SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A sistemática do precatório – 3. O fracionamento vedado pela Constituição Federal de 1988 – 4. O fracionamento lícito de precatórios – 5. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo, ao mesmo tempo em que explicitará o funcionamento do regime de precatórios, cuidará, ao diante, de estabelecer os limites e os parâmetros para a correta aplicação do artigo 100, §8º, da Constituição Federal de 1988, que, convém adiantar, veda o fracionamento, a repartição ou a quebra do valor da execução para fins de desvirtuamento da sistemática de precatórios, prevista esta na Carta da República como uma garantia tanto ao Poder Público, cujos bens não estarão passíveis de penhora, quanto ao credor do Estado, que, em caso de eventual inadimplemento da Fazenda, tem a seu favor diversos mecanismos de proteção do seu direito.
Sendo a impossibilidade de fracionamento do precatório a regra, premente investigar, portanto, quais seriam as suas eventuais exceções, os casos em que, muito embora o pagamento, ou o valor representativo da execução restasse dividido em mais de uma parcela sem que isto necessariamente configurasse burla à sistemática de execução contra a Fazenda Pública idealizada pelo constituinte.
E é para a aferição de tais conclusões que se prestará este estudo, notadamente nos casos em que, em meio ao processo de execução de título judicial movido em face do Estado, este opõe embargos sob o argumento de excesso do valor da execução, de sorte a tornar incontroversa parte do valor perseguido pelo exequente, apesar de remanescer a discussão com relação à outra parcela da dívida.
Como restará delineado no transcorrer deste capítulo, os embargos parciais opostos pela Fazenda Pública não seriam suficientes para suspender toda a execução e impedir a expedição do precatório da parcela incontroversa, justamente porque, com relação a esta parte da execução, não há mais qualquer discussão entre as partes, tendo, por isso mesmo, ocorrido o trânsito em julgado da referida parcela, marco temporal autorizador da expedição de precatório contra o Poder Público, nos termos do próprio artigo 100, da Constituição Federal, não havendo que se falar em violação do §8º do mesmo dispositivo.
2. A SISTEMÁTICA DO PRECATÓRIO
A Fazenda Pública, nos casos em que, litigando em juízo, seja condenada ao cumprimento de determinada obrigação de pagar, não se submete ao rito executivo previsto para a realização de direitos entre particulares. Ao revés, goza de certos e relevantes privilégios para fazer frente ao pagamento pretendido pelo credor, o que, no final das contas, acaba por redundar na formulação e estruturação de uma sistemática própria de execução e pagamento para os casos em que a Fazenda Pública figure como devedora da relação.
Trata-se do regime de precatórios, instituído e disciplinado no artigo 100 da Constituição Federal de 1988 [2], consistindo, nada mais nada menos do que em uma ordem judicial de inclusão, no orçamento do Ente devedor, da quantia necessária ao pagamento integral da dívida cujo pagamento compete ao Poder Público.
Segundo explicita Harrison Leite, em sua obra, o precatório:
Consiste numa requisição formal de pagamento em que o Poder Público é condenado judicialmente a realizar. Dito de outro modo, o precatório é ato jurisdicional de cunho mandamental, decorrente de decisão judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública. Seu montante se constitui em dívida consolidada do Poder Público correspondente.
Desse modo, com o Executivo envia o Projeto da LOA até 31 de agosto, tem como, em tese, se organizar para receber os precatórios em até 1º de julgo e organizar a sua inclusão para efetuar o pagamento até o final do ano seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente [3].
Em linhas gerais, a sistemática de precatórios acaba por exercer forte influência e por delimitar o próprio regime jurídico aplicável aos bens públicos, já que a obrigatoriedade de o pagamento ser feito por meio de precatório, que é fato imposto pela própria Constituição Federal, implica na impenhorabilidade dos bens de titularidade do Poder Público, não podendo ser objeto de expropriação em processo executivo.
Nesse sentido leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
4. Os bens públicos, no Direito brasileiro, marcam-se pelas seguintes características de regime:
(...).
b) Impenhorabilidade – bens públicos não podem ser penhorados. Isto é uma consequência do disposto no art. 100 da Constituição. Com efeito, de acordo com ele, há uma forma específica para a satisfação de créditos contra o Poder Público inadimplente (v., a respeito o Capítulo XX, ns. 105 e 106). Ou seja, os bens públicos não podem ser praceados para que o credor neles se sacie. Assim, bem se vê que também não podem ser gravados com direitos reais de garantia, pois seria inconsequente qualquer oneração com tal fim [4].
No mesmo sentido, alertando sobre a finalidade do instituto do precatório no ordenamento jurídico brasileiro, Harrison Leite ensina que:
Sua finalidade é satisfazer o credor da dívida pública decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado, uma vez que no Brasil é proibida a penhora de bens públicos.
De fato, a sistemática do precatório deve ser aplicada sempre que a Fazenda Pública restar condenada judicialmente ao cumprimento de obrigação de pagar, não havendo espaço para que a execução se opere segundo os moldes tradicionais, em que a parte credora avança sobre o patrimônio do devedor e, mediante constrição judicial, retira o valor de que necessita para saldar a dívida com o produto da alienação do bem penhorado.
É de bom alvitre apenas ressalvar que, tomando-se como base o valor da execução, é possível que o pagamento fuja à regra do precatório quando o numerário devido pela Fazenda Pública venha a ser considerado de pequeno valor, caso em que o pagamento se processará mediante a expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV, nos moldes do artigo 100, §3º, da Constituição Federal de 1988.
Em casos que tais, não há necessidade de inclusão do valor no orçamento do exercício financeiro seguinte, operando-se o pagamento de imediato, tão logo se verifique o trânsito em julgado da sentença que condene a Fazenda Pública ao pagamento de determinada quantia, gozando o Poder Público do prazo de 60 (sessenta) dias para efetivar o pagamento, nos termos do artigo 100, §3º, da Constituição Federal de 1988 [5].
Trazidas à tona algumas noções gerais sobre o regime de precatórios, passa-se, adiante, a lançar mão da vedação constitucional ao fracionamento do valor da execução, adentrando, assim, ao tema central objeto do presente estudo.
3. O FRACIONAMENTO VEDADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 veda expressamente o fracionamento do valor da execução quando, a pretexto de possibilitar ao credor receber parte do valor mediante Requisição de Pequeno Valor – RPV e a outra parcela através da expedição de Precatório, tal operação se der com o intuído de burlar a sistemática de precatórios.
Tal vedação se dá porque o fracionamento deliberado do valor da execução imporia ao Poder Público, no mais das vezes, realizar imediatamente o pagamento de suas dívidas, ou, pelo menos, de parcela considerável delas, esvaziando quase que por completo a regra estatuída no artigo 100 da Constituição Federal.
É por isso que o §8º, do artigo 100 da Carta da República prevê que:
Art. 100. (...).
(...).
§8º. É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo
Essa regra, no entanto, não é absoluta, comportando algumas exceções, notadamente nos casos em que o fracionamento não se dá com o ânimo de fraudar a sistemática de precatório imposta pela Constituição, o que está em plena consonância com a interpretação teleológica que se deve extrair da referida norma constitucional.
No tópico seguinte, será analisada a possibilidade de fracionamento do valor da execução nos casos em que a Fazenda Pública apresenta embargos parciais à execução, contestando apenas parte do valor perseguido pelo autor, tornando, por outro lado, incontroversa a outra parcela da dívida.
4. O FRACIONAMENTO LÍCITO DE PRECATÓRIOS
Transitada em julgado a decisão judicial que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de determinada quantia, dá-se a formação do título executivo e, por iniciativa do credor, instaura-se o processo autônomo de execução, nos moldes dos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil [6].
Inicialmente, convém esclarecer que, nos casos em que a Fazenda Pública, ao opor embargos, afirme apenas o excesso de execução como matéria de defesa, é de se registrar que inexiste discordância do Poder Público, pelo menos, com relação a parte dos valores indicados nas planilhas de cálculos apresentadas pelo credor e acostadas aos autos em que se processa a sua pretensão executiva, tendo-se, por certo e evidente, que, neste instante, exsurge como incontroverso o valor não impugnado pelo Estado.
A partir de então, apresenta relevância para o prosseguimento do estudo, a demonstração da possibilidade de se dar prosseguimento à execução, com a expedição da Requisição de Pequeno Valor – RPV ou do Precatório na exata extensão do valor da parcela que, após a oposição dos embargos parciais à execução, tornou-se incontroversamente devida pelo Poder Público.
Tratando sobre a matéria, o artigo 739-A, §3º, do Código de Processo Civil, com redação determinada pela Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006, é absolutamente inequívoco ao afirmar que:
Art. 739-A. (...).
(...).
§3º. Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.
Sobre a aplicação de tal dispositivo às execuções movidas em face da Fazenda Pública, a melhor doutrina não diverge quanto à possibilidade de prosseguimento da execução quando esta, alegando excesso de execução, opõe-se apenas parcialmente ao valor deduzido em juízo pelo credor, afirmando, nos próprios embargos, o valor que entende ser correto, o que faz por ordem do artigo 475-B do CPC.
Conveniente, inclusive, evidenciar alguns excertos da lição de Leonardo Carneiro da Cunha, sem dúvidas, autor de alto renome no País, que, com incontestável propriedade para tratar da matéria, afirma, categoricamente que:
O que não se permite é o fracionamento do valor, ou seja, não se admite que um credor de valor equivalente a, por exemplo, 150 (cento e cinquenta) salários mínimos fracione a execução, cobrando 100 (cem) salários mínimos mediante precatório e 50 (cinquenta) salários mínimos por meio de requisição de pequeno valor. Ou ele renuncia ao excedente, ficando com 60 (sessenta) salários mínimos, para evitar a sistemática do precatório, ou ele executa o valor total, submetendo-se à requisição por precatório.
(...).
Essa situação não ocorre no caso de execução de parte incontroversa da dívida. Em outras palavras, quando os embargos forem parciais, a execução, nos termos do art. 739, parágrafo 2º, do CPC (que, a partir da Lei nº 11.382/2006, passou a corresponder ao art. 729-A, parágrafo 3º, do CPC), prosseguirá quanto à parte não embargada.
(...).
Em tal situação, não está havendo o fracionamento vedado no parágrafo 8º do art. 100 da Constituição, eis que não se trata de intenção do exequente de repartir o valor para receber uma parte por RPV e a outra, por precatório [7].
Em outro trecho de sua obra, o mesmo autor ratifica a possibilidade de se dar prosseguimento à execução nos casos de embargos parciais, sem que tal procedimento configure qualquer violação ao regime constitucional de precatório:
(...) a Fazenda Pública, quando embargar alegando excesso de execução, deve demonstrar em que consiste o excesso, indicando o valor que entende ser devido. Os embargos serão parciais, podendo a execução prosseguir na parte incontroversa, já com a expedição do precatório (...) [8].
Ainda na doutrina, o referido entendimento é referendado por Guilherme Freire de Melo Barros, que, sobre a questão, leciona:
(...) não é possível a execução provisória da sentença (exceção feita à liquidação da sentença), uma vez que a expedição do precatório somente pode alcançar o valor acerca do qual não haja mais litígio. Disso resulta que, se os embargos da Fazenda Pública forem parciais, o valor do montante não questionado torna-se definitivo, sendo possível a expedição do precatório para essa parcela. (...). O valor incontroverso permite, inclusive, a expedição de requisição de pequeno valor. Nessa hipótese não há violação da regra do fracionamento [9].
Diga-se de passagem, como não haveria de ser diferente, o mesmo entendimento vem sendo espelhado na jurisprudência pátria, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, que, com bastante clareza, enfrentou o referido tema:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA O INSS. IMPUGNAÇÃO PARCIAL. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA PARTE INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE.
1. Em se tratando de execução contra a Fazenda Pública, fundada em sentença transitada em julgado, a impugnação parcial não impede o seu prosseguimento, com a expedição de precatório (ou, se for o caso, de requisição de pequeno valor), relativamente à parte não impugnada, como prevê o art. 739, § 2º, do CPC. Tratando-se de parcela incontroversa, tanto na fase cognitiva, quanto na fase executória, está atendido, em relação a ela, o requisito do trânsito em julgado previsto nos §§ 1º e 3º do art. 100 da CF.
2. Não se aplica à hipótese a vedação constitucional de expedição de precatório complementar, estabelecida no §4º, do art. 100, da CF (EC nº 37/2002). A interpretação literal desse dispositivo – de considerar simplesmente proibida, em qualquer circunstância, a expedição de precatório complementar ou suplementar –, levaria a uma de duas conclusões, ambas absurdas: ou a de que estariam anistiadas de pagamento todas e quaisquer parcelas ou resíduos de dívidas objeto da condenação judicial não incluídas no precatório original; ou a de que o pagamento de tais resíduos ou parcelas seria feito imediatamente, sem expedição de precatório, qualquer que fosse o seu valor. Assim, a proibição contida no citado dispositivo deve ter seus limites fixados por interpretação teleológica, de conformidade, aliás, com a expressa finalidade para que foi editado: a de evitar que, na mesma execução, haja a utilização simultânea de dois sistemas de satisfação do credor exequente: o do precatório para uma parte da dívida e o do pagamento imediato (sem expedição de precatório) para outra parte, fraudando, assim, o §3º, do mesmo art. 100, da CF.
3. Recurso especial a que se nega provimento [10].
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PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS PARCIAIS. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA PARTE INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE.
1. Em se tratando de execução contra a Fazenda Pública, fundada em sentença transitada em julgado, a propositura de embargos parciais não impede o seu prosseguimento, com a expedição de precatório (ou, se for o caso, de requisição de pequeno valor), relativamente à parte não embargada, como prevê o art. 739, § 2º, do CPC. Tratando-se de parcela incontroversa, tanto na fase cognitiva, quanto na fase executória, está atendido, em relação a ela, o requisito do trânsito em julgado previsto nos §§ 1º e 3º do art. 100 da CF.
2. Não se aplica à hipótese a vedação constitucional de expedição de precatório complementar, estabelecida no §4º, do art. 100, da CF (EC nº 37/2002). A interpretação literal desse dispositivo - de considerar simplesmente proibida, em qualquer circunstância, a expedição de precatório complementar ou suplementar -, levaria a uma de duas conclusões, ambas absurdas: ou a de que estariam anistiadas de pagamento todas e quaisquer parcelas ou resíduos de dívidas objeto da condenação judicial não incluídas no precatório original; ou a de que o pagamento de tais resíduos ou parcelas seria feito imediatamente, sem expedição de precatório, qualquer que fosse o seu valor. Assim, a proibição contida no citado dispositivo deve ter seus limites fixados por interpretação teleológica, de conformidade, aliás, com a expressa finalidade para que foi editado: a de evitar que, na mesma execução, haja a utilização simultânea de dois sistemas de satisfação do credor exequente: o do precatório para uma parte da dívida
e o do pagamento imediato (sem expedição de precatório) para outra parte, fraudando, assim, o §3º, do mesmo art. 100, da CF.
3. Embargos de divergência a que se nega provimento [11].
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PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS. ALEGAÇAO DE PRESCRIÇAO. NECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO.
1. O Tribunal de origem enfrentou a questão a respeito da existência de alegação de prescrição e da impossibilidade de se determinar o prosseguimento da execução, motivo pelo qual, não há que se falar em violação do art. 535 do CPC.
2. Quando os embargos forem parciais, a execução, nos termos do art. 739-A, 3º, do CPC, prosseguirá quanto à parte não embargada – regra que se aplica também à Fazenda Pública.
3. Todavia, se no objeto do embargo houver questionamento que possa afetar o título executivo como um todo, e a alegação de prescrição da pretensão executória tem essa finalidade, a execução deve ficar suspensa até o julgamento dos embargos.
4. Isso porque, nas Execuções propostas contra a Fazenda Pública, a oposição de embargos gera efeito suspensivo, pois a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor depende do prévio trânsito em julgado, de sorte que somente pode ser determinado o pagamento se não houver mais qualquer discussão quanto ao valor executado.
Agravo regimental improvido.
(...).
É correto o entendimento de que, quando os embargos forem parciais, a execução, nos termos do art. 739-A, §3º do CPC, prosseguirá quanto à parte não embargada – regra que também se aplica à Fazenda Pública.
(...) [12].
Ora, apenas para reforçar tudo quanto já exposto, é clarividente a possibilidade de se dar prosseguimento à execução movida contra a Fazenda Pública quando há valores incontroversos deduzidos em juízo.
Isso se dá porque a vedação constante do §8º, do artigo 100, da Constituição Federal de 1988, é específica, relativa aos casos em que o credor, deliberadamente, pretende fracionar, repartir ou quebrar o valor da execução, com a finalidade precípua de burlar o regime de precatório previsto no texto constitucional, o que não se afigura na hipótese em que o credor apenas pugna pela expedição da RPV ou do precatório do valor incontroverso, é dizer, afirmado pelo próprio Poder Público como devido, suspendendo-se, assim, apenas a execução da quantia contestada.
De mais a mais, no particular, não resta infringida também a vedação à expedição de precatórios complementares ou suplementares, porquanto o texto constitucional também torna tal conduta defesa quando direcionada ao mesmo fim alhures apontado, isto é, quando destinada também a fraudar o sistema constitucional de precatório, situação também não contemplada na hipótese dos autos.
Fazendo também uma interpretação teleológica do dispositivo que contempla a vedação ao fracionamento da execução, Guilherme Freire, em outro ponto de sua obra, partilha do mesmo entendimento acima exposto, ao afirmar que:
(...) quanto ao valor incontroverso, estão devidamente atendidos os requisitos necessários à expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor. De fato, parece-nos que a previsão constitucional de vedação do fracionamento de valores tem o objetivo de coibir uma manobra jurídica tendente a burlar o sistema constitucional da ordem cronológica. Tal vedação, porém, não pode impedir a parte vencedora de ter seu crédito satisfeito quanto à parcela incontroversa, uma vez que não há razão para se protelar a prestação jurisdicional desse montante [13].
Não havendo qualquer vedação expressa do texto da Constituição Federal de 1988, há de se aplicar o quanto disposto no artigo 739-A, §3º, do Código de Processo Civil, já transcrito acima, posto que não faz qualquer distinção à Fazenda Pública.
Feitos tais esclarecimentos, não restam quaisquer dúvidas acerca da possibilidade de se dar prosseguimento à execução naquilo que é incontroverso no processo, rendendo ensejo à expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV ou do Precatório em favor do credor no montante que cabe a ele, até o limite do valor indicado pela Fazenda Pública como correto – e, portanto, incontroverso – para a execução.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações feitas acerca da sistemática de precatórios, tipicamente utilizada para o processamento dos pagamentos dos valores devidos pelo Poder Público em virtude de condenação judicial, permite concluir que, malgrado a previsão constante do artigo 100, §8º, da Constituição Federal de 1988, é plenamente possível o fracionamento do valor da execução quando o próprio Poder Público reconhece, por meio de embargos parciais à execução, que parte do valor perseguido pelo credor é realmente devido.
Tal conclusão de extrai da interpretação finalística que deve ser dada à norma definidora da exceção, de sorte que o fracionamento do valor da execução apenas pode ser vedado nos casos em que se pretende deliberadamente fraudar o regime de precatórios, burlando a ordem cronológica para o pagamento dos débitos do Poder Público, não se assemelhando a essa hipótese os casos em que há a oposição de embargos parciais pela Fazenda, encerrando o litígio quanto a parte do valor da execução.
Por derradeiro, é de bom alvitre afirmar que tal entendimento densifica ainda as garantias constitucionais da duração razoável do processo e da efetividade da prestação jurisdicional, apresentando-se, por isso mesmo, como uma exceção constitucional à vedação prevista no §8º, do artigo 100, da Constituição Federal de 1988.
REFERÊNCIAS
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em juízo. Ed. Juspodivm. 4ª Edição. Revista, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).
BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em 07/02/2015.
DA CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª edição, revista e atualizada. Ed. Dialética. São Paulo, 2012.
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 27ª Edição. Revista e atualizada. São Paulo, 2010.
LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. Ed. Juspodivm, 2ª Edição. Revisada, ampliada e atualizada. Salvador – BA.
[2] Eis a atual redação do artigo 100, da CF/1988: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 07/02/2015.
[3] LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. Ed. Juspodivm, 2ª Edição. Revisada, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2013, p. 230.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 27ª Edição. Revista e atualizada. São Paulo, 2010, p. 916.
[5] Eis o que dispõe o artigo 100, §3º, da Constituição Federal de 1988: “Art. 100. (...). §3º. O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado”.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 07/02/2015.
[6] Eis o que prevê os referidos dispositivos: “Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente; II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito. Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito”.
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em 07/02/2015.
[7] DA CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª edição, revista e atualizada. Ed. Dialética. São Paulo, 2012, p. 341.
[8] Idem, p. 301.
[9] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em juízo. Ed. Juspodivm. 4ª Edição. Revista, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2014, p. 145.
[10] STJ – REsp. 680.674/SC. Rel. Min. Teori Albino Zavaski. Órgão Julgador: 1ª Turma. Julgado em 20/06/2006.
[11] STJ – EREsp. 551.991/RS. Rel. Min. Teori Albino Zavaski. Órgão Julgador: 1ª Seção. Julgado em 22/06/2006.
[12] STJ – AgRg no REsp. 1.264.564/PR. Rel. Min. Humberto Martins. Órgão Julgador: 2ª Turma. Julgamento em 01/09/2011.
[13] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em juízo. Ed. Juspodivm. 4ª Edição. Revista, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2014, p. 146.