A atuação dos Tribunais de Contas face a exigências editalícias abusivas

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Este trabalho tem como intuito versar acerca da atuação dos Tribunais de Contas diante de exigência editalícias tidas como abusivas ou ilegais, caracterizando, ou não, direcionamento do procedimento licitatório.

Conforme observado no decorrer deste trabalho, foi conferida aos Tribunais de Contas a competência para fiscalizar a aplicação de todos os recursos públicos, incluindo-se, portanto, neste conceito, os procedimentos licitatórios.

Neste tocante, havendo exigências editalícias que contrariem texto de lei ou que reduzam a esfera de licitantes, prejudicando, assim, direta ou indiretamente o erário, os Tribunais de Contas deverão agir com fito de penalizar os responsáveis com as sanções cabíveis ou suspender a licitação, no caso de realização de Denúncia ou Provocação durante o trâmite do certame.

1       O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO CONTROLE DE LICITAÇÕES: BREVES NOÇÕES DO DIREITO COMPARADO

A fiscalização dos procedimentos licitatórios é de responsabilidade dos Tribunais de Contas, porquanto estes possuem a competência para fiscalizar os dispêndios públicos. Neste sentido, Marina Morena Alves Coelho (2009) esclarece:

A fiscalização das licitações, por meio de um procedimento externo de controle, como forma de garantir a legalidade dos atos públicos, evitar fraudes e manipulação, foi entregue indiretamente ao Legislativo e de forma direta ao Tribunal de Contas, que é autônomo e independente.

Como fiscal das finanças públicas, cabe aos Tribunais de Contas verificarem a adequação entre os pressupostos de fato e os de direito que justificaram a escolha feita pelo gestor público, observando, inclusive, se há indícios de desvio de finalidade ou abuso de poder (GUIMARÃES, Edgar, 2006).

Neste sentido, o controle externo exercido pelos Tribunais de Contas nos processos licitatórios é de extrema importância à observância da legalidade das despesas, evitando a apropriação indébita dos recursos públicos.

Edgar Guimarães (2006) afirma, ainda:

Assim, a Constituição Federal reputou ao controle externo exercido pelo Tribunal de Contas uma significativa importância chegando a ponto de impingir ao agente público responsável pelo controle interno o dever de, ao tomar conhecimento de irregularidades ou ilegalidades no exercício da função administrativa, informar ao mencionado Tribunal a sua ocorrência, sob pena de, em caso de omissão, responder solidariamente com aquele que praticou o ato ilegal, conforme intelecção do § 1º do artigo 74.

A previsão de responsabilidade solidária do gestor que, a par de alguma irregularidade, deixou de informa-la, encontra respaldo no poder/dever de polícia do gestor público, que não pode se omitir ao se deparar com alguma irregularidade.

O inciso IV do art. 71 da Constituição Federal estabelece:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

[...]

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

Nesse sentido, Régis Fernandes de Oliveira (2010, p.565) leciona acerca da competência dos Tribunais de Contas prevista no dispositivo supratranscrito. Vejamos:

São as denominadas “auditorias” ou “correições” ou “fiscalizações”, que são determinadas pelos agentes hierarquicamente superiores aos subalternos, exigindo documentos ou comprovação das despesas. É fundamental que as inspeções não se limitem ao mero exame formal dos documentos exibidos. Aí haveria mero exame contábil ou financeiro. É imprescindível que os auditores se vistam da competência que a Constituição lhes outorgou e fiscalizem o efetivo destino das verbas públicas. Devem ultrapassar o mero exame contábil ou documental. Devem ingressar no próprio merecimento da despesa. Somente assim é que se poderá realizar efetivo desempenho de fiscalização.

Deste modo, os inspetores designados à fiscalização de uma licitação devem observar não só os aspectos documentais que levaram uma empresa a vencer o procedimento, mas também a licitação como um todo, verificando a legalidade das exigências aos licitantes.

Para tanto, os Tribunais de Contas devem, ainda, nessa ocasião, verificar a legalidade de eventuais decisões da Comissão de Licitação ou do Pregoeiro face a Impugnações ao Instrumento Convocatório apresentada, porquanto estas devem estar devidamente fundamentadas na lei ou na jurisprudência hodierna, sob pena de nulidade.

O Tribunal de Contas da União, em seu sítio eletrônico, elucida acerca das diferentes funções de controle dos Tribunais de Contas:

As auditorias obedecem a plano específico e objetivam: obter dados de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial; conhecer a organização e o funcionamento dos órgãos e entidades, avaliar, do ponto de vista do desempenho operacional, suas atividades e sistemas; e aferir os resultados alcançados pelos programas e projetos governamentais.

As inspeções, por sua vez, visam suprir omissões e lacunas de informações, esclarecer dúvidas ou apurar denúncias quanto à legalidade e à legitimidade de atos e fatos administrativos praticados por responsáveis sujeitos à jurisdição do Tribunal.

As fiscalizações voltadas para a legalidade e a legitimidade têm como parâmetro, evidentemente, a lei e os regulamentos. Suas conclusões dão ao TCU elementos para julgar, para fazer determinações aos gestores e, inclusive, para aplicar-lhes sanções em caso de infringência do ordenamento jurídico.

Já as fiscalizações de natureza operacional têm como objetivo definir padrões de desempenho e avaliar os resultados da gestão à luz de parâmetros de eficiência, eficácia e economicidade. Como as decisões do administrador, respeitadas as normas legais, situam-se no campo da discricionariedade, as conclusões atingidas por essa modalidade de fiscalização dão origem a recomendações, que são encaminhadas ao órgão ou entidade fiscalizada.

Destarte podemos dividir o controle realizado pelos Tribunais de Contas no âmbito das licitações em dois momentos: a priori e a posteriori.

O controle a priori, também denominado prévio, ocorre quando, no decorrer de uma inspeção realizada ante uma Unidade Gestora, são verificadas irregularidades no certame. Nesta situação, a respectiva Inspetoria deve abrir uma Provocação ao Tribunal de Contas, a fim de que sejam apuradas sob a égide legal as irregularidades vislumbradas.

De outro modo, a fiscalização a posteriori consiste naquela realizada depois de encerrado o procedimento licitatório, já na execução dos serviços ou, até mesmo, após sua finalização.

Neste caso, a fiscalização não foi realizada em primeiro momento, mas somente após a assinatura do contrato e emissão das respectivas notas de empenho, que consiste no instrumento por meio do qual os prestadores são pagos, e, portanto, não foi capaz de sanar o vício antes da produção de seus efeitos.

A doutrina elege três modelos clássicos de Tribunais de Contas: o francês, o italiano e o belga.

O Tribunal de Contas Francês (Cour de Comptes) tem como característica o controle a posteriori, deveras criticada, posto que a referida Corte Contas apenas utiliza esta modalidade de fiscalização de despesas. Acerca do assunto, Marianna Montebello (1999) leciona:

A fiscalização financeira francesa, a cargo da Cour des Comptes, apresenta como nota característica o fato de ser exercida a posteriori, ou seja, depois de já efetuada a despesa. Inspira-se no conceito de Thiers: "um pouco de confiança, antes de feita a despesa; muita fiscalização depois."

O referido modelo de controle das finanças públicas é bastante criticado pois, em verdade, apenas dispêndios já consumados são avaliados. O órgão fiscal se limita a tomar providências de caráter repressivo, comunicando o ato ilegal ao Parlamento para posterior apuração de responsabilidades. [...]

Não obstante, neste tipo de controle deve-se atentar para o fato de que os serviços já foram efetivamente prestados.

No Brasil, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça - STJ é de que, nestes casos, os prestadores deverão ser indenizados proporcionalmente ao serviço prestado, a fim de se evitar o locupletamento ilícito do Estado.

Neste sentido, vejamos decisão do referido Tribunal no Agravo Regimental no Recurso Especial 1383177:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC. CONTRATO ADMINISTRATIVO NULO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE O ENTE PÚBLICO EFETUAR O PAGAMENTO PELOS SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. 1. Não há violação dos arts. 458 e 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, "ainda que o contrato realizado com a Administração Pública seja nulo, por ausência de prévia licitação, o ente público não poderá deixar de efetuar o pagamento pelos serviços prestados ou pelos prejuízos decorrentes da administração, desde que comprovados, ressalvada a hipótese de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade" (AgRg no Ag 1056922/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJ de 11 de março de 2009). 3. Hipótese em que comprovada a existência da dívida, qual seja, prestado o serviço pela empresa contratada e ausente a contraprestação (pagamento) pelo município, a ausência de licitação não é capaz de afastar o direito da ora agravada de receber o que lhe é devido pelos serviços prestados. O entendimento contrário faz prevalecer o enriquecimento ilícito, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no REsp: 1383177 MA 2013/0138049-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 15/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2013)

O Tribunal de Contas italiano (Corti di Conti), por sua vez, tem sua previsão no art. 100 da Constituição da República Italiana de 1947, a seguir transcrito, o qual dispõe acerca dos controles preventivos e sucessivos que exerce:

Art. 100. (...) A Corte de Contas exerce o controle preventivo de legitimidade sobre os atos do governo e, ainda, o sucessivo sobre a gestão orçamentária do Estado. Participa, nos casos e nas formas estabelecidas pelas leis, do controle sobre a gestão financeira dos entes aos quais o Estado contribui ordinariamente.

Neste aspecto, considerando a existência simultânea das duas formas de controle, o Tribunal de Contas brasileiro possui maior semelhança com a Corti di Conte italiana, não obstante ao fato de a jurisdição desta ser consideravelmente maior (NASCIMENTO, Guilherme Alves, 2011, p. 23)

Por fim, a Corte de Contas da Bélgica adota um controle prévio dos atos Administrativos, conforme Marianna Montebello (1999) elucida:

A fiscalização orçamentária na Bélgica se caracteriza pelo exame prévio, evitando, assim, atentados contra sua fiel execução. Todavia, não chega ao extremo de, à semelhança do sistema italiano, adotar o veto absoluto, o qual, em verdade, acaba por anular quaisquer iniciativas governamentais. Em nenhuma hipótese, na Bélgica, poderá ocorrer a recusa definitiva de registro; o que pode ocorrer, isto sim, é o veto relativo, abrindo a possibilidade de, se o Poder Executivo insistir na despesa recusada, esta vir a realizar-se, mas sob a responsabilidade exclusiva do executor do orçamento.

Extremadas, em linhas gerais, as características marcantes daqueles apontados como os clássicos sistemas de Tribunais de Contas, não parece difícil concluir que os melhores resultados têm sido apresentados pelo modelo belga, que, afinal, conciliou e aprimorou as duas tendências que lhe antecederam.

Deste modo, o que se pode perceber dentre os três modelos clássicos de Cortes de Conta é que estes se diferenciam pelo momento em que realizam o controle da despesa. Enquanto a Corte da França exerce o controle a posteriori dos atos, de forma notoriamente repressiva; os Tribunais de Contas da Bélgica e da Itália caracterizam-se pela fiscalização a priori, ressaltando-se, porém que o sistema italiano se reveste de uma rigidez não consagrada pela Corte belga (MONTEBELLO, Marianna, 1999).

2       PREVISÕES EDITALÍCIAS ABUSIVAS

Ante o exposto, podemos depreender que sendo constatadas exigências editalícias as quais contrariem texto de lei ou reduzam a esfera de licitantes, em notório descumprimento aos princípios norteadores do procedimento licitatório, é dever dos Tribunais de Contas, ainda que de ofício, fazer a devida fiscalização, bem como determinar as devidas providências necessárias a sanar o ato e/ou aplicar as sanções cabíveis aos responsáveis.

Marçal Justen Filho (2012, p. 784) doutrina sobre os vícios no Instrumento Convocatório:

O edital também pode ser viciado por defeitos na disciplina adotada. Isso de verificará quando inexistir vínculo entre as exigências ou as opções contidas no edital e o interesse coletivo ou supraindividual concretamente identificável na hipótese. Isso se passa, fundamentalmente, nos caso de:

{C}a)      {C}exigência incompatível com o sistema jurídico;

{C}b)      {C}desnecessidade da exigência;

{C}c)       inadequação da opção exercitada no ato convocatório relativamente ao objeto da licitação.

O edital deverá subordinar-se aos preceitos constitucionais e legais. Não poderá conter proibições ou exigências que eliminem o exercício do direito de licitar, importem distinções indevidas ou acarretem preferências arbitrárias. Toda exigência formal ou material prevista no edital tem função instrumental. Nenhuma exigência se justifica por si própria. O requisito previsto no edital de identifica como instrumento de assegurar (ou reduzir o risco de não se obter) as funções atribuídas ao Estado. Assim, o “interesse público” concreto a que se orienta a licitação se identifica com o “fim” a ser atingido. Todas as exigências se caracterizam como “meios” de conseguir aquele fim. Logo, a inexistência de vínculo lógico entre a exigência se ela for qualificável, em juízo lógico, como necessária à consecução do “fim”.

Neste diapasão, o Supremo Tribunal Federal já manifestou o seu entendimento na ADI n° 3.070/RN, acerca da exigência de qualificações técnicas e econômicas desnecessárias ao certame:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Licitação. Análise da proposta mais vantajosa. Discriminação Arbitrária. Isonomia. Princípio da Isonomia. Afronta ao Disposto nos artigos 5°, caput; 19, inciso III, inciso XXI e 175 da Constituição do Brasil. A licitação é um procedimento que visa a à [sic] satisfação d [sic] interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quanto pretendem acesso às contratações da Administração. A Lei, pode sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que se possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

(STF, ADI n° 3.070/RN, Plenário, relator Min. Eros Grau, j. em 29/11/2007, DJ 19/12/2007)

Quanto à qualificação técnica dos licitantes, o art. 30 do Estatuto Licitatório dispõe os documentos aptos e suficientes a comprovar a aptidão da empresa:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;

II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;

IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.

Assim, qualquer exigência não prevista no dispositivo em alusão fere a competitividade do certame.

Destarte, tendo em vista que são incontáveis as situações em que pode haver a limitação do número de licitantes em razão dos referidos vícios no edital, serão abordados neste trabalho somente alguns casos, a título exemplificativo.

Dentre as situações acima explanadas, podemos citar a exigência pela Administração Pública de mais de uma Certidão de Acervo Técnico – CAT do licitante.

Sobre o assunto, Gasparini (2004) leciona:

Observe-se a seguinte situação: para demonstrar que alguém tem capacidade técnica para executar uma determinada obra não precisamos de 5, 8, 10 ou mais atestados de capacidade técnica, basta um, desde que a capacidade técnica atestada seja similar à necessária à execução do objeto que pretendemos. Qual é o problema? Se exigirmos mais, quando não é necessário, pode ocorrer que alguns licitantes com plena capacidade técnica para executar o objeto da licitação sejam alijados do procedimento, pois não têm todos esses atestados. É uma exigência, portanto, que afronta o princípio da competitividade e a todo custo deve ser evitada.

Ainda neste sentido, o §5º do art. 30 da Lei 8.666/93 dispõe:

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Art. 30, § 5º: É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.

Segundo o entendimento do TCU, exposado nas jurisprudências abaixo (Acórdãos 3.170/2011-Plenário e 1.948/2011-Plenário):

É indevido o estabelecimento de número mínimo de atestados de capacidade técnica, a não ser que a especificidade do objeto o recomende, situação em que os motivos de fato e de direito deverão estar devidamente explicitados no processo administrativo da licitação. (TCU, AC-3.170/2011-Plenário, REPR 028.274/2011-3, relator Ministro Marcos Bemquerer Costa, 30.11.2011)

Nesse prisma, ressalto que, em regra, a exigência de mais de um atestado de capacidade técnica (mínimo dois), fornecidos por empresas diferentes, restringe a competitividade do certame, violando o art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que, nos processos de licitação pública, somente serão admitidas as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações que serão contratadas. (TCU, AC-1.948/2011-Plenário, REPR 005.929/2011-3, relator Ministro Marcos Bemquerer Costa, 27.07.2011)

Deste modo, a Administração não pode arbitrariamente fixar um número mínimo de atestados sem fundamentar sua exigência, sob pena de atentar contra a competitividade do certame.

O art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal dispõe:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Neste sentido, pode-se perceber que qualquer exigência que não seja indispensável à garantia do cumprimento das obrigações é abusiva, posto que tolhe o direito de empresas que efetivamente possuem capacidade técnica necessária de participar das licitação.

Segundo o que dispõe o art. 40, inciso I, da Lei de Licitações, a descrição do objeto da licitação deve ser sucinta e clara.

Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

I - objeto da licitação, em descrição sucinta e clara;[...]

Quando a licitação disser respeito a obras, o art. 6º, inciso IX, dispõe que esta descrição deve ser feita no projeto básico, que deverá conter, além de outros elementos, a descrição dos serviços e dos materiais e equipamentos a serem empregados e incorporados à obra e as suas especificações, a fim de assegurar os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar a competitividade do certame.

Art. 6º.  Para os fins desta Lei, considera-se:[...]

IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;

Sobre o assunto, segue excerto do Informativo de Licitações e Contrato nº 250 (2015) do TCU que versa sobre a quantidade exagerada e desnecessária das características do objeto da licitação:

O excessivo detalhamento das características do imóvel que se pretende adquirir ou alugar, sem a demonstração da necessidade dessas particularidades, evidencia restrição ao caráter competitivo do certame e direcionamento da contratação.

O art. 7º, § 5º, do Estatuto das Licitações, veda a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade entre si ou de marcas e características específicas, salvo nos casos em que a exigência for tecnicamente justificável. 

Art. 7º. As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência: [...]

§5º. É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.

O entendimento do TCU, consubstanciado no Acórdão 1781/2010 - Plenário, abaixo transcrito, é de que a descrição de objeto com características desnecessárias ao atendimento do interesse público, quando não indispensável ao cumprimento das obrigações, constitui restrição à competitividade.

Importa sublinhar que não existe, no processo, qualquer justificativa técnica para a exigência da espécie do aço em questão, de modo que a vemos como desnecessária, indevida, caracterizando restrição da competitividade do certame, atentando contra o plasmado no inciso I do § 7º do art. 15 e § 5º do art. 7º da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, c/c o art. 9º da Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002, bem assim contra o Decreto n. 5.450, de 31 de maio de 2005[...].(TCU, AC-1781/2010-Plenário, DEN 010.410/2010-4, relator Ministro Marcos Bemquerer Costa, 29.07.2010)

Outra prática também vedada é a exigência de comprovação de propriedade pela licitante ainda em fase habilitatória, expressamente estabelecida no artigo 20, §1º, da Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, que dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços:

Art. 20. É vedado à Administração fixar nos instrumentos convocatórios: [...]

§1º Exigências de comprovação de propriedade, apresentação de laudos e licenças de qualquer espécie só serão devidas pelo vencedor da licitação; dos proponentes poder-se-á requisitar tão somente declaração de disponibilidade ou de que a empresa reúne condições de apresentá-los no momento oportuno.

No que tange à visita técnica às vezes prevista em Edital, constitui entendimento atual do TCU a vedação ao estabelecimento de dia e horário únicos, posto que tal medida restringe a competitividade do certame. Do mesmo modo, não se pode exigir que a visita seja realizada pelo representante legal da empresa.

Ora vejamos o Acórdão nº 234/2015-Plenário, oriundo da Tomada de Contas nº 014.382/2011-3, que versa sobre o tema em alusão:

Também sobre a exigência de atestado de visitação ao local da obra por profissional do quadro permanente da licitante, apontada na Auditoria realizada nas obras de construção do Contorno Ferroviário de Três Lagoas/MS, registrou o relator que afrontara a jurisprudência do Tribunal, a qual aponta no sentido de que a vistoria, quando exigida, não deve sofrer condicionantes, por parte da Administração, que resultem em ônus desnecessário às licitantes e importem restrição injustificada à competitividade do certame, podendo ser realizada por qualquer preposto das licitantes, a fim de ampliar a competitividade do procedimento licitatório.

Nesse sentido, defendeu ser possível, nos casos em que a exigência de vistoria técnica se mostrar necessária, que os licitantes contratem um técnico ou outro profissional para esse fim específico, que posteriormente passaria as informações necessárias ao responsável pela execução do contrato, caso a empresa se sagrasse vencedora?. Relembrou ainda o voto condutor do Acórdão 785/2012-Plenário, o qual afirma que "em tese, não há óbices para que a visita técnica seja feita por profissional terceirizado pela empresa, sendo razoável, somente, exigir que o mesmo possua conhecimento técnico suficiente para tal incumbência". Caracterizada a frustração ao caráter competitivo do certame, o Tribunal, na linha defendida pelo relator, rejeitou as razões de justificativas apresentadas pelos responsáveis, aplicando-lhes a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/92. (TCU, AC-234/2015-Plenário, TC 014.382/2011-3, relator Ministro Benjamin Zymler, 11.2.2015)

Outro exemplo que constitui abuso da Administração Pública em suas exigências é o estabelecimento no Edital de que o licitante esteja inscrito em órgão profissional não correspondente ao objeto da licitação, de acordo com o entendimento do TCU, exposado no Informativo de Licitações e contratos – TCU – nº 256, abaixo transcrito:

Nas licitações públicas, é irregular a exigência de que as empresas de locação de mão de obra estejam registradas no Conselho Regional de Administração, uma vez que a obrigatoriedade de inscrição de empresa em determinado conselho é definida em razão de sua atividade básica ou em relação àquela pela qual preste serviços a terceiros, nos termos do art. 1º da Lei 6.839/80.

Neste sentido, Marçal (2012, p. 493) levanta uma problemática nos caso de objetos de natureza complexa:

Por outro lado, problema relevante surge quando o objeto licitado apresenta natureza complexa e envolve a conjugação de atividades de diferente ordem. A especialização das profissões produziu o surgimento de inúmeros órgãos de controle. Poder-se-ia imaginar que o licitante seria obrigado a comprovar inscrição em face de uma pluralidade de entidades distintas

Isto posto, ante qualquer exigência estabelecida em Edital que cerceie arbitrariamente o direito de potenciais licitantes a participar do processo licitatório, em detrimento do Princípio da Competitividade, e inviabilizando o alcance da proposta mais vantajosa, é dever dos Tribunais de contas, de ofício ou mediante provocação, apurar os vícios e aplicar as medidas cabíveis a cada caso.

 3       SANÇÕES APLICÁVEIS

Destarte, uma vez comprovadas eventuais irregularidades no Processo Licitatório, conforme já se foi observado, é papel dos Tribunais de Contas aplicarem as sanções cabíveis aos gestores e demais responsáveis dentro das especificidades de cada caso.

Regis Fernandes de Oliveira (2010, p. 566) comenta acerca da necessidade de proporcionalidade na cominação de penalidades, bem como sobre a necessidade da tipicidade da infração para atribuir-lhe uma penalidade:

Incumbe ao Tribunal de Contas “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário” (art. 71, VIII). Evidente está que todo órgão que tem o poder de fiscalizar incumbe o de aplicar sanções ante a presença de infração administrativa. A lei estabelecerá a graduação. A  Constituição Federal estabeleceu, desde log, a de multa, que deverá ser proporcional ao dano causado ao erário. O dispositivo necessita de lei para ser aplicado. Em matéria punitiva, exigem-se a legalidade e a tipicidade das infrações e sanções.

Para tanto, deve ser observado, ainda, para enquadramento das devidas providências, o momento da fiscalização, conforme já demonstrado.

Caso o controle tenha sido concomitante, ou seja, se o órgão tiver detectado irregularidades durante a realização da despesa, havendo a possibilidade de uma solução administrativa, o Tribunal de Contas deverá realizar o saneamento do ato, perpetrando o refazimento do anterior e dando-lhe as condições de validade necessárias no âmbito jurídico (OLIVEIRA, Régis Fernandes, 2010, p. 566).

Como podemos verificar no Processo 013.598/2012-0, havendo a possibilidade de correção do ato, o Tribunal de Contas deverá conceder um prazo para que este seja devidamente retificado:

Observou-se que os critérios de medição para o serviço de "Destinação final de resíduos de macrodrenagem - classe II (material proveniente da limpeza, escavação e dragagem de solo mole)" não está devidamente definido no Edital de Concorrência 17/2012 e seus anexos. A partir dessa indefinição, verificou-se que a realização do controle e da fiscalização da execução desses serviços restaria prejudicada.  [...]

Desta forma, adotando a metodologia traçada pela Caixa na análise do empreendimento, a equipe de auditoria entende como indispensável a apresentação de documentação comprobatória acerca da real execução dos serviços ora analisados, contendo, entre outros documentos, registros de entrada ou saída de caminhões devidamente pesados e aprovados pelo fiscal do contratado.

Deve-se ressaltar, ainda, a necessidade de se estabelecer uma metodologia com o fim de se identificar o tipo de solo que está sendo considerado como resíduo proveniente de solo mole, quando da realização dos serviços. A consideração inadequada de outros materiais como sendo o item em análise poderia ensejar pagamentos por serviços executados de forma indevida.

Ante os fatos descritos, percebe-se a necessidade de que sejam estabelecidos critérios precisos e claros de medição para o serviço analisado, bem como uma metodologia adequada de fiscalização.

Assim, propõe-se a realização de determinação à Prefeitura de Vila Velha/ES para que estabeleça critérios de medição para o serviço de "destinação final de resíduos de macrodrenagem - classe II (material proveniente da limpeza, escavação e dragagem de solo mole)", que é materialmente relevante, representando 10,86% do valor total estimado da obra, de forma a detalhar como será realizado o controle e a fiscalização de sua execução.

(TCU, AC-0033-01/13-Plenário, Relator: Ministro Aroldo Cedraz, Processo: 013.598/2012, Julgado em 23/01/2013)

Neste aspecto, estão incluídas as possibilidades de aditamento do contrato e, até, anulação do certame, senão vejamos o Acórdão 1664/2015- Plenário e o Acórdão nº 2300/2007-Plenário, ambos do TCU:

[...]II. Omissão do orçamento-base quanto à desoneração de tributos incidentes sobre a mão-de-obra prevista nas Medidas Provisórias 601/2012 e 610/2013 (convertida na Lei 12.844/2013) [...]

158. Por fim, cabe ressaltar que foi publicada a Lei 13.043/2014, que tornou definitiva a desoneração da folha, entre outras providências, sendo necessário que a UFF também observe a aludida lei na execução do contrato para a construção do novo prédio da Faculdade de Farmácia da UFF.

159. Dessa forma, propõe-se determinar que a UFF apresente, em até 60 dias, termo aditivo comprovando que a alteração no orçamento contratado na obra ocorreu, de modo a contemplar a desoneração da folha de pagamentos não prevista inicialmente no orçamento base da licitação. [...]

(TCU, AC 1664/2015-Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, Julgado em 08/07/2015)

REPRESENTAÇÃO. SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA REALIZAÇÃO DE PREGÃO ELETRÔNICO. ESPECIFICAÇÃO DE MARCA. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA PROVIDÊNICAS NECESSÁRIAS À ANULAÇÃO DO CERTAME. DETERMINAÇÕES.

1. É ilegal a indicação de marcas, nos termos do § 7º do art. 15 da Lei 8.666/93, salvo quando devidamente justificada por critérios técnicos ou expressamente indicativa da qualidade do material a ser adquirido.

2. Quando necessária a indicação de marca como referência de qualidade ou facilitação da descrição do objeto, deve esta ser seguida das expressões “ou equivalente”, “ou similar” e “ou de melhor qualidade”, devendo, nesse caso, o produto ser aceito de fato e sem restrições pela Administração.

3. Pode, ainda, a administração inserir em seus editais cláusula prevendo a necessidade de a empresa participante do certame demonstrar, por meio de laudo expedido por laboratório ou instituto idôneo, o desempenho, qualidade e produtividade compatível com o produto similar ou equivalente à marca referência mencionada no edital.

(TCU, AC-2.300/2007, Plenário, Rel. Min. Aroldo Cedraz, Julgado em 05/11/2007).

Os arts. 251 e 252 do Regimento Interno do TCU dispõem acerca das providências cabíveis no caso de constatação de irregularidade no contrato em execução:

Art. 251. Verificada a ilegalidade de ato ou contrato em execução, o Tribunal assinará prazo de até quinze dias para que o responsável adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, com indicação expressa dos dispositivos a serem observados, sem prejuízo do disposto no inciso IV do caput e nos §§ 1º e 2º do artigo anterior.

§ 1º No caso de ato administrativo, o Tribunal, se não atendido:

I – sustará a execução do ato impugnado;

II – comunicará a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

III – aplicará ao responsável, no próprio processo de fiscalização, a multa prevista no inciso VII do art. 268.

§ 2º No caso de contrato, o Tribunal, se não atendido, adotará a providência prevista no inciso III do parágrafo anterior e comunicará o fato ao Congresso Nacional, a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar, de imediato, ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

§ 3º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito da sustação do contrato.

§ 4º Verificada a hipótese do parágrafo anterior, e se decidir sustar o contrato, o Tribunal:

I – determinará ao responsável que, no prazo de quinze dias, adote as medidas necessárias ao cumprimento da decisão;

II – comunicará o decidido ao Congresso Nacional e à autoridade de nível ministerial competente.

Art. 252. Se configurada a ocorrência de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, o Tribunal ordenará, desde logo, a conversão do processo em tomada de contas especial, salvo na hipótese prevista no art. 213.

Parágrafo único. Caso a tomada de contas especial envolva responsável por contas ordinárias, deverá ser observado o disposto no art. 206.

Dentre os procedimentos adotados face a irregularidades observadas em contrato em execução podemos citar a sustação do ato eivado de vício e a aplicação da multa prevista no art. 268, VII, do Regimento Interno do TCU, abaixo transcrito:

Art. 268. O Tribunal poderá aplicar multa, nos termos do caput do art. 58 da Lei nº 8.443, de 1992, atualizada na forma prescrita no § 1º deste artigo, aos responsáveis por contas e atos adiante indicados, observada a seguinte gradação: [...]

VIII – reincidência no descumprimento de decisão do Tribunal, no valor compreendido entre cinquenta e cem por cento do montante a que se refere o caput.

Já o art. 58 da Lei Orgânica do TCU, nº 8.443, de 16 de julho de 1992, abaixo transcrito, estabelece o limite da multa aos responsáveis e quais as causas que ensejam a sua aplicação:

Art. 58. O Tribunal poderá aplicar multa de Cr$ 42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada como moeda nacional, aos responsáveis por:

I - contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do parágrafo único do art. 19 desta Lei;

II - ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial;

III - ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao Erário;

IV - não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, a diligência do Relator ou a decisão do Tribunal;

V - obstrução ao livre exercício das inspeções e auditorias determinadas;

VI - sonegação de processo, documento ou informação, em inspeções ou auditorias realizadas pelo Tribunal;

VII - reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.

§ 1° Ficará sujeito à multa prevista no caput deste artigo aquele que deixar de dar cumprimento à decisão do Tribunal, salvo motivo justificado.

§ 2° O valor estabelecido no caput deste artigo será atualizado, periodicamente, por portaria da Presidência do Tribunal, com base na variação acumulada, no período, pelo índice utilizado para atualização dos créditos tributários da União.

§ 3° O Regimento Interno disporá sobre a gradação da multa prevista no caput deste artigo, em função da gravidade da infração.

Por sua vez, a Portaria nº 20, de 15 de janeiro de 2015, atualiza o valor máximo da multa estipulado no “caput” do retro mencionado artigo para o exercício de 2015, tendo em vista que a moeda vigente à época da elaboração da Lei Orgânica do TCU era o Cruzeiro:

Art. 1º. É fixado em R$ 49.535,41 (quarenta e nove mil, quinhentos e trinta e cinco reais e quarenta e um centavos), para o exercício de 2015, o valor máximo da multa a que se refere o art. 58, caput, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992.

Dentre os casos passíveis de multa, podemos observar que será estabelecida essa penalidade aos responsáveis por atos praticados com grave infração à norma legal, bem como por aqueles que resultem injustificado dano ao erário, enquadrando-se nestes dispositivos quaisquer atos dentro do processo licitatório que cerceie ou limite o direito de licitantes em detrimento de outros, face a exigências que não possuam embasamento legal.

Neste diapasão, podemos citar o Acórdão nº 234/2015-Plenário, do TCU, referente à Tomada de Contas nº 014.382/2011-3:

Também sobre a exigência de atestado de visitação ao local da obra por profissional do quadro permanente da licitante, apontada na Auditoria realizada nas obras de construção do Contorno Ferroviário de Três Lagoas/MS, registrou o relator que afrontara a jurisprudência do Tribunal, a qual aponta no sentido de que a vistoria, quando exigida, não deve sofrer condicionantes, por parte da Administração, que resultem em ônus desnecessário às licitantes e importem restrição injustificada à competitividade do certame, podendo ser realizada por qualquer preposto das licitantes, a fim de ampliar a competitividade do procedimento licitatório.

Nesse sentido, defendeu ser possível, nos casos em que a exigência de vistoria técnica se mostrar necessária, que os licitantes contratem um técnico ou outro profissional para esse fim específico, que posteriormente passaria as informações necessárias ao responsável pela execução do contrato, caso a empresa se sagrasse vencedora?. Relembrou ainda o voto condutor do Acórdão 785/2012-Plenário, o qual afirma que "em tese, não há óbices para que a visita técnica seja feita por profissional terceirizado pela empresa, sendo razoável, somente, exigir que o mesmo possua conhecimento técnico suficiente para tal incumbência". Caracterizada a frustração ao caráter competitivo do certame, o Tribunal, na linha defendida pelo relator, rejeitou as razões de justificativas apresentadas pelos responsáveis, aplicando-lhes a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/92. (Acórdão 234/2015-Plenário, TC 014.382/2011-3, relator Ministro Benjamin Zymler, 11.2.2015)

Conforme já fora mencionado, a Corte de Contas também poderá determinar a sustação do ato, comunicando a sua decisão ao Congresso Nacional (art. 71, inciso X, da Constituição Federal). Régis Fernandes de Oliveira (20010, p. 568) explica os casos em que se caberá a sustação, bem como, quando caberá a representação:

[...] em se cuidando de ato, pode haver a sustação, com comunicação posterior ao Congresso; em se cuidando de contrato, deve haver a representação. Ciente da ilegalidade na execução do contrato, o Poder Legislativo susta o cumprimento do contrato. Poderá deixar de sustá-lo, com manifestação sobre o cumprimento do contrato. Poderá deixar de sustá-lo, com manifestação sobre a legalidade, falecendo, aí, competência do Tribunal de Contas para divergência, uma vez que o órgão principal manifesta-se pela legalidade. Caso não haja providência ou “não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior”, ou seja, não tomar qualquer providência a propósito do contrato impugnado, “o Tribunal decidirá a respeito” (art. 71, §2.º).

Conforme já fora mencionado, a competência dos Tribunais de Contas, apesar de já ter sido ampliada pela Constituição Federal atual, é bastante limitada, não possuindo a atribuição de julgar, por exemplo, atos de improbidade administrativa, regidos pela Lei nº 8.429/92, ou de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A do Código Penal brasileiro.

Sobre o assunto, Regis Fernandes de Oliveira (2010, p. 567) leciona:

Incumbe, por fim, no rol dos itens do art. 71 da CF, “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados” (inciso XI). Se em determinada inspeção sobre qualquer unidade administrativa de qualquer dos Poderes for apurada determinada irregularidade ou abuso, deverá o Tribunal comunicar ao Poder competente sobre a falha apontada.

Deste modo, podemos perceber que, em virtude da limitada competência dos Tribunais de Contas, em face de certas irregularidades, este deverá abrir representação ante o órgão competente, a fim de estas serem apuradas em processo judicial, não podendo julgar seu mérito em processo administrativo.

Em Decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 98021, referente ao crime de apropriação indébita previdenciária, observa-se que o Tribunal de Contas da União emitiu relatório das contas da previdência do ano de 2009, a fim de apurar a irregularidade e elucidar o entendimento do magistrado, sem, contudo, manifestar-se sobre o mérito:

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. BEM JURÍDICO TUTELADO. PATRIMÔNIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER SUPRAINDIVIDUAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. ORDEM DENEGADA. I - A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. II - No caso sob exame, não há falar em reduzido grau de reprovabilidade da conduta, uma vez que o delito em comento atinge bem jurídico de caráter supraindividual, qual seja, o patrimônio da previdência social ou a sua subsistência financeira. Precedente. III - Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, o déficit registrado nas contas da previdência no ano de 2009 já supera os quarenta bilhões de reais. IV - Nesse contexto, inviável reconhecer a atipicidade material da conduta do paciente, que contribui para agravar o quadro deficitário da previdência social. V - Ordem denegada.

(Supremo Tribunal Federal. HC 98021. Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 22/06/2010)

Por fim, o Tribunal de Contas também poderá imputar o débito aos responsáveis dos valores não comprovados, com a devida atualização monetária, conforme podemos observar  no Acórdão nº 5393/2015 - 1ª Câmara da Corte de Contas da União:

Os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão de 1ª Câmara, ACORDAM, por unanimidade, com fundamento no art. 143, inciso I, alínea "b", do Regimento Interno/TCU, e de acordo com o parecer da unidade técnica emitido nos autos, em:

a) fixar novo e improrrogável prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para que o Instituto Cultural do Trabalho (CNPJ 61.054.003/0001-00), o Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Sistemas de TV por Assinatura e Serviços Especiais de Telecomunicações (CNPJ 00.146.036/0001-88) e o Sr. Valdir Vicente de Barros (CPF 033.615.197-72) comprovem perante este Tribunal o recolhimento aos cofres do Fundo de Amparo ao Trabalhador da quantia de R$ 9.454,50 (nove mil, quatrocentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta centavos), atualizada monetariamente a contar de 18/10/2000 até a data do efetivo recolhimento, na forma prevista na legislação em vigor;

b) cientificar o Instituto Cultural do Trabalho de que, nos termos do art. 12, § 2º, da Lei n. 8.443/1992, c/c o art. 202, § 4º, do RI/TCU, a liquidação tempestiva do débito atualizado monetariamente saneará o processo e o Tribunal julgará as respectivas contas regulares com ressalva, dando-se-lhe quitação, mas que a falta de liquidação tempestiva de qualquer parcela da dívida ensejará que o TCU venha a julgar as contas irregulares com imputação de débito atualizado monetariamente e acrescido, também, de juros de mora.

(TCU, AC-5393/2015, 1ª Câmara, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti, Julgado em 15/09/2015).

Mister, ainda, apontar que as decisões dos Tribunais de Contas que aplicam multa ou imputam o débito aos responsáveis têm força executiva, constituindo-se título executivo extrajudicial. Deste modo, para realizar a cobrança via execução, não é necessário o registro no livro de Dívida Ativa, mas apenas a expedição de certidão expedida pelo próprio Tribunal (OLIVEIRA, Régis Fernandes de, 2010, p. 568).

Ressalte-se, entretanto, que para a imposição de qualquer sanção deve ser obedecido o devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal brasileira, cabendo, inclusive, de acordo com o art. 277 do Regimento Interno do TCU, os seguintes Recursos:

Art. 277. Cabem os seguintes recursos nos processos do Tribunal:

I – recurso de reconsideração;

II – pedido de reexame;

III – embargos de declaração;

IV – recurso de revisão;

V – agravo.

Isto posto, diante de irregularidades no processo licitatório, caberá ao Tribunal de Contas respectivo ceder prazo para que os responsáveis adotem as medidas cabíveis a sanar as falhas, quando possível, e aplicar multa e/ou imputar o débito das despesas ilegais, não comprovadas ou não fundamentadas, podendo, inclusive, abrir representação ao Ministério Público para que este proponha a Ação judicial cabível contra os gestores e demais responsáveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] BRASIL, Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

[2] BRASIL, Lei nº 8.443, 1992.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.  AgRg no REsp: 1383177 MA 2013/0138049-9, Segunda Turma, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Publicação: DJe 26/08/2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=
%28%22
HUMBERTO+MARTINS%22%29.min.&processo=1383177&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true> (Acesso em 14/07/2015).

[4] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI n° 3.070/RN, Plenário, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 29/11/2007. Data de Publicação: DJ 19/12/2007. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2186735> (Acesso em 31/08/2015).

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 98021, relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma. Julgado em 22/06/2010. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2898021%2ENUME%2E+OU+98021%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mvb5jlt> (Acesso em: 10/09/2015).

[6] BRASIL, Tribunal de Contas da União, AC-0033-01/13-P, Plenário, Relator: Ministro Aroldo Cedraz, Processo: 013.598/2012, Julgado em 23/01/2013. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight> (Acesso em 07/09/2015).

[7] BRASIL, Tribunal de Contas da União, AC-1664/2015-Plenário, Processo nº 015.957/2013-6, relator Ministro Raimundo Carreiro Cavalcanti. Julgado em 08/07/2015. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight> (Acesso em 16/09/2015).

[8] BRASIL, Tribunal de Contas da União, AC 1781/2010-Plenário, DEN 010.410/2010-4, relator Ministro Marcos Bemquerer Costa. Julgado em 29/07/2010. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight> (Acesso em 10/09/2015).

[9] BRASIL, Tribunal de Contas da União, AC 234/2015-Plenário, TC 014.382/2011-3, relator Ministro Benjamin Zymler. Julgado em 11/02/2015. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight> (Acesso em 10/09/2015).

[10] BRASIL, Tribunal de Contas da União, AC 3.170/2011-Plenário, Processo 028.274/2011-3, relator Ministro Marcos Bemquerer Costa. Julgado em 30/11/2011. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight> (Acesso em 10/09/2015).

[11] BRASIL, Tribunal de Contas da União, AC-5393/2015-1ª Câmara, Processo nº 001.702/2013-0, relator Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti. Julgado em 15/09/2015. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight> (Acesso em 16/09/2015).

[12] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 103. Brasília, 2012.

[13] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 250. Brasília, 2015.

[14] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 256. Brasília, 2015.

[15] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Inspeções e Auditorias. Brasília. Disponível em: <http://portal.tcu.gov.br/institucional/conheca-o-tcu/competencias/inspecoes-e-auditorias.htm> (Acesso em 04/05/2015).

[16] BRASIL, Tribunal de Contas da União, Regimento Interno, 2002.

[17] COELHO, Marina Morena Alves. O controle externo das licitações e dos contratos dos tribunais de contas. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – julho/agosto/setembro, v. 72, n. 3, ano XXVII, 2009.

[18] GUIMARÃES, Edgar. Os Tribunais de Contas e o controle das licitações. Migalhas, 4 ago. 2006. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI28342,81042-Os+Tribunais+de+Contas+e+o+controle+das+licitacoes>. Acesso em 23/02/2015).

[19] ITÁLIA, Constituição, 1947.

[20] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética, 2012.

[21] OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

[22] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito Financeiro e Controle Esterno: teoria, jurisprudência e 370 questões. 6º ed. rev. e ampl. e atualizada até a EC nº 53 – Rio de janeiro: Elsevier, 2008.

[23] PELEGRINI, M. A competência sancionatória do Tribunal de Contas no exercício da função controladora – contornos constitucionais. 2008. 331 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo. 2008.

[24] MONTEBELLO, Marianna. Os Tribunais se Contas e o Controle das Finanças Públicas. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Edição Nº 02 de 1999 - Ano XVII: Minas Gerais, 1999.

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