“...a terra em si é de muito bons ares ... àguas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem as águas que têm.” Pero Vaz de Caminha, Carta a el-Rei Dom Manuel.
Afinal, o que o aquecimento global tem a ver com o Brasil e com a Amazônia?
As emissões de gases de efeito estufa (GEE), no Brasil, são inversamente proporcionais aos números internacionais. Assim, enquanto 80% das emissões mundiais de GEE se relacionam à produção de energia e à queima de combustíveis fósseis, os restantes 20% são devidos às mudanças no uso da terra. A maior parte das emissões brasileiras, porém, são devidas ao desmatamento e às mudanças no uso da terra, enquanto a menor parte resulta do uso de combustíveis fósseis e da produção de cimento (esse número já foi, respectivamente, 75% e 25%.)
Isso se explica pela baixa dependência brasileira de combustíveis fósseis. A energia hidrelétrica é a principal fonte de energia no Brasil, e a utilização de etanol para veículos a motor, generalizada. Em 2005, 75% da energia consumida no Brasil foi gerada em hidrelétricas. Globalmente, o Brasil foi/é responsável por 4% das emissões anuais de CO2. Importante: todos esses dados podem variar de um ano para outro, embora sem alterar a estrutura das emissões de GEE.
Fato é que o Brasil contribui para o aquecimento global principalmente através do desmatamento da floresta amazônica, já que as emissões de GEE oriundas do desmatamento e uso do solo respondem significativamente pelas emissões. Árvores derrubadas e queimadas significam mais CO2 liberado para a atmosfera. É verdade que o desmatamento tem sido reduzido desde 2004, quando 27,772 quilômetros quadrados foram destruídos. Em 2008, esse número diminuiu para 12,911; e para 7,469 em 2009. Em 2010, os números foram estimados em 6,451. Apesar disso, o desmatamento ilegal ainda é desafiador.
Há outro desafio. Dia 31 de outubro de 2011 foi uma data histórica. Nessa ocasião, o planeta Terra atingiu 7 bilhões de pessoas. As projeções para o futuro são de contínuo aumento populacional. Até a metade do século, conforme estimativas da ONU, o mundo terá mais de 9 bilhões de pessoas. Um aumento de 30% comparado à população atual. Apenas na África Subsaariana, até 2050, a população passará de 770 milhões para 2 bilhões de pessoas.
Esse contínuo aumento populacional gera preocupações relacionadas à fome e à má nutrição. Hoje, apenas na Ásia e na América Latina, 554,5 e 47,1 milhões de pessoas, respectivamente, não recebem alimentação adequada. Computando todos os países em desenvolvimento, os números de má nutrição e fome aguda alcançam 835,2 milhões de pessoas, ou seja, 12% da população mundial.
A preocupação futura é ainda maior. Primeiro, espera-se o aumento de preços dos alimentos até a metade do século em função do aumento da temperatura do planeta. Segundo, a projeção de 9,1 bilhões de pessoas em 2050 exigirá o aumento da produção de alimentos em 70%.
A necessidade de aumento na produção de alimentos é desafiada pelo aumento na temperatura do planeta, já que o aumento da temperatura pode reduzir a produção e a produtividade de alimentos no mundo. Esse é um grande desafio amazônico e brasileiro: aumentar a produção de alimentos simultaneamente ao crescimento populacional mundial.
Mas, há outro desafio: a mudança no paradigma de exploração infinita dos recursos naturais. Em sua carta, na ocasião do descobrimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha reportou uma natureza infinita. Hoje, as florestas e as águas de Caminha são cada vez mais findas. Os efeitos nocivos dessa visão infinita na exploração dos recursos naturais deveria moldar a exploração atual e futura dos recursos amazônicos, evitando-se a repetição de erros passados.