Política nacional de recursos hídricos

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Os recursos hídricos, assim como os demais recursos naturais, são um componente evidentemente importante do bem ambiental e sua proteção contribui para a efetividade de uma sadia qualidade de vida, bem como de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Sumário: 1 Introdução. 2 Normatização ambiental no plano constitucional. 3 Normatização legislativa no plano infraconstitucional. 3.1 A situação do Brasil antes do Código de Águas. 3.2 A situação do Brasil após do Código de Águas. 3.3 A derivação de águas públicas de uso comum no Código de Águas. 3.4 O Código de Águas e as Constituições e leis posteriores. 3.5 As águas no Código Civil. 4 Política Nacional dos Recursos Hídricos. 5 Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. 5.1 Constituição Federal. 5.2 Composição e objetivos. 5.2.1 Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). 5.2.2 Agência Nacional de Águas. 5.2.3 Comitês de Bacia Hidrográfica. 5.2.4 Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal. 5.2.5. Agências de Água. 5.2.6. Organizações civis de recursos hídricos. 6 Infrações e penalidades. 7 Gerenciamento dos Recursos Hídricos no Maranhão. 8 Conclusão. Referências Bibliográficas.

RESUMO

Resumo: Os recursos hídricos, assim como os demais recursos naturais, são um componente evidentemente importante do bem ambiental e sua proteção contribui para a efetividade de uma sadia qualidade de vida, bem como de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O Direito Ambiental, no que tange à tutela jurídica das águas, tem caráter universalista, pois é cediço que o meio ambiente é bem de uso comum do povo. No Brasil, assim como em outros países, a proteção aos recursos hídricos reivindicou legislação própria, apresentando evolução jurídica ao longo do tempo. O marco inicial foi o Código das Águas em 1934, passando posteriormente pelo novo enfoque dado pela Constituição Federal de 1988 até a promulgação da Lei nº 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos, da Lei nº 9.605/1998, que tipifica como crimes determinadas condutas lesivas ao meio ambiente e as respectivas sanções penais e administrativas, e a criação da Agência Nacional das Águas no ano de 2000. Em âmbito regional, no Estado do Maranhão, essa tutela ocorre por meio da Lei nº 8.149/2004, que, por sua vez, dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos.

Palavras-chave: recursos hídricos, tutela jurídica, Política Nacional dos Recursos Hídricos.

RESUMEN

Resumen: Los recursos hídricos, así como los demás recursos naturales, son un componente obviamente importante para el ambiente y su protección contribuye para la efectividad de una sana calidad de vida, así como de un medio ambiente ecológicamente equilibrado. El Derecho Ambiental, en que el que se trata de la protección jurídica de las aguas, posee carácter universalista, pues es conocido que el medio ambiente es de uso común de todos. En el Brasil, tal como en otros países, la protección a los recursos hídricos ha reivindicado legislación propia, presentando evolución jurídica a lo largo del tiempo. El hito inicial fue el Código de Aguas en 1934, pasando posteriormente por una nueva visión dada por la Constitución Federal de 1988 hasta la promulgación de la Ley nº 9.433/1997, que instituyó la Política Nacional de los Recursos Hídricos, de la Ley nº 9.605/1998, que tipifica como crímenes determinadas conductas nocivas al medio ambiente y las respectivas sanciones penales y administrativas, y la creación de la Agencia Nacional de las Aguas en el año de 2000. En el ámbito regional, en el Estado del Maranhão, esa tutela ocurre por medio de la Ley nº 8.149/2004, que, a su vez, dispone acerca de la Política Nacional de los Recursos Hídricos.

Palabras-llave: recursos hídricos, tutela jurídica, Política Nacional de los Recursos Hídricos.

1 INTRODUÇÃO

O valor qualitativo e econômico dos recursos hídricos é inquestionável dentro do conjunto que o meio ambiente representa, possuindo relação direta com o direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Na sociedade atual, eles ganharam ainda mais destaque por servirem também ao modo de produção do estilo de vida disseminado. Como se sabe, os recursos naturais são finitos e esse fato torna-se ainda mais evidente quando comparado com o ritmo das necessidades humanas aliadas ao modelo capitalista vigente nos tempos hodiernos.

Assim, com o objetivo de garantir o acesso das gerações presentes e futuras a esses recursos, incluídas aí as águas, conforme previsto na Carta Magna, surge a necessidade de protegê-los juridicamente. Nesse sentido, pode-se dizer que o Brasil possui um regime jurídico moderno em matéria de recursos hídricos, garantindo a tutela civil e estabelecendo normas administrativas e de natureza penal.

O presente trabalho tem como objetivo fazer um breve estudo sobre um desses instrumentos de proteção às águas, qual seja, a Política Nacional dos Recursos Hídricos, sem, no entanto, se limitar a ele, visto que essa tutela é bem mais ampla. Dessa forma, serão também analisados os aspectos constitucionais, regionais, bem como a repressão às atividades danosas ou potencialmente danosas ao meio ambiente.

O tema revela-se de extrema relevância ao Direito, principalmente o Ambiental, mas também outras searas, pois se trata de questões que trazem implicações diretas à sociedade como um todo, que goza do bem ambiental de forma coletiva.

Pretendendo-se alcançar o desiterato proposto, far-se-à uso do método dedutivo, através do qual é possível chegar a conclusões lógicas e verdadeiras decorrentes de princípios que compartilham essas mesmas características, procedimento técnico que inclui pesquisa bibliográfica, além da pesquisa descritiva.

2 NORMATIZAÇÃO AMBIENTAL NO PLANO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 1988, diferentemente das demais, dedicou um capítulo sobre o meio ambiente, além de consagrar matéria sobre águas em dispositivos esparsos, tornando-se, assim, o marco inicial da proteção ambiental no Brasil. Não que as Cartas anteriores tenham se privado por completo de mencionar o assunto. O que é inovador é a abordagem adotada.

Os legisladores constituintes do passado preocuparam-se em regulamentar o potencial econômico e industrial das águas, ou seu aproveitamento logístico por meio da navegação. Pode-se detectar uma especial pretensão de incluir certos corpos d'água entre os bens públicos, da União ou dos Estados.

Tal fato não se vislumbrou, até à história recente de nosso país, a ideia da preservação da água para as gerações futuras como um fim em si própria. Não se cogitou a criação de mecanismos punitivos para os que poluem os rios, e não apenas para os que os exploram economicamente em desacordo com a legislação.

Pelo prisma da evolução histórica da produção legislativa, esse é um forte indício da contemporaneidade do Direito das Águas, como área de interesse das Ciências Jurídicas. Foi já nas últimas décadas do século passado que a consciência da preservação despertou nos estudiosos e operadores do Direito. Tamanho atraso histórico torna mais nítida a necessidade de políticas e medidas urgentes no sentido da defesa dos recursos hídricos.

A questão ambiental exige que as atividades econômicas sejam desenvolvidas observando a defesa e o equilíbrio do meio ambiente. A Constituição Brasileira disciplina, como princípio da ordem econômica, a defesa ambiental, conforme preceitua o art. 170.

Neste sentido coloca-se o chamado “desenvolvimento sustentado” que significa alcançar o desenvolvimento econômico pela melhoria das condições de vida da população, preservando concomitantemente a qualidade ambiental.

As atividades econômicas, para que sejam implementadas, têm de respeitar o princípio do desenvolvimento sustentado. Portanto, a saúde e a conservação do meio ambiente terão de estar garantidos. Desenvolvimento implica em qualidade de vida, em bem estar.

O Brasil conta, neste aspecto, com uma Constituição antenada com essas questões:

  Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O artigo 225 da Constituição Federal, inicia o Capítulo VI, Do Meio Ambiente, localizado no Título VIII, Da Ordem Social, prevê o direito de todos de gozar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentro do qual inserto estão os recursos hídricos, assim como a imposição do dever de a coletividade e o Poder Público defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

No que tange às competências legislativas, a Constituição Federal de 1988 delegou à União, de acordo com o artigo 22, a competência para legislar sobre águas e energia. O Texto Maior prevê, ainda, como competência concorrente da União, Estados e do Distrito Federal, conforme artigo 24, inciso VI, legislar sobre "florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição"; e conforme o inciso VIII, legislar sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente e outros.

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma do artigo 23, incisos VI e VII, respectivamente da Lei Mater, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

No que diz respeito ao domínio, a Constituição em debate fez remanescer inalterados os bens pertencentes à União. Assim, regulamenta o artigo 20, inciso III, que constituem bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos sob seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, que sirvam de limites com outros países, que provenham ou se estendam a território estrangeiro e também os terrenos marginais e as praias fluviais.

Houve, contudo, significativa ampliação no domínio hídrico estadual com o advento da norma em questão que no artigo 26, incisos I, II e III estabelece, in fine:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; III – as ilhas fluviais e lacustres não compreendidas entre as da União.

Pela análise do comando normativo supratranscrito, infere-se que uma das inovações mais significativas trazidas pela Constituição de 1988 foi a extinção do domínio privado dos recursos hídricos, passando estes para o domínio, conforme visto, da União e dos Estados.

Há ainda outras disposições com conteúdo normativo constitucional que consagram a questão hídrica, é o que se depreende pela dicção do artigo 20, § 1°, que assegura aos entes federativos a participação no resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica; artigo 21, incisos XII, alínea b e XIX que, respectivamente, tratam da competência da União para explorar o aproveitamento dos cursos de água e para instituir o sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos; artigo 43, § 2°, inciso IV, que disciplina a prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda e que sofrem secas periódicas.

Cremos que sua inovação mais valiosa deu-se no campo teórico, finalmente substituindo a visão utilitarista, gestada na Revolução Industrial, pelas noções de preservação e desenvolvimento sustentável, no que se refere à orientação das políticas públicas de recursos hídricos. Por outro lado, a Carta não deixou de examinar questões de ordem econômica, não olvidando os interesses mercantis que giram em torno das águas, mas mantendo-os sob a regência da ordem jurídica.

A lição que se pode extrair da CF/88, cumprindo o propósito de buscar diretrizes para um Direito das Águas de um futuro próximo, é a de chamar ao esforço de preservação o cidadão, o indivíduo, assim como suas variadas formas de organização social.

3 NORMATIZAÇÃO LEGISLATIVA NO PLANO INFRACONSTITUCIONAL

3.1 A situação do Brasil antes do Código de Águas

 A sistemática do regime jurídico no Brasil teve duas fases diferentes: i) a primeira, antecedente à Constituição do Império, e ii) a segunda, posterior a ela.  Nesta primeira fase, há duas situações que se apresentaram: a) anterior ao Alvará de 1804, aplicado ao Brasil pelo de 1819 e b) a posterior a ele.

Pelas Ordenações do Reino, os rios navegáveis e os de que se faziam os navegáveis pertenciam aos direitos reais. Por isso, a sua utilização dependia de concessão régia. Devido várias reações e protestos contra essa prerrogativa da Coroa, o Alvará de 1804 veio consagrar que a livre derivação das águas dos rios e ribeiros poderiam ser feitas por particulares, por canais ou levadas, em benefício da agricultura e da indústria.  Devido a essa permissibilidade oferecida aos particulares para o uso de águas, houveram-se abusos por parte daqueles, quando foram construídos pesqueiros, nasceiros e açudes às margens dos rios navegáveis, em prejuízo do serviço público. Desta feita, as autoridades administrativas mandaram demolir aquelas espécies de construção.

Com a promulgação da Constituição do Império, os direitos reais no que se refere à exploração dos rios navegáveis foram definidos, bem como as Ordenações tornaram-se inaplicáveis, já que os direitos reais foram transferidos para domínio nacional.

  1. A situação do Brasil após do Código de Águas

Devido às necessidades e interesses da coletividade nacional, bem como a obsoleta legislação que vinha sendo utilizada para disciplinar o regime de águas, o estado de coisas precisava ser modificado, para se adotar uma legislação que coadune com as tendências da época, o controle e o incentivo do aproveitamento industrial, em especial, da energia hidráulica que exigia medidas que facilitassem e garantissem o aproveitamento racional. Com a reforma que havia passado os serviços afetos ao Ministério Agricultura, o Governo estava aparelhado, possuindo órgãos competentes, bem como uma excelente assistência técnica e material. Assim, para à consecução daqueles objetivos, o Governo Provisório decretou o Código de Águas.

O Código de Águas de 1934 foi publicado no dia 20 de setembro de 1934. Posteriormente, em 11/11/1938, houve sua adaptação às normas e aos objetivos de Constituição de 1937, sendo alterado e mantido por decreto-lei.

Para distinguir as águas públicas de uso comum das demais, utilizam-se os conceitos de navegabilidade e flutuabilidade. É considerado rio navegável, para efeitos da classificação federal, o curso de água no qual, pleníssimo flumine, isto é, coberto de todo álveo, seja trecho não inferior à sua largura. Para os mesmos efeitos, é navegável o lago ou lagoa que permita a navegação, em iguais condições, em qualquer trecho de sua superfície. Flutuável é o curso que, em águas médias, é possível o transporte por flutuação num trecho de comprimento de igual ou superior a cinquenta vezes a largura média do curso no trecho.

Cabe ressaltar que com a publicização das águas pela Carta Magna de 1988, os conceitos de navegabilidade e flutuabilidade passaram a ser utilizados somente para definir o domínio dos leitos e das margens daquelas águas, já que os dos demais corpos de águam que eram de caráter privado, assim permanecem, pois não foram tornados públicos.

O Código de Águas assegura o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho que a torne acessível. Se não houver, os proprietários marginais não podem impedir que seus vizinhos delas se aproveitem para aquele fim, contando que sejam indenizados do prejuízo que sofrerem com a passagem pelos seus prédios. O direito à servidão não prescreve, mas cessa logo que as pessoas possam haver da água que carecem, sem grande dificuldade ou incômodo.

Segundo o Código, as derivações deveriam ser outorgadas mediante concessão administrativa, para os casos de utilidade pública, e de autorização administração, nos demais casos. Atualmente, tendo em vista a lei criou a Agência Nacional das Águas, abstraídos os potenciais hidráulicos, o instrumento de outorga, a ser utilizado por aquela autarquia, é a autorização administrativa.

Estão sujeitos à outorga do Poder Público o direito dos seguintes casos: i) derivação; ii) extração de água aquífero e iii) usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade do corpo de água.

Independem de outorga: i) os usos de água para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; ii) as derivações e captações consideradas insignificantes e iii) as acumulações consideradas insignificantes.

Por fim, as outorgas para derivação de águas não se destinem à produção de energia hidrelétrica são dadas pelo respectivo titular do domínio, hoje União, Estados e Distrito Federal.

3.3 A derivação de águas públicas de uso comum no Código de Águas

O Anteprojeto do Código de Águas foi revisto por uma Comissão Especial em 1917, e aprovado pela Câmara, sem emendas, em 1920. Estipula o anteprojeto a prévia concessão administrativa para a derivação de águas públicas e autorização administrativa no que se refere o aproveitamento das águas particulares.

Sabe-se que a distinção entre os institutos da autorização e da concessão administrativa é usada devido à necessidade de conciliar a interpretação do Código Civil com as leis administrativas. Uma vez que os cursos de água navegáveis e aptos ao transporte haviam sido declarados dominiais, em outras palavras, de domínio público. Desta feita, os ribeirinhos passaram a ter direito de uso sobre os cursos não navegáveis e não aptos ao transporte. Em decorrência, para a tutela do regime dessas águas, foi construída uma teoria sobre aquele uso, distinguindo-se da concessão, para os cursos navegáveis e não aptos ao transporte, que criam para o concessionário o direito de represar águas ou de implantar estabelecimentos. Assim, é dada aos ribeirinhos a prerrogativa de usar as águas não navegáveis e inaptas ao transporte.

A autorização não criava o direito do interessado, que decorria do Código Civil, mas somente autorizava o exercício de tal direito, declarando que a implantação do estabelecimento ou a derivação das águas pretendida não impedia o bom regime delas.

Em sua versão final, o Código de Águas de 1934 afastou-se daquela orientação. Em vez de separar os institutos conforme a natureza jurídica da água adotou o critério da finalidade de uso, como segue: i) para fim de utilidade pública: concessão administrativa; ii) para outras finalidades: autorização administrativa.

Para as águas públicas de uso comum, estatui: “as águas públicas não podem ser derivadas para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de concessão administrativa, no caso de utilidade pública e, não se verificando esta, de autorização administrativa, que será dispensada, todavia, na hipótese de derivações insignificantes”.

Estas derivações foram dispensadas de autorização administrativa, mas não de concessão, ou seja, quando destinadas a fim de utilidade pública. As derivações insignificantes de águas do domínio da União foram posteriormente disciplinadas mediante Portaria do Ministro das Minas e Energia, para as quais institui a permissão administrativa, inaplicável a partir da Lei nº 9.433/87, que as declarou independentes de outorga.

Segundo o Código, somente as autorizações não conferem, em hipótese alguma, delegação de poder público ao seu titular. Nas concessões, a delegação pode ocorrer ou não, pois são outorgadas para fins de utilidade pública, em geral, para a prestação de serviços públicos. Se a outorga da prestação do serviço for proveniente do titular do domínio da água, poderá abranger a sua utilização. Não ocorrendo tal hipótese, e inexistindo disposição constitucional a respeito, como em relação aos potencias de energia hidráulica, haverá necessidade de duas outorgas, uma do titular do serviço público concedido e outra do titular do domínio sobre a água. Nessa situação, está o abastecimento público de água, no qual o titular do serviço, o poder concedente, em regra é o Município, e águas, pela Constituição Federal, são do domínio dos Estados ou da União. Em tais casos, a concessão será do direito de uso da água, outorgada pelo Estado ou pela União, e não importará em delegação.

O Código prevê concorrência pública para a outorga de concessão para aproveitamento das águas que se destinem a serviço público. É necessário, entretanto, interpretar o referido texto de acordo com o direito vigente à época, sobre a distribuição de competência entre a União, os Estados e Municípios, e em razão da titularidade sobre as águas públicas. Deve-se ter presente que o termo concessão, constante do Código, abrange duas espécies de concessão: i) a concessão de serviço público; e ii) a concessão de direito de uso de água. Se, por consequência legal, ao poder concedente couber prestar serviço público para o qual a derivação de água é necessária, haverá concessão de direito público de poderes que lhe competem, para outra pessoa, singular ou coletiva, pública ou privada, a fim de que esta execute serviços por sua conta e risco, mas no interesse geral.

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Na produção hidrelétrica, por exemplo, o uso do bem público, ou seja, dos respectivos potenciais, está incluído no objeto da concessão de serviço, por ser a sua própria essência. Nesta hipótese é que se aplicam as disposições sobre concessão mediante concorrência, mencionadas no Código. Na segunda, estaria o abastecimento de água às populações, por concessionária municipal, mediante derivação de águas públicas do domínio da União ou do Estado.

Segundo o Código, o critério para identificar as águas estaduais era tomado por base os municípios, da mesma forma que, para determinar as águas do domínio da União, serviam de referência os Estados. Isso é bem demonstrado pelo fato das concessões e autorizações, não destinadas à produção de energia hidrelétrica, serem à época outorgadas conforme o domínio sobre as aguas, ou sobre os serviços públicos a que se destinasse a derivação, de acordo com as disposições do Código e das leis especiais sobre os mesmos serviços.

Sabe-se que o alcance do Código está hoje limitado a serviços públicos federais como aproveitamento energético, disciplinados por legislação específica. Se houver serviço público estadual em que o aproveitamento de águas da respectiva unidade federada seja sua própria substância, a ele também se aplicará.

Ao estatuir que em toda a concessão se estipule, sempre, a cláusula de ressalva dos direitos de terceiros, o Código visa resguardar a Administração concedente de eventuais prejuízos que a outorga da concessão possa causar a estes. Em virtude da ressalva, se houver, ao novo concessionário caberá com eles arcar.

As disposições do Código, no sentido de que as águas destinadas a um fim não podem ser aplicadas a outro diverso, sem nova concessão, permanecem válidas, devendo ser interpretadas levando-se em consideração, em especial, os usos múltiplos, hoje bastante difundidos e previstos em lei.

3.4 O Código de Águas e as Constituições e leis posteriores

Em 1946, a Constituição Brasileira declarou incluírem entre os bens dos Estados os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que tivessem nascente e foz no território estadual. Com isso, deixaram de existir, não águas municipais, mas os rios municipais, previstos no Código.

A Constituição de 1967 conservou a situação existente.

A Constituição de 1988 efetuou profundas modificações no domínio hídrico anterior.  Embora haja mantido as disposições relativas às aguas da União, em relação aos Estados, ao dispor incluírem-se entre os seus bens “as águas superficiais e subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”, praticamente abrangeu todas as demais águas, exceto as atribuídas àquela, pelo mesmo texto constitucional. Com isso, tornaram-se inaplicáveis quase todas as disposições do Código relativas às aguas municipais, às comuns e às particulares.

  1. As águas no Código Civil

Merece ser analisada como está disciplinada as águas pelo Novo Código Civil. Este regramento está disposto na Seção V, artigos 1.288 a 1.296, que compõe o Capítulo V (“Dos Direitos de Vizinhança”), integrante do Título III (“Da propriedade”), dentro do Livro III (“Do Direito das Coisas”).

Primeiramente, é criticável a postura do legislador em disciplinar alguns dispositivos que violem materialmente a Carta Magna de 1988. É notória a vantagem de que este assunto (águas) seria mais bem disciplinado se fosse o legislador civil deixasse a matéria para a legislação ambiental. Desta feita, é preciso ter cuidado com as interpretações das normas do Código de Reale, uma vez que são bastante genéricas e devem ser cotejadas pelas regras específicas das Leis 9.433/1997 e 9.984/2000, quando não afastadas por flagrante inconstitucionalidade material.

Dispõe o artigo 1.288, do Código Civil, levando em consideração as regras da natureza (lei da gravidade), que o senhor ou possuidor do prédio inferior obriga-se a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. Ainda de acordo com a legislação civil, desta feita por força do artigo 1.289, no que tange às águas que corram artificialmente do prédio superior ao inferior, poderá o dono deste reclamar o desvio ou perdas e danos. Entretanto, ambos dispositivos não terão aplicabilidade total se o curso das águas do prédio mais alto ao mais baixo for modificado por uma obra licenciada pela Administração Pública, conforme os parâmetros da legislação ambiental, devido ao interesse público.

Sem sombra de dúvidas, o que chama mais atenção é o que está disposto no artigo 1.290 do Código Civil, que pressupõe a propriedade privada das nascentes, sendo materialmente inconstitucional, devido à natureza pública das águas inaugurada com o atual ordenamento constitucional. Da mesma forma, o artigo 1.291 também não tem compatibilidade constitucional, pois tentou “legalizar” a poluição, ao prever que “o possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas”.

Em outras palavras, a contrario sensu, pode-se afirmar que o possuidor do imóvel superior poderá poluir as águas dispensáveis às primeiras necessidades dos possuidores do imóvel inferior, desde que perpetre o ressarcimento, em clara violação aos Princípios da Prevenção, Precaução e Poluidor-pagador, não sendo este abertura incondicional à poluição desde que se pague. Logo, é também considerada uma afronta a Carta de Outubro.

Com o fulcro corrigir a interpretação do art. 1291 do CC, para que se coadune com a Constituição de 1988, houve a elaboração do Enunciado 244 da III Jornada de Direito Civil:

“244 – Artigo 1.291: O artigo 1.291 deve ser interpretado conforme a Constituição, não sendo facultada a poluição das águas, quer sejam essenciais ou não às primeiras necessidades da vida”.

Também necessita de censura o artigo 1.292, que tentou criar o direito do proprietário de construir barragens, açudes, ou obras para represamento de água em seu prédio, assim como o artigo 1.293, que tentou permitir, a quem quer que seja, mediante prévia indenização dos prejudicados, a construção de canais.

Estes dispositivos são criticados, principalmente, pelo cunho essencialmente patrimonialista, fazendo com que sejam totalmente dissociados da interpretação constitucional, que zela pelo controle da poluição (artigo 225, § 1.º, IV, da CRFB) e fomenta o desenvolvimento sustentável. Ademais, a construção de barragens, açudes e canais dependerá de observância do melhor interesse ambiental, com prévios instrumentos de controle do Poder Público, como a outorga para a captação de água e o regular processo administrativo de licenciamento ambiental.

Por tudo isso, é necessária uma revisão dos artigos do Código Civil que foram pronunciados acima, ou, em última opção, deve-se pronunciar a incompatibilidade vertical com a Lei Maior pelo Poder Judiciário ou até mesmo pelo Executivo, no exercício de suas funções administrativas.

4 POLÍTICA NACIONAL DOS RECURSOS HÍDRICOS

Por intermédio da Lei nº 9.433 de 08 de janeiro de 1997 foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos e a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentando o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal.

Destacamos o disposto nos artigos 1º e 2º, consistentes nos fundamentos e nos objetivos da Política Nacional dos Recursos Hídricos. Diz o artigo 1º:

Art. 1º. A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:

I- a água é um bem de domínio público;

II- a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

III- em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;

IV- a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

V- a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

VI- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Quanto ao fundamento previsto no inciso I – “a água é um bem de domínio público”. É necessário lembrar que o Decreto nº 24.643 de 10/07/1934, que instituiu o Código de Águas, já considerava a água como um bem público, de uso comum ou dominical. Por sua vez o inciso I do art. 66 do antigo Código Civil, considerava os rios e mares, como bens públicos de uso comum do povo. O Novo Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406 de 10/01/02, repete este conceito de bem público, no seu artigo 99, I. Se a água é um bem público, ainda que localizada em propriedades particulares, seu aproveitamento, seja para fins industriais, agrícolas, de energia hidráulica, ou de abastecimento, deve respeitar as normas emanadas pelo Poder Público, já que em síntese a água é um bem que pertence à toda sociedade.

Quanto ao fundamento previsto no inciso II – “a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico”. Por muitos séculos, o homem pensou que os recursos naturais eram inesgotáveis, embora a sua exploração sempre foi feita de forma a atender a subsistência de pequenas sociedades. Contudo com o surgimento da Revolução Industrial na Inglaterra, no final do século XIX, o homem intensificou os meios de exploração dos recursos naturais existentes, de modo que, industrializados ou transformados, os produtos “in natura”, proporcionaria o desenvolvimento tecnológico de bens e produtos que se destinariam ao bem estar de uma comunidade.

No Brasil especificamente, além do abastecimento, a água com seu aproveitamento hidráulico, representa mais de 90% de toda energia necessária para o desenvolvimento do país. A partir da exploração hidráulica, a água torna-se um bem de valor econômico, já que a energia produzida pelas empresas geradoras, é vendida aos milhões dos consumidores, sejam eles de grandes indústrias ou de pequenos domicílios. A água serve também como meio de navegação de bens e pessoas, e por essa razão tal atividade, tem seu valor econômico.

Quanto ao fundamento previsto no inciso III – “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”. Embora o planeta Terra seja constituído de 70% de água, seria impossível imaginar situações de escassez de água. Ocorre que a água existente nos mares e nos oceanos, é uma água salgada, que não supre as necessidades humanas. Existem projetos de dessanilização, porém são considerados antieconômicos. Restam as águas superficiais dos rios e lagos, bem como as águas subterrâneas, localizadas em grandes aquíferos, conhecida como água doce, vital para os humanos, animais e plantas.

Quanto ao fundamento previsto no inciso IV – “a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas”. A praça, a praia, a rua, ou a água, são bens considerados públicos, logo pertencem a toda sociedade. Este fundamento consiste em racionalizar o uso da água, de forma que o maior número de pessoas, tenham acesso a esse bem vital para todos nós

Quanto ao fundamento previsto no inciso V – “a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos”. De acordo com o que dispõe a Lei nº 9.984 de 17/07/2000, foi instituída a Agência Nacional de Águas – ANA, que tem por objetivo, implementar, na sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Assim, em rios da União e reservatórios de um modo geral, caberá à ANA a responsabilidade de implementar todas as ações, fiscalização e gerenciamento de cada bacia hidrográfica no que concerne aos recursos hídricos, para o abastecimento de águas. No que se refere aos potenciais hidráulicos, deverá a ANA articular-se com a ANEEL, para conceder as outorgas de concessão e utilização.

Quanto ao fundamento previsto no inciso VI – “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”. De acordo com o disposto no artigo 4º, inciso I a XVII da Lei nº 9.984 de 17/07/2000, tem a Agência Nacional de Águas – ANA, atribuições específicas para implementar o gerenciamento dos recursos hídricos, inclusive com a instituição de Comitês e Subcomitês de cada Bacia Hidrográfica, sempre em rios da União e, nos rios dos Estados, deve ser em articulação com o Sistema Nacional, e com o apoio dos Estados, Municípios e das Comunidades.

Quanto aos objetivos existentes no art. 2º:

Art. 2º. São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:

I- assegurar a atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;

II- a utilização nacional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;

III- a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

Quanto ao objetivo previsto no inciso I – “assegurar a atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”. Já tivemos a oportunidade de salientar, que a água, a exemplo de outros recursos naturais, é um recurso limitado, vale dizer esgotável. O Brasil, no seus 500 (quinhentos) anos de história, devastou milhões de hectares de florestas e matas ciliares que acompanham os leitos dos rios. Essa devastação, além de proporcionar o desequilíbrio do clima, com elevação de temperaturas, reduz os índices pluviométricos nas estações das chuvas, o que compromete os estoques hídricos de uma determinada região. Reduzindo os estoques hídricos, fica prejudicada a navegação, pesca, e agricultura. Os lagos e principalmente os rios, dependem para sua sobrevivência, das matas ciliares que acompanham seu leito. A inexistência das matas ciliares, proporciona o assoreamento dos rios, que diminui o volume de água de seu leito, até a sua completa extinção.

Quanto ao objetivo previsto no inciso II – “a utilização nacional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável”. O objetivo inserido no inciso II, menciona a utilização nacional e integrada dos recursos hídricos. Para as outras bacias hidrográficas como a dos Rios Amazonas, Paraná, Grande, Araguaia, Paraíba do Sul, deverão ser constituídos os respectivos Comitês, que atuarão em conjunto com os Estados e Municípios, em articulação com o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, sob a chancela da Agência Nacional de Águas. Ocorre porém que a instalação dos Comitês para se articularem com demais órgãos de gerenciamento dos recursos hídricos, não tem um tempo determinado para o início do seu funcionamento.

Quanto ao objetivo previsto no inciso III – “a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais”. Por mais que o homem disponha de tecnologia para conquistar e dominar as suas ações, ele não consegue o domínio sobre o crescimento populacional, o tempo e o clima. As mudanças das estações, obedecem uma simetria do movimento de translação da Terra, que alteram o clima: frio acima da linha do Equador, e calor na linha abaixo; outrora, frio na linha abaixo do Equador e calor na linha acima.

Dessa maneira, estão sujeitos à outorga pelo Poder Público os direitos, entre outros, de uso de recursos hídricos concernentes: a) derivação ou capacitação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; b) à extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; c) aproveitamento dos potenciais hidráulicos; (art. 12 da Lei nº 9.433/97).

Portanto a utilização da água para o consumo final, seja para o abastecimento público seja para utilização de processo produtivo, deve respeitar e atender aos fundamentos e objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos. Tal utilização, seja pelo próprio Poder Público, ou por entidade particular, deve ser precedida de outorga, através da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, ou pela Agência Nacional de Águas – ANA, dependendo da finalidade do uso de água. O prazo de outorga está fixado em 35 (trinta e cinco) anos, podendo ser renovado.

5 O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS – SINGREH

5.1 Constituição Federal

           A Carta Magna de 1988 estabelece, no seu artigo 21, XIX, a competência da União para “instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”. Para estabelecer as diretrizes e fundamentos deste sistema nacional, a Lei 9.433/97 veio justamente cumprir o mandamento constitucional, suprindo, dessa forma, a lacuna legislativa até então existente.

5.2 Composição e objetivos

A Lei 9.433/97, em seu artigo 32 e seguintes, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, com os seguintes objetivos: coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos; planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos e promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

Para cumprir com objetivos expostos, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos (SINGREH) é composto pelos seguintes órgãos:

• o Conselho Nacional de Recursos Hídricos;

• a Agência Nacional de Águas;

• os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;

• os Comitês de Bacia Hidrográfica;

• os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos;

• as Agências de Água.

5.2.1.  Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, é presidido pelo Ministro do Meio Ambiente, possui representantes do Poder Público (dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República com atuação no gerenciamento ou uso dos recursos hídricos), dos indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, dos usuários e das organizações civis de recursos hídricos.

No que se refere às competências, o artigo 35 da Lei 9.433/1997 estabelece ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos as suas principais atribuições que são:

• a compatibilização dos planejamentos de recursos hídricos nacionais, regionais, estaduais e dos setores usuários;

• ser a última instância para arbitrar conflitos entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;

• aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica;

• aprovar15 e acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos;

• estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos.

                Cabe ressaltar que em caso de conflito no uso das águas subterrâneas de aquíferos que envolva mais de uma Unidade da Federação, caberá ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos resolvê-lo, conforme o artigo 28 da Resolução CNRH 16/2001.

Ademais, a Lei 12.334/2010 estipulou outras novas atribuições para Conselho Nacional de Recursos Hídricos, quais sejam: zelar pela implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens; estabelecer diretrizes para implementação da PNSB, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, bem como apreciar o Relatório de Segurança de Barragens, fazendo, se necessário, recomendações para melhoria da segurança das obras, bem como encaminhá-lo ao Congresso Nacional.

Com base no artigo 4.º, VI, da Lei 9.984/2000, competirá também ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos definir as quantias que serão cobradas quando for usado recursos hídricos de domínio da União, desde sejam feitas com base nos mecanismos e quantitativos sugeridos pelos Comitês de Bacia Hidrográfica. Igualmente, nas bacias federais, será o Conselho Nacional de Recursos Hídricos quem definirá as acumulações, derivações, captações e lançamentos considerados como insignificantes para fins de dispensa de outorga de uso de recursos hídricos, na forma do quanto previsto no artigo 1.º, XX, do seu Regimento Interno.

5.2.2 Agência Nacional de Águas

A Agência Nacional de Águas (ANA) é considerada uma autarquia federal em regime especial criada pela Lei 9.984/2000, que atua como agente normativo e regulador do setor, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, que tem como função precípua a de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos.

Tem como missão a regulamentação do uso das águas dos rios e lagos de domínio da União, bem como concretizar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, garantindo o seu uso sustentável, evitando a poluição e o desperdício, e assegurando, assim, uma água de boa qualidade e em quantidade suficiente para a atual e as futuras gerações.

A Direção da ANA é do tipo colegiado, que será formada por cinco membros, nomeados pelo Presidente da República, com mandatos não coincidentes de quatro anos, admitida uma única recondução consecutiva, e contará com uma Procuradoria. Os dirigentes da ANA somente perderão o seu mandato, desde que seja em decorrência de uma renúncia, de condenação judicial transitada em julgado, ou de decisão definitiva em processo administrativo disciplinar. Entretanto, nos primeiros quatro meses da sua gestão, será cabível a exoneração imotivada dos dirigentes da Agência Nacional da Águas.

As suas competências específicas vêm listadas em um extenso rol constante do artigo 4.º da Lei 9.984/2000, destacando-se:

• supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal pertinente aos recursos hídricos;

• disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos;

outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em

corpos de água de domínio da União;

• fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União;

• regular e fiscalizar, quando envolverem corpos d’água de domínio da União, a prestação dos serviços públicos de irrigação, se em regime de concessão, e adução de água bruta, cabendo-lhe, inclusive, a disciplina, em caráter normativo, da prestação desses serviços, bem como a fixação de padrões de eficiência e o estabelecimento de tarifa, quando cabíveis, e a gestão e auditagem de todos os aspectos dos respectivos contratos de concessão, quando existentes.

Cabe observar que a ANA poderá delegar ou atribuir a agências de água ou de bacia hidrográfica a execução de atividades de sua competência.

Por fim, cita-se o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para demonstrar a legitimidade passiva da Agência Nacional de Águas em sede de dano ambiental impetrado contra o bem da União.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. BEM DA UNIÃO. IBAMA. ANA. LEGITIMIDADE PASSIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 


I - Recomendável a manutenção da Agência Nacional de Águas - ANA no polo passivo da demanda, uma vez que ainda não é possível prever a extensão do impacto que será causado pelo repeixamento do Rio Francisco. 
II - Questão que não se restringe ao Termo de Ajustamento de Conduta, pois ele foi firmado em razão de inquérito civil no qual se constatou o derramamento, pela empresa Votorantim Metais Zinco S/A, de rejeitos na margem direita do Rio São Francisco. 
III - Derramamento de rejeitos químicos que ocorreu diretamente sobre o Rio São Francisco, bem da União, a teor do art. 20, III, da CF, o que atrai a competência fiscalizadora do IBAMA, bem assim da Agência Nacional de Águas - ANA, mesmo porque não se é possível prever, messe momento, antes da realização da prova pericial, se o impacto ambiental decorrente desse acidente seria de caráter regional ou nacional. 
IV - Temerário o projeto de repeixamento pactuado no Termo de Ajustamento de Conduta sem o prévio estudo de impacto ambiental e sem que se saiba a extensão da contaminação causada pelo derramamento de resíduos. 
V - Agravo de instrumento a que se dá provimento. Legitimidade passiva do IBAMA e da ANA reconhecida. Competência da Justiça Federal para a causa firmada. 

DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN. Numeração Única: 0069284-18.2009.4.01.0000AG 2009.01.00.070286-1 / MG; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Data da Decisão 01/12/2014.

5.2.3 Comitês de Bacia Hidrográfica

No dia 10 de abril de 2000, a Resolução de número 5 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos regulamentou a criação dos Comitês de Bacias Hidrográficas. Estes Comitês são órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas nas bacias hidrográficas de sua área de atuação. Segundo Milaré (2009, p. 512), um Comitê funciona como se fosse o parlamento da correspondente bacia, onde serão tomadas as principais decisões políticas sobre a utilização das águas. Deve ele selecionar uma entidade sem fins lucrativos que atue como braço executivo, na forma de agência de bacia ou agência de água.

  1. Composição

De acordo com o art. 39, os Comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes: - da União; - dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação; - dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; - dos usuários das águas em sua área de atuação; - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. O art. 39 estabelece ainda as seguintes regras:

  1. O número de representantes, bem como os critérios para sua indicação, serão estabelecidos nos regimentos dos comitês, limitada a representação dos poderes executivos da União, Estados, DF e municípios, à metade do total de membros (§1º);

  1. Nos Comitês de Bacia Hidrográfica de bacias de rios fronteiriços e transfronteiriços de gestão compartilhada, a representação da União deverá incluir um representante do Ministério das Relações Exteriores (§2º);

  1. Nos Comitês de Bacia Hidrográfica de bacias cujos territórios abranjam terras indígenas devem ser incluídos representantes: I - da FUNAI, como parte da representação da União; II - das comunidades indígenas ali residentes ou com interesses na bacia (§3º);

  1. A participação da União nos Comitês de Bacia Hidrográfica com área de atuação restrita a bacias de rios sob domínio estadual, dar-se-á na forma estabelecida nos respectivos regimentos. (§4º);

  1. Os Comitês de Bacia Hidrográfica serão dirigidos por um Presidente e um Secretário, eleitos dentre seus membros (art. 40).

Segundo a Resolução nº 05, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, já citada acima, o número de votos dos representantes:

• dos poderes executivos da União, dos Estados e do DF e dos Municípios não poderá exceder o limite de 40%;

• da sociedade civil, proporcional à população residente no território de cada estado e do DF, será de, no mínimo 20%;

• dos usuários, cujos usos dependem de outorga, será de 40%.

A proposta de formação de um CBH deve ser subscrita por pelo menos três das quatro categorias abaixo: - secretários de estado responsáveis pelo gerenciamento dos RH de, pelo menos, 2/3 dos Estados envolvidos; - pelo menos 40% dos prefeitos municipais cujos municípios tenham território na bacia; - no mínimo cinco entidades legalmente constituídas, representativas de usuários de pelo menos três dos usos indicados para outorga; - no mínimo dez entidades civis comprovadamente funcionando, com sede ou atuação na bacia. A proposta de criação do CBH deverá conter ainda, obrigatoriamente, os seguintes documentos: justificativa circunstanciada da necessidade e da oportunidade de criação do CBH; caracterização da bacia hidrográfica que permita propor a composição do respectivo CBH; indicação de diretoria provisória; - a proposta de criação do CBH.

  1. Áreas de atuação e competências

De acordo com o art. 37, os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação: - a totalidade de uma bacia hidrográfica; -a sub- bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; - grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas. Estabelece o parágrafo único que a instituição de comitês de Bacia Hidrográfica em rios de domínio da União será efetivada por ato do Presidente da República.

As competências estão estabelecidas no art. 38, e são elas:

• promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes;

• arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos;

• aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;

• acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas;

• propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito da isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes;

• estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados;

• estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.

Por fim, das decisões dos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá recurso ao Conselho Nacional ou aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com sua esfera de competência.

5.2.4 Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal

Por sua vez, os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal não tiveram as suas estruturas e competências discriminadas na Lei 9.433/1997, pois as respectivas entidades políticas deverão aprovar as suas próprias leis, que devem ser compatíveis com a norma federal. Contudo, dentro das competências de outros integrantes do SINGREH, já foram presumidas duas atribuições dos Conselhos Estaduais ou do Distrito Federal: fixar acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; autorizar a criação das Agências de Águas das suas bacias hidrográficas.

Os Comitês de Bacia Hidrográfica são órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas na bacia hidrográfica de sua jurisdição, estando vinculados ao Conselho Nacional, Estadual ou Distrital de Recursos Hídricos, a depender da entidade política proprietária da bacia hidrográfica, sendo as suas reuniões e votações públicas, dando-se à sua convocação ampla divulgação.

A zona de atuação dos Comitês não será necessariamente uma determinada bacia hidrográfica, podendo abranger um grupo de bacias hidrográficas contíguas, ou, por outro lado, se limitar a uma sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse tributário.

É da competência dos Comitês aprovar o Plano de Recursos Hídricos da respectiva bacia e fiscalizar a sua execução, assim como arbitrar em primeira instância os conflitos atinentes aos recursos hídricos.

Também é sua atribuição propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais (ou do Distrito Federal) de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes, e estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados.

Além disso, deverão promover o debate sobre os recursos hídricos e a articulação das entidades intervenientes, bem como estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.

As decisões tomadas pelos Comitês de Bacia Hidrográfica poderão ser objeto de recurso de competência do Conselho Nacional ou Estadual de Recursos Hídricos, conforme seja federal ou estadual a respectiva bacia.

Na sua composição far-se-ão presentes representantes da União, dos Estados ou Distrito Federal e dos municípios da respectiva bacia hidrográfica, bem como representantes dos usuários e das entidades civis de recursos hídricos com comprovada atuação na bacia.

Caso a bacia envolva terras indígenas, ainda farão parte do Comitê representantes da FUNAI (na cota da União) e da respectiva comunidade indígena. Se abarcar rios fronteiriços e transfronteiriços de gestão compartilhada, a representação da União deverá incluir um representante do Ministério das Relações Exteriores.

5.2.5. Agências de Água

  1. Área de atuação e requisitos para criação

As Agências de Água exercem a função de secretaria executiva dos Comitês de Bacia hidrográfica, e deverão ter a mesma área de atuação destes. Sua criação deverá ser autorizada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, mediante solicitação de um ou mais Comitês de Bacia Hidrográfica. (arts. 41 e 42 da Lei 9.433/97) De acordo com o seu art. 43, a criação de uma Agência de Água é condicionada a dois requisitos: I - prévia existência do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica; II - viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos recursos hídricos em sua área de atuação.

O art. 51 da referida lei, em suas Disposições Gerais e Transitórias, estabelece que os consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas poderão receber delegação do Conselho Nacional ou dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, por prazo determinado, para o exercício de funções de competência das Agências de Água, enquanto estas não estiverem constituídas.

                                           

  1. Competências

São elas: I - manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos em sua área de atuação; II - manter o cadastro de usuários de recursos hídricos; III - efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; IV - analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo uso de recursos hídricos e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela administração desses recursos; V - acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação; VI - gerir o Sistema de Informações de Recursos Hídricos em sua área; VII - celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução de suas competências; VIII - elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica; IX - promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos em sua área de atuação; X - elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica; XI - propor ao respectivo ou respectivos Comitês de  Bacia Hidrográfica: a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes; b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos; c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

Ou seja, as Agências de Água serão as “pontas” do SINGREH, atuando como órgãos executores dos Comitês de Bacia Hidrográfica.

5.2.6. Organizações civis de recursos hídricos

As organizações civis de recursos hídricos, cujos representantes integram o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, são divididas pela Lei 9.433/97 em cinco categorias: consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas; associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos; organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos hídricos; organizações não governamentais com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade e outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos. (art.47).

Outrossim, estas entidades civis poderão exercer as funções de Agências de Água enquanto estas não forem constituídas ou se houver delegação temporária dos Conselhos de Recursos Hídricos, tendo em conta a autorização do artigo 51 da Lei 9.433/1997.

De acordo com o art. 48, as organizações civis de recursos hídricos devem ser legalmente constituídas para integrar o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Ou seja, elas devem ter os seus estatutos e atos constitutivos inscritos nos registros competentes, pois esta é a forma pela qual as sociedades civis adquirem personalidade jurídica própria, distinta da dos seus membros e fundadores.

A lei criou várias modalidades diferentes de organizações civis de recursos hídricos, englobando tanto associações locais de usuários diretos de recursos hídricos (como pescadores, populações ribeirinhas, etc.), quanto organizações de natureza mais técnica, com interesse mais científico ou acadêmico no estudo de recursos hídricos. O conceito bastante abrangente de “organizações não governamentais com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade”, inclui não apenas organizações com área de atuação específica ou limitada às questões atinentes aos recursos hídricos, mas também todas aquelas dedicadas à defesa de outros interesses definidos como “difusos e coletivos”, quais sejam: proteção do patrimônio público, social, histórico e cultural, proteção de outros bens ambientais e de defesa do consumidor, dos direitos de povos indígenas e outras minorias étnicas, como remanescentes das comunidades dos quilombos, além de outras populações tradicionais, como pescadores, caiçaras, ribeirinhos, etc. Todas estas organizações estão abrangidas pelo conceito estabelecido na lei.

O artigo 51 da Lei 9.433/1997 autoriza que estas entidades civis poderão exercer as funções de Agências de Água enquanto estas não forem constituídas ou se houver delegação temporária dos Conselhos de Recursos Hídricos, tendo em conta a autorização do artigo 51 da Lei 9.433/1997.

Conforme previsto na Lei 10.881/2004, no âmbito federal, a ANA poderá firmar contratos de gestão, por prazo determinado, com as entidades sem fins lucrativos referidas, que receberem delegação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH para exercer funções de competência das Agências de Água, relativas a recursos hídricos de domínio da União, que inclusive poderão receber recursos orçamentários e o uso de bens públicos necessários ao cumprimento dos contratos de gestão, por meio de permissão de uso, dispensada a licitação.

6 INFRAÇÕES E PENALIDADES

Há uma série de condutas ilícitas que são previstas na Lei de Recursos Hídricos, que são consideradas infrações administrativas. As sanções podem ser de advertência; imposição de multa (simples ou diária) de R$ 100,00 a R$ 10.000,00 e o embargo (provisório ou definitivo).

Assim, por exemplo, constitui infração administrativa:

a) derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso;

b) iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos ou entidades competentes;

c) utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as condições estabelecidas na outorga;

d) perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização;

e) fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores diferentes dos medidos;

f) infringir normas estabelecidas no regulamento desta Lei e nos regulamentos administrativos, compreendendo instruções e procedimentos fixados pelos órgãos ou entidades competentes;

g) obstar ou dificultar a ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas funções.

7 GERENCIAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO MARANHÃO

No Estado do Maranhão, houve uma tentativa estabelecer a gestão de recursos hídricos com a Política Estadual de Recursos Hídricos, através da Lei Estadual nº 7.052/1997. No entanto, tal lei não vingou e foi revogada. Assim, o marco foi a Lei Estadual nº 8.149/2004, que determina como autoridade responsável pela gestão dos recursos hídricos a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais, que, por sua vez, atua também prestando apoio operacional e técnico ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos (artigo 32 da referida lei).

Há também os decretos estaduais nº 27.845/2011, que trata das águas superficiais e nº 28.008/2012, que trata das águas subterrâneas. Ambos regulamentam a Lei nº 8.149/2004. Pode-se citar ainda a Lei Estadual nº 5.405/1992, que normaliza o Código de Proteção ao Meio Ambiente e o uso adequado dos Recursos Naturais do Estado do Maranhão.

O Decreto Estadual n° 27.845/11, em seu artigo 5°, dispõe que, para efeito do estabelecimento da Política Estadual dos Recursos Hídricos, o Estado do Maranhão está dividido em 12 regiões hidrográficas.

Sobre a Política Estadual do Recursos Hídricos e o Sistema de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos, a Lei Estadual nº 8.149/2004, em seu artigo 2º, expõe que são fundamentos: a água como bem de domínio público, recurso natural limitado dotado de valor econômico e social; o consumo humano e a dessentação de animais como uso prioritário dos recursos hídricos em tempos de escassez, a gestão dos recursos hídricos proporcionando o uso múltiplo das águas; a bacia hidrográfica como unidade físico-territorial para implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos; a descentralização da gestão dos recursos hídricos com a participação do Poder Público, usuário e comunidades; a compatibilização entre os Planos Estadual e Nacional dos Recursos Hídricos, os Planos Diretores de Bacia Hidrográfica, os Planos Diretores dos Municípios e setores usuários.

Conforme o artigo 3º, são alguns dos objetivos: assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização, racional e integrada, dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário com vistas ao desenvolvimento sustentável; o aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos e o rateio dos custos das respectivas obras; a gestão do uso e da ocupação do solo urbano e a de coleta, tratamento e disposição de resíduos sólidos e líquidos.

Em seu artigo 5º, a Lei Estadual 8.149/2004 apresenta os instrumentos da Política Estadual dos Recursos Hídricos. Eis alguns deles:

  • os Planos de Recursos Hídricos – são instrumentos fundamentais para a implantação dos Política Estadual; o Plano Estadual, por exemplo, deve ser elaborado pelo Estado (artigo 7º) e aprovado pelo Conselho Estadual dos Recursos Hídricos;
  • enquadramento dos corpos de água em classes – trata-se do estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou mantido em um segmento do corpo hídrico ao longo do tempo;
  • outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos e o licenciamento das obras utilizadoras desses recursos – ato administrativo de autorização através do qual o Órgão Gestor dos Recursos Naturais do Estado do Maranhão faculta ao outorgado o direito de uso de recurso hídrico no prazo e condições estabelecidas;
  • a cobrança pelo uso de recursos hídricos – com este mecanismo objetiva-se reconhecer a água como bem econômico, incentivar a racionalização do seu uso, obter recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenções previstos na Política Estadual dos Recursos Hídricos; conforme o artigo 11 da Lei Estadual n° 8.149/2004, estão sujeitos à cobrança de recursos hídricos: a derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público; a extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final; o lançamento em corpo de água de esgoto e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;
  • o Sistema Estadual de Informações sobre os Recursos Hídricos – trata-se de uma base essencial para a correta aplicação de todos os demais instrumentos de gestão.

8 CONCLUSÃO

Como se pode notar, a proteção aos recursos hídricos tem importância fundamental para a manutenção de um meio ambiente sadio e equilibrado. No Brasil, essa proteção ocorre de diversas formas, principalmente através de instrumentos políticos que compõem um sistema e envolvem todos os entes federativos, incluindo a previsão de infrações e suas respectivas penalidades.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, essa proteção ganhou status constitucional e se fortaleceu ainda mais com a promulgação de leis infraconstitucionais, como a Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional dos Recursos Hídricos) e, antes disso, o Código de Águas de 1934. No plano estadual (Maranhão), existe a recente Lei nº 8.149/2004, que trabalha com a Política Estadual dos Recursos Hídricos.

Além disso, diversos órgãos têm atuação importante nessa tarefa de preservar os recursos hídricos. Destacam-se, entre outros, a Agência Nacional das Águas, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e organizações civis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 9.984/2000, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas – ANA. Disponível em: < http://www.ana.gov.br > Acesso em: 15 dez. 2014.

MARANHÃO. Lei nº 8.149/2004, de 15 de junho de 2004. Dispõe sobre a Política Estadual dos Recursos Hídricos, o Sistema de Gerenciamento Integrado dos Recursos Hídricos. Diário Oficial do Estado do Maranhão, Maranhão, MA, 23 jun. 2004. p. 6 – 9.

LEAL, Antônio; SANTOS,  Luiz Carlos. Gerenciamento dos Recursos Hídricos no Estado do Maranhão – BRASIL. Disponível em: <http://www.observatorium.ig.ufu.br/pdfs/5edicao/n13/03.pdf> Acesso em: 19 dez. 2014.

MARCO LEGAL dos Recursos Hídricos no Maranhão. Disponível em: <http://aguasdobrasil.org/edicao-03/marco-legal-dos-recursos-hidricos-no-maranhao.html> Acesso em: 19 dez. 2014.

POMPEU, Cid Tomanaki. Direito de águas no Brasil. In: CURSO DIREITO DE ÁGUAS NO BRASIL, 1. 2002, Brasília, p. 37-43.

TAKEDA, Tatiana. Disposições constitucionais sobre recursos hídricos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-dez-29/disposicoes-previstas-constituicao-acerca-recursos-hidricos>. Acesso em: 21 dez. 2014.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 4 ed. rev. ampl. e atual. Bahia: Juspodivim, 2014.


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Sobre os autores
Daniel Eric dos Santos Sousa

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão.

Raabe Tirza Braga Pinto

Estudante de Direito da Universidade Estadual do Maranhão.

Mariana da Silva Matos

Estudante de Direito da Universidade Estadual do Maranhão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Paper apresentado à disciplina Direito Ambiental, da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA.

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