Uma questão de peso: a responsabilidade dos pais e do Estado nos casos de obesidade infantil

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28/12/2015 às 10:10

Resumo:


  • A obesidade infantil é considerada uma das grandes epidemias do século XXI, causando problemas de saúde física, psicológicos e sociais.

  • A ocorrência da obesidade infantil viola direitos essenciais das crianças, como o direito à vida, à saúde e à alimentação adequada.

  • A responsabilidade pela ocorrência da obesidade infantil pode ser compartilhada entre os pais, que devem garantir uma alimentação saudável, e o Estado, que deve implementar políticas públicas de prevenção e controle da obesidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3.      A obesidade infantil e as responsabilidades do Estado

O Estado também pode ser um dos grandes responsáveis quanto ao problema da obesidade infantil, principalmente, quando se mostra omisso quanto o assunto;   ignorando  princípios, dispositivos constitucionais e instruções do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O princípio da Prioridade Absoluta dispõe que em todo o sistema jurídico os atos administrativos devem ser pensados e analisados em consonância com o Art. 227 da CBRF/88, que elenca “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação”, já o Art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece que:

é dever da família, comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

 Dessa maneira, deve ser garantido com prioridade absoluta pelo Estado o direito a vida e a saúde dessa criança, que são totalmente violados quando a mesma sofre com a obesidade infantil, visto a quantidade exacerbada de doenças que tal problema enseja e, a maneira como a vida plena é depredada.

Outro principio que não é observado pelo Estado quando omisso aos casos de obesidade na infância é o do melhor interesse da criança, segundo Maciel (2011. p. 27), ele é:

orientador tanto para o legislador quanto para o aplicador, determina a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de lei interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo na elaboração de futuras regras. O melhor interesse não é o que o julgador entende que é melhor para a criança, mas sim o que objetivamente atende a dignidade à sua dignidade como criança, aos seus direitos fundamentais em maior grau possível.

Assim, quando o Estado não assegura objetivamente o melhor interesse dessa criança, que é uma vida plena e saudável, está sendo displicente, pois, deveria garantir politicas públicas eficientes para o combate da obesidade, além de salvaguardar os direitos fundamentais, em especial o da Dignidade da Pessoa Humana que é violado quando o infante sofre com a obesidade e os problemas que ela acarreta na saúde, no psicológico e no pleno desenvolvimento social. O Art. 7 do  Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 explicita que a criança e o adolescente têm direito “ a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”

Já no Art. 11 do ECA/90  é assegurado o atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde,  segundo a OMS , a saúde representa um estado completo de bem estar físico , mental e social, não apenas a ausência de doenças; o direito a saúde é um dos mais importantes que existem.

A ausência de alimentação enseja em problemas gravíssimos a saúde e até a morte, nesse sentido o governo criou programas como o Fome Zero e o Bolsa Família para prevenir a fome e a miséria; sendo a obesidade um problema de alimentação e de saúde, seria possível , por analogia, exigir-se que o Estado também criasse  programas para a prevenção e erradicação da obesidade.

Países como os Estados Unidos, esclarece Harmon (2014), em que o problema da obesidade afeta 1/3 dos adultos e 17% das crianças com mais de cinco anos e adolescentes, já veem tomando atitudes para tentar solucionar a obesidade infantil. Um exemplo é certa lei que obriga a melhoria da qualidade dos alimentos servidos nas escolas; o projeto vai ampliar o número de refeições nas escolas. Embora questões de obesidade infantil e da fome possam parecer contraditórias, "são faces da mesma moeda", diz Jim Mc Govern ao The New York Times. "Alimentos hipercalóricos são mais baratos que os frescos e nutritivos". Aumentar as verbas para as escolas deve ajudar a preparar opções de refeições mais saudáveis para os alunos.

No Brasil a situação já é alarmante e o Estado não toma atitudes ativas visando prevenir e evitar os casos de obesidade, a nossa legislação que trata da instituição dos programas de tratamento e prevenção a obesidade, nelas os procedimentos metodológicos para alcançar os objetivos propostos não são detalhados, referindo-se somente, em alguns casos, a palestras e folhetos informativos. De modo geral, deixa-se a cargo das Secretarias de Educação, Cultura ou Saúde estabelecerem as atividades que serão realizadas. Segundo, Rigo e Santolin (2012. p. 3), na legislação brasileira:

apenas duas leis sugerem o convite, especificamente, de membros da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Associação Brasileira de Estudos para a Obesidade (ABESO) para a participação na definição de tais procedimentos. Além disso, quinze das leis consultadas foram emitidas para garantir o direito à cirurgia bariátrica, aos medicamentos, à orientação nutricional e ao tratamento. Constata-se, com isso, não só uma grande influência política de certas classes profissionais, mas, principalmente, uma tendência jurídica e social de "instigação ao tratamento[3]  .

Outro aspecto a ser elencado é à falta de regulamentação no marketing e nas propagandas das empresas fabricantes de alimentos com baixo teor nutricional. Essas grandes empresas, na sua grande maioria, vendem alimentos que fazem mal a saúde, permeados de açúcar, sal e corantes; tais marcas, visando apenas o lucro, associam personagens infantis famosos ao alimento ou dão brindes, o que leva ao desejo do consumo por parte das crianças, que são considerados como consumidores hipossuficientes ou vulneráveis. No Brasil, o estudo de Fischer (2005. p. 5) avaliou a veiculação de propagandas durante a programação matutina, vespertina e noturna de três canais abertos, durante 30 dias.

Nesse período, das 840 propagandas de alimentos veiculadas, 47,3% pertenciam ao grupo dos açúcares e doces, seguido por óleos e gorduras (19,3%), pães, cereais, raízes e tubérculos (7,9%), leite e derivados (7,3%) e carnes (1,8%). Grande par­te era direcionada ao público infantil e adolescente. Além disso, não foram registrados anúncios de frutas e vegetais

Inúmeros são os projetos de lei propostos com intuito de coibir a vinculação dessas propagandas e da associação de brindes e brinquedos a alimentos não saudáveis; como os projetos de lei 1096/2011 e 193/2008 que foram aprovados em 18 de dezembro de 2012. Como informa a Assembleia Legislativa Paulista, o primeiro é de autoria do deputado estadual Alex Manente (PPS) e possui o intuito de proibir a venda de alimentos acompanhados de brinquedos ou de brindes no Estado de São Paulo. O segundo, é de autoria do deputado Rui Falcão (PT), visava à regulamentação a publicidade dirigida a crianças de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio, em que nenhuma propaganda do tipo poderia acontecer entre 6h e 21h em rádios ou canais de televisão, e em nenhum horário nas escolas públicas ou privadas, além de proibir a utilização de celebridades ou personagens infantis na comunicação, assim como a associação com brindes ou brinquedos colecionáveis.

No entanto, tais projetos foram vetados pelo governador Geraldo Alckmin, o que apenas demonstra o poderio de tais empresas e a ineficiência do Estado em coibir a obesidade infantil.

O Estado, entretanto, deveria tomar atitudes mais ativas no combate à obesidade, tais como: a fiscalização nas merendas escolares, pois, estas devem ser saudáveis; o incentivo ao consumo de alimentação adequada; além de promover uma nova cultura de educação das crianças para comerem de maneira correta; deve-se incentivar programas de educação física e estimular a prática de esportes nas escolas, parques e praças; coibir a proliferação de propagandas que influenciam o consumo de alimentos calóricos, nada nutritivos e permeados de sódio e açucares e, que são associados a personagens famosos ou dão as crianças brindes ou brinquedos. Dessa maneira, com a prática de políticas públicas eficientes, o Estado pode amenizar e prevenir a endemia da obesidade infantil.


4.      Considerações finais

A obesidade infantil é um fenômeno complexo possuindo inúmeros fatores causadores como; os genéticos, o meio ambiente ao qual a criança está inserida, o comportamento familiar e os psicossociais.

Dessa maneira, faz-se necessário para a sua prevenção e tratamento uma ação integrada entre o Estado, os pais e a sociedade. Não existindo a possibilidade de responsabilizar apenas uma das partes, visto que a obesidade é uma endemia multifatorial.

Para sua prevenção e tratamento os pais devem tomar inúmeras atitudes como: desde o pré-natal a mãe deve ficar atenta aos alimentos ingeridos; o aleitamento também é de suma importância para que essa criança não desenvolva a obesidade; os pais possuem a responsabilidade de incentivar o hábito de uma alimentação saudável, limitando o consumo de alimentos ricos em açucares, sódio e gordura; impedindo que a criança faça suas refeições em frente à televisão ou que ela seja exposta a propagandas de alimentos que causem malefícios a saúde.

Outro aspecto importante é que esses pais devem procurar um estilo de vida mais saudável, prevenindo o ganho excessivo de peso e incentivando a prática de atividades físicas.  Quando o quadro de obesidade já estiver sido instalado, os genitores são responsáveis por buscar tratamento médico para essa criança, cumprindo as orientações dos nutricionistas e pediatras.

Já o Estado deve tomar atitudes como: incentivar a prática de atividades físicas, controlar os alimentos distribuídos nas escolas, instaurar programas eficientes para a prevenção da obesidade, inspecionar as propagandas de alimentos vinculados ao consumo infantil, impedir associação de brinquedos e brindes a alimentos prejudiciais a saúde, investir no tratamento da obesidade , entre outras possíveis modos de prevenção e erradicação desse problema tão grave.

É cada vez maior o número de crianças obesas no mundo, sendo esta considerada como uma das maiores endemias do século XXI pode causar consequências imediatas e irreversíveis; portanto, para que ocorra a sua prevenção e tratamento deve o Estado, os pais e a sociedade atuarem no seu combate de maneira integrada e participativa unindo esforços para diminuir os dados alarmantes de tal questão.


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[1] Acadêmica do quinto período matutino do curso de Direito da Faculdade Santo Agostinho. Integrante  do Programa Especial de Tutoria (PET)   , tutora do Programa de Tutoria Acadêmica (PROTASA)   , participa do Projeto Consumidor Consciente, do Grupo de Estudos “Observatório Jurisprudencial” e do Programa Oficina de Prática Jurídica. 

E-mail : [email protected] .

{C}[2]{C} Termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetitivas praticados por um único  indivíduo ou por um grupo . Sobre o bullying,  Gomes (2013 ), elenca que seus efeitos na vida das crianças são negativos, tornando-as deprimidas, antissociais, tendendo a não se relacionar bem com os demais, e em casos extremos, chegam a desenvolver patologias psicológicas mais graves, que acabam levando-as a atitudes de extrema violência.

[3] Leis 3.666/02; 3.519/06 (JUSBRASIL, 2011).

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Sobre a autora
Betânia Gusmão Mendes

Advogada sócia do escritório Mota & Gusmão. Graduada em Direito pelas Faculdades Santo Agostinho, Montes Claros- MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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