A responsabilidade civil da união por danos ambientais minerários

11/02/2016 às 21:21

Resumo:


  • O direito ao meio ambiente equilibrado é fundamental na ordem constitucional brasileira e internacional, impondo deveres de defesa e preservação tanto ao Poder Público quanto à coletividade.

  • A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e decorre da natureza da atividade ou conduta, sendo independente da existência de culpa, exigindo apenas a demonstração do fato, nexo causal e dano.

  • A solidariedade na responsabilidade civil ambiental alcança todos os envolvidos, direta ou indiretamente, na atividade causadora de degradação ambiental, incluindo a União como responsável solidária pelos danos causados pela exploração mineral.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As recentes catástrofes ambientais, envolvendo grandes mineradoras, exige um maior debate sobre a responsabilidade civil da União pelos danos causados ao meio ambiente e terceiros interessados. Pergunta-se: a União pode/deve responder diretamente?

As catástrofes ambientais envolvendo principalmente as atividades de mineração em todo o mundo tem revolvido grandes discussões sobre o alcance da responsabilidade civil pelos danos causados. 

Antes de adentrar propriamente nas particularidades que envolvem a mineração no Brasil, necessário tecer breves comentários sobre o tratamento dado pelo legislador constituinte e infraconstitucional acerca do direito ao meio ambiente equilibrado e da responsabilidade do agente causador de poluição ou degradação ambiental.

O direito ao meio ambiente equilibrado é de estatura fundamental na ordem constitucional brasileira e internacional. A Constituição da República de 1988, artigo 225, preceitua que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O mesmo artigo 225, da CR/88, em seu §3o, estabelece que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

O constituinte entendeu por bem assegurar no texto constitucional a base da legislação ambiental brasileira, estabelecendo a tripla responsabilidade (civil, penal e administrativa), tanto para as pessoas físicas, quanto para as jurídicas, afastando possíveis alegações de bis in idem, exigência de manifestação volitiva no caso da pessoa jurídica e quaisquer outros argumentos que pudessem traduzir óbice à aplicação de sanções e ao dever de indenizar.

Nesse mesmo sentido, a lei federal nº 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece em seu artigo 14, §1o, que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Observe-se, à luz da citada Política Nacional de Meio Ambiente, que a responsabilidade civil – indenizatória ou reparatória – classifica-se, neste caso, como “objetiva”. O dever de indenizar decorre tão somente da natureza da atividade ou conduta praticada pelo poluidor, ainda que exercida de forma lícita e mesmo se inexistente qualquer culpa. Basta a demonstração do fato, nexo causal e a constatação do dano. Note-se, dessa forma, que não cabe em um processo civil, que se vise a uma indenização por danos ambientais, qualquer discussão acerca de culpa do agente.

Muito ainda se questiona se a responsabilidade por danos ambientais enquadrar-se-ia como “objetiva pura” ou “objetiva impura”. Isso porque a responsabilidade objetiva pura decorre inclusive de atos lícitos. Impõe-se o dever de indenizar, sem hipóteses de exclusão, apenas por definição legal. Aplica-se à responsabilidade objetiva pura a famosa teoria do risco integral.

 Já a responsabilidade objetiva impura admite, por sua vez, excludentes de responsabilidade e até mesmo o direito de regresso contra aquele que tenha agido dolosamente ou por culpa em sentido estrito (negligência, imperícia ou imprudência). A demonstração de culpa exclusiva de terceiro ou da vítima, caso fortuito ou força maior, afastam o dever de indenizar nesta última hipótese.

A jurisprudência de nossos tribunais e a doutrina brasileira tem majoritariamente se inclinado a defender a aplicação da responsabilidade civil objetiva pura por danos ambientais e a aplicação da teoria do risco integral. Nesse caso, haverá de se demonstrar apenas o fato jurídico, o nexo de causalidade e o dano.

Além de classificar-se como responsabilidade objetiva pura, outro atributo aplicável ao dever de indenizar na seara ambiental é a solidariedade entre todos os envolvidos, direta ou indiretamente, pela atividade causadora de degradação ambiental.

A solidariedade decorre de interpretação do artigo 3o da lei federal nº 6.938/81, que define expressamente como “poluidor”, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

A propósito, válido citar as seguintes decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que mencionam, ainda, Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ATIVIDADE DE MINERAÇÃO - DANO AMBIENTAL - RESPONSABILIDADEOBJETIVA - TEORIA DO RISCO INTEGRAL - DANOS MATERIAIS E MORAIS - NEXO DE CAUSALIDADE - DEMONSTRAÇÃO - PROVA PERICIAL - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - DANOS MORAIS - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO. - De acordo com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.374.284/MG, representativo de controvérsia multitudinária e processado sob o rito do art. 543-C, do Código de Processo Civil, "a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar." - Tendo sido demonstrados o nexo causal entre o rompimento de barragem de contenção de rejeitos oriundos da atividade de mineração desenvolvida pela Ré e os danos que atingiram a autora, resta configurado o dever de indenizar os danos morais e materiais suportados pela parte demandante. - No arbitramento do valor da indenização por dano moral devem ser observados os critérios de moderação, proporcionalidade e razoabilidade em sintonia com o ato ilícito e suas repercussões, como, também, com as condições pessoais das partes. - A indenização por dano moral não pode servir como fonte de enriquecimento do indenizado, nem consubstanciar incentivo à permanente reincidência do responsável pelo ilícito. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0439.07.065014-8/001. Rel. Des. Roberto Vasconcellos. Publicação 10/09/2015)

APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS -  ROMPIMENTO DE BARRAGEM - MINERAÇÃO RIO POMBA CATAGUASES - DANO AMBIENTAL - TEORIA DO RISCO INTEGRAL - MINORAÇÃO DO VALOR ARBITRADO - IMPOSSIBILIDADE - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO- MULTA- CARÁTER PROTELATÓRIO- NÃO CONFIGURAÇÃO- RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 
- Para o dano ambiental se aplica a teoria do risco integral, logo, é objetiva a responsabilidade e não se admite a incidência das excludentes de força maior, caso fortuito e fato de terceiro; 
A indenização por dano moral deve ser fixada em valor suficiente para reparar o dano, como se extrai do art. 944, caput, do Código Civil; Não sendo evidenciado o propósito protelatório dos embargos, afasta-se a multa prevista no art. 538, p. único do CPC; Recurso parcialmente provido. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0439.07.071499-3/001, Rel. Des. Amorim Siqueira. Publicação 09/12/2013)

Observadas as breves questões conceituais sobre a responsabilidade civil, no caso da atividade minerária hão de ser invocadas determinadas particularidades para a adequada análise, mormente diante das recentes catástrofes.

O primeiro aspecto a distinguir a atividade minerária de outras consideradas normalmente como degradadoras do meio ambiente, trata-se da rigidez locacional. Significa dizer que o empreendedor não possui livre manifestação volitiva para escolher o local que desenvolverá a sua atividade. As minas não se alteram de local tal como ocorre em outros empreendimentos. Tal aspecto, por si só, já é um limitador da atividade e livre iniciativa.

Mas não é só. Além da rigidez locacional, verifica-se que os preços do minério não são estabelecidos pelo empreendedor unilateralmente, mas devem acompanhar a evolução do mercado internacional, considerando tratar-se de commodities. Não se olvide de que todo empreendimento dessa natureza exige investimentos de grande monta, estando atrelado a planos de extração de longo prazo, sob pena de configurar a sua inviabilidade econômica. Além disso, devem contemplar projetos de recuperação de áreas degradadas, conferir nova destinação à area da mina, etc.

Haja vista sua característica singular e de extrema relevância para a sociedade, destaque-se que a legislação brasileira define a atividade minerária como de utilidade pública e/ou interesse social, conforme o caso. Nesse sentido, desnecessário citar as inúmeras estatísticas que evidenciam a relevância socioeconômica da mineração, tanto para os municípios diretamente impactados, como para toda a região e comunidades locais. A mineração revela-se, pois, como alavanca propulsora de qualquer economia, prestando-se a dinamizar diversos setores da indústria, comércio, serviços, agricultura e academia. Estimula a capacitação profissional, assim como o desenvolvimento de novas tecnologias e processos, além de integrar e difundir culturas e regionalismos.  Trata-se, sem dúvida, de uma atividade aliada ao conceito de desenvolvimento sustentável, quando se está diante de empreendimentos regulares.

 Por fim, mas não menos importante, válido destacar que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, no Brasil, por definição do texto constitucional (CR/88, art. 20), são de propriedade da União. Nesse sentido, exige-se do empreendedor minerário – mesmo após todos os investimentos para a mitigação de impactos, instalação de equipamentos urbanos com diversas finalidades, etc - o necessário pagamento de royalties, tributos e outras compensações legais. A autorização para lavra estará também atrelada ao plano de aproveitamento econômico, que conterá uma série de informações, previsão de ampliações etc, devendo segui-lo na forma da legislação especial e ato autorizativo.

Considerados apenas os aspectos e particularidades acima citados de modo superficial, é de se indagar se o tratamento da mineração exige uma maior flexibilização da teoria do risco integral, além de um compartilhamento de responsabilidades mais adequado entre todos os atores que são, ainda que indiretamente, beneficiados pela atividade minerária.  O próprio direito de regresso – comum àqueles que respondem civilmente por seus atos - deve ser admitido, eis que a solidariedade na responsabilidade civil também manifesta-se na relação interna entre os agentes causadores de danos.

A solidariedade na responsabilidade civil ambiental alcança sucessores e sucedidos na atividade, mas também aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para o impacto negativo e o dano ambiental concreto. No caso da mineração, a sequência de atores e partícipes da relação extrativa é consideravelmente grande, não sendo possível afirmar sequer que aludida atividade esteja inserida de forma exclusiva na órbita privada.

Nesse sentido, dentre os responsáveis por qualquer catástrofe ambiental no Brasil, decorrente de atividade minerária, haverá necessariamente de ser chamada a União a responder solidariamente pelos danos causados, sem prejuízo do direito de regresso e responsabilizações de seus agentes (por ação ou omissão) que possa ter. Por ser a titular dos recursos minerais, assim como o ente responsável pela concessão do ato autorizativo de exploração mineral,  inafastável sua responsabilidade objetiva e direta à luz da Política Nacional do Meio Ambiente e da própria Constituição da República de 1988.

Quando se afirma que a União é responsável solidariamente pelos danos ambientais minerários, significa dizer que, na relação perante terceiros, está a entidade política legitimada a responder inclusive pela integralidade das indenizações. Já na sua relação interna com os agentes causadores diretos dos danos (mineradores, agentes públicos e outras entidades), deverá responder proporcionalmente pela sua participação no empreendimento e resultados auferidos nos termos da legislação especial. Há um indispensável compartilhamento de responsabilidades/riscos, tal como ocorre na distribuição dos bônus da atividade minerária, admitindo-se até o mesmo o regresso na forma da lei civil.

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Em um cenário como o do mais recente caso envolvendo a Mineradora SAMARCO (válido lembrar que se investigam possíveis danos no Estado de Minas Gerais, Espirito Santo e Rio de Janeiro), haverá a União também de suportar os ônus (além dos bônus que usufruiu durante vários anos da atividade minerária), muito além de seu compromisso constitucional e de suas demais atribuições fiscalizatórias. A União participa, de forma indireta e direta, junto ao empreendedor privado e outros atores, no processo de desenvolvimento dessa atividade.

Não é necessário perquirir pela responsabilidade civil por omissão, tampouco se pretende defender que a entidade política seja garantidora universal. Na verdade, sua relação direta com o dano – como já dito - decorre do fato de estar sendo explorado um bem de sua propriedade e cuja exploração foi por ela autorizada. Além disso, há o exercício de uma atividade lícita e considerada de utilidade pública, o que impõe – em certa medida - à toda coletividade o compartilhamento de seus ônus.  Não se afastaria, mesmo nesse caso,  as responsabilidades incidentes sobre o órgão ambiental licenciador por falta no serviço ou omissão (no caso da Samarco, seria o Estado de Minas Gerais) e da própria empresa, mas a solidariedade  e a análise do compartilhamento de responsabilidades não podem ser ignorados.

O debate está aberto. Muitos apontam dedos e fazem acusações em situações como as de Mariana/MG, olvidando-se dos benefícios da mineração ao longo de décadas e daqueles que diretamente arrecadaram com a atividade.

 Promove-se verdadeira “cortina de fumaça” para blindar as responsabilidades solidárias. Aos mais incautos, é bom que se advirta: há direitos individuais, coletivos e difusos lesados, alcançando as gerações presentes e futuras. Há mais de uma entidade política federada possivelmente atingida e diferentes comunidades prejudicadas.  Em tal contexto, torna-se ainda mais clara a responsabilidade direta da União, cumprindo-lhe o dever  de reparar os danos ambientais e/ou indeniza-los.

Quando se está diante de um acidente ambiental, tendo como principal sujeito ativo uma grande mineradora, é certo que sua sombra permite afastar dos holofotes outros responsáveis. Contudo, o Estado de Direito não pode fechar os olhos para a isonomia. A luz do Sol brilha para todos.  É preciso aplicar os mesmos parâmetros de solidariedade por danos ambientais minerários em qualquer situação a fim de que, amanhã, o cofre vazio de uma entidade privada não seja desculpa para afastar a responsabilidade direta de pessoas jurídicas de direito público,  mesmo que investidos do direito de regresso contra o causador direto dos danos. 

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Sobre o autor
Frederico Aburachid

Advogado. Mestre em Direito pela UFMG e Sustentabilidade socioeconomica ambiental pela UFOP. Posgraduação lato sensu em Direito Ambiental. Atuação no Direito Público, notadamente em Direito Administrativo, Ambiental, Constitucional, Urbanístico e Tributário. Presidente do Conselho de Assuntos Metropolitanos e Municipais do Sistema FIEMG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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