RESUMO
A desconsideração da pessoa jurídica é instituto oriundo do direito anglo saxônico foi desenvolvido através da doutrina e jurisprudência, em análise de casos concretos onde a pessoa jurídica foi utilizada com intuito de prejudicar terceiros, tal teoria tem alcance em diversos ramos do direito, como objeto de estudo analisaremos sua incidência no direito civil. A desconsideração da pessoa jurídica é usada excepcionalmente quando fica comprovado o mau uso da pessoa jurídica, quando se vale do véu da pessoa jurídica com intuito de burlar a lei, causar prejuízo a terceiros e neste caso somente neste caso é desconsiderado o ato fraudulento cometido em nome da pessoa jurídica. Será tratado inicialmente a pessoa jurídica, sua constituição, extinção, dando ênfase a autonomia patrimonial. Posteriormente será analisada a desconsideração da personalidade jurídica em si pautando-se no contexto histórico, de como foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio, as teorias maior e menor que fundamentam este instituto bem como os pressupostos necessários para que possa ser invocada esta teoria. Outro aspecto a ser abordado é a desconsideração inversa da pessoa jurídica, sua aplicabilidade em analogia ao artigo 50 do Código Civil e sua positivação no novo Código de Processo Civil. Por fim defende-se a eficácia deste instituto, visto que tem o objetivo de proteger a pessoa jurídica que é imprescindível para o desenvolvimento econômico e social, assim como reparar danos causados a terceiros pelo mau uso da pessoa jurídica.
Palavras-chave: Pessoa Jurídica, Autonomia Patrimonial, Desconsideração, Desconsideração da Pessoa Jurídica.
abstract
The disregard of the legal entity is a convention deriving from the Anglo Saxon law, and it was developed through the doctrine and jurisprudence, by investigating concrete cases, where the legal entity was used in order to cause damage to third parties. Such a theory has a scope in several branches of law, and the purpose of this study is to investigate its incidence on civil law. The disregard of the legal entity is exceptionally used when it is proved that the legal entity is misused, using its veil with the purpose of violating the law, causing damage to third parties, and only in this case the fraudulent act committed on behalf of the legal entity is disregarded. Initially the legal entity, its constitution, extinction will be addressed emphasizing the patrimonial autonomy. Subsequently, we will analyze the disregard of the legal personality itself, by guiding it in the historical context, how it was introduced in the Brazilian legal order, and in the major and minor theories that underlie this institute, as well as the assumptions necessary to invoke this theory. Another aspect to be addressed is the reverse disregard of the legal entity, its applicability in analogy to the Article 50 of the Civil Code and its confirmation in the new Civil Code of Procedures. Finally, the effectiveness of this institute is defended, since its purpose is to protect the legal entity, which is essential for economic and social development, as well as to repair the damage caused to third parties resulting from the misuse of the legal entity.
Key words: Legal entity, Balance autonomy, Disregard, Disregard of Legal Entities.
lista de abreviaturas e siglas
Art. – Artigo
CC. – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CPC – Código de Processo Civil
CPP – Código de Processo Penal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
sumário
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10
2 PERSONALIDADE JURIDICA................................................................................ 12
2.1 Aspecto Históricos................................................................................................. 12
2.1.1 Constituição da Pessoa Jurídica......................................................................... 14
2.1.2 Extinção da Pessoa Jurídica................................................................................. 20
2.1.3 Espécies de Pessoa Jurídica................................................................................ 21
3 DESCONSIDERAÇÃO.............................................................................................. 26
3.1 Aspectos Gerais....................................................................................................... 26
3.2 Desconsideração no Direito Civil...................................................................... 29
3.2.1 Teoria Maior................................................................................................................. 40
3.2.2 Teoria Menor............................................................................................................... 45
4 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA............................................................................ 48
4.1 Desconsideração Inversa e o Direito de Família – Dissolução Afetiva... 52
4.2 Desconsideração inversa e o direito de família – Ação de alimento......... 57
4.3 Desconsideração da pessoa jurídica no novo cpc.......................................... 60
5 CONCLUSÃO.............................................................................................................. 62
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 65
1 INTRODUÇÃO
A presente monografia tem o intuito de trazer a discussão em torno da aplicabilidade e eficácia da desconsideração da personalidade jurídica, a “disregard doctrine”, como também é conhecida, tal teoria é oriunda do direito anglo saxônico, ela é resultado de analise de casos concretos de julgados em torno da utilização da pessoa jurídica. Tem por escopo coibir o mau uso da pessoa jurídica.
A desconsideração da pessoa jurídica também é aplicada em nosso ordenamento jurídico, Rubens Requião, jurista foi quem a trouxe para o nosso ordenamento pátrio, sendo recepcionada posteriormente no Código de Defesa do Consumidor, Lei Ambiental, Novo Código Civil de 2002, no artigo 50.
Este instituto, a desconsideração da pessoa jurídica tem um amplo campo de atuação, pode ser aplicada em demandas tributárias, trabalhistas, ambientais, mas como objeto de estudo analisaremos a desconsideração da pessoa jurídica no ramo do direito civil, onde pode ser utilizada em demanda de dissolução de sociedade afetiva, execução e revisão de alimentos por exemplo.
Um dos fatores que contribui para o desenvolvimento econômico social foi o surgimento das pessoas jurídicas e a grande característica desta é a autonomia patrimonial e muitas vezes a autonomia patrimonial é usada como meio de cometer atos ilícitos.
A manobra utilizada quando querem fraudar credores é esvaziar todo o patrimônio pessoal em uma pessoa jurídica para que este não seja atingido, utilizando-se da prerrogativa da autonomia patrimonial.
E nestes casos a desconsideração da personalidade jurídica é uma ferramenta eficaz para reparar tais danos, onde ocorre enriquecimento ilícito em detrimento de outrem.
O direito não pode ser apenas um conjunto de normas dissociado do desenvolvimento social. Pelo contrario as normas jurídicas devem andar lado a lado com a evolução humana para que seja capaz de resolver os conflitos sociais com eficácia.
E o instituto da desconsideração jurídica tem condições de reparar danos causados pelo mau uso da pessoa jurídica.
Diante da situação acima elencada, houve interesse em tratar deste assunto neste trabalho de conclusão de curso. Visto que, a obrigação e dever de todo operador do direito são sempre ir à busca da justiça.
Deve-se combater o enriquecimento ilícito que ocorre com a confusão patrimonial, com o abuso de poder na utilização de uma pessoa jurídica e a desconsideração da pessoa jurídica é uma ferramenta eficaz para reparar estes danos.
Entretanto, tal recurso ainda é pouco conhecido no cenário jurídico nacional, há pouca discussão acadêmica em torno do assunto, diminuindo a sua aplicabilidade.
Portanto, este trabalho tem a intenção de difundir mais essa teoria, demonstrando casos em que pode ser aplicada e sua eficácia. Para tanto, a pesquisa será desenvolvida através de pesquisa bibliográfica, em livros, doutrinas e jurisprudência que tratam do assunto.
Será desenvolvido o trabalho em 04 capítulos, no capitulo primeiro será exposto à temática do trabalho, casos em que pode ser utilizada a desconsideração da pessoa jurídica, ramos do direito em que pode ser aplicado e a importância deste instituto para coibir atos ilícitos através do mau uso da pessoa jurídica.
No segundo capitulo será explorado a pessoa jurídica em si, seu surgimento, contexto histórico, requisitos para sua constituição e extinção. Assim como a importância da pessoa jurídica para o desenvolvimento econômico das sociedades e os tipos societários existentes.
No terceiro capitulo abordaremos o instituto da desconsideração, aspectos gerais, seu surgimento através da doutrina e jurisprudência. Será enfatizada a aplicabilidade e consequência deste instituto, dando maior relevância na seara do direito civil. Tal como será explicitado o desenvolvimento da desconsideração no direito pátrio e as teorias maior e menor que deram embasamento para este instituto jurídico.
No derradeiro capitulo abordaremos o uso da desconsideração da pessoa jurídica, na modalidade inversa, suas características, situações onde a mesma pode ocorrer e em quais tipos de ações pode ser aplicada e sua positivação no novo Código de Processo Civil.
2 PERSONALIDADE JURÍDICA
- Aspectos Históricos
Antes de falarmos propriamente da pessoa jurídica, cabe nos atentar sobre o aspecto histórico da mesma.
Não se sabe ao certo onde surgiu o conceito Personalidade Jurídica, para o doutrinador civilista Jean Carbonnier, teria surgido nos estudos dos romanistas, medievais e no direito romano, passando a ter consistência no final do século XVIII (1996, p.356).
Para o professor Ponte de Miranda, a concepção de pessoa jurídica iniciou no Império Romano (1999, p.349).
Estudos apontam que provavelmente tenha surgido na Idade Média, na época do feudalismo.
Ao lado dos senhores feudais, apenas a Igreja Católica detinha o poder de ter posses de terras, prédios, porém tais posses não pertenciam ao clero e sim e tão somente a Igreja. (www.tex.pro.br/home/artigos/96, acesso em: 29/10/2015)
Neste sentido o doutrinador Coelho pondera: “naquele tempo, o direito canônico separava a Igreja, como corporação, de seus membros (os clérigos), afirmando que aquela tem existência permanente, que transcende a vida transitória dos padres e bispos”. (COELHO, 2003, p.230.).
Os senhores feudais e a igreja católica organizaram as cruzadas para obter mais posses. Só que em meio às cruzadas os cavaleiros começaram a conquistar territórios e tanto os senhores feudais quanto o clero pararam de patrocinar tal movimento.
E é neste contexto que surge um esboço da pessoa jurídica onde pessoas naturais adquirem posses e do movimento das cruzadas que surgem as corporações de oficio, onde é sendo possível admitir a existência de sujeitos de direitos distinto da pessoa humana.
O desenvolvimento da pessoa jurídica ao longo do tempo desenvolveu-se pelo binômio universalidade e unidade.
No campo da universalidade, os bens eram universais, ou seja, o individuo que fazia parte de uma determinada entidade não detinha autonomia alguma dos bens pertencentes daquela entidade. Ao passo que no campo da unidade a entidade já gozava de autonomia patrimonial
Influenciaram o desenvolvimento da pessoa jurídica os direitos romano, germânico e canônico.
Embora o direito romano tenha influenciado a evolução da pessoa jurídica, estes só tiveram conhecimento de pessoa jurídica no direito pós-clássico. Que é quando são desvinculadas as pessoas naturais das pessoas jurídicas. (www.tex.pro.br/home/artigos/96,acesso em 29/10/2015).
Pois os romanos não consideravam que bens pertencentes a mais de uma pessoa não constituía uma corporação. O patrimônio passou a fazer parte da entidade distinguindo dos indivíduos pertencentes a ela. Para o professor Silvio Venosa:
[...] se admite uma entidade abstrato, com direitos e obrigações ao lado da pessoa física. Já no direito clássico, os romanos passaram a encarar o Estado, em sua existência, como um ente abstrato, denominando os textos de populus romanis (VENENOSA, 2001, p.201).
Para os romanos existiam duas categorias de pessoa jurídica: as universitates personarum e as universitates rerum.
A universitates personarum a pessoa jurídica constitui personalidade e patrimônio próprios, independentes de seus integrantes. Já na segunda categoria, universitates rerum a pessoa jurídica era constituída por fundações com bens de finalidade especificas.
No direito germânico o desenvolvimento da pessoa jurídica foi de forma mais lenta, mas não ocorreu de forma diferente passou também pelos conceitos da universalidade para a unidade.
Já no direito canônico todos os bens pertencentes à igreja passaram a ser tratado como entidade autônoma, surge então o conceito de fundação autônoma.
2.1.1 Constituição da Pessoa Jurídica
Sobre a constituição da Personalidade Jurídica, cabe fazer uma diferenciação entre algumas nomenclaturas como a distinção entre humano, pessoa e personalidade.
O ser humano é um conceito biológico, o que difere o homem dos outros animais, mas não confere a estes direitos e deveres. Já o termo pessoa é revestido de direitos e deveres, é um ser que é dotado de titularidade de direitos. Pessoa pode ser física ou jurídica.
Para o professor Fabio Konder Comparato “pessoa esta indissoluvelmente, ligado ao de subjetividade jurídica. Negar a existência de direitos subjetivos implica logicamente a negação do conceito jurídico de pessoa” (1977, p.250).
Professor Pontes de Miranda conceitua pessoa como “pessoa é o titular de direito, o sujeito de direito” (1972,p.209).
Já pessoa jurídica é um ente abstrato constituído pelo homem com um fim comum que adquire personalidade.
Diz o professor Marçal Justen Filho:
A personificação societária envolve uma sanção positiva prevista pelo ordenamento jurídico. Trata-se de uma técnica de incentivação, pela qual o direito busca conduzir e influenciar a conduta dos integrantes da comunidade jurídica. A concentração de riqueza e a conjugação de esforços inter-humanos afiguram-se um resultado desejável não em si mesmo, mas como meio de atingir outros valores e ideais comunitários. O progresso cultural e econômico propiciado pela união e pela soma de esforços humanos interessa não apenas aos particulares como ao próprio Estado (1987, p.49).
A questão da personalidade é distinta entre pessoa física ou natural e pessoa jurídica, a pessoa física adquire personalidade ao nascer com vida, no primeiro sopro de vida adquire personalidade, contraindo direitos e obrigações e extingue a com a morte natural ou não.
Já a pessoa jurídica adquire personalidade com o registro da mesma nos órgãos competentes de acordo com sua finalidade e a extingue por livre iniciativa de seus constituintes ou por força de lei.
Para constituição da pessoa jurídica precisa de três pressupostos: a vontade humana, precisa que se tenha a vontade, “o animus” para que pessoas físicas se unam para constituir uma sociedade, e esta sociedade terá um corpo societário próprio separado daqueles que compõe a sociedade.
Entretanto apenas a vontade de constituir uma sociedade não cria uma pessoa jurídica, além da vontade é preciso preencher os requisitos legais que são exigidos no ato constitutivo e que essa sociedade tenha uma finalidade licita. Após essas três fases há constituição da pessoa jurídica e a partir deste momento a ela são constituídos deveres e direitos.
Segundo o doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, as pessoas jurídicas surgem “ora como conjunto de pessoas, ora como destinação patrimonial, com aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações” (VENOSA, 2004, p. 253).
Já a doutrinadora Maria Helena Diniz define a pessoa jurídica como “unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações” (DINIZ, 2012, p. 264).
Para o doutrinador Pablo Stolze Gagliano, a pessoa jurídica consiste no “grupo humano, criado na forma da lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins comuns” (GAGLIANO, 2012, p. 228).
Para determinar a natureza jurídica da pessoa jurídica surgiram várias teorias dentre elas: a teoria da ficção legal, teoria da pessoa jurídica como realidade objetiva, teoria da pessoa jurídica como realidade técnica e a teoria da instituição.
A teoria da ficção legal é defendida pelos adeptos do positivismo, nesta teoria a pessoa jurídica seria decorrente da lei e não de existência real, e visa atender os interesses das pessoas. Nesta teoria a Pessoa Jurídica é uma criação do direito, é criado por lei ou norma. “Fora da previsão legal correspondente, não se as encontram em nenhum lugar” (COELHO, 2011, p.26).
Para o doutrinador Hans Kelsen não há diferença entre pessoa física ou jurídica, pois ambas são conceitos auxiliares da ciência do direito (1998, p. 193).
Já a teoria da pessoa jurídica como realidade objetiva é proveniente do direito germânico são entes reais de autonomia própria e criados pelas sociedades. A teoria realista objetiva preconiza que a pessoa jurídica existe por fatos, pela realidade, independente de norma sendo que o direito não cria a pessoa jurídica apenas reconhece que este ente abstrato existe.
Neste diapasão o professor Silvio Rodrigues diz:
O Estado, as associações, as sociedades existem. Uma vez que existem, não se pode concebê-los a não ser como titulares de direitos. A circunstância de serem titulares de direito demonstra que sua existência não é fictícia, mas real. Apenas, tal realidade é meramente técnica, pois, no substrato, visa a satisfação dos interesses humanos (2003,p.88).
A terceira teoria visa atender os interesses humanos, sua existência é real. A teoria da instituição preconiza que a pessoa jurídica existe no momento em que constitui a instituição. Para essa teoria a pessoa jurídica não é constituída pelo homem individualmente, mas tão somente através de instituição.
No que tange a concepção da pessoa jurídica como ente personificado podemos pontuar que com o desenvolvimento social com o crescimento mercantil as pessoas sozinhas não estavam mais dando conta de suprir suas necessidades. Surgindo então a união de pessoais com uma finalidade comum, tendo assim novos entes.
Surgem as sociedades, chamadas sociedadesem comum regidas pelos artigos 986 a 990 do Código Civil. “Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capitulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples”. Estas não gozam de personificação, pois não tem seus atos constitutivos registrados como veremos mais para frente que somente com este ato confere personalidade.
O Estado tomando conta da importância dessas associações de pessoas ou bens para o desenvolvimento econômico conferiu a essas associações, direitos e deveres concedendo a mesma personalidade jurídica, após as formalidades exigidas.
Visto que a confecção do contrato social não implica na aquisição da pessoa jurídica, só terá personalidade jurídica após a inscrição desta sociedade nos órgãos competentes.
Referindo-se a pessoa jurídica no ordenamento pátrio até 1903 não havia menção deste instituto. Somente no decreto nº 1102 de 21 de novembro de 1903, que traz regras para as empresas de armazéns gerais e surge o termo pessoa jurídica no Brasil.
Posteriormente com o decreto 1637 em 1907 são constituídos personalidade jurídica aos sindicatos, já no Código Civil de 1916 o assunto foi abordado nos artigos 16 e 20 e amplamente foi discutido tal assunto apenas no Código Civil de 2002.
O inicio da personificação da pessoa jurídica no direito brasileiro é através do ato constitutivo da empresa, ou seja, não basta criar à empresa a é preciso registrar no respectivo órgão competente para que seja personificada.
No ordenamento jurídico pátrio temos a previsão da constituição da personalidade jurídica no artigo 45 do Código Civil.
Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Conquanto, diferente da pessoa jurídica natural que adquire personalidade ao nascer, a pessoa jurídica além da manifestação da vontade é preciso registrar seu ato constitutivo, e a lei dirá que tipo de formalidade deverá ser adotado para cada tipo de pessoa jurídica.
Comparando mais uma vez a personalidade da pessoa física ou natural que tem seu assentamento feito no registro de pessoas naturais e constará nome, filiação, nacionalidade, ao fazer o registro da pessoa jurídica também constará todos os atos constitutivos da mesma.
Encontra-se previsão legal do registro do ato constitutivo no artigo 46 do Código Civil. Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.
Quando uma sociedade empresária faz o registro no órgão constitutivo competente traz direito, obrigações que serão regulamentados de acordo com a sociedade estabelecida, isto é, obrigações serão determinadas de acordo com o tipo de sociedade escolhido.
Em alguns casos é possível escolher que tipo de sociedade quer desenvolver em outros casos não, dependendo do tipo de empreendimento a ser desenvolvido o ordenamento jurídico impõe o tipo societário que deve ser aberta, como no caso da exploração de Bolsa de valores, que a lei impõe que a sociedade a ser aberta é sociedade por ações.
Tendo a pessoa jurídica objeto licito, sua constituição válida preenchidos todos os campos exigidos por lei tem se a criação da pessoa jurídica, sendo possuidoras de deveres e direitos.
Personalidade jurídica não é inerente ao homem assim como a personalidade conferida a pessoa natural que ao nascer respira já a recebe. Pessoa Jurídica precisa ser constituída por pessoas a partir da manifestação de vontade e registrada conforme pede a lei.
E a partir do momento que as cria o Estado lhe confere direito e deveres, tornando um ente abstrato personalizado possuidor de direitos e deveres.
Porém estes direitos e deveres são da própria pessoa jurídica constituída e não dos membros que as constitui, temos ai o que a maioria da doutrina denomina “véu da personalidade jurídica”, não podendo confundir as pessoas que compõe a pessoa jurídica com a entidade criada.
Em outras palavras, quando constituída a pessoa jurídica, é possível revestir-se a união de pessoas ou bens e torna-las em um só ente detentor de direitos e deveres, entretanto, os direitos e deveres são da pessoa jurídica constituída e não dos seus sócios. Não se confunde a massa de bens ou pessoas que as compõe com a pessoa jurídica constituída.
Este instituto, da autonomia patrimonial, já tinha previsão no Código Civil de 1916. “Art. 20- As pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros”.
Visto a importância das sociedades no desenvolvimento econômico o Estado privilegiou as pessoas jurídicas com a possibilidade da autonomia patrimonial, visto que a constituição de uma sociedade pressupõe a constituição de um patrimônio para esta. “A existência do patrimônio separado é uma criação do direito positivo, de modo que só a lei pode determinar ou autorizar tal separação” (MIRANDA, Francisco, 1995,p.344).
A autonomia patrimonial é uma segurança para quem quer investir no seu negócio próprio, para quem quer fomentar a economia, gerar renda e emprego e é necessário ter uma garantia caso de errado a empreitada empresarial não correria o risco de perder todo seu patrimônio. Tendo a separação dos bens particulares de quem constitui essa empresa.
Neste sentido o professor Joaquim P. Muniz diz a respeito da autonomia patrimonial:
Os sócios preferem organizar suas empresas na forma da sociedade limitada porque, caso a sociedade não tenha recurso para cumprir com todas as suas obrigações pecuniárias, os credores não poderão recorrer ao patrimônio pessoal dos sócios para saldar as dividas sociais. Em outras palavras, os credores assumem o risco do não pagamento de seus créditos, em caso de insolvência da sociedade. (...)
As empresas empregam recursos na criação de novos produtos e na conquista de novos mercados em vista da garantia legal de que se o empreendimento não tiver sucesso, seus sócios perderão apenas o capital investido. Caso os sócios corressem o risco de responder, com seu patrimônio pessoal, pelas incorridas em virtude de investimentos em novos negócios, as empresas seriam orientadas a ter estratégias muito mais conservadoras (2003,p.123).
Se por um lado a autonomia patrimonial é uma segurança e até mesmo um bônus aquele que fomenta a economia constituindo novas empresas, há quem se se utiliza deste instituto com má fé, abusando, desvirtuando a finalidade da pessoa jurídica para se valer do instituto da autonomia da pessoa jurídica.
Com os abusos, com o desvio de finalidade verifica-se a crise da personalidade jurídica onde se usa esse instituto com a finalidade de lesar patrimonialmente outrem. Entretanto, mesmo com essa “crise” não há o que se falar em destituir a autonomia patrimonial. Visto a grande importância das sociedades empresarias no cenário econômico.
Diante da importância da autonomia patrimonial para efetivação das empresas que tanto contribuem para o desenvolvimento social como um todo, é pacifico o posicionamento de toda doutrina e jurisprudência no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser exceção e não regra.
E usada apenas em casos específicos preenchidos os requisitos para que se desfaça a autonomia patrimonial, comprovado para tanto que a pessoa jurídica foi usada para prejudicar outrem.
Deve- se sempre prestigiar e incentivar novas sociedades empresariais. No entanto, o Estado, não pode fica a mercê de pessoas que se utilizam da autonomia patrimonial para cometer fraude.
Neste sentido podemos salientar o que diz a doutrinadora Suzy Elizabeth Cavalcante:
Todavia, a separação patrimonial, bem como a limitação de responsabilidade, não pode ser elevada a dogmas, pois a personificação só se se legitima enquanto servir aos propósitos para os quais foi concebida, surgindo assim, a necessidade de desconsiderar-se tal personalidade sempre foi utilizada com intuitos diversos (...)(1995, p.13).
Reafirmamos mais uma vez que a separação patrimonial só é válida quando a pessoa jurídica é utilizada de acordo com os fins específicos, não há porque manter a separação patrimonial quando a finalidade da mesma é para fins escusos.
2.1.2 Extinção da Pessoa Jurídica
Já sua extinção ocorre tanto na pessoa jurídica de direito publico quanto privado. As pessoas jurídicas de direito privado extinguem-se por norma, por lei, por tratados ou pela ocorrência de fatos históricos.
A extinção da pessoa jurídica pode ser por via judicial ou extrajudicial, compreendendo a extinção nas seguintes fases: dissolução, liquidação ou partilha.
A dissolução da sociedade empresária pode ser total ou parcial. Considera-se total quando seus sócios não têm mais interesse em levar a diante a empresa, portanto, neste caso, levantam-se os dividendos e os lucros desta sociedade e cada sócio fica com a parte que lhe cabe. Neste caso extingue-se a pessoa jurídica desta sociedade e põe fim nas obrigações e deveres da mesma.
A dissolução parcial é quando apenas um sócio ou uma parte dos sócios querem sair da sociedade e o outro sócio ou sócios permanecem, então faz se o mesmo procedimento o sócio ou sócios remanescentes dão continuidade a sociedade empresaria, ou seja não extingue a pessoa jurídica, o que ocorre é a ruptura do contrato social original.
A liquidação consiste em ser o procedimento que ocorre após a dissolução da empresa é o levantamento do ativo, e a quitação do passivo. Simplificadamente seria levantar todo o credito da empresa e quitar todas as dividas.
A partilha é a derradeira fase é quando os sócios recebem cada qual de acordo com a sua participação a parte que lhe cabe.
Quando se findam as pessoas jurídicas de direito privado os bens pertencentes a essa pessoa jurídica são divididos entre os sócios constituídos. No que tange às pessoas jurídicas que não tem fins lucrativos deve ser observado o que preconiza seu estatuto constitutivo, no caso de omissão seguir o artigo 61, paragrafo 2º do Código Civil.
Entretanto, a extinção da pessoa jurídica não se da de uma hora para outra, ao bel prazer dos seus constituintes, extingue-se a pessoa jurídica depois da liquidação da mesma, pagando todos os débitos pertencentes, previsão legal nos artigos 51 e 1102 ambos do Código Civil.
A Lei 6.404 de 1976 nos artigos 219 e 216 norteia quais as formas de extinção de uma pessoa jurídica.
I - pelo encerramento da liquidação. Pago o passivo e rateado o ativo remanescente, o liquidante fará a prestação de contas.
II - pela incorporação, fusão ou cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades.
Simplificando, a extinção da pessoa jurídica assim como sua constituição requer seguir normas, tanto na sua constituição quanto sua extinção não pode ser feita sem a observância do que determina a lei a todo um procedimento que deve ser observado e a consequência da extinção da mesma é o fim da personalidade jurídica e consequentemente a extinção dos direitos e obrigações da mesma.
2.1.3 Espécies de Pessoa Jurídica.
Quanto à classificação da pessoa jurídica de acordo com o artigo 40 do Código Civil classifica-se em pessoa jurídica de direito público e de direito privado.
Para efeito de objeto de estudo no que tange a desconsideração da personalidade jurídica atentaremos as pessoas jurídicas de direito privado particular.
Visto que a desconsideração da personalidade jurídica é possível apenas em situações de empresas em que a responsabilidade dos sócios ou administradores for limitada.
São pessoas jurídicas de direito privado: as associações, as sociedades, fundações, as organizações religiosas, partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada, de acordo com o artigo 44 do Código Civil vigente.
As associações são compostas por pessoas físicas sem cunho lucrativo e sua finalidade pode ser variada, pode haver associações culturais, educacionais, politicas. São pessoas que se reúnem com objetivo especifico, mas não esperam lucro desta associação. Agregam-se não para a produção de algo, mas para proteção de interesses de determinados grupos.
As associações tem previsão legal no artigo 5º, XVII da Constituição Federal, sendo plena a constituição de associações para fins lícitos. (BRASIL. Constituição (1988)).
No que se refere-se a lucros nas associações requer dizer que a função e objetivos desta não é gerar renda, entretanto, as mesmas auferem ganhos para sua mantença, conforme palavras do professor Francisco de Assis Alves:
Isso não significa dizer que as associações não aufiram ganhos, sendo natural que desenvolvam alguma atividade lucrativa para manutenção e reinvestimento na própria associação, porque só esta vedada a distribuição de resultados econômicos entre associados” (COSTA,1988.1992,p.199).
Segundo o doutrinador Paulo Nader,
“Tais fonte de renda são essenciais para a subsistência e aprimoramento da corporação, destinando seus resultados ao pagamento de seus funcionários e despesas de funcionamento, sem distribuir a receita para os sócios ou associados, conselheiros diretores ou doadores”.(NADER.2003,p.274).
Como exemplo de associação podemos citar motociclistas que se juntam e criam a associação de motociclistas de determinado lugar, intenção dos mesmos é defender interesses em comum de todos os motociclistas daquele lugar. Ou aposentados que se organizam e criam uma associação para defender seus interesses. Enfim, é agrupamento de pessoas que se unem com intuito de defesa de interesses em comum sem fins lucrativos.
Já as sociedades podem ser de pessoas ou de bens, e seus sócios sempre visam lucro seu escopo é atividade econômica as sociedades podem ser comum, simples ou empresarial. Tem previsão legal no artigo 981 do Código Civil “ Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”
As sociedades comuns são aquelas que têm apenas o contrato social que não adquiriu personalidade jurídica que são regidas pelos artigos 986 a 990 do Código Civil. Na sociedade simples os sócios desenvolvem atividades econômicas, mas sem fim empresarial. Já a sociedade empresarial é de forma ordenada, onde seus sócios visam à circulação de bens ou serviços com objetivo de alcançar lucro.
A sociedade empresária é a pessoa jurídica que explora uma empresa. Atente-se que o adjetivo “empresária” conota ser a própria sociedade (e não seus sócios) a titular da atividade econômica. Não se trata, com efeito, de sociedade empresarial, correspondente á sociedade de empresários, mas da identificação da pessoa jurídica como agente econômico organizador da empresa (COELHO, 2011, P.23).
Na escolha de qual tipo de sociedade será aberta tem que se observar o disposto da lei, e através da sociedade escolhida terá normas e regulamentos específicos a serem seguidos. Nem sempre há a possibilidade da livre escolha da sociedade empresarial, no caso da bolsa de valores o tipo societário obrigatório será de cotas.
Se o ordenamento jurídico dispõe de um rol de tipos societário a cada um tem uma regulamentação especifica que deve ser seguida
Tem se as sociedades empresariais, em nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, anônima e limitada e elas podem ser limitada ou ilimitada quanto a sua responsabilidade.
No que tange sociedade empresaria o professor Alfredo de Assis Gonçalves traz o seguinte conceito:
Sociedade é um negócio jurídico destinado a constituir um sujeito de direito, distinto daquele ou daqueles que o produziram, com o patrimônio e vontade própria, para atuar na ordem jurídica como novo ente, como um organismo, criado para a realização de uma finalidade econômica especifica – ou, mais precisamente para a prática de atos da vida civil, necessários a preencher os fins econômicos que justificaram sua celebração (2004, p.08)
As sociedades dividem-se em sociedades de pessoas e sociedades de capital. Na primeira o desenvolvimento do objeto social depende muito mas do labor de cada sócio do que o investimento pecuniário que cada um faz. Já nas sociedades de capital o desenvolvimento do objeto social depende de investimento que cada sócio faz.
Neste sentido o professor Modesto Carvalhosa pondera:
Nas sociedades de pessoas, os sócios reunidos em razão da confiança reciproca e por cujos atributos inibem a livre cessão de quotas sociais a terceiro estranhos á sociedade, enquanto nas sociedades de capitais impera o interesse pecuniário, sendo até comum os sócios sequer se conhecerem, tornando-se a cessão de quotas para terceiros (2003,p.35).
A diferença entre sociedade e associação para que fique claro é o fim a que se destina visto que as sociedades sempre terão fins lucrativos, exploração econômica quanto a as associações não tem essa finalidade.
As fundações são compostas por bens ou por um único bem que não visam também fins lucrativos podem ser particulares ou publicas. É fundamentado no artigo 62 Código Civil, “a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”.
Segundo o doutrinador Nader:
As fundações não dependem da reunião de pessoas ou tampouco é obra de um conjunto de vontades, mas fruto de uma vontade única, criada pela atribuição de personalidade ao conjunto de bens destinados á realização de certo fim, socialmente útil. (NADER, 2003, p.274).
A fundação pode ser de direito publico quando criada pelo Estado, ficando condicionado ao Ministério Publico a sua personalização.
O artigo 62 do Código Civil prevê a criação de fundação: “Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura publica ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser a maneira de administra-la”.
O professor Tomas de Aquino Resende:
Diferencia sociedade, associação e fundação: “a diferença básica existente entre sociedade, associações e fundações esta relacionada com a própria gênese de tais pessoas, pois as sociedades e associações são decorrentes da reunião de pessoa, enquanto as fundações se originam de um patrimônio vinculado a um objetivo de interesse coletivo e também sem fins lucrativos” (RESENDE. 2007,p.237).
Diante de tudo exposto em relação à pessoa jurídica, conclui-se que a mesma é fundamental para o desenvolvimento econômico e devida a essa importância é necessário ter regras claras para o funcionamento da mesma. O sócio ou administrador de uma pessoa jurídica não pode lidar com a mesma a mercê de sua vontade, mas de acordo com a sua constituição tem que respeitar as normas estabelecidas.
Nunca desviando a finalidade pela qual foi criada, respeitando o ordenamento jurídico e o mais importante não usar a mesma para fins ilícitos. Entretanto, caso a mesma, seja utilizado para fins ilícitos há no ordenamento jurídico instituto capaz de coibir e corrigir tal ato, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que será exposto no próximo capitulo.
3 DESCONSIDERAÇÃO
3.1 Aspectos gerais
A teoria da disregard é conhecida de diversas formas, como: “disregard of legal entily”, disregard doctrine ou Lifting the Corporate Veil, véu da pessoa jurídica e teoria da penetração.
A partir do século XIX surge a preocupação com a utilização da pessoa jurídica, frente ao crescimento e autonomia patrimonial das empresas, e consequentemente a preocupação de que não se utilize a autonomia patrimonial para fins escusos, a partir dai começa-se a desenhar o instituto da desconsideração.
Baseado em fatos e na jurisprudência surge uma das primeiras teorias a cerca da desconsideração da personalidade jurídica à teoria da soberania conhecida como HAUSSMAN & MOSSA (VERRUCOLI, 1964, p.2).
Preconiza que a responsabilidade por obrigações não cumpridas seria do gerenciador da empresa, visa responsabilizar o administrador, controlador da pessoa jurídica pelas obrigações não satisfeitas. Leva-se em consideração a natureza obrigacional do que a estrutura formal da sociedade. Entretanto, esta teoria não chegou a ser desenvolvida plenamente.
A origem da teoria da disregard vem do direito anglo saxônico, popularizou através da jurisprudência norte americano, mas não ha unanimidade de qual seria o primeiro caso aplicado esta teoria, há doutrinadores que dizem ser o caso Bank of United há os que dizem ser o caso Salmon e Salmon. Para doutrinadora Suzy Elisabeth Koury o primeiro caso foi:
Com efeito, no ano de 1809, no caso Bank of United States v. Deveaux, com a intenção de preservar a jurisdição das cortes federais sobre as corporations – já que a Constituição Federal Americana, no seu artigo 3º, seção 2ª, limita tal jurisdição às controvérsias entre os cidadãos de diferentes estados conheceu da causa (KOURY,2003).
Por meados de 1809 no caso Bank of United States v. Deveaux, quando houve a primeira desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para fixar a competência das cortes federais.
Visto que o juiz Marshall da Suprema Corte Americana interpretou que a Constituição norte americana limitava o alcance da jurisprudência federal ás causas entre cidadãos de diferentes estados.
[...] Para preservar a jurisdição dos tribunais sobre as sociedades anônimas, proclamou os acionistas como parte integrante e seus direitos e deveres como cidadãos reconhecidos paras serem alcançados pela jurisdição, aplicando a teoria da desconsideração. (SILVA, 2004. P. 444)
Entretanto, a desconsideração da personalidade jurídica tornou-se notória a partir do caso “Salomon & Salomon” e a doutrina classifica esse caso como o precursor da desconsideração da personalidade jurídica.
O caso mais célere da gênese da teoria da desconsideração ocorreu no direito inglês, pelo julgamento do litigio entre Salomon& Salomon, julgado em 1897, quando foi desconsiderada a personalidade jurídica da empresa para responsabilizar seu principal e maior titular, sob alegação de que, na verdade, a sociedade havia sido criada apenas para encobrir os negócios do seu real proprietário (Aaron Salomon). Não obstante a teoria tenha sido aplicada no primeiro grau de jurisdição, foi reformada pela House of Lords, por aplicação formalista da lei inglesa (GONÇALVES, 2004, p10).
Em relação a esse caso célere reproduziremos as palavras de Alexandre Couto e Silva :
Trata-se do caso de um comerciante de couros e calçados, Aaron Salomon, que fundou, em 1892, a Salomon & Co. Ltd., tendo como sócios fundadores, ele mesmo, sua mulher, sua filha e seus quatro filhos. A sociedade foi constituída com 20.007 ações, sendo que a mulher e os cinco filhos tornaram-se proprietários de uma ação cada um, e as restantes 20.001, foram atribuídas a Aaron Salomon, das quais 20.000 foram integralizadas com a transferência, para a sociedade, do fundo de comércio que Aaron já possuía, como detentor único, a título individual.
Aparentemente, de acordo com as narrativas dos fatos existentes em várias obras que tratam do assunto, o preço da transferência desse fundo seria superior ao valor das ações subscritas: pela diferença, Aaron Salomon era ainda credor da Salomon & Co. Ltd., com garantia real em seu favor constituída. Com a sociedade, entretanto, vindo a entrar em insolvência e a ser dissolvida, estabeleceu-se o litígio judicial entre o próprio Aaron Salomon e ela. Tanto a High Court quanto, em grau de recurso, a Court of Appeal, deram ganho de causa à sociedade, condenando Aaron Salomon a pagar-lhe certa soma em dinheiro, ressaltando as decisões de que a sociedade seria apenas um outro nome para designar o próprio Aaron Salomon.
A High Court acreditava ser um estratagema de que Aaron se serviu para ter os lucros de uma atividade econômica sem os riscos e a responsabilidade pelas dívidas. A sociedade seria um representante (agent) de Aaron Salomon e teria direito, como todo representante, a obter do representado a soma necessária à satisfação dos direitos contraídos no interesse do representado.
A Court of Appeal, embora preferindo falar em relação fiduciária, de trust, e não em agent, chegou ao mesmo resultado.
Contudo, a House of Lords, reformando as decisões e aferrando-se aos princípios ortodoxos em matéria de pessoa jurídica, censurou asperamente aquilo que considerou incoerência das decisões recorridas. A House of Lords ponderou que, uma vez que se admite que a sociedade, por seu liquidante, possa fazer valer determinados direitos contra seu sócio principal, está-se, evidentemente, a reconhecer sua personalidade jurídica distinta; que a circunstância de estarem as poucas ações restantes em mãos de pessoas de sua família não tinha por si só o condão de afetar o fato de que a sociedade fora validamente constituída, nem o de fazer nascer contra a pessoa dos sócios deveres que, de outra forma, inexistiriam; que, também, a circunstância de virem as ações a serem transferidas durante a vida da sociedade, a uma só pessoa não afeta em nada a existência nem a capacidade de uma sociedade cuja personalidade jurídica foi reconhecida.
É importante ressaltar a influência negativa desse caso para o desenvolvimentos da Disregard Doctrine na Inglaterra que, desde então, vem aplicando rigorosamente os princípios da separação das personalidades jurídicas entre sócios e sociedade e da responsabilidade patrimonial nele consagrado. Para Verrucoli, a jurisprudência inglesa preserva bastante o privilégio da personificação das pessoas jurídicas, em que a teoria da desconsideração somente é utilizada em casos extremos. (SILVA, 1996,p183)
Portanto, foi a partir da jurisprudência anglo-saxônica e não por força de lei ou norma que o caso acima relatado é considerado o marco inicial do desenvolvimento da teoria da despersonalização inversa da pessoa jurídica,
Em campos doutrinários podemos destacar as seguintes obras: II superamento delea personalitá giuridica dele societá di capitalle nella “common law” e nella “civil law de Piero Verrucoli de 1964, a obra Disregard of corporate fiction and allied Corporation problems de Wormser de 1927e a obra Aparencia y realidade em las sociedades mercantiles de Rolf Serick de 1953.
3.2 Desconsideração no direito civil
Ao se falar em desconsideração é preciso ter claro que desconsiderar é deixar de considerar algo, no que se refere à pessoa jurídica é deixar de considerar alguma característica ou ponto da pessoa jurídica.
Vimos no capitulo anterior que a pessoa jurídica é constituída a partir do registro dos atos constitutivos em órgão competente, e assim sendo, contrai regras e obrigações próprias da pessoa jurídica e não dos seus sócios ou administradores.
Foi pontuada também que devido à importância das sociedades comerciais no desenvolvimento social o Estado conferiu as sociedades comerciais personalidade jurídica e consequentemente autonomia patrimonial, que é importante garantia a quem abre uma sociedade empresaria, onde preconiza a separação patrimonial entre os bens particulares dos sócios que constituem a sociedade e os bens que fazem parte do acervo patrimonial da personalidade jurídica.
Entretanto, o principio da autonomia patrimonial não é absoluto, tem algumas situações, exceções, que é possível desconstituir essa autonomia. Existem também algumas pessoas jurídicas que na sua própria constituição não prevê a separação patrimonial como no caso das sociedades com responsabilidade ilimitada.
Conquanto, em sociedades que prevê a autonomia patrimonial é possível desconsidera-la se através da teoria da desconsideração quando a mesma for usada como objeto para atos fraudulentos. Visto que todo o nosso ordenamento jurídico é baseado na boa fé objetiva, espera-se que todos agem com boa fé em todos os atos em sua vida, e dos administradores e sócios de uma sociedade empresaria não seria diferente.
O Estado não poderia privilegiar que através do véu da personalidade jurídica fossem cometidos atos fraudulentos que tenham a intenção de prejudicar terceiros. E para coibir e reparar tais atos fraudulentos através do uso indevido da autonomia patrimonial da pessoa jurídica surge o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tutela o principio da boa fé, segundo palavras do mestre Edmar Oliveira Andrade Filho “ não se compadece com o uso de formas jurídicas, quando mascaram o proposito de elidir obrigações legitimas” ANDRADE FILHO, 2005, p.85.
O jurista Rubens Requião diz que a finalidade da teoria da desconsideração é restringir o absolutismo do direito da personalidade jurídica. Para ele se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei, como concessão do Estado, para realização de um fim, “nada mais procedente do que se recorrer ao Estado, através da justiça, a faculdade de verificar-se o direito concedido está sendo adequadamente usado (REQUIÃO, 1997, pp.71-72)
O professor Fabio Ulhoa fez a seguinte consideração em torno da personalidade jurídica:
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surge, então, para coibir abusos e fraudes perpetrados pela má utilização da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Pressupõe o reconhecimento do instituto da pessoa jurídica a limitação da responsabilidade, razão pela qual a aplicação só é possível as pessoas jurídicas de direito privado, como associações, fundações, sociedades limitadas e sociedades anônimas. Também como forma de preservar o instituto, a medida não atinge a validade do seu ato constitutivo e sim a eficácia episódica do ato (COELHO, 2003, p.110).
Entretanto, se a pessoa jurídica for utilizada para o fim especifico a que foi constituído, sem causar prejuízo a outrem, não há o que se falar em desconsideração, o intuito da desconsideração da personalidade jurídica não é desprestigiar a autonomia patrimonial, pelo contrario é garantir que essa prerrogativa da autonomia patrimonial seja utilizada sob a ótica da boa fé. Considerações a respeito do doutrinador Rubens Requião.
O que se pretende com a doutrina da disregard não é anulação da personalidade jurídica em toda sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legitima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude) REQUIÃO, 1988, p.74.
A noção de autonomia patrimonial surge em relação à evolução Estatal ao longo do tempo. Dante vigorava um Estado absolutista, ao passo que a muitas lutas sociais os homens conquistaram o Estado liberal, onde preconiza uma intervenção estatal mínima em relação ao monopólio estatal que antes vigorava.
Um Estado que desse maior amplitude aos indivíduos, maior liberdade refletiu também no comportamento industrial, onde a intervenção estatal fosse para regulamenta-la.
Este fato é verificado na livre escolha empresarial, onde é possível ao abrir uma empresa escolher o tipo societário sem imposição alguma. A autonomia patrimonial também é um reflexo desse liberalismo estatal onde é possível ter uma segurança maior no que tange aos bens particulares de quem abre uma empresa.
Com o desenvolvimento humano percebe-se que não bastava ao homem ter a liberdade, mas precisava vigorar uma sociedade mais justa mais igualitária e para isso precisava ter mecanismo que regulamentasse o uso das propriedades. Ou seja, não bastava o homem tem condições de “ter”, mas como ia administrar essa posse.
Precisava acima de tudo estabelecer mecanismo que norteasse o uso das propriedades conquistadas com o intuito de ter uma sociedade mais igualitária, surge assim a responsabilidade social da propriedade, que garantia aos indivíduos o direito de ter, mas ter com responsabilidade social e tal fenômeno também reflete nas sociedades empresariais.
Sobre a responsabilidade social da propriedade preconiza o professor Luciano de Camargo Penteado:
Quando a propriedade não atinge sua função social, o desvio desta finalidade, ou sua inexecução, vertendo para uma disfunção de seu objetivo pode implicar uma correção na distribuição dos direitos patrimoniais sobre a coisa, como acontece na desapropriação ou na imposição de indenização pelo abuso do direito (PENTEADO.2008, p.181).
Posto que, embora dono de uma sociedade empresarial a mesma tem que ser utilizada com responsabilidade, não sendo permitido usa-la ao seu bel prazer, respeitando a finalidade pela qual foi constituída e usando-a dentro da legalidade.
Todas as vezes que a sociedade empresarial desvirtua sua função fere a função social da mesma e o modo encontrado para reparar este ato danoso à sociedade foi com a desconsideração da autonomia patrimonial
Romper o véu da pessoa jurídica, desfazer o muro inabalável entre os bens da sociedade e os bens particulares de que a constituem. Entretanto, a desconsideração não é um instituto que pode ser utilizado a todo instante de qualquer maneira, a ele é permitido uso apenas em caso que fique comprovado que houve confusão patrimonial, desvio de finalidade e abuso de poder.
Sobre este instituto ensina o mestre Piero Verrucoli:
(...) a superação, que realiza esta relatividade da pessoa jurídica, mostra se em toda evidencia com um dos possíveis instrumentos através dos quais o poder central contém e corrige as forças dos grupos, restando um equilíbrio comprometido, combatendo os abusos do privilegio concedido, realizando completamente os fins perseguidos que se tenham tornado, de qualquer maneira, comprometidos por um rígido respeito formal ao privilegio da personalidade jurídica (1964,p.149).
Devido a autonomia patrimonial já mencionada várias vezes, e diante de sua importância na constituição da personalidade jurídica muitas vezes ocorre a confusão patrimonial, e a mesma deve ser afastada para preservação da autonomia patrimonial. Ou seja, não pode haver confusão do que é patrimônio da empresa e do que faz parte do acervo patrimonial de cada sócio.
No que diz respeito ao patrimônio pessoal de cada sócio o mestre Tullio Ascarelli diz:
[...] em contrapartida aos benefícios da criação de uma sociedade para exercer o comercio com responsabilidade limitada, deve ele sujeitar se as normas que decorrem da constituição de um patrimônio separado e as que tutelam interesses de terceiros, ficando, por isto, “pessoal e ilimitadamente responsável, desde que não respeita a distinção entre patrimônio social e o próprio individual (ASCARELLI,1969,p.141).
O artigo 997 do Código Civil nos remete com clareza que toda empresa deve constituir seu patrimônio próprio já no ato da sua constituição. Artigo 997, III “A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes mencionaria: III- capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária”.
No entanto, esses bens que constituirão o capital social da empresa não podem ser confundidos com os bens particulares de seus sócios, ou seja, os bens particulares dos sócios não podem fazer parte dos bens da empresa e vice e versa.
O termo confusão nos remete a uma ideia de ação ou efeito de confundir, falta de clareza segundo dicionário Aurélio.
Ocorre confusão patrimonial, por exemplo, quando utiliza-se recurso financeiro da empresa para pagamento de contas particulares, ou compra de bens para uso particular com receita da empresa. Diante da autonomia patrimonial que separa os bens da empresa e bens particulares dos sócios, deve-se ater para essas situações que denotam claramente confusão patrimonial. E nestes casos quando há confusão patrimonial com intuito de lesar terceiro fica passível de desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica.
O professor Joaquim Muniz descreve duas situações onde pode ocorrer confusão patrimonial:
A primeira delas ocorre quando terceiros encontram dificuldades para identificar qual empresa de um grupo econômico é responsável por determinada obrigação (...). Isto é muito comum nas hipóteses em que as sociedades distintas, sob o mesmo controle, têm denominação parecida, objeto social semelhante, mesmo endereço e mesmo administradores (...). A segunda forma de confusão patrimonial consiste na mistura de patrimônios. Nessa hipótese, as pessoas jurídicas são geridas financeiramente como se fossem a mesma empresa, não obstante a existência de duas personalidades jurídicas distintas. (2003,p.145-169).
O mestre Edmar Oliveira de Andrade Filho discorre sobre a confusão patrimonial:
A confusão patrimonial decorre da promiscuidade entre os negócios da sociedade com os dos sócios que negligenciam a separação não agindo, por exemplo, para que a sociedade tenha escrituração contábil própria. A confusão patrimonial acarreta, assim, a supressão do interesse social com a prevalência interesse pessoal do sócio. A confusão patrimonial, quando maliciosa ou negligente, não pode servir de escudo para que terceiros prejudicados não sejam ressarcidos em nome da responsabilidade limitada ou da autonomia de cada pessoa jurídica. (ANDRADE FILHO, 2005, p.128)
Entretanto, a simples confusão patrimonial não enseje a desconsideração da pessoa jurídica, para ser imputado a desconsideração precisa ocorrer confusão patrimonial e abuso de poder da pessoa jurídica (JUSTEN FILHO, 1987, P.137).
Decisão do Recurso Especial n 332.763, ementa publicada no Diário de Justiça da União de 24 de junho de 2002, p. 297 diz que: “A simples existência de confusão patrimonial, não é por si só suficiente para legitimar a desconsideração da personalidade a imputação só seria valida nos casos em que a confusão patrimonial esteja vinculada a um abuso na utilização da pessoa jurídica”.
Em relação ao abuso de poder da pessoa jurídica e o desvio de finalidade pela qual ela foi proposta:
“O artigo 187 do Código Civil discorre sobre abuso de poder. Artigo 187: Também ocorre ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes” (BRASIL. Código Civil, 2002).
A autonomia patrimonial é um direito adquirido a quem tem uma sociedade empresaria, e ocorre o abuso de poder quando excede-se esta prerrogativa da separação patrimonial para cometer atos fraudulentos, ou seja, há o abuso de direito quando há o uso inadequado de um direito.
Segundo o professor Edmar Oliveira Andrade Filho:
“A separação e a autonomia patrimonial conferida ao ente coletivo não deve ser posta a serviço dos desonestos e o “uso” da personalidade jurídica não poderia servir de instrumento para acobertar ilicitude” (ANDRADE FILHO, 2005, p. 83-84).
E a partir do momento que existe o uso inadequado do direito da autonomia patrimonial a consequência logica é o desvio de finalidade da empresa. E sempre que ficar caracterizado que uma pessoa jurídica é utilizada para obter atos ilícitos por meio da confusão patrimonial, abuso de poder e desvio de finalidade pode ser utilizado como meio de reparar este dano a desconsideração da personalidade jurídica.
O doutrinador Silvio de Salvo Venosa esclarece:
A teoria da desconsideração autoriza o juiz, quando a desvio de finalidade, a não considerar os efeitos da personificação, para que sejam atingidos bens particulares dos sócios ou até mesmo de outras pessoas jurídicas, mantidos incólumes, pelos fraudadores, justamente para propiciar ou facilitar fraude. Essa é a única forma eficaz de tolher abusos praticados por pessoa jurídica, por vezes constituída tão-só ou principalmente para o mascaramento de atividades dúbias,abusivas, ilícitas e fraudulentas. (VENOSA,2006).
Caso fique comprovado que uma pessoa física que tenha representação dentro de uma pessoa jurídica e esteja usando a mesma como escudo para burlar a lei neste caso e somente neste caso é possível à utilização da desconsideração.
Ficando claro que a aplicação da desconsideração jurídica é exceção, visto que a primazia é a conservação da autonomia patrimonial.
Para aplicação da desconsideração da pessoa jurídica tem que ser feita em cima de casos concretos do mau uso da mesma e não em meras conjecturas ou aparências. Assim como a desconsideração deve atingir bens dos sócios fraudulentos e não de todos os sócios que compõe a sociedade. Caso a desconsideração ocorra perante patrimônio do sócio que não cometeu fraude há possibilidade de entrar com ação de regresso.
Neste sentido o professor Guilherme Calmon Nogueira considera:
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica somente deve ser aplicada para atingir os que agirão fraudulentamente ou de modo abusivo, ou de alguma forma se beneficiaram com tal conduta, mas não deve atingir os demais sócios e administradores que não agiram com fraude e abuso. As pessoas que não se aproveitaram do véu da personalidade para pratica de fraude ou de abuso, com efeito, não podem ser responsabilizadas patrimonialmente, sendo inoponível a teoria da desconsideração de tais pessoas (2009,p.13).
Assim sendo, a desconsideração da pessoa jurídica é um instrumento que visa não somente coibir o mau uso da pessoa jurídica, mas instituto que visa acima de tudo proteger a pessoa jurídica e sua autonomia. Importante salientar que a responsabilização pelo mau uso da pessoa jurídica não recai somente aos seus sócios, mas também aos seus administradores.
Pressuposto imprescindível para que ocorra a desconsideração é a fraude o mau uso da pessoa jurídica, porque se a sociedade empresarial estiver atuando dentro da legalidade não há o que se falar em desconsideração, não há o que se falar em adentrar o patrimônio pessoal dos sócios.
Outro ponto importante e que merece ser salientado é a diferenciação entre despersonalização e desconsideração, sendo que a primeira requer a extinção da pessoa jurídica ao passo que a desconsideração anula alguns atos cometidos por essa pessoa jurídica e não anula em sua totalidade.
Neste sentido discorre o professor Fabio Ulhoa:
A teoria da desconsideração da pessoa jurídica [...]. Trata-se de aperfeiçoamento da teoria da pessoa jurídica, através da coibição do mal uso de seus fundamentos. Assim, a pessoa jurídica desconsiderada não é extinta, liquidada ou dissolvida pela desconsideração; não é, igualmente, invalidada ou desfeita. Apenas determinados efeitos de seus atos constitutivos deixam de se produzir episodicamente. Em outras palavras, a separação patrimonial decorrente da constituição da pessoa jurídica não será eficaz no episódio da repressão à fraude. Para todos os demais efeitos, a constituição da pessoa jurídica é existente, válida e plenamente eficaz (COELHO,2003, p.110).
Na seara da desconsideração há que ressaltar que não pode confundir responsabilidade solidaria dos sócios e administradores com a desconsideração da pessoa jurídica.
Embora ambas as situações acima sejam idêntica a causa que ocasiona uma e outra situação é distinta. Na desconsideração é preciso que ocorra fraude, abuso de poder, confusão patrimonial relativo à pessoa jurídica. Ao passo que na responsabilidade solidaria dos sócios e administradores o ato ilícito ocorre por conta dos sócios e administradores e não algo que se escondeu nos véus da pessoa jurídica.
A confusão pode ocorrer pelo fato que ambos os institutos decorrem da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
E tanto na desconsideração quanto na responsabilidade solidaria dos sócios e administradores bens particulares podem ser atingidos. Entretanto, para ocorrer à desconsideração é necessário fraude, confusão patrimonial e abuso de poder que desvie a finalidade que a pessoa jurídica se constituiu, situações ligadas diretamente à pessoa jurídica.
Agora na responsabilidade solidária não, não é a pessoa jurídica que comete o ato lesivo e sim os sócios e administradores da mesma, a má administração e atos fraudulentos do próprio sócio e administradores não cabe desconsideração.
Pelo fato da desconsideração ser oriunda de uma teoria que surgiu de jurisprudência e caso concreto o que se observa em é que em países em que se aplica a legislação no caso concreto, como no direito americano tem se verificado maior aplicabilidade da desconsideração.
Ao passo que nos países onde a legislação é pautada mais nas normas, como nos baseados no sistema romano germânico, esta teoria não é tanto aplicada por falta de fundamento legal.
Todos os tipos societários serão protegidos pela desconsideração, tendo a possibilidade o magistrado e quando a lei assim permitir descaracterizar a separação dos bens particulares dos sócios para cobrir prejuízos causados a terceiro, ou mesmo quando houver confusão patrimonial.
Conclui-se que sempre que houver confusão patrimonial, indícios de abuso no uso de uma pessoa jurídica de direito privado, intuito de lesar credores ou terceiros, utilizando da artimanha de “esconder bens” em uma pessoa jurídica tem-se a possibilidade de utilizar a desconsideração patrimonial da pessoa jurídica.
Tal mecanismo jurídico pode ser aplicado em diversas áreas do direito, como por exemplo, direito do trabalho, direito consumerista, direito tributário, direito de família. Há uma vasta área onde posse ser aplicada. Entretanto, aprofundaremos os estudos da sua aplicabilidade no direito civil.
Para tanto é necessário à comprovação da má fé na utilização da pessoa jurídica para os magistrados lançarem mão deste instituto.
No Brasil a doutrina é unanime que a desconsideração da personalidade jurídica surgiu através do jurista Rubens Requião
Embora tenha surgido no cenário jurídico brasileiro em 1969, e levou algum tempo para ser codificado, foi em 1990 que tal mecanismo jurídico surge no Código de Defesa do Consumidor, mas especificamente no artigo 28.
Em 1994 através da Lei 8.884/94, ocorre o segundo dispositivo sobre o tema a “Lei Antitruste” em seu artigo 18.
A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração.
Seguindo a ordem cronológica da tipificação da desconsideração em 1998 ocorre à terceira menção da mesma, pela Lei 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais, e no artigo 4º desta Lei menciona a ocorrência da desconsideração da pessoa jurídica.
Se determinada sociedade empresarial provocar sério dano ambiental, mas, para tentar escapar à responsabilidade, os seus controladores constituírem nova sociedade, com sede, recursos e pessoal diversos, na qual passem a concentrar seus esforços e investimentos, deixando a primeira minguar paulatinamente, será possível, por meio da desconsideração das autonomias patrimoniais, a execução do crédito ressarcitório no patrimônio das duas sociedades.
No novo Código Civil ocorre no artigo 50:
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
O artigo 50 do Código Civil traz normas para credores que viu seu direito tolhido mediante fraude cometida pelo uso indevido de uma pessoa jurídica. Traz legitimidade para o Ministério Público e para o juiz para pedir a desconsideração da pessoa jurídica em caso concreto de fraude.
Antes do advento do novo Código Civil e da inclusão do artigo 50 não havia normatização com previsão para desconsideração, a utilização deste mecanismo era por intermédio da doutrina e jurisprudência. Havia previsão apenas no Código de Defesa do Consumidor no artigo 28.
O artigo 50 do Código Civil reforça a distinção entre os sócios e a Pessoa Jurídica, tal como já elucidada no artigo 20 do Código Civil de 1916.
Para aplicação do artigo 50 do Código Civil há necessidade além da separação patrimonial a limitação de responsabilidade.
A abrangência do enunciado do artigo 50 atinge não somente os sócios, mas os administradores da pessoa jurídica que colaborou para que ocorresse o prejuízo a outrem da confusão patrimonial. (596, Código de Processo Civil).
Para que ocorra a desconsideração é necessária a seguinte dinâmica: Obrigação a ser cumprida entre uma pessoa jurídica e um sujeito qualquer que pode ser pessoa física ou jurídica. Que esta obrigação não tenha sido cumprida no todo ou em parte sem justificativa para esse não cumprimento.
No entanto, o inadimplemento por si só não enseja a desconsideração, mas que a origem desse inadimplemento seja por confusão patrimonial, desvio de função da pessoa jurídica ou abuso de poder com objetivo especifico de lesar credor.
Outro ponto relevante em relação à desconsideração é que só terá aplicabilidade em caso que a obrigação seja contraída pela pessoa jurídica, a manobra de imputar obrigação contraída pelos sócios a uma pessoa jurídica não cabe desconsideração, ou seja, a obrigação original tem que ser por meio de uma pessoa jurídica.
Conquanto a fundamentação ontológica da desconsideração da pessoa jurídica, podemos mencionar que sob o ângulo funcional seriam normas que preconiza critérios para ser utilizado quando a pessoa jurídica for usada com má fé e proteger os credores de boa fé.
O jurista Rubens Requião diz que a desconsideração é uma sanção pelo mau uso da pessoa jurídica no que tange a sua origem, e sua finalidade seria restrição ao absolutismo do direito da pessoa jurídica (REQUIÃO, 1977, p.70).
Referente ao Brasil na tipificação do Código Civil de 2002 no artigo 50 pode concluir que seja encarado como sanção também. E a finalidade deste instituto seria a preservação da boa fé no trato a pessoa jurídica e punir por atos ilícitos cometido em nome dela.
Portanto diante de tudo que foi exposto até aqui fica claro que tem situações especificas pelas quais pode ser aplicada a teoria da desconsideração jurídica, não pode ser aplicada em mera conjectura de fraude, mas em situações concretas e comprovadas. Assim como o mero inadimplemento da empresa jurídica não pode ensejar aplicar tal teoria como tem acontecido em alguns julgados. Comprovado a fraude com os pressupostos de confusão patrimonial, desvio de finalidade ou abuso de poder a desconsideração pode ser utilizada.
3.2.1 Teoria Maior
A desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento brasileiro é fundamentada por duas teorias: a teoria maior e a teoria menor.
Segundo a teoria maior só é possível desconsiderar a personalidade jurídica, ou seja, afastar a autonomia patrimonial a ela concedida em caso de abuso ou fraude no uso da mesma.
Para a teoria maior, o prejuízo ao credor ou inadimplemento por si só não enseja a desconsideração da pessoa jurídica, mas é preciso que fique comprovado que os sócios ou administradores da empresa utilizaram-se da mesma com a intenção de fraudar de prejudicar terceiros.
A confusão patrimonial, a fraude e o abuso de poder no uso da pessoa jurídica são elementos essenciais para que caracteriza a desconsideração segundo a teoria maior.
Para o doutrinador Fabio Ulhoa Coelho, a teoria subjetiva é mais consistente e melhor elaborada, porquanto exige, para aplicação episódica do afastamento da autonomia patrimonial da empresa, a caracterização da manipulação fraudulenta, ou abusiva do ente moral (COELHO, 2003, p.35).
Segundo a teoria maior sem a comprovação da fraude seja de forma dolosa ou culposa, abuso de poder e confusão patrimonial não há que se falar em desconsideração, portanto, não basta que ocorra o prejuízo a terceiros, mas é preciso que fique comprovado a intenção de causar prejuízo por meio das circunstancias acima mencionada por isso a teoria maior é conhecida também por teoria subjetiva.
Para a teoria subjetiva a desconsideração pauta-se pela excepcionalidade e prioriza a autonomia patrimonial. Em outras palavras para a teoria maior só ocorre a desconsideração da personalidade jurídica em casos que fique amplamente comprovado que os sócios ou administradores usaram a pessoa jurídica com intuito de lesar credores, criar prejuízo a terceiros.
Segundo a mestra Raquel Nunes Bravo:
“A teoria subjetiva baseia-se na fraude e no abuso. O agente tem a intenção de usar a estrutura da pessoa jurídica, patrimônio distinto do seu, para fins diversos daqueles previstos no contrato social, estatuto, objeto social. A conduta caracteriza o abuso do direito e fraude no uso da personalidade jurídica. Seus efeitos trazem prejuízos a credores ou a terceiros”. (2013,p.66).
O abuso de poder mencionado como pressuposto da teoria maior é previsto no artigo 187 do Código Civil vigente. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.
O abuso de poder ocorre quando o titular de um direito não respeita o limite dado a este direito, quando não respeita a delimitação da lei, quando o sócio ou proprietário de uma sociedade empresaria não respeita o direito patrimonial concedido à mesma, desvia-se assim a finalidade da pessoa jurídica, caracterizando o “mau uso” da mesma, o abuso de poder não enseja em ato ilícito, mas como dito anteriormente o mau uso da pessoa jurídica, contraria o principio da função social da propriedade.
Sob o abuso do poder o professor Guilherme Nogueira da Gama diz: “Abuso do direito é o exercício irregular ou abusivo de direito pelo seu titular; e a conduta licita que se mostra desconforme com a finalidade que o ordenamento pretende alcançar e promover naquela circunstancia fática (2006,p.196).
Para o professor Vinicius Gontijo:
(...) abuso do direito àquele que, podendo realizar um ato, exerce-o além daquilo que o legislador tinha a intenção de assegurar quando editou o regramento legal. O abuso do direito consiste no exercício irregular de um direito (2006, p. 39).
Ou seja, utilizar-se da pessoa jurídica sem observância da Lei, porque para que uma pessoa jurídica exista além dos atos constitutivos é necessária uma pessoa física que a administre, de vida a mesma e que conduza seus atos. E o abuso consiste como esses atos serão conduzidos pela pessoa física, por exemplo, quando descumpre normas societárias.
Consoante à fraude é quando o indivíduo da caráter licito a algo ilícito. “A fraude é formalmente licito e materialmente ilícito” (GONTIJO, 2006, p. 47).
Antes mesmo do advento do artigo 50 do Código Civil de 2002, a doutrina e jurisprudência já demonstrava que a teoria maior era a mais aceita pelos juristas brasileiros, palavras da professora Sueli Batista de Souza:
“a presença de fraude contra credores, abuso de direitos ou desvio de finalidade; e ainda, que tais distorções estejam de alguma forma, ligadas á manipulação da autonomia patrimonial (2006,p.126).
E o artigo 50 do Código Civil veio confirmar que a desconsideração jurídica no nosso ordenamento pátrio é fundamentada pela teoria maior.
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Visto que para que possa ser utilizado o instituto da desconsideração pelo juiz seja por requerimento da parte ou do Ministério Público é imprescindível o desvio de finalidade, a confusão patrimonial ou abuso de poder, não sendo mencionada a insolvência que é característica da teoria menor que logo mais será explanada.
Embora a fraude não apareça expressamente no artigo acima citado a mesma deve ser considerada por interpretação. No que diz respeito à confusão patrimonial é quando não é possível delimitar o que são bens da pessoa jurídica, do acervo patrimonial da sociedade empresaria constituída e o que são bens particulares dos sócios que constituem essa pessoa jurídica.
Por exemplo, o sócio que compra um automóvel para empresa, integraliza como bem da empresa e utiliza para fins pessoais, não sendo possível imediatamente identificar se pertence ao acervo da empresa bem particular.
Em relação a confusão patrimonial podemos citar:
(...) a pessoa jurídica nada mais é, afinal, do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador, que é o maior interessado na manutenção desse principio, descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juízes haveriam de respeita-lo, transformando-o, destarte, numa regra puramente unilateral (COMPARATO, 1977,p.333).
Diante de tudo exposto acima fica claro que para a teoria maior ou teoria subjetiva é necessário que ocorra a confusão patrimonial, o abuso de poder e a fraude. Sendo que a confusão patrimonial corresponde ao caráter objetivo da teoria maior ao passo que abuso de poder e a fraude o caráter subjetivo, mas em qualquer das situações acima é necessário que esteja presente à intenção de prejudicar, lesar credores e terceiros.
Aplicabilidade da jurisprudência da teoria maior.
Tribunal de Justiça do Estado do Piaui. - Apelação Cível AC 200900010044997, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI, órgão julgador terceira turma, julgamento 11/06/2013, Publicação DJe 24/06/2013 Data de publicação: 09/05/2012 Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇAO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE BENS DE PROPRIEDADE DA EMPRESA EXECUTADA. DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇAO DA TEORIAMAIOR DA DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DECISAO MANTIDA. 1. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do Código Civil , que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. 2. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais – a exemplo do CDC, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. 3. O fato da agravada não pagar o débito, não indicar ou serem encontrados bens em nome da empresa passíveis de penhora, nem mesmo ativos financeiros em instituições financeiras, por si só não é suficiente para deferimento da medida de exceção pleiteada. 4. Recurso conhecido e improvido. E DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NEXISTÊNCIA DE FRAUDE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. MERO INADIMPLEMENTO DA SOCIEDADE DEVEDORA QUE NÃO AUTORIZA RESPONSABILIZAR OS INTEGRANTES DE SEU QUADRO SOCIAL PELO CUMPRIMENTO DE SUAS OBRIGAÇÕES. 1. Apenas a insolvência da pessoa jurídica, nesse sentido considerada sua incapacidade de, com recursos e bens próprios, arcar com seus compromissos financeiros, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, já que não se amolda às hipóteses previstas no artigo 50, do Código Civil, que adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial- Resp. 1325663 SP 2012/0024374-2, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI, órgão julgador terceira turma, julgamento 11/06/2013, Publicação DJe 24/06/2013, Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADEJURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DO SÓCIO MAJORITÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 3. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/02, consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. 4. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. 5. Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio majoritário ou controlador. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
Diante do exposto destas duas jurisprudências fica claro que o ordenamento jurídico brasileiro e a teoria maior embasou basicamente no o artigo 50 do Código Civil para aplicação da desconsideração da pessoa jurídica.
3.2.2 Teoria Menor
No que tange a teoria menor sua aplicabilidade justifica-se na insolvência a pessoa jurídica, este é o grande e único pressuposto exigido para esta teoria para que ocorra a desconsideração.
Neste caso, não se leva em consideração os elementos de abuso de poder ou fraude para que se enseje o desvendamento da pessoa jurídica, bastando que ocorra o inadimplemento.
Fundamenta-se esta teoria que terceiros não podem ser responsabilizados pelo risco do negócio, não pode terceiros sofrem as consequências de uma sociedade empresaria não de certo e arcar com o prejuízo da obrigação não cumprida por esta, portanto o risco do negócio é de responsabilidade de seus sócio ou administradores.
A forma jurídica é irrelevante para os adeptos da teoria objetiva como é conhecido à teoria menor, o desvendamento do véu societário ocorre pela insolvência, e ocorrendo este fato o juiz pode no mesmo corpo do processo de execução ou de conhecido despachar para que os bens pessoais dos sócios ou administradores sejam atingidos.
Tal teoria vem tipificada no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor no § 5° “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.
A teoria menor baseia-se na defesa da hipossuficiência entre consumidor e fornecedor e o ônus da prova é invertido neste caso, não cabendo ao consumidor provar que o fornecedor agiu com dolo ou culpa, ou houve abuso de poder ou fraude perante a insolvência, o que é requisito neste caso é o puro inadimplemento.
No Resp. nº. 279.273/SP, a Ministra Nancy Andrighi traz considerações a cerca da aplicabilidade da teoria menor como embasamento para a desconsideração:
Incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência do desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Para a teoria menor, o risco empresarial normal as atividades econômicas não podem ser suportadas pelo terceiro que contratou a com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração as relações de consumo esta calcada na exegese autônoma p. 5 do artigo 28, CDC, portanto, a incidência deste dispositivo não se subordina a demonstração dos requisitos previsto no caput do artigo indicado, mas apenas a prova de causar, a mera exigência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados”. Resp. n 279.173/SP(2000/0097184-7), rel. Min. Ari Pargendler, Ministra redatora do acordão Nancy Andrighi, j. em 14.02.2003. DJ de 29.03.2004.
Portanto, na teoria menor para que reconheça a desconsideração é preciso que ocorra apenas o evento prejuízo ao credor, à insolvência do negocio devidamente comprovada, sem que haja necessidade de comprovação de fraude, abuso de poder ou confusão patrimonial.
A teoria menor tem aplicabilidade nas ações relacionadas ao direito de família, nas dissoluções de sociedade conjugal ou de união estável, que são ações que não convém muitas delongas judiciais no ressarcimento ao dano causado. Neste sentido descreve o professor Fabio Ulhoa Coelho, “os direitos de família. Na desconstituição do vinculo de casamento ou união estável, a partilha de bens comuns pode resultar fraudada” (2010, p.47).
Tem aplicabilidade também nas relações consumeristas pela hipossuficiência entre consumidor e fornecedor e no direito ambiental sempre que uma pessoa jurídica causar obstáculo ao meio ambiente.
Entretanto, como dito anteriormente na explanação a respeito da teoria menor, não foi acolhida pelo artigo 50 do Código Civil vigente, sendo que neste dispositivo requer os requisitos de subjetivos da fraude e abuso de poder além do prejuízo causado a terceiros.
Aplicabilidade da teoria menor na jurisprudência:
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Agravo de Instrumento Nº 70063254916, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 21/01/2015 Data de publicação: 26/01/2015, Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. AMBIENTAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. APLICAÇÃO DA TEORIAMENOR DA DESCONSIDERAÇÃO. ART. 4º DA LEI 9.605 /98. DEFERIMENTO. Aplicação da Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, acolhida no sistema jurídico pátrio no Direito Ambiental e no Direito do Consumidor. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, DE PLANO.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Agravo de Instrumento Nº 70060902798, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 16/04/2015 Data de publicação: 20/04/2015 Ementa: DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. TEORIA MENOR DADESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (ART. 28 CDC). NÃO INCIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. REQUISITOS LEGAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, NOS TERMOS DO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL, INCIDENTE NA HIPÓTESE. AGRAVO PROVIDO.
A teoria menor, mais simples e menos utilizada é fundamentada na hipossuficiência na relação entre as partes, seja no âmbito da relação consumerista, seja em demandas na seara do direito ambiental.
4 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA
A desconsideração inversa ou invertida teve o mesmo desenvolvimento da desconsideração da personalidade jurídica, foi aplicada através da jurisprudência e da ocorrência de mau uso da personalidade jurídica.
A desconsideração invertida recebe esse nome porque neste caso, os bens atingidos não são bens particulares dos sócios, mas os bens que constituem a pessoa jurídica a que os sócios fazem parte.
Comumente ao constituir uma sociedade empresaria os sócios ou administradores integralizam bens, cotas, valores em uma pessoa jurídica para que estes bens constituam o patrimônio jurídico desta empresa e são esses bens que devem responder pela mesma. São bens próprios da pessoa jurídica e não podem ser confundido com os bens particulares dos sócios seguindo o principio da autonomia patrimonial.
Entretanto, todas as vezes que os sócios ou administradores usam o principio da autonomia patrimonial para burlar credores, mascarar bens, ocorre a confusão patrimonial onde não é possível fazer a clara separação dos bens o que são bens próprios da empresa e de que são bens dos sócios.
A confusão fica caracterizada quando o sócio com intuito de lesar credores pessoais conjugue, parentes esvazia todo o seu patrimônio pessoal em uma pessoa jurídica para que os bens integralizados nesta pessoa jurídica não sejam atingidos no caso de entrar em inadimplemento ou em caso de partilha. Tal fato pode ocorrer em uma sociedade limitada, fundações ou associações.
No caso de associações e fundações a dinâmica usada é o consorte sendo administrador ou controlador destes entes transferem bens comuns do casal para fundação ou associação.
Todavia, o fato de transferência de bens não é um ato ilícito, o simples ato de transferir, integralizar bens a uma empresa, fundação ou associação é correta a ilicitude apresenta-se quando a transferência serve de meio para lesar terceiros, para encobrir bens para que não seja passível de meação ou cumprimento de obrigação perante terceiros.
Todas as vezes que ocorre este fato é possível desconsiderar a autonomia patrimonial desta empresa, através da desconsideração inversa da pessoa jurídica. Neste caso os bens atingidos não são os bens pertencentes à pessoa física e sim os bens que constituem o patrimônio da pessoa jurídica.
Na verdade, os bens atingidos são os da pessoa física, pois os bens atribuídos à pessoa jurídica na verdade são de posse da pessoa física e foram integralizados na pessoa jurídica como meio de burlar obrigações com terceiros, de não honrar compromissos.
A fraude esta no ato do sócio da pessoa jurídica com intuito de lesar credores transferir bens particulares para a pessoa jurídica com objetivo de lesar, fraudar para que estes bens que são pessoais não sejam atingidos.
“A teoria inversa tem por finalidade afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para buscar os bens do devedor (pessoa física) que por meio de confusão patrimonial, compõe o acervo patrimonial da primeira” (BRAVO, 2013, p.72).
O pressuposto para a desconsideração inversa é a confusão patrimonial onde não é possível identificar com clareza o que é de uso da sociedade empresaria e o que é de uso pessoal dos sócios, é como se houvesse uma extensão do sócio a pessoa jurídica, não sendo fácil distinguir o termino e o inicio dos bens pertencentes à seara pessoal dos sócios.
O intuito desta “jogada” é camuflar estes bens transferidos para o patrimônio da pessoa jurídica, para que o mesmo não seja passível de meação, para que bens que fazem parte do bem comum da sociedade afetiva não sejam atingidos no momento da separação conjugal.
Geralmente o consorte lesado nem sabe desta manobra de que bens comuns à sociedade afetiva estão sendo desviado para uma pessoa jurídica, só tomando conhecimento de tal fato no momento da partilha.
Comumente também é um dos cônjuges ao adquirir um bem valioso colocar esse bem em nome da pessoa jurídica para que este bem não seja objeto de meação. Ou pode ocorrer que o consorte fraudulento não coloque o bem diretamente na pessoa jurídica, mas pode ser feita através de doação de quotas sociais para outro familiar ou transferir cotas sociais para outro sócio.
Todas essas manobras ocorrem com intuito destes bens não serem objeto de meação e após a partilha retomar esses bens ao cônjuge fraudulento, favorece assim o enriquecimento ilícito.
Enfim, o leque de modalidades para encobrir bens sob o manto da pessoa jurídica é grande e no caso da desconsideração inversa não leva em consideração o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou abuso de poder e sim se houve a confusão patrimonial sendo aqueles pressupostos consequências deste.
A desconsideração inversa ocorre também em casos de dividas com terceiros, ou seja, a insolvência. Em relação à insolvência no ordenamento jurídico pátrio tem previsão no § 5 do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que a sua personalidade, for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. São Paulo. 1ª ed. Rideel, 2015) e na Lei 9.605/98 da Lei ambiental. Artigo 4º “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízo causado a qualidade do meio ambiente” (Lei 9.605/98 de 12/02/1998, DOU de 13.2.1998, seção 1, pagina 1).
Perceba-se que em ambos os institutos a insolvência esta ligada a vulnerabilidade dos bens tutelados tanto no caso da relação consumerista entre clientes e fornecedor quanto a relação do meio ambiente.
Como a desconsideração inversa teve seu desenvolvimento na doutrina e jurisprudência. Para exemplificação citaremos abaixo vários conceitos da desconsideração inversa por diversos doutrinadores.
Para o professor Calixto Salomão Filho (1998, p.92) ocorre desconsideração inversa “(...) no caso em que o sócio tenha criado a aparência de negociar em nome da sociedade”.
Já para a professora Ana Caroline Santos Ceolin diz:
“Denomina-se “desconsideração inversa” o instrumento jurídico que permite prescindir da personalidade e da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizá-la por obrigação pessoal do sócio” (2002, p.127).
Para a professora Giselda M. F. Novaes discorre:
“Mister recordar que a desconsideração pode também dar-se de maneira “inversa”. Na desconsideração tradicional responsabiliza-se o sócio por divida formalmente imputada á sociedade, enquanto na modalidade inversa desconsidera-se a pessoa jurídica para responsabiliza-la por obrigação dos sócios” (2008, p.163).
Diante de tantos doutrinadores que admitem e reconhecem a desconsideração inversa mesmo que no ordenamento pátrio exigisse uma lei especifica para reconhecê-la seria possível sua aplicabilidade baseada na doutrina e por analogia ao artigo 50 do Código Civil.
Entretanto, no Brasil a aceitação da desconsideração ocorreu mais após o enunciado 283 da IV Jornada de Direito Civil do CJF ficando claro mais uma vez nosso direito pátrio desenvolve mais através de dispositivos do que pela doutrina. “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócios que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
Algumas decisões em que a teoria inversa foi utiliza nos tribunais:
Agravo de instrumento 1.0702.99.023535-1/001, Relatora Selma Marques, Publicação 18.05.2009, Improvimento. Ações de execução. Fraude à execução. Desconsideração da personalidade jurídica inversa. Desvio de finalidade ou confusão patrimonial comprovado. Decisão mantida. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil, deve ser aplicada com cautela, uma vez que constitui exceção ao principio de que a sociedade não se confunde com a pessoa de seus sócios. Presente a efetiva comprovação da fraude a execução, do desvio de finalidade ou confusão patrimonial e ainda da prática de atos irregulares, há de ser deferido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica inversa. Processo civil e civil. Recurso especial. Execução de titulo judicial. Art. 50 do CC/02. Desconsideração da personalidade jurídica inversa. Possibilidade. I A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ.II - Os embargos declaratórios tem como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal a quo pronuncia-se de forma clara e precisa sobre questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficiente para embasar a decisão, como ocorrido na espécie. III - A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV- Considerando-se que a finalidade da disregard é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previsto na norma. V- A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados.( Agravo de instrumento 1.0702.99.023535-1/001, Relatora Selma Marques, Publicação 18.05.2009)
Portanto, a desconsideração inversa tem o mesmo objetivo da desconsideração da personalidade jurídica coibir o mau uso da pessoa jurídica e reparar os danos causados por ela, sendo priorizado a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
4.1 Desconsideração inversa e o direito de família - dissolução afetiva
Um dos ramos do direito onde pode ser utilizada a desconsideração inversa é no direito de família. Ramo este que preconiza como deve ser a estrutura familiar, sua organização e proteção. O conceito de família ao longo do tempo mudou substancialmente, de acordo com a evolução da sociedade.
A Constituição Federal no artigo 226 §4º “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Nos primórdios o modelo de família era matrimonial e patriarcal, ou seja, concebia-se a família por intermédio do casamento e cabia ao homem o dever e o poder de coordenar a família, a ele, a figura paterna tinha o poder de vida e de morte perante os seus.
No Código Civil de 1916 o casamento caracterizava-se por ser uma entidade patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual, ao casar a mulher tornava-se relativamente incapaz, e o casamento era indissolúvel.
Até 1988 a família matrimonial era a única reconhecida em nosso ordenamento jurídico e com a evolução dos tempos, admitiram-se outras formas de constituição familiar, sendo prevista na Constituição Federal e tendo a mesma proteção de antes, como verificado no artigo 226 da Constituição Federal “família base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Hoje se admite várias formas de constituição familiar sendo: matrimonial, informal, homoafetiva, paralela, monoparental, anaparental, pluriparental, extensa, substituta e eudemonista.
Simultaneamente com a evolução familiar, evoluiu-se também o papel da mulher na sociedade, como dito anteriormente, a mulher ao casar tornava-se relativamente incapaz, não podia trabalhar sem autorização do marido, havia total dependência econômica do marido.
Hoje, a mulher conquistou seu espaço na sociedade, no campo de trabalho, e consequentemente espaço econômico. Embora com todas as conquistas das mulheres frente aos homens a vulnerabilidade delas economicamente perante eles ainda é perceptível.
Ao partir do momento que as mulheres juntamente com os homens passam a ser responsáveis pelo sustento familiar e por compor o patrimônio familiar, ocorrendo à dissolução desta família, deste vinculo afetivo tem que haver divisão de bens e essa divisão deve ser justa.
E é neste momento que se tem verificado um problema cada vez mais comum atualmente o uso de manobras para um dos consortes ludibriarem a parte contraria.
Comumente verificam-se brigas intermináveis em tribunais pela busca da divisão patrimonial da familiar adquirido ao longo da união conjugal.
Uma das manobras utilizada pelo consorte que tem a intenção de lesar patrimonialmente o cônjuge é no momento que se percebe que a união vai findar transferir bens pertencentes ao casal para uma pessoa jurídica para que estes bens não façam parte da partilha.
Esvazia-se todo o patrimônio pessoal e integraliza em uma pessoa jurídica na qual faça parte, para que estes bens não possam fazer parte da meação, e assim ocorre a lesão patrimonial.
E quando isso acontece o recurso jurídico que pode ser utilizado é a desconsideração inversa, onde é possível atingir os bens desta pessoa jurídica para alcançar os bens que fazem parte da partilha conjugal.
Nesta dinâmica de colocar bens pessoais em uma pessoa jurídica ocorre a confusão patrimonial, onde não tem a clareza do que pertence a pessoa jurídica e a pessoa física. Os bens estão em nome da pessoa jurídica, mas quem utiliza os bens é a pessoa física.
Em decorrência destes atos, verifica-se a injustiça na hora da meação da partilha, em que ambos os cônjuges lutaram para conquistar bens e na hora da partilha uma parte é ludibriada.
O ordenamento jurídico em contrapartida não poderia ficar de braços cruzados diante desta manobra fraudulenta e através da doutrina e jurisprudência desenvolveu a teoria da desconsideração jurídica para reparar ato tão nocivo à sociedade.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito de família é ampla pode ser aplicada tanto no casamento quanto na união estável sempre que o cônjuge empresário camuflar sob as vestes da pessoa jurídica as demandas conjugais.
Portanto, a desregard doctrine pode ser utilizado sempre que ficar comprovado que uma pessoa jurídica foi manipulada para esconder bens debaixo do véu da autonomia patrimonial, com intuito de lesar terceiros.
É possível através de a desconsideração inversa atingir os bens de uma sociedade empresaria, quando ficar comprovado que o consorte empresário integralizou bens comuns do casal em uma pessoa jurídica com a finalidade destes bens não entrarem na partilha conjugal. Lesando o cônjuge, causando prejuízo patrimonial.
Adepto a desconsideração da personalidade jurídica no direito de família, o professor Moacir César Pena Junior, diz:
“Ter sido finalmente criada às condições adequadas para bloquear os abusos e fraudes cometidos contra a dignidade da mulher parceira e dos filhos, com a transferência de bens comunicáveis para a empresa familiar, os quais depois são repassados para terceiros da exclusiva confiança do cônjuge fraudador, sendo de larga utilização a teoria da disregard no casamento e na união estável (2008,p.52).
Diante do uso da desconsideração inversa fica uma dúvida será que a desconsideração inversa não privilegia mais o credor particular do que os demais? Diante deste questionamento elucida o professor Calixto Salomão:
No caso imaginado, de transferência indevida de recursos à sociedade, a simples devolução da contrapartida dessa transferência ao credor (devolução essa devidamente limitada ao valor da transferência) não representaria qualquer diminuição de garantia. Nem mesmo qualquer agressão, direta ou indireta, ao capital da sociedade (já que a hipótese que esta se imaginando é a da transferência sem contrapartida consiste em aumento de capital contra emissão de ações ou quotas). Não há assim qualquer lesão aos credores sociais (1995,p.134).
Neste caso ocorre uma transferência indevida, pois os bens transferidos não foram com intuito de integraliza-lo na empresa e sim tão somente para mascarar tais bens no patrimônio jurídico para não ser alvo de meação e sendo assim deve-se retirar do capital da empresa e tirando esse capital da empresa não diminuiria seu capital, pois tais bens não pertenciam a mesma.
Outro questionamento seria a aplicação da penhora de bens no lugar de usar a desconsideração. Vale ressaltar diante deste questionamento que as sociedades empresariais podem ser: sociedades limitadas àquelas constituídas por pessoas ou sociedade anônimas aquelas constituídas por cotas ou ações.
Nas sociedades limitadas não cabe penhora, porque que as cotas fazem parte da sociedade e não dos seus sócios. Já nas sociedades anônimas cabe penhora, mas somente nos casos em que não tenha outros bens a executar.
Entretanto, não há o que se falar em penhora de cotas para satisfazer credores se ficar comprovado que há confusão patrimonial e entenda-se por confusão patrimonial integralizar bens pessoais como bens pertencentes à empresa.
Neste sentido em relação à confusão patrimonial o mestre Fábio Konder Comparato diz:
“Desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabiliza-la por obrigação dos sócios, pressupõe que a fraude coibida pela desconsideração ás avessas é basicamente o desvio de bens, feito pelo controlador da pessoa jurídica que muito embora esteja em nome da pessoa jurídica quem usufrui e administra pessoalmente é o próprio devedor” (2011,p.65).
No caso da aplicação da desconsideração inversa é invertido o ônus da prova, em virtude da hipossuficiência do cônjuge lesado em ter meios para comprovar a fraude ocorrida, fato que é comprovado através de quebra de sigilo bancário, documentos fiscais.
Conclui-se que a desconsideração inversa da personalidade jurídica através da ampla jurisprudência tem sido eficaz no combate do mau uso da personalidade jurídico, como meio de “esconder” bens comuns no patrimônio jurídico com o único intuito de lesar terceiros.
4.2 Desconsideração inversa no direito de família - ação de alimentos
A prioridade de todo ordenamento jurídico é a vida e a mantença da mesma e no direito brasileiro não seria diferente.
O poder publico lançou mão de normas e leis que preserve a prestação pecuniária que ofereça condições para que o alimentado tenha assegurado o seu direito.
O vinculo alimentar em geral cria-se da relação de parentesco entre pai e filho através do casamento ou concubinato, mas não é a única forma pode se estabelecer a obrigação alimentar por força de testamento ou indenização.
Devem-se prestar alimentos por questões de faixa etária, incapacidade laborativa ou enfermidade grave e por alimentos entende-se o sustento, a cura, o vestuário a casa.
Se o alimentado for menor cabe prover também a educação até a formação profissional, os alimentos são arbitrados em geral judicialmente e visa cobrir as despesas necessárias à subsistência do alimentado, sempre observando o binômio necessidade e possibilidade.
O artigo 244 do Código Penal Brasileiro prevê a pena de privação de liberdade para aquele que deixar de prover a prestação alimentar a quem é de direito.
Bem como a lei 5.478/68, lei de alimentos, tipifica como crime quando a empresa ou funcionário público deixa de prestar informações para instrução da fixação da prestação alimentar, e é considerado crime o abandono material, a livre vontade de não prestar alimentos a quem tem de direito.
O instituto da desconsideração inversa pode ser aplicado nas ações de alimentos sempre quando aquele que tem a obrigação de prestar alimentos usa a autonomia patrimonial com o intuito de se esquivar de sua obrigação, ou seja, utiliza de má fé a separação patrimonial para não prestar obrigação junto ao alimentado.
Através de ato fraudulento deixa de cumprir com o papel social de alimentar aquele que tem direito por lei, valendo-se de uma empresa para burlar a lei, normalmente o individuo “camufla” a real situação econômica para lesar direito do alimentado.
Uma das manobras utilizadas é integralizar bens pessoais em uma pessoa jurídica para que no momento de arbitrar o valor da pensão alimentícia não seja possível alcançar o verdadeiro poder aquisitivo do alimentante.
Em situações destas é possível desconstituir a personalidade jurídica para atingir os bens de sua autonomia patrimonial para que seja prestada o auxilio alimentar.
Neste sentido segundo o doutrinador Sergio Gilberto Porto, defende a aplicação da desconsideração em ação de alimentos:
O direito de família e em especial a matéria alimentar não pode conviver e/ou pactuar com a fraude, através do uso e abuso da personalidade jurídica. O direito não cria a realidade, o direito, em verdade, serve á realidade e se esta aponta para a existência de estratagemas onde certa pessoa física foge de suas obrigações e busca guarida sob o manto de uma pessoa jurídica é imprescindível que se supere a existência da personalidade jurídica, aos efeitos de assegurar a justa aplicação do direito contra a pessoa física que procura se valer da condição, por exemplo, de sócio (inclusive oculto) de determinada empresa. É, pois, dever do profissional jurídico usar dos meios necessários para a satisfação do direito violado ou ameaça e, dentre esses meios, evidentemente que uma arma eficaz contra a burla da realidade é exatamente a possibilidade da incidência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. (PORTO, 2003, p.125).
A desconsideração jurídica pode ser aplicada também na revisão da prestação alimentar. Todas as vezes que ficar comprovado que o mesmo transferiu seus bens particulares para o nome de uma pessoa jurídica ou sendo sócio ou administrador de uma empresa e transferir cotas em nome de terceiro para parecer que seus ganhos são menores.
Quando o alimentante não tem uma renda comprovado por holerite fica mais difícil de mensurar a real realidade econômica do mesmo. Não é raro o alimentante comprovar judicialmente uma situação econômica ínfima e ostentar outra realidade.
Neste caso pode ser aplicada a teoria da aparência, onde juiz fará seu convencimento acerca da prestação alimentar baseado na aparência de vida que o alimentante tem e não nos documentos comprobatório de renda.
É complicada também a comprovação da fonte de renda do alimentante quando é sócio ou administrador de uma empresa, pois pode ocorrer do mesmo usar do véu societário para dissimular a sua real situação econômica.
E são nessas situações que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é eficaz, onde podem ser reparadas tais situações e ao mesmo tempo é uma garantia para a prerrogativa da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
Contudo, fica claro que diante de manobras fraudulentas em que o alimentante usa de subterfúgios para esconder sua realidade econômica para escusar de prestar alimentos a quem tem direito, a tutela jurisdicional não poderia ficar inerte.
A prestação alimentar é de suma importância para o alimentado, visto que é essa prestação pecuniária que garante a sua subsistência e aquele que tem a obrigação de presta-la não pode ludibriar usando de má fé a prerrogativa da autonomia patrimonial.
Cabe a todos os operadores do direito, juízes, advogados utilizarem deste instituto para coibir essa covardia do enriquecimento ilícito em detrimento de outrem. Usar a desconsideração da personalidade jurídica nestes casos, não significa desprestigiar a pessoa jurídica quebrando sua autonomia, pelo contrario, essa prerrogativa, da desconsideração jurídica, visa prestigiar e proteger o instituto da pessoa jurídica que deve ser usada sempre visando à boa fé.
4.3 - Desconsideração da pessoa jurídica no novo código de processo civil
O Novo Código de Processo Civil, a Lei 13.105/15, que entrará em vigor março do próximo ano trouxe um capitulo que trata da desconsideração da personalidade jurídica, como a mesma deve ser instituída processualmente.
O incidente da desconsideração da personalidade jurídica como é denominada no Titulo III capitulo IV traz nos artigos 133 a 137 toda a normatização em torno do assunto.
A primeira novidade é que o incidente da desconsideração não ocorre processualmente de forma autônoma, sendo admitida em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de titulo extrajudicial, conforme previsão legal no artigo 134 do Novo Código de Processo Civil.
Com ingresso do Novo Código de Processo Civil esclarece de uma vez por todas que aplicar o incidente da desconsideração não é de ex oficio pelo juiz, mas deve ser requerida pelas partes ou pelo Ministério Público em ação que lhes couber, previsão no artigo 133 do Novo Código.
O Novo Código preconizou a efetivação do contraditório e da ampla defesa quando positivou no artigo 135 que logo após de requerida pela parte ou Ministério Público o incidente da desconsideração os administradores ou os sócios serão citados para que no prazo de quinze dias apresente sua manifestação.
Será dispensada a citação se o incidente for suscitado logo na petição inicial, casos contrários serão citados os sócios ou administradores que logo passarão a compor o polo passivo, e no prazo de apresentar sua defesa o processo ficará suspenso.
Outra novidade no Código é que teve previsão expressa da desconsideração inversa, sendo que anterior a este novo códex não havia nenhuma previsão legal em torno do assunto, ficando a cargo da doutrina e jurisprudência sua aplicação ou por analogia ao artigo 50 do Código Civil. O Novo Código Processual traz no § 2° a previsão do incidente inverso.
O incidente da desconsideração jurídica será resolvido por decisões interlocutórias, conforme artigo 136, e o recurso desta decisão serão por agravo de instrumento.
Há quem já veja alguns entraves no Novo Código de Processo Civil em relação à previsão da citação dos sócios ou administradores por conta da morosidade, sendo que anteriormente este instituto era dado de forma cautelar, por outro lado o Novo Código Civil deu total atenção ao principio do contraditório e ampla defesa para depois formular sua convicção em torno do assunto.
Entretanto, concedendo um capítulo para a desconsideração jurídica, fica clara a preocupação que o legislador tem em torno de preservar o instituto da personalidade jurídica, frente a sua importância no desenvolvimento social e econômico.
Preservando pela sua autonomia patrimonial e versando ao mesmo tempo pelo uso da pessoa jurídica em torno da boa fé, não permitindo que usem do véu societário de forma irresponsável e leviana com fins escusos a sua finalidade, tendo por objetivo lesar terceiro.
Sendo tal incidente processual previsto no Novo Código de Processo Civil, veio por fim a algumas duvida que ainda pairavam em torno do assunto, positivando esse assunto que surgiu através da jurisprudência e de casos concretos, provando mais uma vez que o direito não é estático e sim caminha sintonizado com a realidade social, para que alcance sua efetivação.
O capitulo IV do III titulo reforça que não se pode tolerar que use a pessoa jurídica como meio de burlar a lei, para prejudicar terceiros, e todas as vezes que tal ato for praticado deve ser coibido.
5 CONCLUSÃO
Surgiram as sociedades pelo fato do Estado não dar conta de suprir todas as necessidades do ser humano, homens se uniram em prol de um objetivo comum dividir tarefas e obrigações para produzir bens e consequentemente atingir lucro, e diante dessas associações de pessoas o Estado regularizou procurou mecanismo para regularizar a mesma criando as regras e normas para constituir a pessoa jurídica.
A pessoa jurídica traz consigo direitos e deveres, visto a importância desta para o desenvolvimento social, porque através delas obtém-se geração de renda e emprego, o Estado procurou mecanismos que dessem segurança aos indivíduos que se aventuram-se para criação de uma sociedade, surgi então a autonomia patrimonial, onde os bens pessoais das pessoas físicas pertencente a uma sociedade não poderia ser responsabilizado por obrigações da sociedade empresaria.
O chamado véu da personalidade jurídica, a autonomia patrimonial a separação entre os bens constituintes da personalidade jurídica e os bens sociais dos sócios. Tanto patrimônio pessoal quanto o patrimônio da pessoa jurídica não podem se difundir, o que o Estado queria com o advento da autonomia patrimonial é limitar a responsabilidade dos sócios de uma empresa.
A intenção Estatal era dar segurança para aqueles que constituírem uma pessoa jurídica, porque não seria viável colocar em risco todo o patrimônio pessoal caso essa empreitada jurídica não desse certo. Dai a necessidade de ao constituir uma empresa haver também a constituição do patrimônio próprio desta empresa e este patrimônio serem responsável pelas obrigações da empresa.
A autonomia patrimonial visa dar limite à responsabilidade dos sócios, e as obrigações desta empresa seriam supridas pelo patrimônio jurídico desta empresa e não do patrimônio pessoal.
Entretanto, ao passo que a autonomia patrimonial é de suma importância para o desenvolvimento social, este mesmo instituto tem sido usado para cometer fraudes e prejuízos a terceiros, a autonomia patrimonial, o véu societário que até então parecia ser indissolúvel tem sido usado por sócios ou administradores com intuito de cometer atos ilícitos.
É através do desvio de finalidade da pessoa jurídica, abuso de poder ou confusões patrimoniais são cometidos atos ilícitos contra terceiros por parte de administradores e sócios fraudulentos.
A artimanha é se utilizar da autonomia patrimonial para camuflar bens para que estes bens não sejam atingidos para cumprir obrigações ou ser objeto de partilhas.
E o direito que é uma ciência evolutiva que acompanha o desenvolvimento social desenvolveu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para coibir tais atos, para dar segurança aos credores e para segurar a mantença da personalidade jurídica que não pode servir de meio para cometer atos ilícitos.
E ao passo que a doutrina e jurisprudência foram desenvolvendo esta teoria a mesma foi ganhando corpo, e chegou ao ordenamento jurídico brasileiro, visto que essa teoria surgiu no direito anglo saxônico.
No nosso ordenamento foi recepcionado pelo Código de defesa do consumidor, mais tarde introduzido no Código Civil vigente pelo artigo 50. Vários doutrinadores e juristas trabalharam em cima do tema até que ganhasse espaço em nossos tribunais.
A desconsideração da personalidade jurídica vai além de um instituto jurídico é uma ferramenta social, porque coibi o enriquecimento ilícito, ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica vai de encontro com a função social do direito, a prestação jurisdicional não visa somente resolver conflitos existentes na sociedade, mas gerar mecanismos para coibir atos ilícitos.
A desconsideração da personalidade jurídica tem alcance em diversos ramos do direito, como direito tributário, direito consumidor, direito de família, direito empresarial. Tal instituto não visa somente reparar danos causados a terceiros por meio da fraude, dissimulação, mas também proteger o instituto da pessoa jurídica que não pode estar desprotegido a mercê de atos fraudulentos.
A função de todos os indivíduos de uma sociedade ou pelo menos o que se espera é que haja sempre com boa fé em todos os atos de sua vida, a partir do momento que os administradores ou sócios de uma sociedade empresaria lança da autonomia patrimonial para cometer tais atos ilícitos deve ser coibido.
E neste sentido a desconsideração da personalidade jurídica vem alcançando o que se busca com este incidente como vem nomeado pelo Novo Código Civil não é despersonalizar a pessoa jurídica, mas somente desconsiderar atos que foram de contra mão da lei e reparar danos causados a terceiros.
Essa é a função do direito e todos os operadores do direito buscar mecanismos para resolver conflitos, buscar a justiça e coibir atos ilícitos e a desconsideração da pessoa jurídica vem atingido esse papel, repara danos causados a terceiros, coibir atos ilícitos e garantir a mantença da pessoa jurídica que é de suma importância para o desenvolvimento social.
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