Compreende-se por alimentos não apenas o alimento que nutre o ser, mas também todo o necessário para a satisfação das necessidades vitais. Trata-se de uma obrigação moral de assistência entre os membros de uma família e parentes, além de ser um ato de caridade.
Não são raros os casos de genitores que devem alimentos aos filhos, desrespeitando a dignidade daqueles que deles dependem. Sem dúvida, os processos de direito de família que implicam a questão do débito alimentar são os mais penosos, pois tratam de sentimentos entre pessoas que, por alguma circunstância, possuem uma ligação, embora, em muitos casos, não exista uma relação de proximidade entre elas.
Atualmente, quando do descumprimento voluntário da obrigação de prestar alimentos, a legislação permite a execução do crédito alimentar pelo rito da penhora, através do artigo 475-J ou da penhora on line, além do pedido de prisão civil do devedor, previsto no art.733 do CPC.
Ocorre que, ainda que legalmente prevista, a satisfação da obrigação alimentar é dificultada por inúmeros fatores, tais como a identificação e bloqueio dos bens do devedor, a ocultação de bens, a mudança de endereço sem prévia comunicação ao credor, recebimento informal, além de outras estratégias utilizadas pelo devedor para burlar a lei.
Em razão do crescente inadimplemento que vem ocorrendo em todo o país, alguns tribunais, dentre eles o de São Paulo e Pernambuco, passaram a determinar a inscrição do nome do devedor de alimentos no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC)1. Essa medida justifica-se pela sua efetividade, pois repercute na vida do devedor, gerando consequências que implicam as mais diversas restrições.
A inscrição do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito teve origem na Província de Buenos Aires, por meio da Lei 13.074. Com base nessa lei, alguns Tribunais brasileiros vêm adotando esse modelo, compelindo o devedor inadimplente a cumprir a obrigação alimentar, sob pena de ter seus direitos subtraídos.
Recentemente, o Instituto Brasileiro de Direito de Família noticiou o Projeto de Lei Número 7841/2010, apresentado na Câmara dos Deputados, pelo deputado federal Sérgio Barradas Carneiro, que trata sobre o protesto de dívidas alimentares. O projeto pretende equacionar as persistentes falhas jurídicas relacionadas ao débito alimentar, visando a proteção dos credores, em sua maioria filhos menores de idade.2
Embora ainda não prevista em lei, não existem óbices legais à inscrição do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito, uma vez que tais medidas coercitivas são passíveis de serem determinadas com fundamento no direito à sobrevivência e a uma vida com dignidade, que se sobrepõem a eventuais direitos do devedor.
Assim como os alimentos são necessários para aqueles que os requerem, o crédito também é fundamental na vida do cidadão que, no mundo de hoje, depende de credibilidade para realizar diversas operações em sua vida cotidiana. Trata-se, portanto, de um meio eficaz de coerção sobre o executado que, sofrendo restrições severas, entenderá por bem pagar a dívida alimentar.
Em alguns países latino-americanos, as consequências podem implicar a impossibilidade de obter cartões de crédito, abertura de contas, exercer cargos eletivos, judiciais ou hierárquicos, impossibilidade de participação em licitações, além de ter o nome sujo na praça, até a regularização da dívida alimentar.
No Brasil, em recente provimento do Tribunal de Justiça de Pernambuco, foi determinado o protesto de um título judicial e a inscrição do nome do devedor de alimentos contumaz nos órgãos de proteção ao crédito. Nesse contexto, a medida pode ser requerida judicialmente pelo credor, mediante o pedido de uma certidão judicial que comprove a dívida, devendo ser registrada no cartório de protesto de títulos e documentos, para que o devedor efetue o pagamento em até 72 horas após ter sido comunicado. Caso o devedor não cumpra a obrigação, passará a sofrer as mesmas restrições impostas por lei àquele que tem o seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito por inadimplência.3
A tutela jurisdicional para a cobrança dos alimentos, adotada pelo atual Código, ainda é bastante falha, deixando brechas para o devedor se esquivar da obrigação que lhe é imposta por lei. É necessária a adoção de intervenções mais eficazes pelo Judiciário, de forma tal que o credor possa valer-se delas para ver satisfeito o seu direito.
Embora a maioria dos processos de alimentos tramite sob segredo de justiça, a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito não fere o direito à intimidade, pois as informações a serem registradas devem ser sucintas, informando apenas a existência de uma execução em nome do devedor.
Além de surgir como possível medida coercitiva para solucionar o problema dos credores de alimentos, a eficácia da inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito surge também para aliviar o número de processos judiciais em trâmite perante as Varas de Família, contribuindo para a celeridade e efetividade das decisões judiciais.
Assim, diante das inúmeras arestas que ainda restam no ordenamento jurídico pátrio, surge essa nova corrente, fundada na efetividade da Jurisdição, defensora de medidas mais severas, amparadas nos princípios constitucionais e nos direitos fundamentais, visando a garantir a segurança dos credores de alimentos, que necessitam do amparo legal para uma sobrevivência digna.
Notas
1 TJSP. Agravo Regimental número 990.10.088682-7/50000. Relator: Desembargador Adilson de Andrade. Julgamento em: 25/05/2010, publicado no DJSP de 08-10-2010. pg.1038. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/20369962/djsp-judicial-1a-instancia-interior-parte-iii-08-10-2010-pg-1038
2 Protesto por Dívidas Alimentares. Boletim IBDFAM. Novembro/Dezembro 2010. pg 08.
3 O Conselho da Magistratura do Estado de Pernambuco, através do Provimento nº03/2008, em vigor a partir de 18 de setembro de 2008, editou norma que possibilita ao credor de pensão alimentícia requerer certidão judicial que comprove a dívida, e, a partir daí, registrá-la em Cartório de Protestos de Títulos e Documentos. Assim, o devedor será notificado para, no prazo de 72 horas, efetuar o pagamento e, caso não cumpra, passará a sofrer as mesmas restrições impostas na lei que trata dos protestos de títulos mercantis, notadamente a suspensão de créditos bancários e pagamento dos emolumentos fixados pelos cartórios.