem do Poder Judiciário como prestador de serviços que atenda aos anseios da sociedade de maneira consensual, tendo como intenção, portanto, alçar a tentativa da pacificação entre as partes como praxe.

Para o fim a que se propõe, de representar um marco no acesso à justiça pacificadora e ensejar uma mudança de mentalidade, a Resolução mostra-se relativamente curta. Compõe-se de 19 artigos que se distribuem em quatro capítulos. Os capítulos tratam da instituição da política pública para tratamento adequado dos conflitos, das atribuições do Conselho Nacional de Justiça, das atribuições dos Tribunais, dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e do Portal da Conciliação. Como anexo a Resolução traz um Código de Ética de Conciliadores e Mediadores.

Sem pretender analisar individualmente cada um dos artigos da Resolução, cabe no presente destacar suas principais premissas e inovações.

A primeira delas, conforme indicado, o próprio CNJ se atribuiu a obrigação de fixar diretrizes para o desenvolvimento dessa nova política pública. A implementação foi destinada aos Tribunais, responsáveis pela criação dos Núcleos permanentes de Conciliação, os quais têm a função de gestão de duas vertentes básicas: dos conciliadores e mediadores e dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que constituem as duas grandes frentes de atuação dessa nova política pública.

No que tange aos conciliadores e mediadores, os Tribunais deverão promover a capacitação e a atualização permanente, manter atualizado o respectivo cadastro e regulamentar a remuneração.

A Resolução determina a criação e instalação de Centros, nas Comarcas onde tenha mais de um Juízo, Juizado ou Vara, aos quais incumbe a realização de todas as sessões de conciliação e mediação. Destaque-se, a partir da Resolução, também se mostra possível a conciliação ou mediação pré-processual, sem que se tenha uma demanda ajuizada no Poder Judiciário. Cria-se aqui a possibilidade de o cidadão se dirigir a estes Centros e, sem a exigência de representação por advogado, apresente seu conflito no intuito de buscar uma possível solução amigável.

Os Centros mandarão uma carta convite para o outro envolvido no conflito convidando-o ao comparecimento à sessão de conciliação e mediação. Se as partes chegarem a um acordo, tem-se um título judicial que terá, por via reflexa, uma demanda a menos tramitando no Judiciário.

Sobre ao aspecto da cidadania incumbe, ainda aos Centros, o dever de prestar informações e encaminhamentos jurídicos como, por exemplo, de que é possível o reconhecimento de paternidade diretamente no cartório de Registro Civil.

A Resolução determina ainda a criação de um portal de conciliação. O CNJ já cumpriu esta determinação. Disponibiliza, por meio eletrônico uma série de informações relacionadas a essa nova política. Entretanto, ainda não se tem livre acesso aos dados estatísticos.

Em linhas gerais a Resolução propõe um verdadeiro divisor de águas na história do Judiciário, que até então sempre teve suas raízes fincadas na sentença, na resolução adjudicada dos conflitos. O objetivo principal da política pública instituída pelo Conselho Nacional de Justiça é dar tratamento adequado aos conflitos e promover de forma efetiva a pacificação social do conflito em todos os seus aspectos.

4.2 As principais alterações advindas com a positivação da conciliação no âmbito Judicial.

Como dito neste trabalho, as comarcas estão cada vez mais abarrotadas de processos pendentes de julgamento, o que compromete a celeridade e, em muitos casos, torna a prestação jurisdicional ineficiente para a parte. Sendo assim, não é exagero dizer que a conciliação é um dos fenômenos que garantirão a manutenção do Poder Judiciário, evitando que esta instituição tão importante para a democracia se torne totalmente incapaz de garantir a pacificação social e observância das leis.

A conciliação é, portanto, a grande aposta da Justiça para lidar com o invencível crescimento de demandas judiciais sem comprometer ainda mais a entrega da tutela jurisdicional, em virtude do exíguo número de funcionários públicos disponíveis.

Ocorre que a conciliação depende da conscientização da sociedade sobre o seu poder e eficácia, e assim, este trabalho passará a analisar as principais alterações ocorridas com a positivação da conciliação, e sua incorporação definitiva ao Poder Judiciário.

4.3 Das políticas públicas para a implementação da conciliação

Ao longo desse trabalho a importância da conscientização social acerca dos métodos alternativos de solução de conflitos foi um tema recorrente. É preciso que fiquem claras, entretanto, quais as formas para que essa dita política pública possa ser efetivamente aplicada.

Primeiro é preciso entender o que é uma política publica. Uma política pública é uma política que envolve a gerência estatal. Envolve o Estado considerado como um todo, em um esforço único e concentrado através de seus vários braços de atuação.

Como se sabe, o Estado brasileiro é dividido em três Poderes autônomos e equidistantes entre si. São os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para que a conciliação seja efetivamente implementada na sociedade é preciso um esforço entre todos os entes federativos. Os Poderes Executivo, Legislativo devem ser tão atuantes como o Poder Judiciário, para que esse instituto seja plenamente incorporado ao meio social.

O Poder Executivo é quem vai atuar com a promoção maciça dos meios de comunicação e a implementação da infraestrutura necessária ao bom funcionamento da conciliação. Não que esse seja o único Poder responsável por estas incumbências, as responsabilidades, em muitos casos, se confundem. O que é preciso ter em mente é a noção de solidarismo entre os Poderes, para que seja possível viabilizar as reformas necessárias ao efetivo implemento da conciliação como método de resolução de conflitos.

O Poder Legislativo viabiliza a atividade conciliatória com a criação das leis que lhe garantam autonomia e efetividade. Ora, apenas com a validação da conciliação é possível criar um ambiente favorável às partes. Se os acordos obtidos pela conciliação não gozarem de executividade não existe motivo para convencer as partes a buscar esse instituto.

Essa premissa se aplica, inclusive, para os demais métodos de resolução de conflitos, como é o caso da arbitragem, que já vem presente no ordenamento pátrio há um bom tempo, mas não decolava pelo entrave legal que obrigava a sua convalidação à homologação judicial, tornando o instituto, na pratica, desnecessário, já que o litígio teria que ser levado ao judiciário de qualquer maneira.

Não se pode olvidar que a malha legal é um sistema único que deve ser sempre analisado como um todo, sendo qualquer eventual conflito de normas meramente aparente.

Por fim, ao Poder Judiciário cabe a missão, além de ajudar a promover as anteriores, de propiciar a todo tempo o ambiente favorável à conciliação. Não importa o momento processual, a conciliação deve ser prioritariamente favorecida.

O problema é que na realidade brasileira “se observa total ausência de planejamento e coordenação tanto em relação à atividade jurisdicional quanto em relação aos demais meios de solução de conflitos”. [47]

Não é, contudo, apenas do Estado à responsabilidade de mudança do paradigma da conciliação. A sociedade, através de seus segmentos formadores de opinião e disseminadores de pesquisa, também tem sua responsabilidade. O jurista Petrônio Calmon fala em responsabilidade da Comunidade Cientifica das Instituições de Ensino Superior, da Imprensa, das Ongs e até da OAB.

A comunidade científica é apontada como a facilitadora do debate. “A essa comunidade ainda é dado o caminho do diálogo direto com o governo, que não é objetivamente fechado à discussão, embora sempre atarefado com questões políticas do dia-a-dia”.[48]

A responsabilidade das instituições de ensino superior é mais intuitiva. O apelo que se faz aqui é o primor pela excelência e pelo acompanhamento das transformações sociais. Houve nas últimas décadas uma enorme proliferação de cursos superiores de Direito pelo país, visando suprir enorme demanda de egressos de um ensino médio de baixa qualidade. Muitas faculdades privadas, criadas para receber essa demanda, não estão aparelhadas adequadamente para a entrega do melhor direito aos alunos.

Uma cartilha ortodoxa com professores mal qualificados tem como resultado a estagnação da pesquisa jurídica, e nesse intervalo os meios alternativos de solução de conflito sequer chegam a figurar em alguns cursos.

[...] É normal ouvir-se que os cursos de direito preparam seus alunos para os conflitos e não para sua solução. Na verdade o que se quer dizer é que o curso prepara os futuros profissionais do direito para o método da disputa judicial e não para o método consensual[49] (CALMON, 2007).

Invocando-se uma vez mais o insigne doutrinador Petrônio Calmon:

O terceiro setor é conhecido por suas atividades sociais, assim reconhecidas àquelas que visam mudança social-econômica. Todavia, as organizações não governamentais não se ocupam somente do social, Há as que cuidam de direitos humanos, arte musica ciência e tantas outras atividades. Há as que se ocupam da prestação jurisdicional, normalmente para cobrar resultados ou para auxiliar com propostas neste sentido. [50](CALMON, 2007).

A proposta é que as ONGs passem a se preocupar diretamente com a solução dos conflitos, obviamente se valendo dos mecanismos de autocomposição.

A Ordem dos Advogados do Brasil tem por finalidade institucional a defesa da Constituição Federal a democracia, os direitos humanos, a justiça social e a aplicação efetiva das leis, com o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Dessa forma verifica-se que o papel da OAB na política proposta é inato.

O que é preciso ter em mente é que a conciliação não exclui o labor do advogado, mas o traz um novo campo de atuação, nos méis alternativos de solução de conflito, onde deve atuar para manter a legalidade e a técnica, sempre que se fizer necessária.

Com a adoção de uma política pública voltada para a conscientização e viabilidade dos meios de solução de conflitos alternativos certamente toda a sociedade ganhará, e a pacificação social talvez deixe de ser um ideal utópico para se tornar uma meta a ser efetivamente atingida.

4.4 A resolução de conflitos por meio da conciliação.

A conciliação é uma forma de autocomposição que prestigia o diálogo das partes, visando uma solução que atenda ao interesse de ambas, sem a necessidade de imposição de uma decisão por parte do Estado-Juiz.

Pode-se dizer, portanto, que a conciliação implica em uma nova maneira de pensar a solução de litígios, onde o revanchismo dá lugar ao debate, visando uma convergência de interesses.

O Poder Legislativo, atento ao fenômeno da massificação de demandas judiciais, criou os mecanismos jurídicos que permitem seja a conciliação um instituto jurídico buscado em qualquer fase processual. Essa foi uma importante mudança, pois graças a isso um processo, independente da fase em que esteja, pode ser extinto com a transigência das partes.

Outra forma de autocomposição bastante conhecida é a chamada negociação, onde as partes, por intermédio de seus advogados, transigem por sua conta e levam um acordo pronto e acabado ao Poder Judiciário, para que seja homologado.

Na verdade, um acordo entra as partes já é considerado um título executivo extrajudicial. Ocorre que certas matérias exigem a homologação judicial para que sejam dotadas do que se convencionou chamar “executividade plena”. É o caso das obrigações alimentares, que será mais bem discutido mais a frente neste trabalho.

A grande diferença da conciliação para as outras formas de autocomposição é a participação de um terceiro, externo e imparcial, que funciona na negociação como um facilitador do diálogo, mas não apenas isso, pois o conciliador é também uma figura que ajuda diretamente nas negociações, dando sugestões e dicas.

Como sabido e já abordado anteriormente, as conciliações podem ser judiciais ou extrajudiciais. As conciliações judiciais, que ora tratamos, mostram seu espírito promissor na celeridade que conferem a resolução do litígio, e a melhor aceitação por parte dos interessados. Quase todas as demandas no âmbito civil podem ser objeto de conciliação, desde as ações de conhecimento até as ações executivas. Algumas, entretanto, mesmo podendo ser objeto de conciliação, exigem alguns cuidados especiais, como as ações que versam sobre interesses de crianças e adolescentes, no âmbito do direito de família, que exigem a presença do Ministério Público na qualidade de custus legis, para que se garanta o direito da proteção integral positivado no ECA.

O Poder Judiciário vem se organizando para implementar, cada vez mais, a conciliação judicial objetivando a resolução dos litígios, assim, grandes comarcas, com varas especializadas, criaram os chamados “Setores de Conciliação”, que nada mais são do que um grupo de conciliadores treinados pelo Poder Judiciário (muitas vezes em convênio com instituições superiores de ensino), para conduzirem às partes a resolução dos conflitos levados à Justiça. Esses Setores iniciaram seus trabalhos atuando nos processos distribuídos em audiências preliminares às audiências ordinárias, salvo em alguns casos especiais, como o já citado envolvendo crianças e adolescentes, que exigem cuidados redobrados.

Nessas audiências preliminares as partes são levadas à figura de um conciliador nomeado pelo juízo, e são convidadas ao debate para que delimitem seus interesses e expectativas. Não há a figura do Juiz nesse momento, e os advogados, embora possam participar para ajudar seus clientes nas questões de Direito, são dispensáveis, pois o conciliador conduzira a audiência visando garantir que ambas as partes saiam satisfeitas, cedendo parcialmente, para que alcancem um denominador comum.

Não há nesse primeiro momento, preocupação com a imputação de culpa ou responsabilidades. As negociações são livres, as propostas não vinculam, e tudo o que é dito nessa audiência permanece em sigilo e não consta no termo, salvo decisão de ambas as partes em sentido diverso.

Se a conciliação é bem sucedida, o conciliador reduz o acordo a termo e o leva à apreciação do Estado-Juiz, que se limitará a homologá-lo. Só em caso de audiência infrutífera é que é aberto o prazo para contestação. Isso não representa, como já foi dito, o fim da possibilidade de conciliação.

Na audiência de instrução e julgamento o Juiz proporá novamente às partes a prerrogativa de conciliação antes do início da audiência propriamente dita. Ademais, as partes podem transigir a qualquer momento (através da “negociação”), levando ao Juiz a minuta do acordo para homologação. Da mesma forma, qualquer das partes pode solicitar nova audiência de tentativa de conciliação, cabendo ao Juiz deferi-la, julgando a conveniência, ou indeferi-la motivadamente.

O Setor de Conciliação, contudo, não se limita às demandas judiciais, e essa é, talvez, sua maior virtude.

Como mostram as estatísticas em 2011 (48%), em 2012 (49,78%) e em 2013 (51,60%) de acordos homologados efetuados disponibilizadas pelo CNJ, o grande número de audiências de conciliação bem sucedidas refere-se a todo tipo de demandas extrajudiciais.[51]

Não que as ações judiciais não contem com números inspiradores que atestem a eficácia da conciliação judicial. Estima-se que a média de conciliações judiciais bem sucedidas seja de um número muito promissor se considerado a quantidade física de processos a menos que esse percentual representa.

Ocorre que nas demandas extrajudiciais o indicie de acordos bem sucedidos beira os 51%. Isso reflete muito do que já foi dito sobre a consciência social e sua relevância para a conciliação.

Quando uma pessoa procura o Setor de Conciliações extrajudicial, essa pessoa já está se mostrando disposta à resolução de seu litígio por meio do diálogo, ou seja, já está aberta ao diálogo e à negociação. Ela vai com uma mentalidade diferente da pessoa que procura diretamente o Poder Judiciário. Essa mentalidade acompanha, inclusive, os profissionais do Direito, os advogados da parte, que possuem, em sua maioria, uma formação litigiosa que patrocina o combate e a dualidade invencível entre as partes.

É por isso que se diz que a atuação do Poder Judiciário, além do Setor de Conciliação, judicial e extrajudicial, deve ser também, e, sobretudo, a conscientização da população sobre a importância de conciliar, de encerrar um conflito por meio do diálogo e do consenso. O que termina por ser bem menos danoso e cansativo do que esperar a tutela jurisdicional.

Como já foi dito, a questão da conciliação no Brasil é uma transformação na mentalidade social que ainda está dando os seus primeiros passos, e de maneira promissora. Não há, no momento, uma maior aposta para solucionar a crise do Judiciário, do que esta.

4.5 A figura do conciliador – a necessidade de capacitação para o desempenho ético do trabalho do conciliador

O conciliador é uma das figuras centrais da conciliação. Esse terceiro imparcial atua diretamente na solução do conflito valendo-se de sua posição externa para desarmar as partes e permitir-lhes um espaço neutro para o debate.

Nesse sentido, o jurista Francisco Luiz Macedo Júnior e o Psicólogo Antonio Marcelo Rogoski Andrade asseveram que a atuação do conciliador não obedece a regras. Não se pode fixar um modelo de proceder quanto a tal atuação. Cada pessoa tem um estilo pessoal de proceder e pode desenvolver esse estilo de forma diferenciada, desde que não contrarie a filosofia, a ética e os objetivos do Juizado.[52]

Aqui estamos diante de comportamentos a serem, eticamente, observados “ética é um juízo de apreciação da conduta humana pelo ponto de vista do bem e do mal”, palavras do psicólogo Antonio Marcelo Rogoski Andrade. [53]

Como já explanado no inicio, o conciliador não precisa ser um advogado ou jurista, valendo ressaltar que suas técnicas têm, em verdade, um viés muito mais psicológico do que jurídico. Na verdade, a atuação do conciliador se refere à gestão humana, conduzindo as partes ao diálogo, minimizando suas diferenças e as interferências externas ao objetivo da audiência conciliatória.

Dessa forma, a atuação do conciliador de conduzir as partes conflitantes deve observar algumas regras como, segundo o psicólogo já mencionado, não ultrapassar os limites de suas funções, atuando sem abusos e com interesse voltado para o bom desempenho da tentativa conciliatória de forma a solucionar a divergência aparente interessando-se pelas partes de forma a ajudá-las na solução do caso que as envolvem.

Outra regra não menos importante é o não prejulgamento, pois a função de pacificador social é tentar o acordo a função de julgamento cabe ao Estado-Juíz. E por último respeitar a autonomia das partes, o conciliador deve tentar ajudar as partes a resolver a suas desavenças por si mesmas, pois a vontade das partes é soberana e deve ser respeitada.

Afinal, a grande dificuldade das partes é dialogar sem os efeitos reflexos do litígio instaurado. Essas interferências se referem aos ânimos das partes, que se sentem lesadas, traídas ou prejudicadas de qualquer forma.

O conciliador pode, eventualmente, ter formação jurídica e até mesmo ser um Juiz togado, pois como já visto, a conciliação é um instituto que deve ser tentado a qualquer momento no âmbito processual.

Se o conciliador se tratar do juiz de um processo já instaurado, as características da conciliação não sofrem nenhum abalo, o que ocorre é uma mudança no posicionamento do Juiz, que enquanto presidir um procedimento conciliatório não poderá atuar de forma impositiva, mas deverá manter-se imparcial, limitando-se à condução das partes ao diálogo.

Da mesma forma, a figura aqui estudada pode ser um Defensor Público que fora procurado pela parte, inicialmente, para atuar em seu favor na resolução do litígio. Nesse caso, o Defensor Público conduzirá a audiência de conciliação com imparcialidade, visando permitir que ambas as partes tenham a oportunidade de colocar seus pontos livremente para encontrarem um denominador comum. Somente na eventualidade de uma conciliação infrutífera o Defensor Público volta ao papel de parcialidade, mas ainda assim recomenda-se que um novo Defensor Público assuma esse múnus.

O que é importante ressalvar é que o conciliador, embora atue direta e ativamente na resolução dos conflitos, inclusive com sugestões, não toma partido de nenhuma das partes. Ele jamais defende um direito em detrimento do outro, mesmo que a sua convicção pessoal penda para um dos direitos em choque.

Quando se diz que o conciliador dá sugestões, esse exercício se limita a razoabilidade dentro da esfera de direito das suas partes envolvidas. Esse método do conciliador não gera vantagens para nenhuma das partes, pois se baseia sempre na ambivalência dos direitos postos, encontrando uma ligação intermediária entre ambos.

A conciliação envolve uma série de técnicas a serem utilizadas pelo conciliador, além da atenção ao diálogo, que é a forma livre da audiência o conciliador deve estar atento aos gestos das partes, que em muitos casos evidenciam pontos sensíveis e questões de maior complexidade. Os gestos também podem denunciar envolvimento ou ações evasivas, confiança ou mentira, insegurança, dentre outros.

Como se observa, a sensibilidade do conciliador e sua técnica psicológica são mais importantes do que o tecnicismo jurídico. Repise-se, o conciliador é um gestor de pessoas, um terceiro imparcial que tem, como único interesse na transação percorrida, a pacificação social.

4.6 Conciliação no atual e no Projeto do Novo Código de Processo Civil

Em 2014 foi o marco para a aprovação do Novo Código de Processo Civil, cujo objetivo foi atualizar o código que esta vigente desde 1973, de maneira que procura estabelecer visível contextualização do CPC num panorama mais amplo, em que a Constituição Federal figura como lei fundamental, que deve dar o tom a todos os demais dispositivos que compõe o sistema positivo.

Percebe-se, também, uma tentativa de simplificar as regras hoje existentes com o intuito de que elas não se transformem em mais um problema que o magistrado tem que resolver, além do mérito.

Analisando pormenorizadamente podemos, no atual código que foi aprovado Pela Câmara dos Deputados em 26.03.2014, verificarmos mudanças no que se diz respeito à conciliação, assim vejamos abaixo algumas considerações.

Disse o Deputado Paulo Teixeira (PT-SP) relator do substituto que teremos câmaras de conciliação nos tribunais, com corpos especializados para isso. Só depois da impossibilidade da conciliação é que o conflito irá para o processo judicial. [54]

No projeto do Novo Código foi acrescentado que os conciliadores e mediadores serão os auxiliares da justiça, conforme Projeto do Novo Código de Processo Civil:

[...] Artigo 149: São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.[55]

Ademias, como já citado acima, os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, vide o que preconiza o projeto:

[...] Artigo 166: Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.[56]

Ainda, o conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

[...] §3º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.[57]

O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

[...] § 4º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.[58]

De acordo com o artigo 168, os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional. A priori, se o conciliador e mediador forem advogados, serão impedidos de exercer a advocacia.

[...] Artigo 168: Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.[59]

As partes do processo poderão escolher o conciliador, bem como o mediador para atuarem no litígio.

Corroborando com o disposto acima, segue abaixo transcrito o artigo 175, que dita sobre as atribuições, in verbis:

Art. 175. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:

I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública;

II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;

III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. [60]

Ainda, no projeto do novo código o Juiz deverá adotar a audiência de conciliação como a fase inicial da ação, porém se a tentativa for frustrada, poderá tentar novamente um acordo durante a instrução do processo.

Como já foi observado anteriormente o Código de Processo Civil de 1973 incluiu uma seção para tratar da conciliação no capítulo dedicado à audiência, obrigando o comparecimento das partes ou procuradores com poderes especiais. Ainda em seu artigo 331 modificado pela segunda vez pela Lei nº 10.444 de 2002, estabelece a audiência preliminar mediante a qual se promoverá a atividade conciliatória tendente à autocomposição que em caso de obtenção da conciliação será reduzida a termo e homologada por sentença, conforme disposto no §1º deste mesmo artigo supracitado.

Diante do exposto, verificamos que no Projeto do Novo Código de Processo Civil tiveram um enfoque maior, no que tange a conciliação e a mediação, conceituando diversas atribuições incumbidas a esses novos auxiliares da justiça, o que no Código vigente não são mencionados, bem como também ensejou modificações referente à audiência de conciliação, o que não necessita de maiores delongas.

CONCLUSÃO

Os meios alternativos de solução dos litígios são a grande aposta dos juristas para a entrega de uma justiça plena aos cidadãos brasileiros. Baseados na ausência de formalismo, em contraste ao clássico modelo judicial, esses métodos primam pelo diálogo e favorecem a pacificação, pois não permitem a figura do vencedor e do perdedor, típicas dos ânimos beligerantes.

Dentre esses métodos alternativos o presente estudo concentrou suas forças no instituto da conciliação, seja judicial ou extrajudicial, que já tem se mostrado extremamente promissor na missão de diminuir as demandas pendentes de decisão judicial que ferem o direito à celeridade das partes, diminuindo a credibilidade do Poder Judiciário, órgão essencial ao Estado Democrático de Direito.

Como abordamos reiteradamente neste trabalho, é preciso que a mentalidade da sociedade seja mudada, para que o diálogo na busca de solução dos conflitos seja efetivamente viabilizado e incorporado aos padrões sociais do brasileiro.

A proposta sugerida para a viabilização desta mudança de paradigmas é uma política social que implique em profundas reformas institucionais e sociais. Uma reforma de longo prazo que envolve a gerência estatal, com a cooperação dos entes administrativos, assim como os setores sociais ligados à formação de opinião e produção cientifica e intelectual.

No estrangeiro a conciliação já é o grande sistema de resolução de conflitos das maiores democracias. Isso se dá em virtude da eficácia que esse instituto oferece, convergindo os interesses antagônicos das partes, de maneira célere e equilibrada, sem imposições drásticas.

À medida que o brasileiro se atenta para os benefícios desse instituto tem aceitado muito bem a conciliação. Cabe ao Poder Judiciário e os demais agentes da Justiça o papel de difundir ainda mais os benefícios da conciliação, aumentando a sua incidência até o dia em que cheguemos ao patamar das grandes democracias (onde até 90% dos litígios são resolvidos por esse instituto).

As formas de autocomposição é a maneira menos invasiva de resolver os litígios. Já se comprovou que com a sentença uma das partes, senão ambas, sempre ficará insatisfeita e, com isso, provavelmente sobrecarregará ainda mais o Judiciário com a interposição de recursos. Sempre haverá vencedores e vencidos. Além disso, com o longo trâmite dos processos judiciais muito provavelmente quando obtida a decisão será de pouca efetividade para a parte que a espera. O vencido dificilmente é convencido pela sentença, e o ressentimento, fomenta novas lides, em um circulo vicioso.

 Na conciliação não existem vencedores nem perdedores, as partes constroem a solução para os próprios problemas e tornam-se responsáveis pelos compromissos assumidos. Afinal, as partes conhecem os seus direitos e sabem até onde pode ceder, esse é outro dos principais motivos do sucesso da conciliação.

Tanto a mediação como a conciliação é, em essência, formas para que as pessoas negociem entre si, deixando de acreditar serem as únicas detentoras da razão, saindo da zona de conforto, e buscando uma solução comum, que atenda ao interesse de ambas.

Em alguns casos, de fato, conciliar significa abrir mão de parte de um direito que talvez fosse absoluto, mas isso não é necessariamente um prejuízo quando se considera o longo tempo que uma demanda judicial exigiria, com todos os formalismos e desgastes. Por isso, a aceitação da conciliação demonstra a maturidade da sociedade que dela faz uso, em total convergência ao modelo social e econômico que se espera de um estado democrático social.

O que se espera é que, no futuro, a conciliação judicial abarque a maioria dos litígios, encerrando-os antes mesmo que se tornem demandas judiciais. Isso desafogará o Judiciário e permitirá que os Juízes se inclinem sobre as demandas que verdadeiramente impendam essa analise mais profunda.

É o caso de algumas Defensorias Públicas abordados anteriormente. Cada vez que uma conciliação é bem sucedida, o Defensor Público ganha mais tempo para cuidar de questões mais delicadas, como obrigações de fazer, postulando medicamentos e intervenções cirúrgicas para pessoas que dependem.

Da mesma forma, cada processo resolvido por meio da conciliação poupará o tempo, já exíguo, do Estado Juiz, permitindo que este se concentre nos interesses mais importantes da sociedade, envolvendo direitos fundamentais à vida, saúde e dignidade.

Um Estado maduro encara as diferenças com outro Estado de frente, debatendo os pontos divergentes e chegando a um consenso. Esse mesmo modelo deve ser adotado pela sociedade, pois a legislação, o Estado e a ordem jurídica, todos estes institutos visam, no final, a paz social, a harmonia entre as pessoas. Basta consultar o preâmbulo da Constituição Federal.

Todos os esforços públicos e direitos contidos no ordenamento jurídico pátrio visam senão promover o avança social com a valorização do ser humano. Essa deve ser uma verdade para todos os integrantes da sociedade.

É indiscutível a relevância do instrumento conciliação para a questão da ampliação do acesso à justiça, uma vez que minora a vulnerabilidade do indivíduo aos ritos incompreensíveis do processo, transferindo para o mesmo a resolução das suas próprias insatisfações, das suas próprias controvérsias, permitindo soluções mais céleres e eficientes.

Espera-se que este estudo tenha demonstrado o quanto os métodos alternativos de solução de conflitos, em especial a conciliação, se mostram promissores na missão de promoverem a pacificação social. Essa nova visão é uma grande aposta do Sistema do Poder Judiciário para uma futura e evidente mudança de paradigmas de uma sociedade contenciosa com intenção de se evitar a esperada e notória falência desse sistema.

REFERÊNCIAS

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