O Sistema Eleitoral Proporcional

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01/02/2016 às 09:57
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O artigo analisa os motivos que levaram o Brasil a implantar o sistema eleitoral proporcional, na década de 30, e a sua permanência, até os dias atuais, apesar das críticas e do acervo de casos polêmicos verificados em nossas eleições.

Sumário: 1. Introdução; 2. O Sistema Proporcional na Comissão Itamaraty; 3. O Sistema Proporcional na Constituição de 1934; 4. O Sistema Proporcional nas demais Constituições; 5. Conclusão; 6. Referências Bibliográficas.    

1.      INTRODUÇÃO

A nossa primeira Constituição adotou o sistema de voto censitário, ao conferir apenas aos homens maiores de 25 anos e detentores de renda mínima, o direito de votar (era, no entanto, permitido aos 21 anos para os casados, os oficiais militares, os bacharéis formados e clérigos de ordens sacras). Em face das manipulações, vendas de votos e as frequentes fraudes eleitorais, houve, no ano de 1881, uma expressiva reforma eleitoral, denominada de Lei Saraiva, em homenagem ao então presidente do Conselho de Ministros. Entre as mudanças introduzidas, duas exerceriam forte influência nas próximas décadas:  a adoção de eleições diretas para os cargos eletivos e a proibição do voto pelo analfabeto. 

A Constituição de 1891, sob influência da seção II, artigo 1, da Constituição americana[1], alteraria a estrutura vigente na Carta de 1824, fixando o sufrágio direto e não censitário para a eleição dos deputados federais[2]. Os senadores eram eleitos seguindo o mesmo modelo de escolha[3]. Mas a Carta republicana, apesar de, por um lado, rejeitar o modelo de voto limitado pela renda, por outro, não fixou a obrigatoriedade do voto secreto. Em consequência, todas as unidades federativas ou adotaram o voto aberto, em que o eleitor assinava na própria cédula de votação quando fosse depositá-la na urna, modelo adotado no Rio Grande do Sul, ou o voto semiaberto, em que o eleitor solicitava ao mesário a cédula de determinado candidato e a depositava. Este sistema além de retirar a liberdade de escolha do eleitor, facilitava a manipulação, o direcionamento e a fraude eleitoral.

Com a vitória da Revolução de 1930, implantar-se-iam mudanças profundas para a realização de eleições mais justas e probas. O governo provisório baixou, em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral (Decreto nº 21.076) fixando, em seu artigo 56, o voto secreto, o sufrágio universal direto e a representação proporcional. A capacidade eletiva foi atribuída a todos os indivíduos considerados aptos a entender o processo eleitoral, usando, como critério de referência, a maioridade fixada no Código Civil de 1916. Como o analfabeto não poderia ler os programas de governo, resolveram não lhe conferir a condição de votante.

  

Getúlio Vargas, no discurso que proferiu, quando da abertura dos trabalhos da Assembleia Constituinte, atribuiu ao seu Código Eleitoral o título de “carta de alforria do povo brasileiro” e ainda classificou a eleição de 3 de maio de 1933, realizada sob a nova legislação, como “a mais livre e honesta, realizada até hoje, no Brasil.” No entanto, o que mais chama atenção em sua fala, reside na afirmação de que as vigas mestras do novo modelo eleitoral residiam no voto secreto e na representação  proporcional.  

  

Como Vargas perdera as eleições presidenciais de 1930, era de conhecimento público que este atribuía a sua derrota às fraudes eleitorais, que seriam combatidas com o voto secreto e uma justiça eleitoral dotada de isenção. A grande novidade residia na adoção do sistema proporcional, originado na Bélgica, em 1899, mas muito aperfeiçoado pelos alemães, com a Constituição de Weimar.

Não havia, na Europa e na América, a concepção de que o sistema proporcional era mais isento a fraudes do que a eleição majoritária. Ressaltamos a existência de expressivo número de países, que incluía a Inglaterra, os Estados Unidos e a França, não adotantes deste modelo. A Itália o havia adotado, mas, em 1919, decidira pela sua ineficiência e voltara para a regra majoritária.

A vantagem maior estaria em valorizar os partidos políticos, o que tornava o sistema proporcional mais apropriado para o parlamentarismo. Assim, o eleitor estaria votando não em pessoas, mas sim em organizações partidárias que defendessem ideias similares as suas. Era o que ocorria na Alemanha, com partidos estruturados há décadas, dotados de claras posições ideológicas e propostas de governo diferenciadas. Ao longo da República de Weimar, observamos que o cenário político alemão era composto por partidos de esquerda (socialistas e comunistas), de centro, confessionais e até mesmo de direita radical (nazista). Mas, certamente, este não era o quadro existente no Brasil, na década de 30, que sequer possuía partidos nacionais. 

  No entanto, a mudança trazia duas vantagens políticas para Vargas. Primeiro, ao teoricamente gerar uma disputa entre partidos, haveria a possibilidade de formação de fortes partidos de oposição capazes de enfraquecerem as oligarquias locais, enclausuradas em seus partidos republicanos estaduais. Segundo, porque o voto majoritário, até então adotado, estava assentado sobre a pessoa, o que conferia forças ao candidato, pelo simples sobrenome, favorecendo a perpetuação no poder de famílias poderosas. Com o novo sistema, poderia ser mais fácil a ascensão de políticos desconhecidos.   

2.      O SISTEMA PROPORCIONAL NA COMISSÃO ITAMARATY

     Em 1932, a Comissão Itamaraty, encarregada de elaborar o anteprojeto da nova Constituição brasileira,  analisaria a questão do sistema a ser adotado em nossas eleições. Havia o modelo americano, que fixava o voto majoritário para deputados e senadores, que fora seguido pela Constituição de 1891. Mas, em face das críticas e dos problemas verificados nos pleitos da República Velha, a intenção era a de introduzir mudanças, e a opção recairia no alinhamento ao modelo alemão, fixado pela Constituição de Weimar.

João Mangabeira propôs, então,  que a nova Constituição adotasse um novo modelo para a eleição de deputados, consubstanciado na seguinte proposta de redação :

Art. A Assembleia Nacional compõem-se de Deputados do povo brasileiro, eleitos por quatro anos, mediante sistema proporcional e sufrágio universal, igual, direto e secreto dos maiores de 18 anos, de igual sexo, alistados na forma da lei.    

Como justificativa, destacou que “todas as Constituições novas asseguram o sistema proporcional”. Sublinhamos  que, como a Comissão decidiu pela extinção do Senado, o sistema seria adotado apenas para os deputados, ou seja, para os representantes do povo. Na verdade, a proposta refletia fortemente o modelo alemão de Weimar, que fixava o unicameralismo e as eleições dos representantes do povo segundo a regra da proporcionalidade.

Uma consequência direta deste alinhamento, ocorrerá quando a constituinte de 34 resolve, depois, ressuscitar o Senado. Como os alemães apenas possuíam regras para eleição de deputados, a opção foi a de manter o sistema existente nos Estados Unidos e copiado, pelo Brasil, em 1891, que fixava a eleição majoritária para os senadores. Passaríamos, com esta decisão, a ter regras diferenciadas para as eleições dos integrantes das duas casas legislativas, o que perdura, até hoje, no país.     

A proposta da Comissão Itamraty também seguia o Código Eleitoral de Vargas. Chama a atenção o fato de que estava sendo fixado o sufrágio universal, incluindo o voto feminino e o voto aos 18 anos. A universalização apenas não foi total, porque manteve-se, em outro dispositivo, a vedação ao voto do analfabeto.

3.      O SISTEMA PROPORCIONAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1934

Na constituinte de 1934, os relatores da parte referente ao Poder Legislativo foram os deputados Odilon Braga e Abel Chermont. Ambos mantiveram o alinhamento com a Constituição de Weimar, que fixava o sistema proporcional para a escolha dos integrantes do Reichstag[4]. Braga, em seu parecer, externou que o sistema traria benefícios para o país:

Ora, o primeiro efeito do voto proporcional é esse de provocar a formação de partidos. Devemos, por isso, torná-lo, pela Constituição, de aplicação obrigatória. Se o deixássemos para a legislação ordinária, os resultados das primeiras eleições fariam com que a maioria volvesse aos sistemas empíricos já provados, mais próprios a lhe proporcionarem o pleno e quieto domínio dos postos de governo e de representação. Se queremos – como devemos querer – instituir, com os partidos, um regime de democracia verdadeira, um imprescindível curso de tolerância e de boas maneiras políticas, só nos resta apelar para a violência fracionante do voto proporcional. (Anais, vol. X, 1935, p. 278)   

O deputado Abelardo Marinho foi uma das poucas vozes que questionaram esta opção. Na sua análise, havia uma confiança excessiva no voto secreto e no sistema proporcional, pois o eleitor, na conjuntura social e política brasileira, votaria não em partidos, mas, sim, de acordo com a orientação de seu cabo eleitoral ou do chefe político local. Em discurso plenário, destacou que “alterar para melhor esta mentalidade, é que não sei como possam fazer o voto secreto e o sistema proporcional.”[5]      

De fato, a implantação deste sistema levantava algumas controvérsias.  Primeiro, porque o Brasil não possuía partidos nacionais, e, menos ainda, havia uma pluralidade ideológica clara a diferenciar nossas organizações partidárias. O jurista e depois Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Maximiliano, ao analisar a proposta de alinhamento à Constituição socialista de Weimar, destacou as diferenças profundas entre os quadros existentes no Brasil e na Alemanha:

E no Brasil, é de se esperar a vitória integral do socialismo em maio, aqui onde o primeiro partido declaradamente socialista foi fundado há dez dias? Na Alemanha, por exemplo, existe partido socialista há meio século, pelo menos. (Azevedo, 1933, p. 352)   

Segundo, porque o sistema propocional enseja um outro tipo de fraude, envolvendo a corrupção de partidos por empresas e pessoas. Contra este perigo, o país, não dispunha de legislação protetiva. Na elaboração do anteprojeto constitucional, João Mangabeira propôs a fixação de regras que obrigassem os partidos políticos a publicarem a sua movimentação de receitas e despesas, ocorridas durante as eleições, como medida de combate à corrupção. Como justificativa de sua proposta, destacou:

É preciso saber de onde provêm, os recursos para despesas com campanhas eleitorais. Declara-se pela publicidade. Na Alemanha, só o Partido Socialista Democrático publica todos seus os recursos e despesas, logo após o final das eleições; desde La Salle vem firmando esta prática. Pensa que se poderia dar ao Congresso esta autorização para evitar que meia dúzia de companhias poderosas corrompa, enfeude em seus cofres os partidos para escolha dos candidatos, como se verifica nos Estados Unidos. Aqui mesmo, no Brasil já houve dois candidatos a deputado, que gastaram 140 e 120 contos e foram eleitos. Uma lei que impeça a corrupção diminuirá muito todos esses casos. (Azevedo, 1933, p. 443)    

A Inglaterra, desde 1883, possuía legislação obrigando os partidos a conferirem publicidade a suas finanças. Nos Estados Unidos, os avanços foram mais significativos, pois a maioria dos estados americanos aprovaram leis que obrigavam a publicização das despesas partidárias, e, em muitos casos, as regras também fixavam como se daria a organização partidária, o modo de escolha de candidatos, o rito das convenções partidárias, dentre outros assuntos. Com base nas leis novas, já houvera inclusive a condenação do governador Newbory, por corrupção, caso este que chegaria à Suprema Corte[6] e despertaria forte debate nacional. 

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Um terceiro problema residia no fato de sermos, à época, um país com população majoritariamente rural e analfabeta. O sistema proporcional estava assentado sobre a defesa de ideias políticas e de ideologias, as quais demandavam um maior grau de conhecimento e de interação com o Estado, o que não ocorria com os brasileiros do campo, insulados e desprovidos de acesso à informação. O funcionamento do sistema, envolvendo o cálculo de quociente eleitoral e a distribuição das cadeiras proporcionalmente ao número de votos obtidos pela legenda, até hoje causa confusão na população. 

Mas, a Constituinte de 1934 resolveu, por ampla maioria, no texto final, não apenas adotar o sistema proporcional, mas também estendê-lo a todos os níveis da federação, ou seja, para as eleições federais, estaduais e municipais, como fixado pelos artigos 23 e 181[7]. A visão dos constituintes era a de que, com o tempo, o cenário político seria marcado não por pessoas, mas por partidos políticos, e não por discursos pessoais, mas sim por ideias partidárias.

No entanto, esta concepção não se realizou de todo, até hoje. Mesmo na década de 30, o sistema proporcional não trouxe a extinção do coronelismo, persistindo o controle político das oligarquias sobre o eleitor rural. A situação apenas mudaria com a urbanização do país, o aumento do grau de instrução do povo, dentre outros fatores, que ocorreriam nas décadas seguintes. Em 1937, com o golpe do Estado Novo, perpetrado por Getúlio Vargas, ficaríamos sem eleições, até o ano de 1945.

4.      O SISTEMA PROPORCIONAL NAS DEMAIS CONSTITUIÇÕES

Todas as Constituições seguintes mantiveram a regra da proporcionalidade para os cargos eletivos, exceto os do Poder Executivo e o de Senador. A Constituição de 1988 trouxe a regra nos artigos 27, § 1º, 29, 32, § 3º e 45, No entanto, o Brasil, de forma diversa da verificada na maioria dos demais países, tem sido um dos poucos Estados que ainda adota o modelo de lista aberta, onde cada candidato compete individualmente. Em consequência, as eleições recaem sobre o currículo de cada candidato e não sobre o partido como um todo. O eleitor, na verdade, vota em uma pessoa específica, e não em seu partido. Inclusive, na urna eletrônica, ao votar, aparece a foto do candidato votado, ao invés do símbolo da organização partidária. Para alterarmos este quadro, tem sido defendida a adoção da lista fechada, em que o voto é conferido a determinada legenda, formada por uma lista de candidatos, organizada pelo partido.   

5.      CONCLUSÃO

Hoje, o sistema proporcional tem despertado muitas críticas. Para alguns, este modelo, por envolver cálculos e fórmulas, não se mostra de fácil compreensão para o eleitor. Para outros, o brasileiro, ao votar, não se identifica com partidos, mas sim com candidatos. Há ainda as graves distorções geradas pela lista aberta, quando um dos concorrentes da legenda obtém elevada votação e, em consequência, consegue eleger seus companheiros, mesmo que estes tenham obtido votação ínfima. Não são raras as eleições em que pessoas com expressivo número de votos não se elegem, enquanto que outras assumem um mandato político, sem o apoio do voto dos eleitores, o que viola o princípio da soberania popular. O maior paradoxo reside no fato de que, há mais de meio século, nossas eleições seguem um modelo adotado para atender a interesses políticos e à conjuntura nacional, que se faziam presentes, em 1934. Até hoje, a sociedade não se envolveu na discussão sobre a conveniência e os reais benefícios, para o Brasil, de mantermos o sistema proporcional. 

6.      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANAIS. Assembleia Nacional Constituinte (1933/1934). Rio de Janeiro: Gráfica do Senado, 22 vols. 1935.

AZEVEDO, J.A.M. Elaborando a Constituição Nacional: Atas da Subcomissão elaboradora do Anteprojeto de 1932/1933. 1933.

CARNEIRO, L. Pela Nova Constituição. Rio de Janeiro. Coelho Branco. 1936.

 

Sobre o autor
Antonio José Teixeira Leite

Advogado em Brasília (DF). Especialista em Direito Público pelo IDP, MBA em Direito e Política Tributária pela FGV, Especialista em Políticas Públicas, pela Escola Nacional de Administração Pública e Pós graduado em Direito Societário pela FGV-Law. Professor em cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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