A gravação de vídeos nos celulares e o dano à imagem

Resumo:


  • No mundo atual, os celulares possuem tecnologia avançada e podem ser utilizados de forma benéfica, mas seu uso indevido pode acarretar prejuízos à vida de terceiros.

  • O Direito de Imagem é garantido pela Constituição Federal e protege a pessoa contra a divulgação não autorizada de sua imagem, sendo um direito fundamental.

  • A exposição ilegal da imagem através de redes sociais, por meio de gravações realizadas por celulares, pode violar direitos e causar danos irreparáveis, sendo necessário atualizar a legislação para lidar com essas situações.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo discorre as respeito das gravações realizadas via celular com intuito nocivo pautado no uso indevido da imagem da vítima e até que ponto esta pode reagir a esse tipo de conduta utilizando o instituto da legítima defesa.

1. INTRODUÇÃO

No mundo em que vivemos atualmente a tecnologia avança cada vez mais quando o assunto é aparelho celular. Esses mesmos equipamentos, na época presente, são capazes de fazer uma série de coisas benéficas para o usuário: acessar a internet rapidamente, filmar, tirar fotos, jogar, acessar o e-mail, bater papo pelas redes sociais, enfim. É justamente pelo fato de poderem fazer tantas coisas, que seu uso em mãos erradas pode acarretar em graves prejuízos à vida de terceiros.

O que se discorre aqui é sobre o recurso da câmera, contida nos aparelhos celulares atuais (também conhecidos como Iphones ou Smartphones), seja esta utilizada para tirar fotos ou para realizar gravações. A tecnologia está sempre evoluindo, mas, sua evolução também causa efeitos negativos em diversos outros setores, podendo ter impacto no comércio, na indústria e, por que não dizer, na vida dos cidadãos.

O Direito, portanto, deve estar em permanente atualização para acompanhar as inovações tecnológicas que vão surgindo no decorrer dos anos. Do mesmo modo, a Lei e o Judiciário devem estar atentos para o modo nocivo em como as pessoas vêm empregando esses recursos.

2. O DIREITO DE IMAGEM NA ATUALIDADE

A Constituição Federal garante a proteção à imagem do cidadão, bem como o direito de resposta proporcional ao agravo que esse direito venha a sofrer, em seu art. 5º, inciso V:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(.....)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem

A imagem, inscrita na Constituição da República como um dos direitos fundamentais, é o controle que é assegurado ao indivíduo sobre o uso de sua aparência para fins de divulgação, seja em comerciais, redes sociais ou através de qualquer meio de comunicação. Em outras palavras, é a própria pessoa natural ou jurídica quem decide onde e como sua imagem poderá ser divulgada.

Em artigo sobre o tema, Olni Lemos Filhos[1], nos relembra que “ 

Trata-se, inclusive de clara exceção prevista no Código Civil de 2002, em seu art. 11 que dispõe: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

3. A EXPOSIÇÃO ILEGAL DA IMAGEM ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS, POR MEIO DE GRAVAÇÃO REALIZADA ATRAVÉS DE APARELHOS CELULARES

Os celulares, hoje, constituem um perigoso meio de divulgação da imagem, sendo certo que qualquer pessoa está exposta a se tornar mais uma vítima de uma gravação ou foto produzidos e/ou divulgados ilegalmente. Ironicamente, a conduta não é praticada por alguém à margem da sociedade, alguém que seja reconhecidamente um criminoso, mas sim, por um cidadão, alguém que, ao contrário do primeiro, está inserido no meio social.

A prática associada à divulgação de fotos e vídeos envolvendo a imagem de uma pessoa, sem sua autorização viola o art. 20 do Código Civil de 2002:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Esse tipo de conduta não é nenhuma novidade, principalmente no mundo dos jovens, onde a divulgação de cenas amadoras de sexo explícito ou de fotos íntimas gera prejuízos (às vezes, irreparáveis) à vida deles. Muitos, em virtude do calor do momento, se deixam fotografar, ou filmar, sem imaginar, depois, que aquelas fotos, ou vídeos serão publicados nas redes sociais, principalmente no whatsapp, o atual vício da população mundial. Muito embora, a Lei em si, já preveja mecanismos judiciais para reparação do dano advindo dessas práticas, nem sempre é possível remover o vídeo ou foto publicados ilegalmente das redes sociais com 100% de eficiência. E, de fato, a reparação pecuniária não se mostra suficiente neste caso, onde a pessoa fica com sua intimidade exposta e reputação prejudicada, muito provavelmente, pelo resto de sua existência, sendo do conhecimento de todos que alguns jovens até cometem suicídio pelos motivos acima elencados.

O caso do momento, cujo vídeo se tornou viral em pouco tempo na internet é o da mulher conhecida como Fabíola, que foi filmada por uma terceira pessoa que estava com seu marido no momento em que este chegou ao motel onde a primeira se encontrava e a flagrou com outro homem.

Durante todo o ocorrido, o autor do vídeo não parou de filmar, no intuito claramente criminoso de expor indevidamente a imagem das vítimas, principalmente a da esposa flagrada. O que se verifica atualmente, é que as pessoas têm hoje um grande poder nas mãos, na forma de um aparelho que possui câmera e que é capaz de expor a vida alheia. Muito embora se admita o fato de que o infrator, juntamente com o responsável pela produção do vídeo serão criminalmente responsabilizados, ainda é frustrante o fato de como o nosso sistema não consegue controlar a viralização de vídeos como esse na internet.

4. A LEGÍTIMA DEFESA CONTRA A EXPOSIÇÃO INDEVIDA DA IMAGEM – ATÉ ONDE SE PODE EXERCÊ-LA

Prevê o art. 25 do Código Penal:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Como se pode notar, nossa Legislação Penal entende o termo agressão, de uma forma geral, podendo ser a mesma de ordem física ou moral. Esta última está enquadrada no caso em estudo.

Até onde, portanto, a vítima poderia exercer o direito à legítima defesa contra uma agressão ao direito de imagem iniciada através de uma câmera de celular? Nossa legislação não informa bem. Apenas nos permite a compreensão de que os meios utilizados devem ser moderados pelo agredido. Mas, em casos como os da Fabíola, por exemplo, seria possível a destruição do aparelho do autor do vídeo, seja por ela ou pela outra vítima envolvida? Acreditamos que sim.

Embora nossa doutrina e jurisprudência apresentem um bom repertório sobre a legítima defesa realizada através de gravação de vídeo, não há posicionamento, ainda (talvez, ante a inexistência de um caso concreto com boa repercussão nesse sentido) sobre legítima defesa exercida contra a tentativa de se gravar um vídeo com conteúdo impróprio, envolvendo a imagem de alguém.

Sem sombra de dúvidas o confisco do aparelho utilizado com animus nocivo à imagem da vítima, assim como sua destruição, sob o ponto de vista ressalvado nesta tese, poderiam ser encarados como formas aceitáveis do exercício da legítima defesa. Ou seja, a tomada do aparelho das mãos do agressor, seguida de seu confisco ou mesmo sua inutilização, sem que isso configure dano patrimonial ou crime de dano (art. 163 do CP).

O motivo para isso é bem simples: destruir gravação que o agressor com certeza irá publicar, evitando assim, que o dano concreto à imagem chegue a ocorrer. Nada mais justo.

Guilherme de Souza Nucci pontua bem a questão da legítima defesa, lecionando que “Valendo-se da legítima defesa, o indivíduo consegue repelir as agressões a direito seu ou de outrem, substituindo a atuação da sociedade ou do Estado, que não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, através dos seus agentes. A ordem jurídica precisa ser mantida, cabendo ao particular assegurá-la de modo eficiente e dinâmico”[2]

O doutrinador abordado acima, nos informa, ainda, que a moderação no exercício da legítima defesa consiste nos meios os quais “são os eficazes e suficientes para repelir a agressão ao direito, causando o menor dano possível ao atacante”[3].

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Partindo-se dessa premissa, entende-se, nesta tese, que o dano provocado pela vítima no exercício da legítima defesa deve ser aquele que, pesado e medido com o dano que o agressor poderia lhe causar, resulte prejuízo de menos gravidade. Exemplificando: o agressor, munido de uma arma de fogo, intenta matar a vítima e esta, por meio de reação, consegue desarmá-lo e, com um golpe bem desferido, deixá-lo inconsciente, cessando a agressão, os limites da legítima defesa estão perfeitamente atendidos. O dano perpetrado pela vítima ao agressor foi menor do que aquele que a primeira poderia vir a sofrer.

Em assim sendo e, comparando a proteção à imagem de uma pessoa à subsistência de um simples aparelho celular, evidentemente, o dano sofrido pelo agressor que teve o dispositivo inutilizado é bem menor do que aquele que a vítima viria a sofrer se o vídeo contido no celular fosse divulgado. Mensurando-se ambos, chega-se a essa conclusão. Se a legítima defesa deve ser suficiente ao ponto de se fazer cessar a agressão, nada mais normal do que o confisco do objeto que se utiliza para gravar ou mesmo sua destruição em casos mais extremos (ex.: reação do agressor e briga entre este e a vítima), principalmente quando a gravação já houver sido iniciada. 

A idéia fundada na interpretação de Nucci sobre o instituto da Legítima Defesa que conclui pelo menor dano possível a ser causado ao agressor, acreditamos, tem um efeito prático que atende aos fins da norma jurídica se devidamente dosada com o dano que a vítima poderia vir a sofrer, acaso a agressão fosse levada adiante. No caso da gravação ilícita por meio de aparelho celular, objeto de nosso estudo, a reação da vítima com subsequente inutilização do aparelho, iniciada a produção do vídeo, enquadraria o agressor na modalidade tentativa.

Todavia, não há em nosso Código Penal, uma disposição específica acerca da gravação feita com esses propósitos. O mais próximo que se pode chegar para tipificar essa conduta é o conteúdo do art. 5º, inciso X da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade do direito à imagem, assim como a indenização civil no caso de esse direito sofrer essa violência, dispositivo este que, porém, não enquadra tal conduta como crime. Sendo assim, como ficaria a questão da legítima defesa, já que não se trata de conduta abarcada pelo Código Penal?

Simples. O art. 25 do Código Penal preceitua que a legítima defesa pode ser dirigida contra ato que tenha por intuito agredir um direito, seja da própria vítima ou de outrem. Não dispõe, no entanto, que esse ato se trate necessariamente de uma conduta tipificada como crime. Existindo a agressão atual ou iminente, o instituto em menção é válido, mesmo quando empregado contra atos que não se traduzam propriamente em conduta delituosa sob a ótica de nossa Legislação Criminal.  

BIBLIOGRAFIA


[1] FILHO, Olni Lemos. A normatização do direito de imagem e suas limitações . In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 108, jan 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12670>. Acesso em dez 2015.

[2] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 222

[3] Nucci, Guilherme de Souza. Ob. cit. p. 229

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Sobre o autor
Filipe Augustus Pereira Guerra

Formado em Direito no ano de 2007 pela Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco; Pós-graduado em Direito Processual pela Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco; Pós-graduado em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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