Não foi a juíza do caso whatsapp que errou

18/12/2015 às 10:57
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Muito se criticou a medida de suspensão do serviço do Whatsapp, entretanto, poucas são as opções do judiciário diante da indiferença de uma empresa que não tem sede no país. Especialmente após a nova postura do STJ acerca do crime de desobediência.

Logo que surgiu a notícia acerca do bloqueio do aplicativo “Whatsapp” pipocaram críticas à decisão judicial da juíza da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, seja de usuários de redes sociais, seja de operadores do direito. Entretanto, ao tomar conhecimento de detalhes do caso concreto, verificamos que há erros prévios à decisão da magistrada do ABC Paulista que a deixaram sem alternativa.

O primeiro e mais óbvio erro foi da própria empresa comandada por Marck Zuckerberg, uma empresa que tem mais de 100.000.000 (cem milhões) de usuários no Brasil não pode simplesmente considerar que suas normas de política de privacidade estão acima das leis brasileiras. No caso, foram solenemente ignoradas comunicações judiciais que determinavam a interceptação das comunicações de investigados suspeitos de tráfico, latrocínio e participação em organização criminosa. Mesmo após a aplicação de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil) reais, cujo montante já chega a mais de R$ 12.000.000,00 (doze milhões) não houve qualquer colaboração da empresa que não tem sede no Brasil, talvez por isso, o pouco caso com a justiça brasileira.

Todavia, a impotência da justiça brasileira nesse caso foi agravada por um posicionamento infeliz dela mesma, mais especificamente do Superior Tribunal de Justiça – STJ – que recentemente vem adotando uma postura que esvaziou o crime de desobediência, Art. 330 do Código Penal. Segundo o STJ, para a configuração do crime de desobediência, não pode haver nenhuma outra consequência legalmente prevista civil, administrativa ou processual (multa, prisão preventiva ou outra medida cautelar), salvo se a norma expressamente mencionar que a consequência prevista é sem prejuízo do crime de desobediência.

Conforme entendimento daquela corte, constante do informativo STJ - 544, se alguém desrespeitar uma medida protetiva de urgência da Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/11, pode ser preso cautelarmente em razão do processo de violência doméstica em curso, mas não responde pelo crime de desobediência, porque a lei ao prever a possibilidade da cautelar de prisão, não disse textualmente que se aplica sem prejuízo do crime de desobediência.

Com a devida vênia, parece-nos uma decisão infeliz em vários aspectos. Inicialmente não há como falar em dupla punição pelo mesmo fato “bis in idem”, pois trata-se uma punição penal (crime de desobediência) e uma consequência extrapenal (civil, administrativa ou processual); do ponto de vista prático, esvazia o crime desobediência previsto no Art. 330 do CP, uma vez que na grande maioria dos casos não existe a previsão legal “sem prejuízo da crime de desobediência”, já que, obviamente, o legislador não poderia prever que futuramente o judiciário adotaria posicionamento tão restritivo; e, por fim, no que se refere à separação dos poderes, a postura do STJ também é criticável, pois atuou como legislador positivo, disse mais que o legislador quis dizer, na prática, o STJ escreveu um parágrafo único para o artigo 330 do Código Penal, dizendo que este artigo só se aplica quando não houver nenhuma outra consequência prevista no âmbito civil, administrativo ou processual.

Assim, diante da falta de efeitos práticos da multa diária aplicada perante os responsáveis pelo Whatsapp e da impossibilidade do uso do artigo 330 do Código Penal, a juíza do caso se viu em um dilema: ou admite que uma empresa que atua fortemente no país e com enorme influência social ignore lei e judiciário brasileiros, obstruindo investigações criminais acerca de crimes gravíssimos, ou adota a impopular e criticada medida da suspensão do serviço. Entendo que, diante desse contexto, a escolha foi acertada.

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Poucos observaram que a postura restritiva do STJ quanto crime de desobediência pode ter contribuído para a suspensão do serviço do Whatsapp no Brasil.

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