4. A RECLAMAÇÃO COMO WRIT CONSTITUCIONAL
Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e ainda na garantia da autoridade das decisões. Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no item I, do artigo 102 da Constituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, é cabível a reclamação. A segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões.
O novo CPC ainda acrescenta mais duas hipóteses:
garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.
Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante (artigo 990).
Tal como no mandado de segurança, o Ministério Público, nas ações em que não for parte, irá intervir como custos legis, oferecendo pronunciamento em prazo peremptório de 5 (cinco) dias.
Na correta lição de José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, ,2ª edição, pág. 435) há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ.
Não obstante os pressupostos assinalados por Amaral Santos (RTJ 56/539), reconhecidos por Alfredo Buzaid (RT 572/399), de que para haver reclamação são necessários: “a) a existência de uma relação processual em curso; b) e um ato que se ponha contra a competência do STF ou contrarie decisão deste proferida nessa relação processual ou em relação processual que daquela seja dependente”, o certo é que não há falar em reclamação sem a iniciativa ou provocação de um interessado ou da procuradoria-geral da República.
Ora, para que esses entes possam fazê-lo, é mister que propugnem pela elisão de qualquer usurpação atentatória da competência de um desses dois tribunais ou pelo reconhecimento da autoridade de decisão já proferida por um deles.
Correta a ilação de que no que concerne ao asseguramento da integridade de decisão do tribunal supremo, não importa perguntar da sua natureza. Tal compreende tanto a decisão da matéria civil como a criminal. Assim será o caso de reclamação contra decisão exorbitante da instância ordinária, ao rever julgamento do STF, como já entendeu-se na Recl. 200. – SP, em 20 de agosto de 1986, em que foi Relator o Ministro Rafael Mayer.
A reclamação não é um mero incidente processual. Não é recurso não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, como advertiu José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444), porque não precisa que haja sentença ou decisões nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, ´bastando que haja interesse em que se corrija um eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou do STJ’.
Ensinou o Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (Reclamação Constitucional no direito brasileiro, 2000, pág. 461) que a reclamação constitucional é uma ação e, como tal, tutela direitos. Pois:
a) Por meio dela se provoca a jurisdição;
b) Através dela se faz um pedido de tutela jurisdicional – o de uma decisão que preserve a competência da corte, a qual esteja sendo usurpada por outro tribunal ou juízo inferior; ou que imponha o cumprimento de decisão daquela, que não esteja sendo devidamente obedecida;
c) Contém uma lide.
É, na realidade, a reclamação, uma ação, um writ constitucional, fundada no direito de que a resolução seja pronunciada por autoridade judicial competente, de que a decisão já prestada por quem tinha competência para fazê-lo, tenha plena eficácia, sem óbices ou se elidam os estorvos que se antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir, como ainda alertou José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444).
Por outro lado, é certo que não cabe reclamação contra decisão judicial transitada em julgado, pois ela não é uma ação rescisória, nem a substitui (Súmula 734 do STF). Tal é a prescrição do artigo 988, § 5º, do novo Código de Processo Civil.
5. O FIM DA AÇÃO DECLARATORIA INCIDENTAL
O Código de Processo Civil de 1973 previa , nos arts. 5o e 325, a possibilidade de ajuizamento de ação declaratória incidental, para que, se eventualmente se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da causa principal, qualquer das partes possa requerer que o juiz a declare na sentença, com o fim de que a matéria se torne imutável com os efeitos ou qualidade da coisa julgada. É o que se extrai, respectivamente, dos referidos artigos: “Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença”. “Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, ou autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou inexistência depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide”.
É lição de que a coisa julgada se restringe ao dispositivo da sentença, em atenção ao principio da demanda.
Criou-se, pois, sob o manto do Código de Processo Civil de 1973, uma ação declaratória incidental com o objetivo de que eventual questão prejudicial possa fazer coisa julgada, dentro do que dispõe o citado princípio da demanda (nec procedat iudex sine actore) na hipótese das partes assim requerem, na forma do artigo 470 do Código de Processo Civil de 1973.
Prejudicial é aquilo que deve ser julgado de forma antecipada. Trata-se de uma questão prévia que é ligada ao mérito.
Caracteriza-se a questão prejudicial por ser um antecedente lógico e necessário da prejudicada, cuja solução condiciona o teor do julgamento desta, trazendo ainda consigo a possibilidade de se constituir em objeto de um processo autônomo.
Enquanto a preliminar, geralmente de cunho processual, se caracteriza por impedir o julgamento do mérito, uma vez reconhecida, a prejudicial se caracteriza por sua autonomia e pela possibilidade ou não de serem julgadas no juízo civil enquanto que as preliminares são dependentes.
Ocorre que o PLS 166/2010, com fim de simplificação do processo, optou por excluir do sistema processual a ação declaratória incidental, conferindo ao juiz a prerrogativa de declarar por sentença, com força de coisa julgada, relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide. É o que rege o art. 19. do Projeto de Novo Código de Processo Civil: “Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, o juiz, assegurando o contraditório, a declarará por sentença, com força de coisa julgada”.
Data venia e com o devido respeito, essa não foi a melhor solução.
Evitando-se a proposição de demandas que atingem questões verdadeiramente prejudiciais, ofende-se o principio da demanda.