A violência simbólica suportada pelas mulheres no campo jurídico

28/01/2016 às 01:53
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O presente artigo visa uma reflexão objetiva da realidade de dificuldade na atuação das mulheres profissionais do direito, em face da dominação sexista do gênero masculino.

            Em que pese a vertiginosa ascendência das mulheres no campo do direito, ainda é notória a disparidade de tratamentos, oportunidades e perspectivas das profissionais do sexo feminino em relação aos do outro gênero.

            Observa-se, por exemplo, que em face uma imposição velada, mulheres advogadas, magistradas, promotoras, etc., tendem inconscientemente a alterar a entonação da voz, masculinizar seus gestos e se verem rotineiramente obrigadas a provar a sociedade a dimensão de seu conhecimento, capacidade e profissionalismo. Este cenário acaba por provocar reflexos na vida pessoal e profissional desta mulheres.

            Nesta seara cabe trazer a conceituação do renomado estudioso francês, Pierre Bourdieu, acerca do conceito de violência simbólica, onde este preleciona que esta violência se funda na fabricação contínua de crenças no processo de socialização, que induzem o indivíduo a se posicionar no espaço social seguindo critérios e padrões do discurso dominante.[1] Neste contexto a violência simbólica é manifestação desse conhecimento através do reconhecimento da legitimidade desse discurso dominante.

            Não é forçoso concluir que a dominação masculina ainda se sobrepõe na atualidade, e não é diferente na seara jurídica. Tal realidade é contundentemente legitimada pelos homens e mulheres que constituem a práxis jurídica.

            Numa tentativa de combate a este contexto medidas de inserção são criadas, a exemplo da determinação de quota de 30% de advogadas para inscrição de chapas nas eleições da Ordem dos Advogados no Brasil, em contraponto a um panorama que parece a primeira vista incoerente, tendo em vista um quantitativo global de mais de 50% de mulheres entre todos os advogados inscritos na OAB.[2]

            Um pré-julgamento de fragilidade e incompetência decorrente do gênero, maliciosos comentários acerca de possíveis privilégios de uma profissional bonita, capacidade subestimada e a imposição de posturas preponderantemente masculinas, são exemplos concretos de manifestação da violência simbólica infligidas as mulheres que labutam com o direito. E não são casos isolados, mas a praxe da rotina forense.

Indubitavelmente o tratamento dispensado às mulheres trabalhadoras no ramo do direito ainda é de discriminação patente, fato este muitas vezes relegado em face da tendência predominante de se elevar apenas o combate a violência física, evidente aos olhos.

Ocorre que a violência, ainda que simbólica, é violência, que de fato fere e afeta a produtividade e as condições gerais de vida destas milhares de profissionais que arduamente são obrigadas a se impor perante colegas e demais profissionais da ainda sexista carreira jurídica.

O fato é que o primeiro passo para se alcançar uma igualdade real neste meio e em outros, é o afastamento desta crença legitimadora da dominação masculina, possibilitando que as profissionais exerçam suas atividades conforme sua natureza e caraterísticas inerentes e não impostas. É o que se deseja.

                                                                                                            

                                                              


[1] BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.

[2] OAB aprova cota de 30% de advogadas para inscrição de chapas nas eleições. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI210493,71043-OAB+aprova+cota+de+30+de+advogadas+para+inscricao+de+chapas+nas> Acesso em 28 de janeiro de 2016.

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Sobre a autora
Anne Caroline Fidelis de Lima

Advogada, bacharela em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, professora universitária, mestra em sociologia pela Universidade Federal de Alagoas, pós-graduada em direito civil, processo civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB/AL e em gestão pública municipal pela Universidade Federal de Alagoas.

Informações sobre o texto

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