A desnecessidade de motivação dos jurados no Tribunal do Júri

22/12/2015 às 09:01
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Esta pesquisa tem como escopo a análise das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, sobretudo no que diz respeito à desnecessidade de motivação dos jurados.Pretende justificar a desnecessidade da fundamentação das decisões dos jurados tendo com base a

 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar os principais aspectos do Tribunal do Júri, sobretudo demonstrar que a íntima convicção e a não motivação das decisões proferidas pelos jurados não afrontam os dispositivos constitucionais, tendo em vista as concepções de ordem subjetiva. Ao invés de criticar o instituto do júri, bem como a as suas decisões imotivadas, iremos justificar tal conduta com fundamento no Direito Natural.

O tema estudado é de grande pertinência em razão das peculiaridades existentes no Tribunal do Júri, a qual é objeto de controvérsias tanto para a sociedade quanto para os operadores do Direito.

É indubitável que o Tribunal do Júri surgiu com o objetivo de resguardar os direitos e garantias fundamentais, permitindo aos indivíduos que cometessem crimes dolosos contra a vida a prerrogativa de serem julgados por pessoas leigas, assim como eles, desprovidos de conhecimentos jurídicos e formalismos legais. Dessa forma, tanto os acusados seriam julgados pelos seus pares, quanto a sociedade teria a oportunidade de julgar os crimes dolosos contra a vida de acordo com sua íntima convicção, atendendo aos seus clamores de justiça.

Desta feita, será realizada uma breve abordagem a respeito do Direito Natural de Tomás de Aquino, bem como o contrato social de Hobbes e Rousseau, como forma de compreender a desnecessidade de motivação, por meio de um viés jusnaturalista. Logo em seguida será demonstrada a doutrina de Jonh Finnis, especialmente a viabilidade de compatibilizar o direito natural com o direito positivo.

A partir de tais teorias, buscar-se- á desenvolver o entendimento de que a não motivação das decisões prolatadas pelos jurados, não implicam em cerceamento de defesa, pois embora não sejam revelados os motivos que conduziram os julgadores leigos a decidir em determinado sentido, os mesmos julgam conforme seus ideais justiça.

Por fim, cumpre salientar que serão apresentadas as conclusões da pesquisa não com a finalidade de esgotar as discussões sobre o assunto, mas sim de expandir os conhecimentos relativos ao tema.

AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES ADVINDAS COM A LEI 11.689/08 NO TRIBUNAL DO JÚRI

A Lei 11.689/08 entrou em vigor no dia 09 de agosto de 2088, com a finalidade de sistematizar um novo procedimento para o Tribunal do Júri, visto que o anterior demonstrava um excesso de exigências e lentidão, resultando em um procedimento que na maioria das vezes, não eram tão esclarecedores para os jurados de fato. Assim, a principal finalidade da referida lei seria trazer presteza e eficiência ao procedimento do júri, de modo a adequá-lo à nova ordem constitucional e as pretensões do povo. (NUNES, 2013).

Antes de listar as principais mudanças trazidas pela Lei 11.689/08, cabe ressaltar que, conforme NUCCI (2008, p.744) o Tribunal do Júri no Brasil é composto por duas fases: a primeira é a judicium accusationis, que diz respeito ao juízo de admissibilidade realizado numa audiência em que o juiz poderá absolver sumariamente, desclassificar, pronunciar ou impronunciar o réu. A segunda é a fase da judicium causae a qual começa com a pronúncia e finda com o julgamento pelos jurados.

Apresentadas tais fases, NUNES (2013) elenca as principais alterações no procedimento do júri, tais como: mudanças na fase de instrução, a qual previu uma audiência unificada, objetivando dar mais celeridade ao procedimento; extinção do libelo acusatório e preparação para o Plenário; modificações na figura dos jurados; redução para o cidadão atuar como jurado, de 21 para 18 anos; extinção do Protesto por Novo Júri; e, principalmente, as alterações das formas de elaboração dos quesitos, as quais serão objeto de estudo nos próximos tópicos.

Certamente, a principal alteração inserida pela Lei 11.689/08 está relacionada com o quesito genérico das teses de defesa, tendo como objetivo facilitar e simplificar a compreensão do Conselho de Sentença, frente às diferentes teses defensivas apresentadas pelos defensores.

Assim, independente do número de teses defendidas pela defesa técnica, só será possível a elaboração de um único quesito, disposto no art. 483, III, e § 2°, do CPP, qual seja: “o jurado absolve o acusado”?. Tal quesito é indispensável, de modo que sua carência resulta em nulidade. (ZANINI, 2015).

Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais Superiores, a exemplo do Resp: 1302455, o qual prevê:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. AUTORIA E MATERIALIDADE RECONHECIDAS. CONTRADIÇÃO COM QUESITO SOBRE ABSOLVIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ABSOLVIÇÃO GENÉRICA. QUESITO          OBRIGATÓRIO INDEPENDENTEMENTE DA TESE DEFENSIVA. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do art. 483, III, do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei n.º 11.689/08, é obrigatória a formulação e resposta pelos Jurados do quesito geral referente à absolvição do réu, ainda que a única tese defensiva seja a negativa de autoria, implicando sua ausência nulidade absoluta da sessão de julgamento realizada pelo Júri Popular. 2. Recurso provido. (STJ - REsp: 1302455 PB 2012/0015483-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 20/05/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2014).

Além disso, observa-se que neste quesito centralizam-se todas as teses defensivas, inclusive aquelas relativas às excludentes de ilicitude, oportunizando a absolvição ou condenação do acusado levando em consideração o princípio da soberania dos veredictos. Por conseguinte, com a imposição do quesito genérico de absolvição, o Conselho de Sentença ganha mais autonomia para exercer sua íntima convicção, independentemente de ter reconhecido a materialidade ou autoria do crime. (JARDIM, 2015).

PRINCÍPIO DA ÍNTIMA CONVICÇÃO E DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI

A norma insculpida no art. 93, inciso IX da Constituição Federal prevê o princípio da motivação das decisões judiciais, dispondo:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX-Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Já o art. 381, inciso III, do Código de Processo Penal dispõe sobre a fundamentação da decisão, esta, conforme NUCCI (2008, p.676), é o âmago da sentença, visto que o juiz aplicará o direito ao caso concreto, aclamando o Princípio da livre convicção motivada, o qual só é exigido ao juiz de direito.

Em relação à sentença proferida pelo Tribunal do Júri, há certa peculiaridade, visto que a decisão está diretamente relacionada com o veredicto dos jurados, os quais decidirão por sua livre convicção, ou seja, os jurados só precisam responder “sim” ou “não” aos questionamentos elaborados pelo juiz togado, dispensada qualquer fundamentação. (NUCCI, 2008).

A técnica da intima convicção é uma forma de apreciação de prova diversa do sistema convencional, pois cada jurado constrói seu juízo de valor, com a autonomia sob tal apreciação, vez que não é necessário fundamentar seu convencimento.

DIREITO NATURAL COMO SUBSÍDIO (FONTE) PARA A ÍNTIMA CONVICÇÃO DOS JURADOS

O direito natural, conforme preleciona VERDROSS (apud PEDROSO, 1990), pode ser definido como: “Norma suprema de todos os atos humanos, tendo por fundamento ontológico, o desenvolvimento dos valores da pessoa humana, concebida como imagem de Deus.” Assim, acreditava-se em um ideal de justiça superior à vontade dos homens, tendo como parâmetro uma lei natural, que seria suprema e oriunda da natureza.

O pensamento jurídico acerca do Direito Natural prosperou ao longo do tempo, harmonizando-se com a evolução histórica das correntes filosóficas, cujo surgimento se deu na Antiguidade grega, tendo significados diversos na Idade Antiga e na tradição medieval, estendendo-se até a época moderna e a contemporânea. (PEDROSO, 1990).

Na Grécia Antiga, o Direito Natural surgiu com a finalidade de se fazer confiar na Justiça grega, procurando um fundamento divino, conforme CICCO (2009, p. 21):

Todos os povos iniciam sua trajetória com a idéia da sacralidade da moral e do direito, sendo este de natureza imutável, enquanto a mutabilidade nasce da contingência histórica. A observação de tal mutabilidade introduz a concepção de um direito natural (por comparação), uma noção de lei superior a ser procurada.                                                

Em Roma, o direito natural teve grande influência grega, na qual a escola do estoicismo limitava a filosofia à ética, de modo que a lei natural deveria estar intrínseca a cada um. No entanto, já existia uma inclinação no sentido de comparar sabedoria e virtude, razão e natureza. Assim, para o direito romano, a equidade seria um reflexo da lei natural. (CICCO, 2009, p. 22).

No período medieval destacam-se duas figuras que deram relevância ao estudo do Direito Natural: Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Conforme o entendimento de AMARAL (2010, p. 91), neste período houve um desapego ao aspecto cosmológico da era greco-romana, vez que foi dada grande relevância aos princípios cristãos, rejeitando-se a idolatria da antiguidade e otimizando o direito natural numa associação ético-humanista da época.

A época moderna do Direito Natural foi reconhecida com fundamento racionalista e abstrato, estando desvinculado com a moral e concentrado na razão, a qual seria suficiente para regularizar as organizações jurídicas positivas. Desta forma, houve uma rejeição das ideias do Direito Natural acolhido na Grécia Antiga e na filosofia clássica. Dentre os representantes dessa época destacam-se: Thomasius, Hobbes, Kant e Rousseau, este último defendeu o contratualismo, podendo ser compreendido como um contrato, no qual a sociedade cedia parcela de sua liberdade em troca de segurança proporcionada pelo Estado. (PEDROSO, 1990).

TEORIA DO DIREITO NATURAL DE TOMÁS DE AQUINO E O CONTRATO SOCIAL DE HOBBES E ROUSSEAU

A filosofia de Santo Tomás de Aquino está diretamente relacionada com a teologia, defendendo que a fé e a razão caminham lado a lado, na busca de construir a sustentação dos fundamentos filosóficos. O referido filósofo escreveu a Suma Teológica como sua principal obra, cuja principal característica é a formulação de perguntas e respostas relacionadas a razão como passagem para a compreensão de Deus. (COLLINSON, 2007, p. 61).

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A teoria do Direito Natural na perspectiva Tomás de Aquino pode ser entendida como a admissão de uma metafísica realista, e a persecução da vontade do divino, isto é, compreender que o Direito Natural deve ser o direito probo e ajustado ao caráter do homem pela essência das coisas que integram o mundo real. (OLIVEIRA, 2008).

Nesse sentido, COLLINSON (2007, p. 62) preleciona:

Aristóteles havia afirmado que a forma de qualquer coisa é aquilo que a realiza ou faz com que ela seja aquilo que é. Contudo, Aquino desenvolve uma metafísica do ser mais elaborada. Nesta, ele argumenta que é o ato de tornar-se existente, muito mais do que a realização da forma, que possui suprema significação. Ele distingue entre a essência e a existência de algo. Sinteticamente, a essência de algo pode ser pensada como sendo sua definição e sua definição pode ser conhecida e compreendida sem se conhecer tanto aquilo que existe quando o que não existe realmente. Assim, a existência real de algo é distinta de sua definição.

Outro relevante acontecimento para o jusnaturalismo foi o acolhimento do mesmo para respaldar a teoria do contrato social, visto que é possível encontrar na obra de Thomas Hobbes o instante que há separação de direito e política, pois o direito deveria passar a ser analisado como invenção humana, resultante da razão e não proveniente da natureza.

Hobbes, em sua obra analisou o homem isoladamente ao seu próprio corpo social para explicar o Estado de Natureza, o qual definia o ser humano como indivíduos egoístas e independentes, vigorando, nesse estado, a guerra de todos contra todos. Dessa forma, a respeito desse estado, HOBBES (2009, p. 95) assevera:

A competição impulsiona os homens a se atacarem para lograr algum benefício, a desconfiança garante-lhes a segurança e a glória, a reputação. A primeira causa leva os homens a utilizarem a violência para se apossar do pessoal, da esposa e dos filhos; a segunda os leva a usar da violência para defender esses bens; a terceira os faz recorrer à força por motivos insignificantes. [...] Por isso, quando não existe um poder comum capaz de manter os homens numa atitude de respeito, temos a condição do que denominamos guerra; uma guerra de todos contra todos.

Assim, no Estado de Natureza hobbesiano não havia um controle social, de modo que a força seria o único meio para regular o comportamento humano.

Diante disso, conforme HOBBES (2009, p. 99) só seria constituído um estado social se o homem abdicasse de seu primitivo egoísmo, para viver em sociedade. Assim sendo, para Hobbes, o Contrato Social deriva do pensamento racional do homem, já que a vontade de viver em sociedade, em última análise, resulta do receio que o mesmo tem de seus pares.

Logo em seguida, foram desenvolvidas outras teses acerca do jusnaturalismo, destacando-se a filosofia de Jean- Jacques Rousseau, na qual distintamente de Hobbes, o homem não seria mais considerado mau por natureza, pelo contrário, sua teoria admitia que todas as coisas advindas da natureza eram boas. (CASTRO, 2013)

A principal obra de Rousseau foi sua teoria do Contrato Social, o qual objetivava resgatar o bem-estar original do homem, nesta obra, Rousseau compara a comunidade com uma estrutura familiar, assim dispondo COLLINSON (2007, p. 150):

O governante da sociedade seria como um pai de família e o povo cede sua liberdade para o governante, assim com as crianças o fazem relativamente ao seu pai, de modo a preservar sua segurança. [...]. O contrato que é estabelecido entre o governante e o povo implica em direitos e deveres recíprocos.

Assim, o contrato social, para Rousseau, só poderia se consumar quando a comunidade desapegasse da ideia do “desejo de todos” e seguissem os preceitos da “Vontade Geral”, esta última seria composta pelas vontades de soberano que representaria os anseios da sociedade, de modo que agir contra a vontade do soberano significava agir contra si próprio, ou seja, em sentido contrário da sua liberdade. (SENA, 2011).

O JUSNATURALISMO DE FINNIS

A obra Lei Natural e Direito Natural, escrita por John Mitchell Finnis, trouxe um novo significado para as pesquisas sobre Direito Natural em proveito da modernidade, tal filósofo jusnaturalista é listado como um dos mais importantes jusfilósofos da contemporaneidade, embora sua ideologia seja pouco difundida e divulgada no Brasil. A finalidade da obra não foi a de construir uma nova tese jurídica, mas a de prosperar nas hipóteses filosóficas com uma perspectiva clássica de se compreender o Direito, tendo sido influenciado pelas teorias de Platão, Aristóteles e principalmente de Tomás de Aquino. (SANTOS e RODRIGUES, 2015).

O jusnaturalismo defendido por Finnis é composto por princípios que apontam os modelos básicos de crescimento humano, a exemplo de bens a serem buscados e realizados. Igualmente, indica ainda os parâmetros de raciocínio prático para aqueles envolvidos no agir humano, orientando as atitudes humanas para alcançar a razoabilidade prática, de modo a possibilitar a elaboração de um conjunto de regras morais gerais. (ROHLING, 2012, p. 161).

Desse modo, conforme ROHLING (2012, p.163) a teoria do Direito Natural tem como foco o ser humano, seja em relação aos seus bens básicos, seja quanto a razão. Ademais, a teoria de Finnis elucida como se deve desapegar dos preceitos pré-morais e das questões metafísicas, tendo como ponto de partida os valores humanos básicos, tais como: a vida, o jogo, o conhecimento, a saúde, a sociabilidade, a religião, entre outros relacionados com o potencial humano de crescimento. Tais valores não necessitam de nenhuma validade moral para justificar sua razão de existir, isto é, podem ser atingidos por qualquer homem, desde que eles utilizem a razão para alcançá-los.

Assim, a teoria de FINNIS (apud ROHLING, 2012, p. 164) adequa-se aos preceitos dos “bens humanos” e a “razoabilidade prática”; os primeiros são os valores essenciais para a atuação humana pelos quais serão propiciados por intermédio da razoabilidade prática; a segunda refere-se ao valor humano básico acrescido de um diferencial, visto que representa o modo pelo qual os homens percebem e põe em prática na sua conduta, isto é, os princípios decorrentes da compreensão dos outros bens humanos.

No que diz respeito à positivação da Lei Natural, Finnis vale-se do pensamento de Tomás de Aquino para esclarecer que as leis positivas, são: “as implicações particulares partindo dos princípios morais mais elevados e gerais”. Portanto, conforme o mencionado autor as leis são princípios que devem ser desenvolvidos com racionalidade, levando em consideração o bem comum da coletividade. (FINNIS apud CAMARGO, 2014)

Outra decorrência das suposições de Finnis, segundo ROHLING (2012, p. 162) é a possibilidade da coexistência do Direito Natural e Direito Positivo, isto é, quando não houver mais subsídios no Direito Positivo para alcançar o bem comum, buscar-se-á fundamentos no Direito Natural capazes de sanar as dificuldades para a realização da justiça. Nesse sentido, Finnis criticava a teoria na qual defendia que o direito positivo seria mera cópia do direito natural, pelo contrário, seguindo os preceitos de AQUINO apud ROHLING (2012, p. 163):

[...] Assim é porque mesmo Santo Tomás de Aquino que, de modo evidente, afirma que o direito positivo retira sua validade do direito natural é quem, também, mostra como ele não é mera emanação, ou uma cópia, do direito natural, e como o legislador goza de toda a liberdade criativa de um arquiteto.

Por fim, verifica-se que a obra de Finnis objetivou esclarecer a possibilidade de coexistência de Direito Natural e Direito Positivo, sendo este último o responsável para estruturar as relações de uma determinada sociedade, utilizando a lei para dirimir os conflitos existentes. Entretanto, como visto anteriormente, nas situações em houver esgotamento da norma positivada, devem-se buscar elementos do Direito Natural, cuja exigência de aplicação encontra-se pautada pela busca da justiça e do bem comum.

Diante da análise histórica do surgimento do Direito Natural, faz-se necessário relacionar tal teoria com o princípio da íntima convicção dos jurados no Tribunal do Júri, bem como a desnecessidade de motivação das suas decisões.

Verificou-se que conforme a nova teoria do direito natural de Finnis, não se deve dissociar o Direito Natural do Direito Positivo, de modo que, na ausência de lei para dirimir determinados conflitos, deve-se buscar elementos no Direito Natural.

Correlacionando tal posicionamento com a desnecessidade de motivação dos jurados no Tribunal do Júri, observa-se que este é um exemplo prático de aplicação do Direito Natural, pois neste caso, não existem disposições legais regulamentando a obrigatoriedade de motivação nas decisões dos jurados. Assim, os juízes de fato, ao proferirem suas decisões, buscam os valores inerentes a sua própria natureza, fundamentados em uma compreensão pré-existente, na qual os habilitam a diferenciar o bem do mal, o correto do incorreto e o justo do injusto.

Isso não faz com que o instituto do júri torne-se contrário as disposições constitucionais. Pelo contrário, representa a própria liberdade e soberania dos povos, constituindo a legítima preservação da liberdade individual, em todos os Estados que aspiram à liberdade, consoante as lições de RUI BARBOSA apud REIS (2015).

CONCLUSÃO

Em síntese, o principal objetivo do presente trabalho foi justificar a desnecessidade de motivação das decisões proferidas pelo Conselho de Sentença no Tribunal do Júri, em consonância com o princípio da íntima convicção.

Todavia, trata-se de um tema que padece de muitas críticas doutrinárias, já que diversos autores discutem a autenticidade das decisões proferidas pelos juízes leigos, por estarem desobrigados a fundamentá-las. Fez-se então uma análise do quesito genérico da defesa e suas modificações advindas com a Lei 11789/08, bem como a demonstração de sua compatibilidade com os dispositivos constitucionais.

Ao invés de criticar o atual modelo de quesitação no Tribunal Popular, este trabalho busca demonstrar que, por encontrar amparo na legislação, a quesitação genérica alheia à fundamentação tem uma razão existir.

A partir daí buscou-se amparo nos elementos do Direito Natural para justificar para a desnecessidade de fundamentação. Assim, observou-se desde as primeiras idéias de Direito Natural, até a concepção moderna do mesmo para Jonh Finnis, o qual trouxe a ideia de valores básicos e a razoabilidade prática para alcançar o bem comum. Contudo, a principal contribuição do referido autor foi defender a possibilidade de compatibilizar o direito natural com o direito positivo, afirmando a possibilidade de buscar elementos no Direito Natural quando as normas positivadas se esgotarem.

Portanto, foi sob essa ótica que justificamos a atuação dos jurados no Tribunal do Júri, primeiramente há de se ressaltar que tratam-se de pessoas desprovidas de conhecimentos técnicos, escolhidas para julgar tão somente conforme os fatos apresentados a elas. Essas pessoas, embora não externem as justificativas dos seus veredictos, são conduzidas por seus valores morais e consequentemente encontram-se aptas a discernir o justo do injusto.

Consequentemente, o presente trabalho chega à conclusão de que os jurados são motivados por algo intrínseco a sua própria natureza, por isso que se fala em desnecessidade de motivação legal, pois no íntimo de cada um há uma motivação, a qual encontra-se amparada pelo direito natural, contribuindo diretamente para a efetividade da justiça. Além disso, tais jurados não conhecem as leis, a doutrina e muito menos a jurisprudência para emanar decisões fundamentadas, portanto, o atecnicismo dos mesmos é mais um motivo para justificar a desnecessidade de motivação.

Desse modo, embora o atual instituto do júri no Brasil apresente algumas falhas e defeitos em sua constituição, este deve ser mantido com todas as suas atuais regras, primeiramente por sua função histórica, isto é, para evitar abuso de poder e manter a democracia participativa. Ademais, tal instituição também é um meio de garantir os direitos fundamentais, permitindo aos cidadãos serem julgados pelos seus semelhantes e possibilitando que os anseios de justiça da sociedade sejam representados por pessoas leigas, porém idôneas, escolhidas para compor o Conselho de Sentença.

Por fim, entendemos que a imagem do Tribunal do júri não pode ser denegrida sob a alegação de que as decisões imotivadas dos jurados estão sujeitas a condenação ou absolvição injustas, pois cada um deles trazem em seu íntimo seus sentimentos de justiça e são estes que devem ser levados em consideração. Além disso, a soberania conferida ao júri não é absoluta, porquanto se provado que a decisão for manifestamente contrária a prova dos autos, o acusado poderá ser submetido a um novo julgamento, resguardando, portanto, a dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

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