A proibição do fumo e as unidades habitacionais de hotéis

05/02/2016 às 14:05
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A nova lei anti-fumo e a suja inaplicabilidade às unidades habitacionais em hotéis.

A questão ora suscitada refere-se, especificamente, ao fato de ser aplicável ou não às em acomodações hoteleiras, a nova legislação que proíbe o consumo de cigarros ou assemelhados em ambientes públicos e privados em todo o território nacional.

 A Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011 alterou os arts. 2º e 3º da Lei 9.294/96, que dispunha sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, estabelecendo, ainda, a proibição do fumo em ambientes públicos e privados fechados, passando a vigorar com o seguinte teor:

“Art. 2.º É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público.

3.º Considera-se recinto coletivo o local fechado, de acesso público, destinado a permanente utilização simultânea por várias pessoas.”

O Decreto n.º 2.018/96, que regulamentava a Lei 9.294/96 restou alterado pelo novel Decreto n.º 8.626 de maio de 2015, o qual definiu como recinto coletivo fechado o local público ou privado, acessível ao público em geral ou de uso coletivo, total ou parcialmente fechado em qualquer de seus lados por parede, divisória, teto, toldo ou telhado, de forma permanente ou provisória.

 Entretanto, os dispositivos acima não são claros ao estabelecer se as unidades habitacionais de hotéis, motéis, pousadas e congêneres estão abrangidos pela proibição e se as unidades habitacionais serão consideradas como de acesso público.

 Existe uma grande discussão nos Tribunais do País sobre o enquadramento das unidades habitacionais hoteleiras como locais de freqüência coletiva, debate este originado da divergência sobre o pagamento de direitos autorais pela disponibilização de televisão, rádio e música ambiente em hotéis e congêneres.

 Muito embora sejam situações diametralmente distintas, haverá quem defenda que uma vez definido pela Lei do Direito Autoral que o quarto ou apartamento de hotel é de frequência coletiva, aplicar-se-á a respectiva lei anti-tabagista, respeitosamente, divergimos, não por ser a favor ou contra o consumo de tabaco, mas porque entende-se que a Lei não define desta forma.

 Importante destacar que não se está a realizar uma apologia ao consumo de cigarros ou assemelhados, até mesmo porque o autor possui verdadeira aversão a estes produtos, mas é importante o contraponto que a própria lei, que não é clara, permite.

 O questionamento mais importante a realizar, neste breve artigo, é responder: Afinal, que é considerado local público, ou local de freqüência pública? Tal questionamento é fundamental para determinar a necessidade ou não de adaptação ou até mesmo a indisponibilidade de unidades habitacionais destinadas exclusivamente a fumantes em hotéis.

 A Lei Geral do Turismo define como meio de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos que prestam serviço de alojamento temporário, ofertados em unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.

 A partir deste conceito, extrai-se que a unidade de freqüência individual e de uso exclusivo, como a unidade habitacional de um hotel não pode ser considerada como um local eminentemente público, pois lá, o hóspede possui o direito de preservação de sua intimidade.

 A intimidade do indivíduo juntamente com a casa, asilo inviolável da pessoa humana é assegurada na Constituição Federal como uma das garantias fundamentais do cidadão, de modo que estando a unidade habitacional do hotel ocupada, goza o hóspede das mesmas prerrogativas do lar (art. 5º, XI da CF/88), ou seja, é igualmente inviolável.

 Corroborando com este entendimento, em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro MASSAMI UYEDA, no Agravo Regimental nº: 1.025.554, proveniente do Estado do Espirito Santo, publicada em 04/08/2009 no Diário da Justiça bem estabelece o enquadramento do apartamento de hotel como lar transitório, conforme se vislumbra na ementa:

 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL — DIREITO AUTORAL — LEI N. 9.610/98, ART. 68, CAPUT (“EXECUÇÕES PÚBLICAS”) — LEI N. 9.610/98, ART. 68, § 3º (“LOCAIS DE FREQÜÊNCIA COLETIVA” [HOTÉIS, MOTÉIS]) — QUARTO INDIVIDUALIZADO — IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA — EXEGESE. I – As áreas comuns (corredores, halls e saguões), de livre acesso, franqueado a todos, são realmente espaços públicos por natureza. II – Entretanto, pretender-se a extensão da natureza de espaço público a quartos individualizados, sejam tanto de hotéis quanto de motéis, tal entendimento extrapola os limites da razoabilidade. III – Na desarmonia entre as previsões do caput e do parágrafo do mesmo artigo de lei, deverá prevalecer o primeiro, por questão de hermenêutica jurídica. IV – Um quarto, como espaço em que se busca a privacidade, não pode ser compreendido como local de freqüência coletiva. Apesar da transitoriedade da posse do quarto (de hotel ou de motel), somente poderá ingressar no espaço delimitado pelo quarto se o possuidor assim o permitir. Nesses termos, ocorre a proteção dos aposentos de modo individualizado, como se fosse uma residência particular. V – AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. DECISÃO ORIGINAL RECONSIDERADA. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (STJ - AgRg no REsp: 1025554 ES 2008/0017464-4, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 10/03/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2009). Grifo nosso.

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 A decisão parcialmente transcrita acima é cristalina, pois a habitação de um estabelecimento hoteleiro é um (...) espaço em que se busca a privacidade, não pode ser compreendido como local de freqüência coletiva. (...) Nesses termos, ocorre a proteção dos aposentos de modo individualizado, como se fosse uma residência particular.

 Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal também entende que o apartamento de hotel é considerado como uma casa e goza das prerrogativas insculpidas no art. 5º, Inc. XI da Carta Política de 1988.

 PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI)- ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO - IMPOSSIBLIDADE - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO "CASA", PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II)- AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). (...) BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL . - Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes . - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). (...) . - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo . - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO . - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária . - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes . - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar . - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos . - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária . - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)", v.g.. (STF - RHC: 90376 RJ , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 03/04/2007, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007 PP-00113 EMENT VOL-02276-02 PP-00321 RT v. 96, n. 864, 2007, p. 510-525 RCJ v. 21, n. 136, 2007, p. 145-147). Grifo nosso.

 Como se pode denotar das decisões acima, ambas estabelecem a equiparação do aposento de hotel a uma casa, ou lar, ainda que transitório, de modo que não há uma vedação legal expressa acerca da proibição do fumo nas casas das pessoas, até mesmo porque feriria a própria Carta Magna da República.

 A lei refere apenas que em recintos coletivos fechados, privados ou públicos, incluindo, expressamente, as repartições públicas, os hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo, as salas de teatro e cinema, as aeronaves e veículos de transporte coletivo é proibido fumar.

 Igualmente, caracteriza a legislação como recinto coletivo, o local fechado de acesso público, destinado a permanente utilização simultânea por várias pessoas, o que, em uma unidade habitacional hoteleira não é possível, pois há um limitador para a quantidade de pessoas que irão usufruir do apartamento ou quarto.

 Destarte, ressalvados entendimentos diversos, entende-se que a proibição do fumo em locais públicos não é extensiva às unidades habitacionais de hotéis, motéis e congêneres, pois, conforme antes referido, estes locais são considerados como de freqüência individual e não coletiva, até mesmo porque são utilizados como moradia transitória de seus usuários.

Ademais, uma vez considerados como locais equiparados a lares, não há como estender a proibição do hábito de fumar no interior das unidades habitacionais. Somente nos espaços coletivos dos hotéis, tais como halls, lobbies, corredores, restaurantes e outros ambientes de convívio eminentemente coletivo.

 Por derradeiro, sustenta-se, então, que não há determinação na lei que imponha a proibição do fumo nos apartamentos e quartos de hotéis, pousadas, pensões, motéis e congêneres, não havendo, igualmente, necessidade de alterações de unidades habitacionais ou indisponibilidade de unidades exclusivamente para fumantes.

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Sobre o autor
Leandro Villela Cezimbra

Graduado em Ciências Juridicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005), Especialista em Mercado de Capitais pela Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia pela mesma Universidade (2010) e pós-graduando em Direito Empresarial pela FGV.<br>Atualmente, consultor (Analista) Sênior na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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