Legítima defesa no Código Penal Brasileiro

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14/12/2015 às 13:40
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A presente pesquisa tem por escopo o estudo do instituto da legítima defesa como causa de exclusão da ilicitude prevista em nosso ordenamento jurídico. A proposta é demonstrar conceitos pertinentes ao tema apresentando-o conforme previsão no Código Penal.

RESUMO

A presente pesquisa tem por escopo principal o estudo do instituto da legítima defesa, conhecida como uma das causas de exclusão da ilicitude prevista em nosso ordenamento jurídico. O estudo traz a proposta de demonstrar conceitos pertinentes ao tema como forma de apresentar a legítima defesa conforme previsão no atual Código Penal brasileiro. Busca apresentar seus aspectos objetivos e subjetivos, seus requisitos, os excessos, sua natureza jurídica, os tipos de legítima defesa, um breve relato de sua evolução histórica na legislação brasileira, e não deixando por menos as outras espécies de causas de exclusão da ilicitude. Privando por uma exposição objetiva e clara, além de posições doutrinárias, para melhor compreensão, fez-se necessário apresentar alguns exemplos clássicos cabíveis ao tema proposto, e exemplos jurisprudenciais. No intuito de mostrar que a legítima defesa é uma das causas de exclusão de ilicitude mais antiga do direito penal e mais discutido nos debates jurídicos atuais, ela é nata ao homem, sempre caminhou ao seu lado podendo trazer a tona a responsabilidade do agente por sua conduta excessiva. Com o aumento da criminalidade e a ineficácia do poder público para conter a ação dos criminosos, a legítima defesa surge, habitualmente, para por efeitos jurídicos aos fatos que se tornaram habituais na sociedade em que vivemos. 

1 INTRODUÇÃO

A ação da legítima defesa faz parte do instinto humano, surgiu com o homem. Não se trata de um instituto criado pelo homem, mas sim de um direito natural, que consequentemente acabou tutelado por meio de lei.

Previstas no ordenamento jurídico brasileiro em seu Artigo 23 do Código Penal, as excludentes de ilicitude declaram que, o individuo que se encontra em uma ou mais das condições previstas, mesmo que cometendo um fato típico, não terá ele cometendo do crime algum, encontrando-se protegido por uma excludente da ilicitude.

Sendo estas condições as seguintes: estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Entretanto, em seu parágrafo único, o legislador esclarece que o individuo que age em uma destas hipóteses responderá pelo excesso doloso ou culposo. Doravante, o Artigo 25, permite ao agente defender-se quando estiver na iminência de sofrer, ou em atual agressão injusta, devendo fazê-la de forma moderada, de maneira que possa promover o cessamento do perigo da agressão.

Já que várias pessoas buscam neste direito natural, a justificativa para praticarem ilícitos, passou a ser necessário, o preenchimento dos requisitos da legítima defesa, sendo um dos principais requisitos, o uso de meio moderados utilizados pelo agente em sua defesa, já que o agente que em sua defesa ultrapassar o equilíbrio necessário para repelir a agressão, acarretará em excesso.

O presente trabalho vem, neste sentido, explanar de forma objetiva, sobre o instituto da legítima defesa; os tipos de legítima defesa; o excesso na legítima defesa; os requisitos a serem observados; o comportamento da vitima perante seu agressor; os meios admitidos na legitima defesa.

O trabalho é composto por 6 títulos, sendo que o primeiro é composto por essa introdução, o segundo título abrangerá alguns aspectos da ilicitude, o terceiro demonstrará o conceito de legítima defesa foco deste trabalho, trazendo uma síntese sobre as noções históricas, assim como sua natureza jurídica e fundamentos, e a diferença entre o estado de necessidade e a legítima defesa.

O quarto título disserta sobre os vários requisitos da legítima defesa, tema principal desse trabalho, um breve comentário sobre os bens tutelados por este instituto. Já o quinto título visualiza as variadas espécies de legítima defesa e seus respectivos conceitos. E por último, o sexto título aborda sobre o cometimento do excesso na legítima defesa.

A todo instante nos encontramos vulneráveis ao risco de uma injusta agressão, podendo nos valer do instituto da legítima defesa, cabendo a cada individuo prezar pela moderação na defesa, para que esta seja legítima, estando clara a relevância social do presente estudo, mostrando um instituto de proteção contra agressões injustas, porém, com requisitos e critérios a serem seguidos, a fim de não incumbir ao agente a punição pelo excesso.

Desta forma, seguindo a teoria tridimensional do direito, verifica-se que o instituto mencionado passa por um processo de atualização de acordo com o passar do tempo e os fatores sociais ocorridos não os torna em desuso, mas em constante atualização e em sintonia com o mundo em que vivemos, por isso, o tema proposto neste trabalho de conclusão de curso será estudado e explanado conforme preceitua o Direito Penal, através de pesquisas bibliográficas e doutrinárias, acesso à sites confiáveis, e material jurisprudencial.

2 DA ILICITUDE

2.1 CONCEITO

Antes de adentrar em um conceito doutrinário faz se necessário entender o significado da palavra ilicitude e nada melhor que recorrer a um dos melhores dicionários que possuímos, a saber, Houaiss ilicitude - “ato ilegal”.[1]

Partindo desse significado, Fernando Capez conceitua a ilicitude como: uma “contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típica tornam-se ilícitas” [2], ou seja, consiste no fato de uma contrariedade da conduta em relação a norma penal brasileira. Desse modo, se o fato não chega sequer a ser típico encerra-se qualquer indagação acerca da ilicitude pelo raciocínio do princípio da reserva legal que o designará como irrelevância penal. Na mesma linha de pensamento, Damásio de Jesus conceitua como sendo uma contradição do fato, eventualmente adequado ao modelo legal, com a ordem jurídica.[3]

Nem um pouco diferente dessa linha Alexandre Araripe Marinho, assim conceitua ilicitude ou antijuridicidade como: “a relação de contraste ou de antagonismo entre o fato típico, com todos os seus elementos, e o ordenamento jurídico, tomado este de uma forma genérica (ordem jurídica).” [4] Na mesma linha de raciocínio Rogério Greco, em seu Código Penal Comentado define ilicitude como “a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico (ilicitude formal) que cause lesão, ou exponha a perigo de lesão, um bem juridicamente protegido (ilicitude material), ou seja, falar em ilicitude é preciso que o agente contrarie uma norma.”.[5]

De maneira não menos importante, mas objetiva, Telma Angélica Figueiredo citada por Alexandre Araripe Marinho e André Guilherme Tavares Freitas, afirma:

Ilicitude consiste em um juízo negativo de valor sobre um comportamento humano, contrário às exigências do ordenamento jurídico. O Direito Penal não cria a ilicitude, presente em todos os ramos do direito e sim, seleciona, de situações concretas, comportamentos que atacam gravemente bens jurídicos, imputando ao agente uma pena. [6]

A ilicitude, também conhecida como antijuridicidade, como já citada acima pode ser conceituada como a contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico, ou seja, é o que é contrário a norma jurídica. Portanto, o conceito de ilicitude ou antijuridicidade é mais amplo, não ficando restrito ao direito penal, podendo ser de natureza civil, comercial, administrativa, tributária, etc. Se a conduta do agente ferir um tipo legal previsto no ordenamento penal, estaremos diante de uma antijuridicidade penal.

Obviamente que, para falar em ilicitude ou antijuridicidade, é preciso que o agente contrarie uma norma, pois, se não partirmos dessa premissa, sua conduta, por mais anti-social que seja, não poderá ser considerada ilícita, uma vez que não estaria contrariando o ordenamento jurídico-penal.

Sendo assim, por meio destes conceitos anteriormente apresentados podemos chegar à conclusão de que se o bem está tutelado juridicamente pela norma, qualquer conduta que a contrarie, desde que não esteja amparada por nenhuma excludente, irá causar uma lesão ou irá colocá-lo em perigo.

2.2 ESPÉCIES DE ILICITUDE

Partindo do pressuposto dos conceitos sobre ilicitude apresentados anteriormente, como sendo a contrariedade entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas, cabe-nos apresentar as espécies de ilicitude tais quais ilicitude formal, material, subjetiva e objetiva.

Antes de adentrar nos conceitos de todas as espécies de ilicitudes, faz-se conveniente apresentar a distinção entre ilícito e injusto. Paulo Queiroz leciona em sua obra que o injusto tem que estar ligado a consciência da lesividade social, ou à consciência da imoralidade da conduta, uma vez que as valorações sociais e morais são tão variáveis em uma sociedade pluralista. Para ele o conhecimento do injusto basta a consciência de infringir uma norma jurídica válida.[7]  

Fernando Capes apresenta o ilícito como “contrariedade entre o fato e a lei”, de modo que não importa o grau da infração, tem que contrariar a lei ou a ela se ajustar. Para ele o injusto é a “contrariedade do fato em relação ao sentimento social de justiça, ou seja, aquilo que o homem médio tem por certo, justo, pois um fato pode ser ilícito quando se contrapõe ao ordenamento legal, mas justo para grande parte das pessoas”. [8]

Distinguir o que seja ilícito do injusto não se pode fazer uma confusão entre ambos. O injusto é a conduta típica e antijurídica, mas justa aos olhos de parte da sociedade, enquanto o ilícito é a característica que tem a conduta de ser contrária à norma.

Partindo da ideia do que foi demonstrado sobre a diferença entre ilícito e injusto Fernando Capez, assim, apresenta e define, conforme abaixo, a ilicitude formal, material, subjetiva e objetiva: 

Ilicitude Formal: mera contrariedade do fato ao ordenamento legal (ilícito), sem qualquer preocupação quanto à efetiva perniciosidade social da conduta. O fato é considerado ilícito porque não estão presentes as causas de justificação, pouco importando se a coletividade reputa-o reprovável. 

Ilicitude Material: contrariedade do fato em relação ao sentimento comum de justiça (injusto). O comportamento afronta o que o homem médio tem por justo, correto. Indiscutivelmente, há uma lesividade social inserida na conduta do agente, a qual não se limita a afrontar o texto legal, provocando um efetivo evento danoso à coletividade.

Ilicitude Subjetiva: o fato só ilícito se o agente tiver capacidade de avaliar seu caráter criminoso, não bastando que objetivamente a conduta esteja descoberta por causa de justificação (para essa teoria, o inimputável não comete fato ilícito).

Ilicitude Objetiva: independe da capacidade de avaliação do agente. Basta que, no plano concreto, o fato típico não esteja amparado por causa de exclusão.[9]

Compartilhando da mesma ideia, Damásio de Jesus leciona que a ilicitude formal é a simples contradição entre o fato praticado pelo sujeito e a norma de proibição. A ilicitude material consiste na existente na conduta humana que fere o interesse tutelado pela norma e cita como exemplo a prisão de um perigoso bandido efetuada sem mandado e sem flagrante é formalmente antijurídico e materialmente jurídico. Para ele a ilicitude formal confunde-se com a tipicidade, assim não existindo. O que existe é um comportamento típico que pode ou não ser ilícito em face do juízo de valor. Assim a ilicitude é sempre material constituindo a lesão de um interesse penalmente protegido.[10]

Diante destes conceitos acima mencionados podemos observar que a ilicitude formal, como já dito acima, consiste na simples contrariedade do fato ao ordenamento legal confundindo-se com a tipicidade, enquanto a ilicitude material consiste na contrariedade do fato em relação ao sentimento de justiça possibilitando as causas supralegais de exclusão de ilicitude, e tem-se por ilicitude objetiva a ocorrência de um fato concreto descrito no ordenamento jurídico e diante desta ocorrência o juiz terá que analisar o caso devendo ser o mais objetivo possível para que haja a segurança jurídica. O que se quer com a objetividade da ilicitude é que o juízo da antijuridicidade não recaia sobre toda a conduta, mas apenas sobre o seu aspecto objetivo.

Assim, conforme pôde ser observado pelos ensinamentos aqui postos dos ilustres doutrinadores, podemos definir a ilicitude subjetiva sendo: “fato só será ilícito se o agente tiver capacidade de avaliar seu caráter criminoso, não bastando que objetivamente a conduta esteja descoberta por causa de justificação” e a ilicitude objetiva como: “independe da capacidade de avaliação do agente. Basta que, no plano concreto, o fato típico não esteja amparado por causa de exclusão”. [11]

Chega-se a conclusão de que a ilicitude subjetiva o agente tem que ter conhecimento do caráter ilícito de sua conduta, tem que entrar na sua esfera de conhecimento que está agindo voltado para um fim ilícito para que esteja presente a ilicitude, enquanto que para ilicitude objetiva basta que a conduta esteja descrita como crime para que a ilicitude se apresente, assim, não se faz necessário que o agente tenha conhecimento do seu caráter ilícito e basta apenas a presença de uma causa de excludente de ilicitude para o fato deixar de ser típico.

2.3 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

Como já foi dito no tópico anterior, provado que o fato é típico, porém não apresenta contrariedade com o nosso ordenamento jurídico, não se poderá falar em possibilidade de crime, isso por conta da falta de um dos elementos que constituem o crime, assim, faltará à ilicitude ou antijuricidade. Do mesmo modo não haverá crime quando existir a exclusão de ilicitude, também conhecida com o nome de descriminantes, causas de justificação ou justificantes.

Temos em regra que quando alguém realiza uma conduta típica, ela será também antijurídica. Porém esta afirmativa não é absoluta, uma vez que o ordenamento prevê situações em que, apesar de serem típicas, estão acobertadas por excludentes de ilicitude do agente. Sobre este tema,  Rogério Greco em sua obra cita Anibal Bruno:

Pela posição particular em que se encontra o agente ao praticar a conduta típica, se apresentam em face do Direito como lícita. Essas condições especiais em que o agente atua, impedem que elas venham a ser antijurídicas. São situações de excepcional licitude que constituem as chamadas causas de exclusão da antijuridicidade, justificativas ou descriminantes.[12] 

Damásio de Jesus parte da mesma ideia em comentário ao Código Penal e quanto ao assunto ele afirma que:

Existem condutas consideradas justas pela consciência social que não se encontram acobertadas pelas causas de exclusão da ilicitude como, por exemplo, o caso do professor que impõe ao aluno uma punição não prevista no regulamento escolar e aceita pelas denominadas “normas de cultura”. Adotada a teoria da imputação objetiva, hoje essas condutas devem ser consideradas atípicas.[13]

Ele ainda define as causas de exclusão da ilicitude sendo como justificativas e descriminantes diz que o fato permanece típico, mas não há crime: exclui-se a ilicitude, e sendo ela requisito do crime, fica excluído o próprio delito.[14] Ele vai além e nos mostrando os requisitos subjetivos, ou seja, é necessário que o sujeito conheça a situação de fato justificante, caso contrário não incide a causa descriminante, subsistindo a ilicitude e consequentemente o crime. Assim como o tipo incriminador possui elementos objetivos e subjetivos, o tipo permissivo compõe-se também de elementos objetivos e subjetivos de justificação. A ausência de um desses elementos no fato praticado leva à ilicitude da conduta.[15]

Na parte geral do Código Penal Brasileiro, especificamente no artigo 23, prevê quatro hipóteses (que serão estudadas logo à frente) em que o agente não pratica crime quando realizar conduta típica sem que ela seja antijurídica, ou seja, hipótese em que o agente realizando a conduta típica, não será punido pela mesma, é o chamado tipo permissivo. São elas especificamente: a) estado de necessidade, b) legítima defesa, c) estrito cumprimento do dever legal e d) exercício regular do direito. Além das causas de justificação contidas na parte geral existem outros casos na parte especial do código, por exemplo, os artigos 128 e 146, §3º, que não deixam de se amoldar às quatros causas previstas na parte geral. Essas causas de exclusão da ilicitude são chamadas de justificações específicas.

Das quatro hipóteses acima citadas, previstas no artigo 23 do Código Penal, o legislador achou por bem apenas definir o conceito das duas primeiras causas, ou seja, legítima defesa, ora objeto de estudo deste trabalho, e a de estado de necessidade, deixando o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito para ser conceituado pela doutrina.

Além das definidas no mencionado artigo do Código Penal, temos as chamadas excludentes supralegais que mesmo não estando presente no nosso ordenamento jurídico, afastam a ilicitude da conduta. Entre as excludentes supralegais a mais citada por grandes autores e com maior destaque é a conduta praticada com o consentimento do ofendido.

A doutrina das justificativas supralegais, como reporta o jurista Mirabete, “funda-se na afirmação de que o Direito do Estado, por ser estático, não esgota a totalidade do Direito e a lei não pode esgotar todas as causas de justificativas da conduta humana no plano do ordenamento penal”.[16]

 Essas excludentes supralegais, não explícitas, apesar de não estarem amparadas em nosso ordenamento jurídico encontram seu fundamento nos costumes, analogia e nos princípios gerais do direito ante a falta de previsão legal, conforme pondera Damásio de Jesus quando diz que o juiz poderá, neste caso, aplicar o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.[17] Esta concepção não fere o princípio da reserva legal, uma vez que trata de uma norma não incriminadora que beneficia o autor da conduta, sendo uma forma de garantir a liberdade do agente.

Os elementos que definem o estado de necessidade e a legitima defesa são expressos em nosso Código Penal, especificamente nos artigos 24 e 25, porém, conforme posto no parágrafo anterior, as demais causas de exclusão de ilicitude não possuem seus elementos expressos como estes, assim, a doutrina e a jurisprudência encarregaram-se de dar a cada um a definição de seus elementos.

Como visto, ocorrerá a exclusão da ilicitude quando a própria lei permitir, ou determinadas e excepcionais circunstancias permitir que um bem jurídico seja sacrificado para poupar outro bem jurídico. Com isso, pode-se dizer que as causas da exclusão da ilicitude estão relacionadas com a ponderação de valores, frente à existência de situações anômalas. Assim, excluir a ilicitude de uma conduta considerada típica, não excluirá sua tipicidade, somente tornará tal conduta típica justificável de seus elementos.

2.4 ESPÉCIES DE EXCLUDENTES DE ILICITUDES

Na parte geral do Código Penal Brasileiro o artigo 23 define as excludentes da ilicitude. De acordo com o texto legal são quatro as hipóteses de causas de justificação: a) estado de necessidade, b) legítima defesa, c) estrito cumprimento do dever legal e d) exercício regular do direito. Além das causas de justificação contidas na parte geral existem outros casos supralegais fundadas no emprego da analogia in bonam partem, suprindo eventuais situações não compreendidas no texto legal, por exemplo, consentimento do ofendido,[18] conforme foi citado.

Das quatro hipóteses acima citadas o legislador achou por bem apenas definir o conceito das duas primeiras causas, ou seja, legítima defesa (tema principal deste trabalho) e a de estado de necessidade, deixando o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito para ser conceituado pela doutrina.

Depois de anteriormente já ter abordado e conceituado o que se pode chamar de ilicitude, suas espécies, causas de exclusão da ilicitude e antes de adentrar no escopo deste trabalho, cabe-nos conceituar individualmente, de maneira breve, cada espécie de excludente da ilicitude.

  1. Estado de Necessidade

Trata-se de um dos diversos instrumentos denominados como causas excludentes da ilicitude, também entendidas por alguns doutrinadores como cláusulas de garantia social e individual. Diz o Código Penal no artigo 24: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.[19]

Desta maneira,  a definição dada pela letra da lei no citado artigo 24 do Código Penal dispõe como medida de melhor conveniência. A situação de necessidade pressupõe, antes de tudo, a existência de um perigo atual que ponha em conflito dois ou mais interesses legítimos, que pelas circunstâncias, não podem ser todos salvos.[20] Rogério Greco afirma que diferentemente da legítima defesa a regra é de que ambos os bens em conflito estejam amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito de bens é que levará, em virtude da situação em que se encontravam à prevalência de um sobre o outro.

Portanto, é sabido que existe o estado de necessidade quando alguém, para salvar um bem jurídico próprio ou de terceiro exposto a perigo atual, sacrifica outro bem jurídico, desse modo não estará agindo contra a ordem jurídica e sim estará a lesar direito de outrem para salvar o seu.

  1. Legítima Defesa

Sem maiores aprofundamento, a legítima defesa se trata do assunto central deste trabalho que será abordada com mais cuidados em um segundo momento. Como é de conhecimento de todos, o Estado, por meio de seus representantes, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual este Estado permite aos seus cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa.[21] Contudo, tal permissão não é ilimitada, pois encontra suas regras na própria lei penal, sendo um dos instrumentos das causas de justificação do fato.

Desta maneira,  a definição dada pela letra da lei no artigo 25 do Código Penal dispõe da seguinte forma: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.[22]

Para que se possa falar em legítima defesa, Rogério Greco afirma que ela não pode jamais ser confundida com vingança privada, é preciso que o agente se veja diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável constitucionalmente por nossa segurança pública, e, só assim, uma vez presentes os requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva, agir em face de sua defesa ou na defesa de outrem.[23]

Nesta breve explanação podemos notar que legislador preocupou-se em nos fornecer o conceito de legítima defesa trazendo no tipo permissivo do artigo 25 do atual Código Penal Brasileiro e todos os seus elementos caracterizadores que serão estudados em outra oportunidade juntamente com esta excludente da ilicitude.

  1. Estrito Cumprimento do Dever Legal

Diferentemente do que fez com as excludentes "estado de necessidade" e "legítima defesa", o Código Penal não definiu o conceito de "estrito cumprimento de dever legal", limitando-se a dizer que: "Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: (...) III. em estrito cumprimento de dever legal (...)”.[24]

A própria lei obriga um agente a realizar condutas, dando-lhe poder até de praticar fatos típicos para executar o ato legal. Segundo André Estefam, para que o cumprimento do dever legal exclua a ilicitude da conduta é preciso que obedeça aos requisitos: a) da existência prévia de um dever legal, ou seja, de uma obrigação imposta por norma jurídica de caráter genérico; b) atitude pautada pelos estritos limites do dever; c) conduta, como regra, de agente público e, excepcionalmente, de particular.[25]

Sua conceituação, porém, é dada pela doutrina como podemos citar Fernando Capez, que assim define o estrito cumprimento do dever legal: “a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, como por exemplo: o policial que priva o fugitivo de sua liberdade, ao prendê-lo em cumprimento de ordem judicial”.[26]

Compartilhando do mesmo raciocínio, Mirabete em sua obra discorre:

Quem cumpre regularmente um dever não pode ao mesmo tempo, praticar ilícito penal, uma vez que a lei não contém contradições. Falta no caso a antijuridicidade da conduta e, segundo os doutrinadores, o dispositivo seria até dispensável. A excludente, todavia, é prevista expressamente para que se evite qualquer dúvida quanto a sua aplicação, definindo-se na lei os termos exatos de sua caracterização.[27]

Em outras palavras, a lei não pode punir uma pessoa que cumpre um dever a ela imposta. Dentro desse conceito, importante atentar para duas expressões: “dever legal” e “cumprimento estrito”. Dever legal como a própria expressão sugere, é uma obrigação imposta por lei, que o agente, ao atuar tipicamente, não faz nada mais do que cumprir uma obrigação. Cumprimento estrito é quando a lei impõe determinada obrigação, para que tal seja cumprida, ou seja, a lei só obriga ou impõe dever até certo ponto, e o agente obrigado só deve proceder até esse exato limite imposto pela lei, fora desse limite esta excludente desaparece surgindo assim o abuso ou excesso. 

Assim, como as demais excludentes de ilicitude, o estrito cumprimento do dever legal exige que o agente tenha consciência de que age sob essa causa de justificação. É preciso que o agente que praticou a conduta típica tenha atuado querendo praticá-la, mas com a consciência de que cumpria um dever imposto pela lei. 

  1. Exercício Regular do Direito

A causa de justificação do exercício regular de direito, prevista na segunda parte do inciso III do artigo 23 do Código Penal, também não foi objeto de conceituação pelo legislador. Sua definição, portanto, ficou a cargo de nossa doutrina, bem como dos tribunais, como causa de exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, caracterizada como fato típico, em outras palavras, uma ação juridicamente permitida não pode ser ao mesmo tempo, proibida pelo direito, ou seja, o exercício de um direito não poderá ser antijurídico.[28] 

Segundo posição de Mirabete, qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou uma faculdade previstos em lei (penal ou extrapenal). A Constituição Federal reza que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. (artigo 5º, II da CF). Disso resulta que se exclui a ilicitude nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse comportamento. Há exercício regular de direito na correção dos filhos pelos pais, na prisão em flagrante por particular, no penhor forçado, na defesa em esbulho possessório recente. Não age o sujeito ativo por dever, mas exercita uma faculdade de agir conforme o Direito.[29] 

Fernando Capez  leciona que essa excludente, como as demais, também exige o elemento subjetivo, ou seja, o sujeito deve ter conhecimento de que está praticando um fato em face de um dever imposto pela lei, do contrário, estaremos diante de um ilícito.[30] No mesmo sentido, Cesar Roberto Bitencourt citado por Rogério Greco, assevera que “o limite do lícito termina necessariamente onde começa o abuso, posto que aí o direito deixa de ser exercido regularmente, para mostrar-se abusivo, caracterizando sua ilicitude”.[31]

O exercício regular do direito praticado com espírito de mera emulação faz desaparecer a excludente. É necessário o conhecimento de toda a situação fática autorizadora da excludente. É esse elemento subjetivo que diferencia, por exemplo, o ato de correção executado pelo pai das vias de fato, ou até de lesões, quando o genitor não pensa em corrigir, ou causar lesão.

 Portanto, a presente excludente da ilicitude resulta da harmonização do Direito Penal com outros ramos jurídicos, afinal haveria absurda incoerência se um ato fosse considerado lícito para o Direito Civil e ao mesmo tempo, criminoso para o Penal.[32]

  1. Consentimento do Ofendido

Depois de uma breve análise sobre as espécies das excludentes da ilicitude previstas em nosso Código Penal, há de se ressaltar que o consentimento do ofendido como excludente da ilicitude, não encontra amparo expresso em nosso Direito Penal, sendo considerado como causa de excludente supralegal mais citada por autores renomados.

Lélio Braga Calhau, citado por Rogério Greco, afirma no sentido de que:

O Código Penal Brasileiro não inclui o consentimento do ofendido como causa de exclusão do crime. Mesmo assim, deve o mesmo ser reputado como uma cláusula supralegal, haja vista que o legislador não poderia prever todas as mutações das condições materiais de exclusão, ainda não elevadas ao direito positivo, corrobora para a aplicação da justiça material.[33]

Segundo Rogério Greco, o consentimento do ofendido pode ter dois enfoques com finalidades diferentes: afastar a tipicidade; excluir a ilicitude do fato. Entre nós, o consentimento do ofendido também gera consequências diferentes, dependendo do tipo penal que se analisa. Contudo, há situações em que o fato é típico, mas não será antijurídico em virtude do consentimento daquele que for ofendido, por exemplo, o caso daquele que permite que alguém lhe faça uma tatuagem, aqui existe a figura da lesão corporal uma vez que o tatuador, ao exercer sua atividade ofende a integridade física daquele que deseja ser tatuado. Embora típica, a conduta deixará de ser ilícita em razão do consentimento dado para tanto.[34]

Para que o consentimento seja válido e possa produzir os efeitos mencionados se estiverem presentes três requisitos fundamentais, ou seja, que o ofendido tenha capacidade para consentir (aquele que for penalmente imputável); que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível; e que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente.[35]

3 LEGÍTIMA DEFESA

3.1 CONCEITO

Entrando especificamente no tema principal deste trabalho, nada melhor que iniciar com alguns conceitos dados ao instituto da legitima defesa propriamente dita. Encontra-se no Artigo 25 do Código Penal brasileiro, o conceito legal da legitima defesa, o texto dispõe: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” [36].

A legítima defesa surgiu no ordenamento jurídico pátrio ao modo que o agredido, de forma justa e por meios moderados, revide uma agressão injusta que esteja sofrendo ou em sua iminência. Diversos são os conceitos doutrinários sobre este tema que serão citados logo em seguida.

Na opinião de André Estefam a legítima defesa trata-se de um dos mais bem desenvolvidos e elaborados institutos do Direito Penal, sua construção teórica surgiu vinculada ao instinto de sobrevivência.[37]

Neste sentido o Ilustre Guilherme Nucci destaca:

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É a defesa necessária empreendida contra agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiro, usando, para tanto, moderadamente, os meios necessários. Valendo-se da legítima defesa, o indivíduo consegue repelir as agressões a direito seu ou de outrem, substituindo a atuação da sociedade ou do Estado, que não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, através dos seus agentes. A ordem jurídica precisa ser mantida, cabendo ao particular assegurá-la de modo eficiente e dinâmico. [38]

Inellas, citado por Edmilson Alves Matos, conceitua da seguinte forma: “A legítima defesa é o direito indiscutível, inalienável e irreversível, que toda pessoa possui, de se defender, defender seus entes queridos ou terceiros inocentes, de ataques violentos e irracionais, repelindo a força com a força”.[39] Ele diz que não se trata de direito discutível , quando na verdade é, extremamente importante analisar o caso que se julga ser legitima defesa, observar todas as circunstâncias do fato, bem como suas características e após isso concluir ser ou não a causa de exclusão da ilicitude, e reconhecer quando ouve um excesso nesta defesa.

Alexandre Araripe Marinho e André Guilherme Tavares de Freitas expõem seu conceito de outra forma, mais abrangente e lógica:

Decorre a legítima defesa, basicamente, de uma permissão do Estado, melhor dizendo, de uma preservação, pelo Estado, do direito de autodefesa do cidadão. Em principio, somente o Estado pode reagir contra atos de agressão, mas é permitido ao cidadão exercer a autodefesa, nos limites necessários para repelir o ataque e salvar o bem jurídico.[40]

Partindo do que é previsto no texto legal, Fernando Capez conceitua a legítima defesa da seguinte forma:

Causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa. O Estado não tem condições de oferecer proteção aos cidadãos em todos os lugares e momentos, logo, permite que se defendam quando não houver outro meio.[41]

A legítima defesa, isto é, o direito de defesa é considerada uma das causas de justificação do fato. Comprovada a sua plena verificação, a ilicitude do fato tem-se por excluída. Isto significa que o agente que praticou um fato típico não deve ser punido por tal, concluindo-se pela inexistência de ilicitude e, como tal, de responsabilidade criminal. 

Fundamenta-se, em termos objetivos, na consideração de que o Direito não deve ter de ceder perante o ilícito e subjetivamente, no reconhecimento aos cidadãos de um direito de autodefesa dos seus interesses. O agressor viola a paz jurídica e ameaça bens determinados. O defendente protege o direito objetivo e os seus interesses.[42]

Na averiguação concreta sobre se uma conduta deve ou não ser considerada como tendo sido praticada em legítima defesa é tido em conta vários requisitos: um deles é o critério de justificação mínima, sem cuja verificação,  não se pode falar da existência de atuação em legítima defesa. Sem a verificação dos pressupostos (agressão atual, iminente e injusta) o ato será ilícito.

Em suma, a legítima defesa nada mais é que a permissão do Estado, ou preservação, pelo Estado, do Direito de autodefesa do cidadão, quando ele não se faz presente, quando não é possível a intervenção estatal. Pois, cabe ao Estado reagir contra atos de agressão, não sendo possível fazê-lo o próprio cidadão ameaçado por injusta agressão poderá exercer seu direito de autodefesa, obedecendo aos limites necessários, sem excessos, para impedir o ataque a si ou ao seu bem jurídico.

3.2 BREVE HISTÓRICO

Para adentrar em passado distante de como foram surgindo os conflitos, Franciso C. Weffort nos reporta em sua obra uma passagem de Maquiavel em “O príncipe” (cap. XVII) da qual ele afirma que os homens “são ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro”. Acentua que estes atributos negativos compõem a natureza humana e mostram que o conflito e a anarquia são desdobramentos necessários dessas paixões e instintos malévolos.[43]

O homem, ser eminentemente social, conforme defende Rousseau que: “tão logo sela o pacto social mostrando percebe a necessidade de se criar um conjunto de regras a serem respeitadas por todas as pessoas, no intuito de evitar conflitos de interesses que ameaçariam toda a sociedade, o que se dá por meio de limitações de algumas liberdades individuais”.[44]

Esse conjunto de regras, entretanto, não se mostrou eminentemente preventivo no controle do surgimento dos litígios, sendo utilizado igualmente na resolução dos litígios instaurados. Ocorre que a visão moderna de sistema legislativo e judiciário não era realidade nos primórdios da sociedade.

Havia, sim, normas de conduta existentes nas primeiras sociedades, que eram baseadas em costumes e valores familiares transmitidos pela tradição de conhecimentos ao longo das gerações. Essas normas de conduta, entretanto, tinham sua aplicação circunscrita a pequenos agrupamentos, que significavam uma mesma unidade cultural e genética. Entre os diferentes grupos ainda imperava, portanto, a lei natural do mais forte, a mesma lei que rege o destino de todas as formas de vida na natureza.

Os meios de solução dos conflitos ainda violentos e desproporcionais, não são os meios coercitivos de exclusividade do Estado, mas há um esboço de normas sociais impondo limites à autotutela, ao menos no sentido de tentar dotá-la de legitimidade. Com a consolidação da figura do Estado, este passa a deter o monopólio da coerção para assegurar que os direitos e obrigações serão respeitados.

Segundo texto extraído da obra de Alexandre Araripe Marinho e André Guilherme Tavares Freitas, a legítima defesa é algo que surge naturalmente no ser humano, por tanto definir uma data para seu surgimento é algo impossível. Desde as mais primitivas épocas, o ser humano auto se defende ao constar perigo para si ou para seus bens, é algo instintivo, que independe de regras civilizatórias para regular tais atos de defesa, pois ao constatar perigo ele irá agir independente de regras.

Sendo assim, a sociedade regulada pelo Direito irá consequentemente regular, com base em seus padrões aceitáveis, também a faculdade da legitima defesa, sistematizando e limitando a ação de autodefesa do ser humano, para que esta ação seja legitimada. Existia na antiguidade basicamente relacionada a crimes de homicídios e agressões físicas, com o passar dos anos sofreu evoluções. Encontram-se referências nas legislações mais antigas, como o Código de Manu, na Lei Mosaica, nas Leis atenienses de Sólon, e na Lei das Tábuas, ela consta em quase todas as legislações do mundo antigo.

A Índia, Roma e Grécia reconheciam o direito de defesa da própria vida e da honra, e os romanos chegaram à conclusão de que seria devido à aceitação da autodefesa após observarem a natureza, o mundo animal. Perceberam que os animais se defendiam de outros da mesma espécie e de outras predadoras, seguindo seus extintos para assim preservar seu espaço, comida e vida.

Na época do Justianismo foi reconhecida de forma ampla e também no direito Costumeiro Germânico. Quanto a América Latina ela foi expressa pela primeira vez no nosso Código de 1830, que posteriormente serviu de base para as demais legislações penais deste continente.[45] É possível encontrar até mesmo na Bíblia uma passagem sobre legitima defesa, que é a seguinte: “Se o ladrão for achado a minar, e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do sangue”.[46]

Analisando o referido tema, pode-se dizer que houve uma evolução da vingança privada. Desde que o estado se auto-intitulou detentor único do jus puniendi , o instituto da vingança privada foi considerado crime, como o tipo penal do exercício arbitrário das próprias razões, salvo em legítima defesa. 

A evolução do direito material neste caso, vingança privada para legítima defesa (exclusão de ilicitude), surgiu para que os povos possam viver harmoniosamente e que haja defesa quando forem injustamente ofendidos. Como o estado não pode exigir que seus cidadãos sejam heróis, o mesmo fica impedido de cultuar a covardia. Outra fundamentação surgida para explicar o seu início é a impossibilidade do estado ser considerado um segurador universal, não poderia o mesmo estar em todo lugar a todo tempo para proteger seus cidadãos, logo, permite que se defendam quando não houver outro meio.[47]

3.3 NATUREZA JURÍDICA E FUNDAMENTO

Damásio de Jesus, no que diz respeito a natureza jurídica da legitima defesa, argumenta o seguinte: “a defesa legítima constitui um direito e causa de exclusão da antijuridicidade e é a orientação seguida em nosso Código Penal, ao afirmar que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa.” [48]

Aqui no Brasil o legislador a considera como real causa de exclusão da ilicitude.[49] Juntamente com as outras causas de exclusão da ilicitude a legítima defesa está fundamentada no artigo 23 e 25 do Código Penal Brasileiro. Porém, é mais complexo falar dos fundamentos da legítima defesa do que da sua natureza.

O fundamento é divido em duas partes, primeiramente é definido pela necessidade de conservar a ordem jurídica, e segundo, por visar garantir o exercício dos direitos. Com isso terá fundamento social (defesa da ordem jurídica) e individual (defesa dos direitos ou dos bens jurídicos), tanto um quanto o outro não podem ao mesmo tempo serem encontrados juntos, porque tem a ordem jurídica o objetivo de proteção dos bens jurídicos, e ao encontrar-se numa situação de grande conflito a ponto de não conseguir proteger o bem jurídico, ou quando ela na se fazer presente no local da agressão, não pode privar o individuo de se defender ou defender seus bens por próprios meios.

Ainda sobre os fundamentos, Álvaro Mayrink da Costa apud Manual de Direito Penal, parte geral, Alexandre Araripe Marinho afirma: a legítima defesa tem um duplo fundamento: a) o princípio da autoproteção; e b) o principio da reafirmação do direito. A legítima defesa não se destina, tão-só à proteção de bem jurídico agredido injustamente, mas também serve para reafirmar a prevalência do direito sobre o ilícito.[50] Mas na verdade, será único o fundamento da legitima defesa, porque no geral seu fundamento é: “ninguém pode ser obrigado a suportar o injusto”.[51]

3.4 LEGÍTIMA DEFESA X ESTADO DE NECESSIDADE

Nos dizeres de Mirabete apontam-se várias diferenças entre estado de necessidade e a legítima defesa, embora muitos considerem esta como uma das espécies daquele, uma dessas diferenças pode ser observada no estado de necessidade no qual há conflito entre titulares de interesses jurídicos lícitos e nesta uma agressão a um bem tutelado.[52]

Na mesma forma de pensamento, André Estefam, em síntese, elenca algumas diferenças nos seguintes aspectos: “a legítima defesa pressupõe agressão, e o estado de necessidade, perigo; na legítima defesa só há uma pessoa com razão, no estado de necessidade, todos têm razão, pois seus interesses ou bens são legítimos; há legítima defesa ainda quando evitável a agressão, mas só há estado de necessidade se o perigo for inevitável; não ocorre legítima defesa contra ataque de animal, mas existe estado de necessidade nessas situações.” [53]

A legítima defesa surge frente a uma situação de necessidade, fazendo com que ela se vincule a outra causa de justificação, que é o estado de necessidade. Contudo, as duas são distintas, pois no estado de necessidade é usado um meio lesivo a fim de evitar um mal de maior proporção, na legítima defesa é necessário o uso de um meio lesivo a fim de impedir uma agressão injusta.

No estado de necessidade há de ser feita uma ponderação, há de ser observada a extensão do mal que será causado para se evitar outro, sendo assim, o mal que será causado deve ser menor que aquele que se deseja evitar. Já na legitima defesa isso não existe, pois ela não se sujeita ao principio da ponderação, sendo aceitável a lesão de bens de valor superior ao defendido, se for necessário para que se defenda o bem jurídico que esta a perigo.

Porém, nela deve ser observados limites, para agir em defesa do bem que esta sendo atacado. Não pode haver grande desproporção do mal que se quer evitar, quem se defende, com o mal que se quer causar, quem agride, porque se houver desproporção a defesa não mais será considerada legítima.

Os meios utilizados para defender um bem jurídico devem ser moderados, eles podem ser necessários, caso contrário não poderão ser utilizados. Como por exemplo, atirar numa criança que invade um quintal para roubar uma maçã, mesmo se não houvesse outra forma do agente coibir a lesão patrimonial, não é aceitável, nem permitido tal desproporção. Não aceitar este tipo de defesa, não é considerar licita a atitude da criança, pela razão de ser a maçã um objeto de valor insignificante, mas porque o direito possui base na ética, e tão pouco poderá aceitar a brutalidade.

4. DOS REQUISITOS DA LEGITIMA DEFESA

4.1 DOS BENS TUTELAVÉIS

Damásio de Jesus argumenta que qualquer bem jurídico pode ser protegido através da ofensa legítima, não se fazendo distinção entre bens pessoais e impessoais (vida, incolumidade pessoal, honra, pudor, liberdade, tranquilidade doméstica, patrimônio, poder familiar, etc.). No sentido de que somente os bens suscetíveis de ofensa material podem ser protegidos.[54]

Partindo desse pressuposto, a legítima defesa poderá ser invocada para causa própria ou de terceiros, sendo também possível a defesa de qualquer bem jurídico, mas é exigida uma proporção entre a ação defensiva e agressão a ser repelida.

Na história, a legítima defesa teve seu surgimento basicamente ligado aos crimes de homicídios e lesões corporais, porém, o ordenamento jurídico brasileiro e em todas as legislações contemporâneas é admitido ao individuo justificar a sua ação em defesa de qualquer bem jurídico, incluindo aqueles que não se encontram tutelado penalmente, exigindo-se apenas que seja esta defesa contida nos limites da necessidade e da moderação. Então se pode afirmar que é defeso ao individuo defender desde seu direito de dormir face ao som com música alta do vizinho numa segunda-feira as 22h:00, até mesmo ao assaltante que lhe aborda no sinal de trânsito para levar seu veículo.

 Então poderá o individuo defender desde um objeto seu de pequeno ou alto valor, o exercício de um direito, a sua vida ou a de outrem. Sempre prezando pela proporcionalidade entre a ação de defesa e a de agressão, e se possível for escolher sempre o meio menos lesivo.

Contudo, os elementos ou requisitos que definem e de fato configuram a legítima defesa são encontrados no próprio texto do artigo 25 do Código Penal, são eles: existência de uma agressão injusta; atualidade ou iminência da agressão; agressão a direito próprio ou de terceiro; uso dos meios necessários para repeli-la; conhecimento da situação justificante. Tais requisitos serão estudados a seguir.

4.2 AGRESSÃO INJUSTA, ATUAL OU IMINENTE

Agressão, segundo André Estefam, é sinônimo de ataque, ou seja, a conduta humana, que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos tutelados. A mera provocação não configura a legítima defesa. Essa agressão deve ser humana, pois contra agressão de animal cabe estado de necessidade Se faz necessário que a agressão seja intencional, e não culposa.[55] Fernando Capez também compartilha dessa mesma linha de pensamento.

A agressão será injusta quando ela for ilegal, contrária ao ordenamento jurídico, ou seja, não for uma conduta permitida por norma, proibida ou não autorizada pelo direito. A injustiça da agressão deve ser apreciada objetivamente. Não será classificada como agressão, a conduta que não possuir o animus de prejudicar, afetar, lesionar, expor a perigo o individuo que a sofre.

Diante disso observa-se que somente uma conduta humana poderá ser amparada pela a legítima defesa, fazendo com que uma exposição ao perigo originada pela natureza, por ataque de animais ou por força maior e caso fortuito seja configurado como estado de necessidade e não legitima defesa.

Fernando Capez, com o brilhantismo que lhe é peculiar, traz em sua obra a definição de agressão atual ou iminente da seguinte forma: “atual é a que está ocorrendo, ou seja, o efetivo ataque já em curso no momento da reação defensiva. Iminente é a que está prestes a ocorrer, neste caso a lesão ainda não começou a ser produzida, mas deve iniciar a qualquer momento”.[56] Ele vai além abordando a agressão futura, a qual inexiste a legítima defesa, aqui não pode arguir a excludente aquele que mata a vítima porque esta lhe ameaçou de morte; e agressão futura onde não haverá legítima defesa, mas sim a chamada vingança.

A lei diz que a agressão poderá ser injusta, atual ou iminente, e partindo da lição de Fernando Capez, injusta tem haver com a antijurídica, como já foi conceituado, ou seja, recapitulando é aquela conduta não autorizada pelo ordenamento jurídico. Será ela atual quando estiver ocorrendo, em curso, ela foi iniciada e ainda não chegou ao termino e iminente quando não se iniciou, mas esta prestes a ser iniciada.

Assim, quando um assaltante nos aponta uma pistola, não sabemos quando ele irá dispará-la, mas sabemos que a qualquer momento ele pode disparar, pois imaginamos quais são suas intenções, mesmo que ele nada diga, pois suas atitudes, seus atos e gestos falam por si só. Caso a agressão já tenha sido finalizada e o individuo empregar a força contra o agente que o lesionou, não terá ele sua conduta classificada como legitima defesa, uma vez que a agressão não é atual, como configura a lei, portanto é importante frisar que a agressão deverá ser repelida no momento em que ocorre, caso contrario será entendida como um revide, como vingança.

Como foi dito anteriormente, não é necessário aguardar que a agressão seja iniciada para começar a agir em legitima defesa, poderá o individuo defender-se da agressão que esta prestes a ser concretizada. Não se pode confundir agressão iminente com a agressão futura, pois esta poderá ou não ocorrer, a iminente ocorrerá caso o individuo a ser ofendido não age em defesa própria, é necessário que ele avalie a situação, que ele perceba que trata-se de inequívoca a vontade do agressor, de que seu real objetivo é causar-lhe lesão.

Uma agressão que ao ser iniciada foi repelida pela ação do individuo agredido, extinguindo o requisito de atualidade, e este mesmo ao perceber que o perigo não mais existe continua a agir contra o agressor, incorrerá para um excesso, que poderá ser culposo ou doloso dependendo da ação do agente.

Não se pode confundir agressão com mera provocação, contudo Francisco de Assis Toledo observa que: “a provocação, segundo sua intensidade e conforme as circunstancias, pode ser ou não uma agressão. Se constituir injuria ou insulto de certa gravidade, ou anda uma agressão física, será, com efeito, a injusta agressão autorizadora de atos de legitima defesa, desde que esta se desenvolva sem excessos”.[57]

A lei não menciona a provocação dentre os requisitos legais de legítima defesa, porém, é afirmada por parte da doutrina, que a provocação exclui a legítima defesa, esta afirmação deixa dúvidas, perante o texto legal existente e do princípio da legalidade. Acontece então uma integração analógica da lei penal, extensiva da punibilidade. Com isso, somente é relevante aquela provocação que por si só constitui agressão injusta, em razão de não admitir legítima defesa contra legítima defesa.

Xingamentos, brincadeiras desagradáveis, simples provocações não são consideradas agressão, com isso não se pode agir com violência alegando legítima defesa numa dessas situações, onde não houve uma efetiva agressão, mas sim somente palavras ou gestos reprováveis. A provocação poderá servir de meio maldoso/ardiloso para instigar e fazer com que um indivíduo reaja de forma agressiva contra aquele que o instigou para então alegar que agiu em legítima defesa. No entanto, o individuo que se valer deste meio para lesionar alguém, apesar de em tese, ter se defendido de uma agressão, não poderá arguir legítima defesa, pelo obvio, por ter sido ele o causador da instigação que resultou na agressão.

4.3 MEIOS NECESSÁRIOS E USO MODERADO DOS MEIOS

Quanto à questão de o indivíduo ultrapassar os limites da proporcionalidade no momento da sua defesa, André Estefam leciona em sua obra o seguinte: “os meios necessários são aqueles menos lesivos que se encontram à disposição do agente, porém hábil a repelir a agressão sofrida. Havendo mais de um meio capaz de evitar o ataque ao alcance do sujeito, deve ele optar pelo menos agressivo”. [58]

A defesa se torna legítima, quando ela se faz necessária, ou seja, não possuir o indivíduo outra opção se não empregar uma conduta típica. Não terá sua conduta justificada, aquele que ultrapassar os limites da proporcionalidade na hora da sua defesa, por exemplo, aquele que para defender-se de um assalto, onde o agente que pratica o ato lesivo é um menino de 10 anos, e em defesa o agredido dispara dez tiros de pistola no assaltante; ou para defender-se de um golpe incerto de um homem bêbado, revida com de golpes de Jiu Jitsu, fazendo que em consequência ele sofra diversas fraturas e escoriações, quando para repelir a sua ação bastaria um simples empurrão.

Esses casos não podem ser classificados como casos de legitima defesa, pois as condutas realizadas não possuem proporcionalidade com o ato lesivo, o indivíduo poderia ter se utilizado condutas mais brandas e menos agressivas, que alcançariam a finalidade de repelir o ato contra ele praticado.

O juízo de valoração da necessidade, Rogério Greco preconiza que os princípios reitores, destinados à aferição da necessidade dos meios empregados pelo agente, são o da proporcionalidade e o da razoabilidade. A reação deve ser proporcional ao ataque, bem como deve ser razoável, cão contrário, devemos descartar a necessidade do meio utilizado e afastar a causa de exclusão da ilicitude. Afirma ainda que quando o agente tiver a sua disposição vários meios aptos a ocasionar a repulsa à agressão, deverá sempre optar pelo menos gravoso, sob pena de considerarmos como desnecessário o meio por ele utilizado e para que a agressão não lhe resulte resultados negativos. [59]

Na reação, deve o agente utilizar moderadamente os meios necessários para repelir a agressão atual ou eminente e injusta. Tem-se entendido que meios necessários, conforme definido no subtítulo anteriormente, são os que causam o menor dano indispensável à defesa do direito, já que, em princípio, a necessidade se determina de acordo com a força real da agressão. É evidente, porém, que “meio necessário” é aquele de que o agente dispõe no momento em que afasta a agressão. 

Rogério Greco, mais uma vez com seu brilhantismo em abordar temas polêmicos reporta-se da seguinte forma: “além de o agente selecionar o meio adequado à repulsa, é preciso que, ao agir, o faça com moderação, sob pena de incorrer no chamado excesso. Quer a lei impedir que ele, agindo inicialmente numa situação ampara pelo Direito, que, efetivamente, seria necessário para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada”.[60]

Para que seja uma defesa legítima, não basta que seja ela necessária, há de existir também, como nos meios necessários, proporcionalidade entre a reação do agente a se defender com a ação do agente agressor, não podendo haver uma grande desproporção entre essas duas condutas, de forma que a defensiva resulte em um mal superior ao que a conduta agressora teria causado.

Para medir se em um caso concreto de legitima defesa houve proporcionalidade, entre a conduta de defesa da vitima e do seu agressor, são utilizados dois parâmetros: a) a necessidade do meio empregado na repulsa à agressão; e b) o uso moderado deste meio necessário. Ao defender-se, ou defender terceiro da injusta agressão, atual ou iminente o agente deve utilizar o meio necessário menos lesivo. A escolha da necessidade dos meios será feita de acordo com as características de cada caso concreto.

Referente a moderação, esta será aferida de acordo com o modo e com a intensidade que o individuo usou os meios necessários ao defender-se da agressão injusta, atual ou iminente. A moderação esta mais ligada a quantidade do que ao meio utilizado no momento do ato de defesa. Toma-se como exemplo o caso concreto corrido em janeiro de 2008 na cidade de São Paulo: “promotor de justiça Pedro Baracat Guimarães Pereira, atirou dez vezes contra um motoqueiro que tentou assaltá-lo, a acusação entendeu que apenas quatro tiros seriam o suficiente para cessar a conduta do motoqueiro criminoso. Ou seja, no caso em questão a arma de fogo se fez necessária para repelir a conduta criminosa e lesiva, porém, não teve seu uso moderado, o seu uso foi exagerado”.[61]

Neste sentido Francisco de Assis Toledo citado por Alexandre Araripe Marinho ensina-nos que: “o requisito da moderação exige que aquele que se defende não permita que sua reação cresça em intensidade além do razoavelmente exigido pelas circunstancias para fazer cessar a agressão”.[62] Atacar o agressor, que já esteja dominado ou caído desacordado, por exemplo, cometerá a vitima um excesso.

Isto posto, ressalte-se que, ao iniciar uma análise para identificar se o agente se valeu da moderação no emprego dos meios necessários, e também a necessidade do uso desses meios para repelir a agressão injusta, é preciso que seja considerado as características do caso concreto em questão, como já dito acima, bem como que fique claro que, por conta de determinadas circunstâncias, inerentes ao próprio fato concreto em si, nem sempre poderá ser exigido que o agente/vítima tenha feito uma avaliação exata dos meios e da forma utilizá-los em prol de sua defesa, antes de agir, pois uma ação e reação poderá acontecer em fração de segundos, o que impossibilita um raciocínio plenamente correto.

Contudo, como já foi mencionado, aquele agente que para defender-se ou defender terceiro de agressão injusta, atual ou iminente, fizer uso de um meio não necessário ou/e empregá-lo com imoderação, terá ele sua conduta tipificada sem a exclusão da ilicitude, que é inerente a legítima defesa, fazendo com que ele incorra no excesso da legítima defesa.

4.4 DEFESA DE DIREITO PRÓPRIO OU DE TERCEIRO

A lei prevê que a defesa deve amparar um direito próprio ou alheio e partindo dessa imposição legal, Damásio de Jesus citado por Mirabete nos ensina que, embora, em sua origem, somente se pudesse falar em legítima defesa quando estivesse em jogo a vida humana, modernamente, se tem disposto que qualquer direito pode ser preservado. Protege-se a vida, a integridade física, o patrimônio, a honra, ou seja, os bens materiais ou morais.[63] 

Dando continuidade ainda com a obra de Mirabete conseguimos entender que para o titular do bem jurídico que está sujeito à agressão, há duas formas de legítima defesa que estão prevista no artigo 25 do Código Penal, a legítima defesa própria que ocorre quando o autor da repulsa é o próprio titular do bem jurídico atacado ou ameaçado e a legítima defesa alheia que ocorre quando a repulsa visa a defender interesse de terceiro.[64] A agressão pode ser dirigida contra qualquer bem jurídico, não exigindo mais a limitação à defesa da vida ou da incolumidade física. 

Partindo do pressuposto de que o direito a ser tutelado pode ser próprio ou de terceiros, este último consagra o sentimento de solidariedade inerente ao ser humano. Não é necessário relação de parentesco ou amizade com o terceiro em favor de quem exercita a legítima defesa, O terceiro agredido pode ser uma pessoa jurídica, o nascituro, a coletividade e também o próprio Estado. [65]

Ainda a respeito da legitima defesa de terceiros, Alexandre Araripe Marinho e André Guilherme Tavares de Freitas, em seu Manual de Direito Penal afirmam que:

Se houver consentimento do terceiro, ou seja, se este concordar com a lesão a seu bem jurídico, a legítima defesa somente será cabível no caso de ser o bem jurídico indisponível (p. ex., Caio pede a Mario que o mate. Quando Mario vai executar o homicídio a pedido, Tício impede a ação, ferindo Mario). Caso o bem de terceiro, seja disponível, não haverá legitima defesa, como na hipótese de dano ou furto, uma vez que, nos crimes patrimoniais, o objeto (patrimônio) é disponível, exigindo-se o dissenso do proprietário ou possuidor.[66]

Segundo entendimento de Rogério Greco, o animus do agente é que deverá sobressair, a fim de que possamos saber se, efetivamente, agia com a finalidade de defender sua pessoa ou de auxiliar na defesa de terceiros, desta forma destaca-se o elemento subjetivo da legítima defesa.[67]

Portanto, da mesma forma que foi citado acima, a legítima defesa é permitida tanto para os direitos pessoais do agente, quanto para os direitos de terceiros. Quando se tratar de legítima defesa do bem jurídico do próprio agente, ela será classificada como legítima defesa própria, e tratando-se da legítima defesa do bem jurídico de outra pessoa, será classificada como legítima defesa de terceiro. Para se defender um bem jurídico de terceiro não precisa ser parente, amigo, conhecido, ou seja, não é necessário que haja nenhum tipo de vinculo entre o agente que defendeu o bem jurídico e o possuidor deste bem, isso porque a legítima defesa de terceiros tem base no princípio da solidariedade humana.

5 ESPÉCIES DE LEGITIMA DEFESA

5.1 ASPECTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS

Antes de adentrar nas espécies propriamente dia, faz se necessário entender o que consiste a relação dos aspectos objetivos e subjetivos com a legítima defesa. Merece destaque a definição dada por Damásio de Jesus: “a par dos requisitos de ordem objetiva, a legítima defesa exige requisitos de ordem subjetiva: é preciso que o sujeito tenha conhecimento da situação de agressão injusta e da necessidade da repulsa. A repulsa legítima deve ser objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade de se defender. A falta do requisito subjetivo afasta a justificativa”.[68]

Partindo deste ensinamento, pode-se concluir que dentro das causas de exclusão da ilicitude, temos presentes elementos objetivos e subjetivos, pois a conduta que a princípio é antijurídica, deixará de sê-lo no momento em que se verificar a presença de alguns elementos que excluirão a ilicitude da conduta. 

Como já estudado anteriormente, os elementos objetivos são encontrados de forma expressa a implícita no texto legal, isso porque o conceito de que seja a legítima defesa e o estado de necessidade encontram-se descritos na lei, enquanto o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito couberam à doutrina e a jurisprudência conceituá-los, extraindo os elementos indispensáveis a sua existência.

 O elemento subjetivo trata-se da consciência da existência de uma real situação de fato, exigindo uma defesa, isso tornará o ato de se defender legítimo. Sendo assim, se deve afirmar que no momento em que praticar a ação, o agente deverá ter consciência de que age em legítima defesa, tem que possuir a vontade, o conhecido animus defendendi, ou seja, em relação aos elementos subjetivos o agente tem que ter conhecimento de que atua salvaguardado por uma excludente de ilicitude, sendo este requisito indispensável. 

Como todas as justificativas, o elemento subjetivo, ou seja, o conhecimento de que está sendo agredido, é indispensável. Como já se observou não se tem em vista apenas o fato objetivo nas justificativas, não ocorrendo a excludente quando o agente supõe estar praticando ato ilícito. Inexistirá a legítima defesa quando, por exemplo, o sujeito atirar em um ladrão que está à porta de sua casa, supondo tratar-se do agente policial que vai cumprir o mandado de prisão expedido contra o autor do disparo.[69] Assim, concluindo, necessário se faz a caracterização da legítima defesa o chamado animus defendendi, traduzido no propósito, na finalidade de defender a si ou a terceira pessoa.

Depois desta modesta explanação só resta apresentar as espécies de legítima defesa, que são várias, mas será dado maior destaque à legítima defesa putativa, legítima defesa recíproca, legítima defesa sucessiva, legítima defesa da honra e por fim, ofendículos.

5.2 LEGÌTIMA DEFESA PUTATIVA

Tem-se por legítima defesa putativa, segundo Fernando Capez, a errônea suposição da existência da legítima defesa por erro de tipo ou de proibição. A agressão só existe na imaginação do agente, pois o fato é objetivamente ilícito.[70] Assim, quando o agente, supondo por erro, que está sendo agredido, ou acreditando estar prestes a sofrer uma agressão, age em defesa própria (ou de outrem), a fim de tentar repelir aquela suposta agressão, este erro também é chamado de erro permissivo/erro de fato, isentará o agente de sanção.

Como exemplo, podemos narrar a seguinte hipótese: João acorda de madrugada com um barulho, assustado e temendo um ataque, para proteger-se e proteger sua casa atira contra o vulto que passou a sua frente, ao acender a luz se dá conta de que se tratava de seu cunhado e não de um ladrão.

Relacionado à legítima defesa putativa têm-se os seguintes julgados:

0000290-12.1997.8.19.0003 - APELACAO - 1ª Ementa DES. MARIA ANGELICA GUEDES - Julgamento: 09/03/2010 - TERCEIRA CAMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO NA MODALIDADE TENTADA. ACUSADO QUE RESTOU ABSOLVIDO PELO CONSELHO DE SENTENÇA QUE, POR UNANIMIDADE, ENTENDEU TRATA-SE DE HIPÓTESE DE LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE PUGNA PELA SUBMISSÃO DO ACUSADO A NOVO JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO À SOBERANIA DO VEREDICTO POPULAR INSERTA NO ART. 5º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONSELHO DE SENTENÇA QUE AÇAMBARCOU A TESE DEFENSIVA, NÃO HAVENDO, POIS, QUE SE FALAR QUE TAL DECISO É MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA TRAZIDA AOS AUTOS. IN CASU, OS JURADOS APENAS ESCOLHERAM UMA DENTRE AS TESES QUE LHES FORAM APRESENTADAS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

0000290-12.1997.8.19.0003 - APELACAO - 1ª Ementa DES. MARIA ANGELICA GUEDES - Julgamento: 09/03/2010 – TERCEIRA CAMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO NA MODALIDADE TENTADA. ACUSADO QUE RESTOU ABSOLVIDO PELO CONSELHO DE SENTENÇA QUE, POR UNANIMIDADE, ENTENDEU TRATA-SE DE HIPÓTESE DE LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE PUGNA PELA SUBMISSÃO DO ACUSADO A NOVO JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO À SOBERANIA DO VEREDICTO POPULAR INSERTA NO ART. 5º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONSELHO DE SENTENÇA QUE AÇAMBARCOU A TESE DEFENSIVA, NÃO HAVENDO, POIS, QUE SE FALAR QUE TAL DECISO É MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA TRAZIDA AOS AUTOS. IN CASU, OS JURADOS APENAS ESCOLHERAM UMA DENTRE AS TESES QUE LHES FORAM APRESENTADAS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

No que reza Damásio de Jesus, é certo dizer que a legítima defesa ocorre quando o agente, por erro de tipo ou de proibição plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe encontrar-se em face de agressão injusta. Não se confunde com a legítima defesa objetiva. Nesta, há o ataque inicial, excedendo-se o agente por erro de tipo escusável. Na legítima defesa putativa, o agente supõe a existência da agressão ou sua injustiça (respectivamente, erro sobre a situação de fato ou sobre a injustiça da agressão). Não é suficiente a situação imaginária, exigindo-se um princípio de realidade. A situação suposta pode apresentar uma agressão atual ou iminente.[71] Haverá a necessidade de uma boa fundamentação na defesa daquele que a alegar, pois terá que ficar bem claro a existência do animus defendendi, mesmo que a ação agressora foi putativa.

5.3 LEGÍTIMA DEFESA RECÍPROCA

Seria a legítima defesa recíproca uma legítima defesa contra outra legítima defesa, ou seja, um agente se auto defendendo de outro agente que também age acreditando estar em legítima defesa. Mas este tipo de legítima defesa não é admitida no ordenamento jurídico, pois falta o requisito da injusta agressão, não há como existir injusta agressão para ambos os agentes ao mesmo tempo, com isso não se pode falar em legítima defesa recíproca.

Contudo, em um caso em que não seja possível determinar quem iniciou a agressão, deverá o juiz valer-se do princípio in dúbio pro réu, absolvendo os dois agentes. Neste sentido Magalhães Noranha apud revista Âmbito Jurídico diz:

Embora não exista legítima defesa recíproca, na prática, tratando-se de lesões recíprocas, e não podendo o juiz estabelecer a prioridade da agressão, absolve os dois por legítima defesa. Ocorre que tal prática não destrói a impossibilidade de legítima defesa recíproca, tratando-se de mero recurso para não se condenar um dos dois protagonistas que é inocente.[72]

Ainda acerca deste assunto, têm-se as seguintes decisões:

0005901-89.2007.8.19.0036 (2008.050.07420) - APELACAO - 1ª Ementa DES. SIDNEY ROSA DA SILVA - Julgamento: 17/03/2009 – SETIMA CAMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL QUALIFICADA PELO ABORTAMENTO. LESÕES RECÍPROCAS. A PROVA DOS AUTOS NÃO É CAPAZ DE DELINEAR QUEM COMEÇOU AS AGRESSÕES PARA QUE SE POSSA AFERIR A TESE DA LEGÍTIMA DEFESA. FRAGILIDADE DA PROVA QUE SE CONSTATA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

0024303-11.2002.8.19.0000 (2002.068.00002) - ACAO PENAL - 1ª EMENTA DES. PAULO VENTURA - JULGAMENTO: 13/12/2004 - LESAO CORPORAL PROVA INSUFICIENTE. ABSOLVICAO. LESÃO CORPORAL. ARTIGO 129, "CAPUT", DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE AGRESSÕES RECIPROCAS. INSINUAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA. EXCLUDENTE NÃO CONFIGURADA À LUZ DA LEI PENAL. VERSÃO DO RÉU, TODAVIA, RACIONAL E VEROSSÍMIL, NÃO DESFEITA PELA ACUSAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVA A IMPEDIR QUE SE EDITE JUIZO DE REPROVAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 386, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ABSOLVIÇÃO. SE A PROVA COLHIDA É CONFLITANTE, NÃO PODE O RÉU SER ABSOLVIDO PELA ESCUSA DA LEGITIMA DEFESA, QUE, PARA SER ADMITIDA, COMO "SECUNDUM JUS", DEVER APRESENTAR-SE COM TODOS OS PRESSUPOSTOS JURÍDICOS DE SUA CONFIGURAÇÃO. NA DÚVIDA IMPÕE-SE A ABSOLVIÇÃO, POR FALTA DE PROVAS, A TEOR DO ARTIGO 386, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NA HIPÓTESE DE ESTAREM PROVADOS O FATO E A AUTORIA E NÃO TER SIDO DEMONSTRADA A OCORRÊNCIA DA LEGÍTIMA DEFESA INSINUADA PELO RÉU, CUJA VERSÃO, ENTRETANTO, É RACIONAL É VEROSSÍMIL, ALIÁS, NÃO DESFEITA PELA PROVA ACUSATÓRIA, É INARREDÁVEL, COMO FORMA DE JUSTIÇA, ABSOLVÊ-IO COM FUNDAMENTO NA INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA A ACUSAÇÃO. [73]

Como se pode ver nas decisões acima, não há como sustentar a tese de legítima defesa recíproca, os tribunais entendem que no máximo pode tratar-se de lesões recíprocas.

Mirabete, em sua obra afirma que pressupondo a justificativa uma agressão injusta, não é possível falar-se em legítima defesa recíproca. Um dos contentores (ou ambos, no caso de duelo) estará agindo ilicitamente quando tomar a iniciativa da agressão. Poderá ocorrer a absolvição de ambos os contentores se, por falta de provas, não se apurar qual deles tomou a iniciativa, mas não se poderá falar em legítima defesa.[74] Poderá, porém, alguém se defender ilicitamente quando for atacado por terceiro que supõe ser vítima de agressão por erro. O primeiro age em legítima defesa real e o segundo em legítima defesa putativa.

5.4 LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA

Numa breve consideração sobre a honra, pode-se dizer que ela é parte integrante da conduta pessoal, social dos indivíduos, ela esta em conjunto com a dignidade, honestidade, com valores sociais em geral, a conhecida dupla moral e os bons costumes, ou seja, possui fundamentos éticos.

É correto afirmar que a fama do individuo, seja ela boa ou ruim, irá influenciar nas suas relações. A honra é inerente ao ser humano desde os tempos mais antigos, para o homem ter vida desregrada, liberdade sexual, independência financeira proporcionava a eles confiabilidade e boa fama perante os demais, já para as mulheres era o oposto, elas deviam manter se recatadas, fieis e submissas, com o dever de castidade e fidelidade, quando solteiras a sua família e quando casadas a seu esposo. E aquele que não seguisse tal padrão era mal visto e criticado no meio em que vivia.

A honra é um direito subjetivo do ser humano, e defendido em nosso Código Penal no Capítulo V, nos artigos 138, 139 e 140. Quando se toca no assunto sobre a legítima defesa da honra existe uma associação com a honra conjugal e crime passional. Esse tipo de crime, o crime passional também tem forte associação com a imagem masculina, contudo é certo que mulheres também praticam estas espécies de crimes.

No passado, já foi licito matar com a justificativa de adultério, as Ordenações Filipinas, no seu livro V, tutelava como direito o marido traído matar sua esposa, não somente ela, mas o amante também. Porém, a lei dizia que se o amante fosse pessoa importante na sociedade essa lei não se aplicava.[75]  

No que diz respeito a legítima defesa da honra, esta não esta elencada no rol das excludentes de ilicitude do artigo 25 do Código Penal, nem nunca esteve. Acontece que este argumento de legítima defesa da honra foi demasiadamente usado por juristas no passado, como argumento de defesa nos crimes passionais, visando obviamente uma absolvição.

Com o grande número de casos e decisões favoráveis a réus que matavam em nome do amor e paixão o Código Penal de 1940 passou a consideradar homicídio privilegiado, elencado no Art. 121,§ 1°, onde não exclui a ilicitude, porém diminui a pena.

A alegação de legítima defesa da honra para justificar os casos de homicídios passionais não é mais aceita, esta jurisprudência que antes era tão usada e muitas vezes com sucesso, hoje já não é aceita nos tribunais, não somente pela lei que não expressa esta modalidade de excludente, mas por conta da evolução do direito, que evolui juntamente com a sociedade. Esta por sua vez evoluiu a ponto de perceber que a vida humana vem em primeiro lugar do que a honra, e que nada poderá se sobrepor a ela.

Neste sentido, têm-se as decisões a seguir:

0000214-06.2008.8.19.0034 (2009.050.07185) - APELACAO - 1ª EMENTA DES. ANTONIO JAYME BOENTE - JULGAMENTO: 03/03/2010 - PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL APELAÇÃO. JÚRI. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL PERSEGUINDO A CASSAÇÃO DO DECISUM PARA SUBMISSÃO DO ACUSADO A NOVO JULGAMENTO, POR SE TRATAR DE DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E, AINDA, MEDIANTE ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA À TESE DE LEGÍTIMA. DEFESA DA HONRA, NO SENTIDO DA DESPROPORCIONALIDADE EXISTENTE ENTRE A AÇÃO DESTRUIDORA DE UM BEM MAIOR, QUE SERIA A VIDA, PARA PRESERVAÇÃO DE UM BEM MENOR, QUE SERIA A HONRA. A RECENTE REFORMA PROCESSUAL PENAL ENSEJOU A INCLUSÃO DE QUESITO QUE POSSIBILITOU AOS JURADOS, MESMO APÓS O RECONHECIMENTO DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA, ACOLHER AS DEMAIS TESES DEFENSIVAS ABSOLUTÓRIAS E EFETIVAMENTE DECIDIR PELA ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO. IN CASU, O ALUDIDO QUESITO ENGLOBARIA A TESE RELATIVA À LEGÍTIMA DEFESA, SEGUNDO A VERSÃO APRESENTADA PELA DEFESA TÉCNICA EM PLENÁRIO. ANÁLISE DAS PROVAS RELATIVAS À EXCLUDENTE QUE NÃO PODERÁ SER REVISTA NESTA SEDE. APRECIAÇÃO DOS FATOS E CONTEÚDO PROBATÓRIO QUE COMPETE AO JUÍZO NATURAL DA CAUSA, CUJA DECISÃO MERITÓRIA DEVERÁ PREVALECER, UMA VEZ QUE BASEADA NAS PROVAS OFERECIDAS À DISCUSSÃO. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS. DESPROVIMENTO AO RECURSO.

0010889-92.1992.8.19.0000 (1992.050.00973) - APELACAO - 1ª EMENTA DES. REBELLO DE MENDONCA - JULGAMENTO: 22/04/1993 - PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL. HOMICIDIO. APELACAO. LEGITIMA DEFESA DA HONRA. REU CONDENADO POR CRIME DE HOMICIDIO. RECURSO DE APELACAO QUE SE CONHECE, COMO FULCRADO NO ART. 593, III, LETRAS "A", "C" E "D" DO C.P.P. CERCEAMENTO DE DEFESA NAO CARACTERIZADO E QUE, MESMO CARACTERIZADO,NAO JUSTIFICARIA A NULIFICACAO DO JULGAMENTO PORQUE NÃO OFERECIDA NO MOMENTO OPORTUNO. LEGITIMA DEFESA DA HONRA. A LEVIANDADE DE UMA MULHER CASADA E ADULTERA NAO CARACTERIZA TAL EXCLUDENTE. AO CONJUGE OFENDIDO O QUE CABE E' RECORRER `A PROPOSITURA DA CABIVEL ACAO DE SEPARACAO JUDICIAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (RC) EMENTÁRIO: 25/1993 - N. 9 - 02/09/1993 AS DECISÕES ACIMA SERVEM PARA ATESTAR O QUE FOI DITO, OS TRIBUNAIS NÃO MAIS ACEITAM ESTA JUSTIFICATIVA PARA ABSOLVER HOMICIDAS PASSIONAIS. ISSO NÃO FAZ COM QUE A HONRA DEIXE DE SER UM DIREITO DO SER HUMANO, PORÉM, É UM DIREITO QUE TEM UMA VALORAÇÃO ABAIXO DA VIDA HUMANA. [76]

Este elemento subjetivo é fruto de grandes discussões doutrinárias, pois é um dos institutos que reflete a evolução do direito. Doutrinadores e acórdãos jurisprudenciais divergem no correr do tempo fazendo assim surgir precedentes dos quais nos pautamos como precedentes do nosso ordenamento jurídico. 

5.5 OFENDÍCULOS

Segundo conceito proposto por Damásio de Jesus: “ofendículo significa obstáculo, impedimento ou tropeço. Em sentido jurídico, significa aparato para defender o patrimônio, o domicílio ou qualquer bem jurídico de ataque ou ameaça”. Exemplos: cacos de vidro no muro, ponta de lança na amurada, armas de fogo que disparam mediante dispositivo predisposto, corrente elétrica na cerca de propriedade, arame farpado no portão, corrente elétrica na maçaneta da porta, animais como cachorros etc.

Os exemplos acima se tratam de instrumentos mecânicos utilizados para defender qualquer tipo de bem jurídico. O uso destes instrumentos gera controvérsias, quanto à exigência de que haja agressão injusta, atual ou iminente, pois são esses os requisitos que caracterizam a legítima defesa.

Uma parte da doutrina entende ser o uso dos ofendículos como espécie de legítima defesa preordenada, pois tais instrumentos somente são acionados quando houver um ataque efetivo ao bem jurídico, ou seja, prevendo uma futura agressão, o agente faz uso destes instrumentos, para impedir que um bem sofra lesão, os instrumentos somente seriam acionados em perigo de fato.

Uma segunda corrente defende que não se trata de legítima defesa, pois quando se trata da questão dos ofendículos, é inexistente um dos seus requisitos, qual seja a injusta agressão atual, lembrando novamente que a legítima defesa é caracterizada por uma injusta agressão, atual ou iminente, sendo assim de acordo com esta corrente ao invés de legítima defesa, caracteriza-se como exercício regular do direito.

Em suma, independentemente de sua natureza jurídica, isto é, se tratados como espécie de legítima defesa (preordenada) ou se analisados como exercício regular de direito, o fato é que os ofendículos são aceitos pelo nosso ordenamento jurídico. Contudo, embora aceitos, deverá o agente tomar certas precauções na utilização desses instrumentos, sob pena de responder pelos resultados dela advindos.[77]

6 DO ERRO E EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA

6.1 ERRO

O erro é um falso juízo ou engano sobre algo, é a percepção falsa da realidade. Trata-se de uma limitação do ser humano, uma vez que não existe ser humano perfeito e com isso todos estão passíveis de erro. No que diz respeito ao âmbito jurídico, o erro vai existir quando o agente obter uma falsa compreensão da dinâmica ou norma referente ao acontecimento ou fato em questão.[78]

Os vários tipos de erro serão determinados de acordo com o que e onde eles irão incidir. São espécies de erro: o erro de tipo, erro de proibição, erro determinado por terceiro e erro sobre a pessoa, que estão previstos em nosso ordenamento jurídico, no artigo 20 do Código Penal e seus parágrafos, o erro sobre a ilicitude do fato no artigo 21, há também o erro na execução (aberratio ictus) no art. 73 e o resultado adverso do pretendido (aberratio delicti) também ambos do Código Penal.

Consta no art. 20, §1° do Código Penal as discriminantes putativas, esta por sua vez é considerada erro de tipo ou erro de proibição por uma parte da doutrina e outra defende ser ela uma terceira espécie de erro.

É certo que pode ocorrer erro na conduta do agente que atua amparado pela legítima defesa. Sendo assim, o agente ao atuar em legítima defesa, seja qual for a sua espécie, poderá incorrer em erro, por exemplo, agente avista um indivíduo sendo esfaqueado, em legítima defesa deste terceiro, ele mira no criminoso e atira, porém, o tiro acerta a vitima, diante o fato narrado, conclui-se que o agente cometeu erro sobre a pessoa.

No direito é admitido ao agente que cometeu erro, ter sua conduta livre de dolo, porém, este será punido por crime culposo.

6.2 EXCESSO

Segundo Damásio de Jesus há excesso nas causas de exclusão da antijuridicidade quando o sujeito, encontrando-se inicialmente em estado de necessidade, legítima defesa etc., ultrapassa os limites da justificativa.[79]

O artigo 23 em seu parágrafo único dispõe que o agente responderá por excesso doloso ou culposo em qualquer uma das hipóteses elencadas no artigo como excludente de ilicitude. Cabe dizer o que se entende por excesso, que tem origem do latim excessu, segundo o dicionário Houaiss excesso é definido da seguinte forma: “Excesso: sm 1. sobra. 2. o que passa da medida; exagero. 3. Ação descontrolada; desmando (cometer excessos)”. [80]

Referente ao assunto abordado no presente trabalho se aplica dizer que excesso significa exceder o permitido, exceder os limites, exagerar.

6.3 TIPOS DE EXCESSO

O excesso será punível toda vez que o agente ultrapassar os limites exigidos na sua defesa. Não importa se o excesso se deu por conta da não utilização dos meios necessários, ou se ele excedeu no uso desses meios, usando-os sem moderação.

Se o excesso constituir dolo, responderá o agente pelo dolo no que diz respeito ao excesso e não a sua ação de defesa, se constituir culpa, ele irá responder a título de culpa como no caso do excesso por dolo, não responderá pela ação que repeliu a agressão.

Contudo, existe o excesso que não é punível, como o excesso exculpante basicamente são dois tipos de excesso, o doloso e o culposo. Vejamos abaixo os seguintes tipos de excesso:

a) Excesso intensivo: excesso intensivo se dá no momento em que o agente que repele agressão injusta passa agir de forma intensificada, e até mesmo desproporcional à ação agressora inicial. A situação necessária para que haja a excludente de ilicitude persiste, porque a reação exagerada do agente vítima não se sobrepõe a ela.

b) Excesso extensivo: ocorre quando o agente age para defender-se e sem que cometa excesso consegue cessar a agressão, porém, mesmo após cessada ele continua a agir.

Neste sentido verifica-se a seguinte posição jurisprudencial:

0009723-59.1991.8.19.0000 (1991.050.01131) - APELACAO - 1ª EMENTA DES. LUCIANO BELEM - JULGAMENTO: 06/02/1992 – TERCEIRA CAMARA CRIMINAL JURI HOMICIDIO USO IMODERADOS DOS MEIOS NA LEGITIMA DEFESA SEMPRE QUE HÁ EXCESSO NA REPULSA, SEJA INTENSIVO, QUANTO AOS MEIOS, SEJA EXTENSIVO, QUANTO AO PROLONGAMENTO INECESSARIO DAQUELA, HA' NECESSIDADE DE QUESTIONAR-SE O CONSELHO DE SENTENCA SOBRE O CARATER CULPOSO DO EXCESSO. PROVIMENTO DA APELACAO PELO PRIMEIRO FUNDAMENTO, PARA MANDAR-SE O REU A NOVO JURI. (RC) EMENTÁRIO: 11/1992 - N. 11 - 30/04/199218 CESSADA A AGRESSÃO DE O AGREDIDO CONTE-SE, CASO CONTRÁRIO SERÁ ENTENDIDO COMO EXCESSO. [81]

c) Excesso exculpante: o excesso exculpante não consta expresso em nosso Código Penal, é uma teoria da doutrina e também é um entendimento jurisprudencial, ou seja, a excesso exculpante é uma espécie de causa supra legal de excludente da ilicitude. Não existe culpabilidade, mesmo que a ação seja típica e ilícita, uma vez que não haverá o juízo de reprovação desta conduta, por não ter como exigir do agente outra conduta se não aquela. É o excesso que resulta do medo, da surpresa ou de uma perturbação psicológica, emocional face a ação que esta em curso.[82]

No excesso exculpante o agente vítima não consegue conter-se e excede sua conduta não porque não quer, mas porque não consegue, visto que se encontra em estado psicológico abalado. Ressalta-se também que este tipo de excesso pode ocorrer, além das causas já citadas de alterações psicológicas, por conta de uma situação de caso fortuito.

Entende-se que o agente em um estado alterado, com confusão mental, por mais que desejasse estará impedido naturalmente de ter uma noção de percepção e discernimento corretas. Não é somente a doutrina e jurisprudência brasileira que admite este modalidade de excludente, outros países também o adotam, como por exemplo, a Alemanha. Portugal, e Espanha.

d) Excesso culposo: pode-se dizer que o excesso culposo é resultado de uma avaliação errada feita pelo agente no momento em que sofre a agressão injusta, ou seja, quando ele não observar o dever de cuidado. Ele pode incorrer em erro quanto ao objetivo da agressão, como por exemplo, o agente acredita que o agressor irá matá-lo, quando na verdade somente pretende roubar-lhe o celular, o que irá influenciar em sua conduta ou como também poderá errar na avaliação de qual meio utilizar para repelir a agressão, como por exemplo, agente lutador de boxe, é abordado na rua por outro que tem objetivo de assaltar-lhe, este por usa vez desfere um soco no assaltante, em legitima defesa, e em resultado além de coibir a ação do assaltante, ele quebra um dente dele, o objetivo era coibir a ação e não causar tal lesão, porém lhe faltou cuidado, e não há dúvidas ao afirmar que há diferença entre um soco de um leigo e de um atleta de boxe.

O excesso culposo poderá ser voluntário ou involuntário. Voluntário quando o agente deseja praticar determinado fim com sua ação, ou seja, ele pratica o excesso, porém, acreditando que estava sob o limite exigido para repulsa da agressão ao seu bem. Já o involuntário ocorrerá contra a vontade do agente, ele não deseja tal resultado de excesso, porém independente dele o mesmo ocorreu. Como por exemplo, agente para defender sua residência que esta sendo invadida, atira contra o invasor, acreditando ser a arma de chumbinho, porém, não se trata de uma espingarda de chumbinho e sim uma espingarda convencional, fazendo com que a lesão no invasor fosse uma lesão grave. O objetivo dele era cessar a ação do invasor e não lesioná-lo gravemente, isso aconteceu por erro por parte do agente, aconteceu de forma involuntária. [83]

No excesso culposo o agente não deseja o resultado extremado, apesar de sua ação (ou omissão) ser voluntaria e ele assumir o risco de um possível excesso ao agir. Zaffaroni, a respeito desta modalidade de excesso, diz:

A única explicação plausível para o chamado “excesso culposo” é a de que se trata de uma ação dolosa, mas que, aplicando-se a regra da segunda parte do §1.° do art. 20 do CP, a lei lhe impõe a pena do delito culposo. Em face da definição de dolo do art. 18, I também do CP, não se pode dizer jamais que, para a nossa lei, o chamado “excesso culposo” seja uma conduta culposa, e sim que o “culposo”, na máximo, seria o excesso, mas nunca a ação que causa o resultado, posto que, ao se admitir o seu caráter culposo, se estaria incorrendo numa flagrante contradição intra legem.[84]

Conclui-se que é determinado como culposo, o excesso que o agente deixou de agir com o dever de cuidado, e que sua conduta, para ser punida a título de culpa se enquadre nos requisitos de uma conduta típica culposa, sendo assim, tem que estar presente na conduta do agente a imprudência, negligencia e/ou imperícia.

e) Excesso doloso: o excesso doloso é aquele em que o agente, tem consciência dos limites porém, voluntariamente, mesmo com esta consciência ele opta por ultrapassar tais limites, excedendo sua ação.[85] Por exemplo, agente após ter repelido uma agressão com um soco, resolve dar uma facada no agente agressor. Ou seja, ele cometeu um excesso, que derivou de sua própria vontade e estava ele ciente de que não poderia agir de tal forma, ou que tal forma seria desnecessária. Esse agente responderá pelo excesso, pela facada proferida e não pelo soco, pois esta primeira ação esta tutelada pela lei, e excluída é sua ilicitude.

6.4 EXCESSO NA LEFÍTIMA DEFESA

No Brasil, aponta-se que uma das primeiras leis a vigorar e ser aplicada que continha expressa a legitima defesa, seu excesso e excludente de ilicitude, foi as Ordenações Filipinas, quem em seu livro V das Ordenações do reino, no seu Título XXXV, consta a possibilidade de exclusão de ilicitude referente a homicídio.

Após este período das ordenações Filipinas passou a vigorar o Código Criminal de 1830, e no seu Art. 14, parágrafos 2°, 3° e 4° expressou que crimes em defesa própria, de direitos ou da família do indivíduo seriam justificáveis, sob a alegação de legítima defesa, o primeiro parágrafo tratava do estado de necessidade. Em caso de excesso o código não possuía lei expressa, porém aplicava-se o art., 18 parágrafos 2°, 3° e 4°, que trazia as atenuantes.

O Código republicano, do ano de 1890, não mencionava excesso na legítima defesa, mas a trouxe no artigo 32, §2° e no artigo 34. Em 1932, na Consolidação das Leis Penais, permanecia o mesmo conteúdo do Código Republicano quanto a legítima defesa.

Em 1935, foi elaborado o Projeto de Lei Virgilio de Sá Pereira , que não foi aprovado, sendo assim nunca vigorou, mas que serviu de base para o projeto Alcântara Machado. E a legítima defesa encontrou-se expressa neste projeto no art. 45, e o excesso no parágrafo 2° deste mesmo artigo.

O artigo 21 trouxe a legítima defesa elencada no Código de 1940, e parágrafo único deste artigo expressou o excesso culposo, e dizia que o agente que ultrapasse os limites da legitima defesa iria responder por crime culposo, porém, tal artigo somente mencionou o excesso culposo referente a legítima defesa, não mencionou referente a nenhuma outra causa de exclusão de ilicitude, como estado de necessidade por exemplo.

O excesso somente foi disciplinado para todas as excludentes de ilicitude no Código de 1969, o artigo 30 trazia essas possibilidades e no caput o excesso culposo. Mas foi no Código Penal de 1984 que o excesso doloso e culposo foram elencados e admitidos em todas as excludentes de ilicitude, no artigo 23 que vigora ate hoje.

As datas servem apenas para mostrar quando a legítima defesa e seu excesso passaram a ser estipulas em lei, e não quando eles surgiram, não há como determinar data para seu surgimento. O excesso não é autônomo, para que ele seja configurado é necessário primeiramente que ocorra uma situação onde seja identificada uma excludente de ilicitude.

Faz-se então necessário que ocorra uma situação que se enquadre nas causas de exclusão de ilicitude, no caso em questão a legítima defesa, caso contrario não se pode falar em excesso, e sim em uma conduta tipificada, um crime doloso ou culposo.

Para configurar uma exclusão de ilicitude, Francisco de Assis Toledo afirma ser necessário que haja:

a) que o ofendido tenha manifestado sua aquiescência livremente, sem coação, fraude ou outro vicio de vontade; b) que o ofendido, no momento da aquiescência, esteja em condições de compreender o significado e as conseqüências de sua decisão, possuindo, pois, capacidade para tanto; c) que o bem jurídico lesado ou exposto a perigo de lesão se situe na esfera de disponibilidade do aquiescente; d) finalmente, que o fato típico penal realizado se identifique com o que foi previsto e se constitua em objeto de consentimento pelo ofendido.[86]

Ao julgar um caso que supostamente é de legítima defesa, deve magistrado atentar-se para esses quesitos narrados por Toledo e os que constam expressos na lei, e primeiramente decidir se o fato realmente é ou não um caso de legítima defesa, após ter sido realizada tal configuração, é que passará a ser feito o juízo de excesso, onde é verificado se a conduta do agente ultrapassou os requisitos de moderação e proporcionalidade, fazendo uma comparação entre a atitude dele e os requisitos legais, ressalta-se que a legítima defesa admite todas as espécies de excesso.

Como já dito anteriormente, o excesso ocorre quando o agente, em defesa sua ou de outrem, ultrapassa os limites ditados por lei, e esse excesso poderá ser doloso ou culposo. É necessário que se identifique o excesso na legítima defesa, para que se possa imputar ao agente que agiu em excesso a devida punição.

Para livrar-se da condenação, é comum o indivíduo que pratica uma conduta típica, alegar que agiu em legítima defesa, ou por descuido excedeu-se no momento da defesa, quando na verdade ele o fez intencionalmente e com dolo, nesses casos não há que se falar em legítima defesa, tão pouco no excesso da legítima defesa, sendo assim deverá o individuo infrator receber punição condizente com a tipificação de sua conduta. Por isso se faz necessário um estudo minucioso do caso concreto, atentando-se para todos os requisitos, tantos os que configuram a excludente da legítima defesa, tanto para os que configuram o excesso.

CONCLUSÃO

Uma conduta classificada como criminosa, deve possuir os três requisitos do crime, ou seja, tipicidade, culpabilidade e a ilicitude, que na falta de um desses, não há que se falar em crime.  

Tendo em vista a ideia central desta pesquisa, a ilicitude acima citada, está ligada às causas de justificação, possibilitando inferir que uma conduta, mesmo típica, se possuir uma causa de justificação (excludentes da ilicitude) o seu caráter de ilicitude será excluído de sua análise, e essa conduta típica não causará uma pena. Desse modo, a ilicitude de uma conduta só é constatada quando não concorre qualquer causa justificante, ou seja, qualquer excludente da ilicitude já delineada pelo ordenamento jurídico vigente, que recai sobre toda conduta correspondente, não sobre um agente em particular.

As causas de exclusão da ilicitude, que possuem aspectos objetivos e subjetivos, ocorrem em situações que a lei permite, contudo, são admitidas as causas supra legais, as quais não estão expressas em lei, mas são admitidas por conta do seu relevante cunho social. O artigo 23 do Código Penal preocupou-se a analisar somente o estado de necessidade e a legítima defesa, ora tema principal deste trabalho, conceituando-as nos artigos posteriores.

A legítima defesa representou para o direito penal brasileiro um grande avanço jurídico, principalmente no que diz respeito a ordem e progresso da sociedade. Simboliza a passagem da vingança privada para o crime de exercício arbitrário das próprias razões, pondo, desta forma, o Estado como detentor único do Jus puniendi. 
Este direito de punir adotado ao Estado abre uma única exceção quando falamos da legítima defesa, isto se dá pela sua impossibilidade de estar em todo lugar a todo o tempo, desta forma, concede a seus cidadãos, a defesa de direito próprio ou alheio quando estiverem sofrendo agressão injusta atual ou iminente.

Trata-se a legítima defesa de uma das causas de exclusão de ilicitude elencadas na lei. Ela é o direito que o individuo possui de repelir agressão injusta, atual ou iminente contra si ou contra outrem, mediante o uso moderado de meios necessários. É também considerada fruto do instinto humano possuí fundamento social e individual.

A lei chegou para regulamentar os requisitos e impor limites as ações de autodefesa, pois como já mencionado, nem sempre o estado se fará presente para resguardar os bens jurídicos e a integridade física dos indivíduos titulares desse dirieto.

A diferença entre uma conduta de legítima defesa e uma conduta tipificada em lei como crime está no animus defendendi, que no momento em que age em defesa própria ou de outrem o indivíduo tem que possuir plena consciência de que age para repelir uma agressão injusta.

Dentre as causas legais e supralegais estudadas de excludentes da ilicitude verificou-se algumas espécies de legítima defesa como também foi estudado o agir em excesso e a determina punição ao agente que o cometer, tanto a título de dolo quanto a título de culpa. Foi visto que para caracterizar excesso é necessário que o a gente no momento de sua defesa ultrapasse os limites ditados por lei, ele não irá responder por toda ação, somente pelo excesso, a ação que repeliu a agressão injusta continuará amparada por lei como excludente de ilicitude.

Tendo em vista o conteúdo abordado, pode-se afirmar que a legítima defesa nada mais é que a permissão do Estado, ou preservação, pelo Estado, do direito de autodefesa do cidadão, quando Ele não se faz presente, quando não é possível a intervenção estatal. Pois, cabe ao Estado reagir contra atos de agressão, não sendo possível fazê-lo o próprio cidadão ameaçado por injusta, atual e iminente agressão poderá exercer seu direito de autodefesa, obedecendo aos limites necessários, sem excessos, para impedir o ataque a si ou a terceiro ou ao seu bem jurídico.

Diante de todo o exposto neste trabalho, verifica-se que o instituto da legítima defesa representou um avanço ao direito penal, seja nacional ou internacional, ao passo que atualmente é um dos principais pontos estatuídos pelo Legislador no Código penal Brasileiro.

REFERÊNCIAS

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