Fixação da pena: uma análise crítica sobre a (i)legitimidade do ius puniendi do Estado sob os aspectos inconstitucionais do art. 59 do Código Penal

12/02/2016 às 10:59

Resumo:


  • O jus puniendi do Estado deve ser legitimado pelo Princípio da Legalidade, conforme a Constituição Federal de 88.

  • O Estado, como representante dos interesses do povo, exerce o direito de punir para manter a ordem social.

  • O processo de determinação da pena, baseado no Art. 59 do Código Penal, encontra-se deslegitimado diante da inconstitucionalidade que viola o Princípio da Legalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O jus puniendi exercido pelo Estado deve estar devidamente legitimado. Tal direito de punir só se legitima quando exercido em consonância ao Princípio da Legalidade.

Resumo: O jus puniendi exercido pelo Estado deve estar devidamente legitimado. Tal direito de punir só se legitima quando exercido em consonância ao Princípio da Legalidade, conforme aclara a Constituição Federal de 88. O Estado – enquanto instituto que representa os interesses do povo – é o instituto que possui poder para exercício do jus puniendi, necessário dentro da sociedade afim de manter a ordem social. Obstante, tal faculdade de punir que deveria estar legitimado pelo Direito Penal encontra-se totalmente deslegitimado diante da inconstitucionalidade que se apresenta no Art. 59 do Código Penal. O Princípio da legalidade é gravemente violado. O Direito de liberdade do agente fica sob a discricionariedade do julgador e não sobre os ditames legais.

Palavras-chave: Legitimidade. Dosimetria. Princípios constitucionais. Discricionariedade. Legalidade.

Sumário: Introdução. 1. O poder do Estado. 2. Direito estatal de punir. 3. Processo de determinação da pena. 3.1. Culpabilidade. 3.2. Antecedentes. 3.3. Conduta social. 3.4. Personalidade. 3.5. Motivos, circunstâncias e consequências do crime; e comportamento da vítima. Considerações finais.

 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar os fatores que (i)legitimam o jus puniendi do Estado diante do poder que lhe é dado pela sociedade. Serão verificados os aspectos inconstitucionais do artigo 59 do Código Penal que deslegitimam a atuação punitiva do Estado, pois colocam em risco o direito de liberdade do agente. Enquanto necessário, o exercício do jus puniendi deve ocorrer de forma necessária, apenas para manter a harmonia social. Tal exercício deve obedecer as disposições legais, para que o Estado não se torne tirano.

Portanto se faz necessária a aplicação – para o exercício do jus puniendi estatal – do Princípio da Legalidade, que é basilar no ordenamento jurídico. O trabalho abordará críticas acerca dos fatores (i) legitimantes do poder do Estado e do exercício desse poder, por meio do jus puniendi. O direito penal é o instituto pelo qual o Estado exerce o direito de punir, e este – nos moldes que se encontram a fixação da pena do réu – acaba se tornando um exercício ilegítimo.

1.      O PODER DO ESTADO

O Estado, enquanto ficção jurídica que é, constitui-se em “um complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de poder autônomo” (NADER, 2013, p. 130). Na teoria substancialista, o poder é indagado como algo que se possui e se usa como qualquer outro objeto. A interpretação mais típica sobre esta teoria foi formulada por Hobbes, a qual dispõe da seguinte concepção, “o poder de um homem…consiste nos meios de que presentemente dispõe para obter qualquer visível bem futuro.” (BOBBIO, 1987, p. 77). Embasado ainda nesta mesma teoria, Norberto Bobbio põe em cheque a conceitualização de poder por Russel, o qual de maneira específica subdivide em três formas o poder, quais sejam: poder físico e construtivo, concretados no poder militar, este, instituído pelo Estado como forma de promover a segurança, tanto no âmbito interno quanto externo; poder psicológico, baseado em ameaças punitivas ou promessas de recompensas; e, poder mental, concebido através da persuasão e dissuasão.

Expressa por Locke, a concepção da teoria subjetivista define “poder” como sendo a capacidade que qualquer indivíduo de obter determinados resultados, “o fogo tem o poder de fundir os metais.” (BOBBIO, 1987, p. 77). Na contemporaneidade política, a teoria relacional do poder é a mais aceita. Segundo o embasamento contido nesta teoria, entende-se por “poder” “uma relação entre dois sujeitos, dos quais o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário, não ocorreria.” (BOBBIO, 1987, p. 78). Ou seja, para compreender a ideia assinalada por essa teoria, é necessário fazer uma comparação: assim como para os gregos a política não poderia acontecer em particular, em uma ação individual, e realmente não acontecia, ela tinha de se realizar de maneira mútua entre cidadãos. Da mesmíssima forma o poder. Somente se adquire o “poder”, ou no caso do instituto Estado, o domínio sobre os governados, à medida que se pode “coordenar” as ações de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos.

Para compreender o que é “poder”, Aristóteles o dividiu de três formas, poder paterno, poder senhorial e poder político. O poder paterno é o poder do pai exercido sobre o filho; poder senhorial ou despótico, é o poder do senhor exercido sobre seus escravos; e, poder político, ou civil que é o objeto de análise da pesquisa, é tratado por alguns autores que têm a referência aristoteliana, como o poder do governante (por meio da ficção jurídica que é o Estado e das instituições legitimadas por ele) exercido sobre os governados.

As definições sobre poder propostas por Locke, distinguem-se das apresentadas por Aristóteles ao passo que Aristóteles frisava o interesse e Locke a legitimidade. “O poder civil [ou político], sozinho entre todas as demais formas de poder, está fundado sobre o consenso expresso ou tácito daqueles aos quais é destinado.” (BOBBIO, 1987, p. 79). Ou seja, para que uma ficção jurídica (Estado), exerça poder como forma de dominação em uma sociedade, esse poder deve ser-lhe atribuído pelos indivíduos que compõem essa sociedade. O poder que o Estado esternaliza diante da nação é legitimado pela necessidade de um grupo social (a nação como todo) tem, de se manter estruturado o mais sólido possível.  

Diante das formas de poder apresentadas por Aristóteles e Locke, Bobbio traça uma crítica ferrenha. A crítica em si é que as definições de poder propostas tanto por Aristóteles quanto por Locke, não permitem uma clara distinção das outras formas de poder. Bobbio argumenta ainda que os dois critérios adotados por Aristóteles e Locke em suas definições “são critérios não analíticos mas axiológicos, na medida em que servem para diferenciar o poder político como deveria ser e não como é, as formas boas das formas corruptas” (BOBBIO, 1987, p. 79). Um dos fatores que deslegitimam o poder do Estado é a corrupção. Se a nação depositou confiança em uma ficção jurídica, administrada por cidadãos, espera-se que cumpram com o “Pacto Social”. Dá-se o poder a representantes para que representem os interesses coletivos e não interesses individuais. Quando estes se sobrepõem aqueles, a credibilidade do poder do Estado é fragilizada de modo a tornar a faculdade de poder que emerge do Estado ilegítima.

Bobbio desenvolveu três concepções acerca do que é poder e as dividiu em três formas, econômico (riqueza), ideológico (saber) e político (força). O que interessa à pesquisa é o poder político ou poder estatal. “O poder político é o poder cujo meio específico é a força […] cuja posse distingue em toda sociedade o grupo dominante” BOBBIO, 1987, p. 83). Exemplificando seria o seguinte: “nas relações entre grupos sociais, não obstante a pressão que pode exercer a ameaça ou a execução de sanções econômicas para induzir o grupo adversário a desistir de um comportamento tido como nocivo ou ofensivo […] o instrumento decisivo para impor a própria vontade é o uso da força, isto é, a guerra” (BOBBIO, 1987, p. 83). Não necessariamente impor uma guerra. O que se pode retirar do entendimento bobbiano é que o uso da força, enquanto necessário e utilizado suficientemente pelo Estado é legítimo. Quando esse mesmo poder é usado tiranamente a confiança que a nação depositou no Estado é quebrada, e deslegitima aquele.

Constitui-se fator importante para compreender o Estado e sua relação com o poder, a liberdade. Ora, se é por meio do Estado que pessoas (com atividades políticas) exercem poder sobre os indivíduos, impõem regras e sanções, o que é a liberdade dentro do Estado? Liberdade dentro de um Estado é poder fazer o que as leis permitem que o faça. O Estado Democrático de Direito permite tal exercício. “Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não se forçando a fazer o que não se tem o direito de querer” (MONTESQUIEU, p. 166, 1995). Deve se ter cuidado, pois liberdade e independência não são a mesma coisa. Dentro do Estado, o indivíduo possui sim liberdade, no entanto, esta liberdade depende das disposições legais, das regras que o Estado estipula, sendo necessária tal imposição para que a garantia e manutenção de direitos a todos ocorra, nas palavras de Montesquieu “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam este poder” (MONTESQUIEU, p. 166, 1995).

Todos os Estados possuem em comum um objeto, o de se conservar. Ou seja, de manter firme o seu poder, tanto dentro do território para que promova a ordem social, quanto para demonstrar a sua soberania diante das demais nações. Contudo, cada Estado, possui um que lhe é particular. É o objeto central da sua constituição. Seja o poder na forma econômica, religiosa, comercial, legislativa, produtiva, na guerra, etc. Retirado da obra, O Espírito das Leis, de Montesquieu, o trecho abaixo demonstra o interesse de cada nação em determinada forma de poder:

O crescimento era o de Roma; a guerra, o da Lacedemônia; a religião, o das leis judaicas; o comércio, o de Marselha; a tranquilidade pública, o das leis da china; a navegação, o das leis dos habitantes de Rodes; a liberdade natural, o objeto da organização dos selvagens; em geral, as delícias do príncipe, o dos Estados despóticos; sua glória e a do Estado, o das monarquias; a independência de cada particular é o objeto das leis da polônia” (MONTESQUIEU, p. 166, 1995).

O poder, então, é a vontade do Estado externalizada. Uma forma de domínio. “O poder político tem, pois, uma origem mundana. Nasce da própria “malignidade” que é intrínseca à natureza humana” (WEFFORT, p. 20, 2006). O problema da (i)legitimidade do poder do Estado é embasado na relação entre o poder, propriamente dito e a força advinda deste poder. “Um poder fundado apenas sobre a força pode ser efetivo mas não pode ser considerado legítimo” (BOBBIO, 1987, p. 87). Ou seja, uma coisa é o poder político não ser “forte” apenas no sentido de que nele nada pode ser feito fora das “normas”, tudo deve ser feito conforme determina o Estado, outra coisa é não poder ser “forte” no sentido de que tal ação não é lícita, uma manifestação por exemplo, o poder político deve saber agir e usar a força que lhe é depositada pelos cidadãos, quando trata-se de uma manifestação pacífica para quando de uma manifestação violenta, que realmente vai contra os princípios do Estado que é garantir a segurança da sociedade, provocando assim perdas, de caráter público e privado, em certos casos a própria vida. Portanto, usando-se da legitimidade, “o poder deve estar sustentado por uma justificação ética para poder durar, e portanto a legitimidade é necessária para a efetividade [do poder]” (BOBBIO, 1987, p. 91-92).

2.      DIREITO ESTATAL DE PUNIR

No tópico anterior foi possível verificar que o Estado é dotado de poder político. Esse poder é legitimado pelos cidadãos, que com o intuito de manter sólida sua organização social, depositam uma parcela de poder a outros indivíduos que administram o instituto Estado. Uma vez que todo o poder que o Estado possui emana do povo, e que esse poder é exercido por representantes eleitos ou que a Constituição da República Federativa do Brasil determinar, o direito de punir do Estado deve atender exclusivamente ao Princípio da Legalidade. (CF/88, Art. 1, Caput).

Com o intuito de garantir a ordem social, algumas condutas realizadas (ou que poderão ser realizadas) pelos indivíduos são consideradas ilícitas. Ocorre a prática do ilícito penal. São condutas que contrariam a ordem, os mandamentos jurídicos que devem ser seguidos por todos. Essas condutas praticadas por meio de ação ou omissão são punidas. Todas as condutas praticadas pelos indivíduos que são punidas pelo Estado precisam ser tipificadas. Em outras palavras, precisam estar expressamente dispostas na lei penal. Observe-se o Princípio da Taxatividade. A conduta a ser punida deve ser exatamente a praticada. Não há crime cometido se não há conduta praticada (nullum crimen sine conducta).

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Quando ocorre uma infração penal, ou seja, a prática da conduta que está tipificada na lei penal – proibida pelo Estado – , surge o “jus puniendi”, o direito de punir exercido pelo Estado. O jus puniendi pode ser compreendido como o direito que tem o Estado de aplicar determinada pena já cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora contra quem praticou a ação ou a omissão afim de causar algo contra a ordem jurídica, consequência do preceito primário (crime).

A justificativa da legitimidade do jus puniendi do Estado pode ser verificada nos próprios fins perseguidos pelo Estado, que busca por meio do exercício do poder punitivo que possui, regular a sociedade, com intuito de garantir a harmonia, paz, segurança jurídica e o bem comum. Ao alegar o Estado, que os fins justificam a legitimidade do jus puniendi – enquanto meio necessário – através do Sistema Penal, é necessário que se analise essa justificação alegada pelo Estado sob os estritos ditames da legalidade.

Conforme disciplina a Constituição Federal de 88, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático e de Direito (Art. 1, CF/88), sendo assim, a constitucionalização do direito de punir (jus puniendi) é uma essencial exigência da democracia, como forma de garantir a legitimidade desse instituto. Para que o direito de punir do Estado aconteça nos ditames da legitimidade a Carta Magna consagrou alguns princípios constitucionais positivados que impõem ao Estado limites ao jus puniendi. A aplicação de um Direito Penal, instituto pelo qual o Estado exerce o jus puniendi, deve ocorrer em consonância às diretrizes constitucionais principiológicas. A Carta Magna de 88 assinalou de forma explícita e implícita alguns princípios constitucionais penais basilares para o Direito Penal, como o princípio da presunção de inocência (Art. 5, LVII), princípio da pessoalidade da pena (Art. 5, XLVI), princípio do contraditório e da ampla defesa (Art. 5, LV), princípio da isonomia (Art. 5, Caput), princípio do devido processo legal (Art. 5, LIV CF/88 e Art. 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos); e, o princípio da legalidade (Art. 5, II).

Dentre os princípios ora mencionados, o Princípio da legalidade – o que não exclui os demais – é que garante a legitimidade do jus puniendi do Estado. Como já disposto, o princípio da legalidade está expresso no Art. 5º, inciso II, CF 88, bem como no Art. 9 da Convenção Americana de Direitos Humanos da qual o Brasil é país signatário – Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992.

Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. (Art. 5, II, Constituição Federal de 88).

No Entendimento de José Afonso da Silva, o Princípio da Legalidade é nota essencial do Estado Democrático de Direito.

É também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda sua atividade fica sujeita à “lei”, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de Poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. (SILVA, 2007, p. 82).

Quando do exercício do jus puniendi, a legitimidade deste só é verificada quando se leva a efeito a essencial aplicabilidade do princípio da legalidade, que estabelece que todos os atos oriundos do Estado, gravosos para o cidadão, devem ser devidamente dispostos por lei, assim, portanto, evita-se o exercício do poder punitivo do Estado de maneira despótica e autoritária. Quando o princípio da legalidade é desconsiderado o jus puniendi do Estado se torna ilegítimo. Se o direito de punir exercido pelo Estado é legitimado pela legalidade de suas ações, a fixação da pena-base – que servirá para dosar a pena definitiva, como consequência da prática de conduta contrária a ordem jurídica – deve, a priori, seguir os ditames do Princípio da Legalidade e das disposições estabelecidas pela Constituição Federal. Contudo, conforme será aclarado no tópico seguinte, há a existência da inconstitucionalidade do Artigo 59 do Código Penal, que disciplina a fixação da pena-base imposta pelo Estado – como forma de exercer o jus puniendi – por meio do instituto do Direito Penal.

 

 3.      PROCESSO DE DETERMINAÇÃO DA PENA

Antes da reforma penal de 84, a questão relativa ao número de fases que deveriam ser consideradas no processo de individualização da pena estava em aberto na antiga Parte Geral do Código Penal. Em meio a inexistência legal da definição desse processo, surgiram duas correntes teóricas. Para Roberto Lyra, o processo contaria com dois momentos, “no primeiro, o juiz teria de examinar globalmente as circunstâncias judiciais do antigo art. 42 e as circunstâncias genéricas (agravantes e atenuantes elencadas nos arts. 44, 45 e 48 da anterior PG), estabelecendo então a pena-base. No segundo estágio, faria incidir sobre a pena-base as causas de aumento ou de diminuição de pena, se existentes.” (FRANCO; STOCO, 2007, p. 381). Para pôr fim a essa discussão processual, o legislador de 84 optou pelo entendimento de Nelson Hungria, ao normatizar o critério trifásico para a fixação da pena do réu.

Por meio desse critério, o magistrado, ao realizar a apreciação de cada caso concreto, para decidir a pena que será imposta ao réu, deve atender a três fases distintas. Na primeira fase é fixada a pena-base, em que serão consideradas as circunstâncias judicias (ou inonimadas), dispostas no Art. 59 do CP, que estão em análise nessa pesquisa. Nessa fase de aplicação da pena, o juiz deve considerar os limites cominados no tipo penal, ou seja, a fixação do quantum de pena-base deve partir da pena já estabelecida no tipo. A pena considerada pelo juiz não poderá ficar aquém do mínimo e nem extrapolar o máximo cominado pela lei àquele tipo penal. A quantidade de pena fica a critério do juiz. Contudo, “o reconhecimento, por parte do juiz, de qualquer dos parâmetros referidos no art. 59 do Código Penal, deve estar devidamente motivado. A carência de fundamentação importa na nulidade da sentença.” (FRANCO; STOCO, 2007, p. 382). Cite-se que, havendo qualificadoras do crime, o cálculo da pena-base deverá partir da pena estipulada pela qualificadora, pois trata-se de um novo tipo penal. Cabe acentuar que, não havendo circunstâncias legais (atenuantes e agravantes) nem causas de aumento ou diminuição da pena, a pena-base poderá significar, excepcionalmente, a pena definitiva e não a pena-base.   

Na segunda fase, ao fixar a pena provisória, o juiz deve atender as circunstâncias atenuantes e agravantes (ou circunstâncias legais), pois estão dispostas em lei, e não sob a discricionariedade do julgador. Circunstâncias atenuantes são aquelas que permitem ao juiz reduzir a pena-base já fixada na fase anterior. Estão dispostas no Art. 65 do CP todas as circunstâncias que atenuam a pena-base, não obstante, o legislador permitiu ao magistrado considerar circunstâncias relevantes, anterior ou posterior ao crime, embora não previstas expressamente em lei (Art. 66, CP/84). Já as agravantes permitem que o juiz aumente a pena. As agravantes não possuem exceção, e somente podem ser consideradas as que estão expressamente dispostas no Art. 61, CP. O quantum de pena a ser considerado pelo juiz possui controvérsias nessa fase de fixação. O caput dos dois artigos, 65 (atenuantes) e 61 (agravantes) diz que são circunstâncias que sempre devem ser consideradas. Com isso, a pena provisória poderá extrapolar os limites estabelecidos pelo tipo penal, diminuindo ou aumentado a pena-base dosada na fase anterior. Se por um lado entende-se ser permitida a diminuição da pena aquém do mínimo, o aumento também é válido, e o direito de liberdade do réu corre sério perigo.

Fixada a pena provisória, o juiz deve agora considerar as causas de aumento ou de diminuição da pena (majorantes e minorantes), afim de fixar a pena definitiva. As majorantes e minorantes podem ser encontradas tanto na parte geral quanto na parte especial do Código Penal. Essas causas, quando existentes no caso concreto, diferente das circunstâncias judiciais e legais, permitem ao juiz diminuir aquém do mínimo legal bem como aumentar além do que determina a lei. Entendido como é fixada a pena, cabe agora discutir as circunstâncias judiciais constantes do Art. 59, CP, que são objeto de análise da presente pesquisa.

 3.1.   Culpabilidade

Para a presente pesquisa analisar-se-á a culpabilidade sob duas frentes distintas, a primeira como um dos substratos do crime (ao considerar a teoria tripartite) e a segunda, culpabilidade como limite de fixação da pena (entende-se a culpabilidade funcional). No que tange ao substrato do crime, segundo os ditames da teoria finalista, a culpabilidade compõe-se da imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Nesse primeiro momento o juiz deve verificar um juízo existencial. Ou seja, na ausência de qualquer de um de seus elementos da culpabilidade, não haverá a configuração do crime e, consequentemente, o magistrado promoverá a sentença penal absolvitória própria ou imprópria. Se ao contrário, a culpabilidade estiver presente com os demais elementos do crime, a conduta, a tipicidade e a antijuridicidade (ilicitude), o julgador, no processo de dosagem da pena, analisará novamente a culpabilidade e, verificará a intensidade da culpa com o intuito de individualizar a pena do réu.

A Constituição Federal postulou que a lei irá regularizar a individualização da pena (CF/88, Art. 5, XLVI). A culpabilidade exerce um papel de grande relevância no processo de individualização da pena. Segundo o entendimento de Alberto Silva Franco e Juliana Belloque a culpabilidade vai ditar a proporcionalidade entre a gravidade de uma pena  e a gravidade da conduta reprovada. Essa proporcionalidade traduzir-se-á no limite máximo da pena, não podendo este, ser extrapolado, de maneira alguma, no momento da aplicação (dosagem da pena), em um caso concreto. (2007, p. 342-343).

Ao seguir essa ótica, a culpabilidade pode ser considerada uma proteção ao agente, “impedindo que, por razões puramente preventivas, se limite sua liberdade pessoal mais do que corresponda à sua culpabilidade” (ROXIN apud FRANCO; STOCO, 2007, p. 343). A culpabilidade é então, o grau de reprovação da conduta em face das características pessoais do agente e do crime. A culpabilidade funciona como um limite da pena, ao impedir que esta seja fixada além da medida prevista pela própria ideia de “culpabilidade”. (BITENCOURT, 2015).

Os entendimentos doutrinários acerca da culpabilidade são inúmeros e controversos. No entendimento de Masson por exemplo, entende-se se a culpabilidade é o conjunto das demais circunstâncias judiciais. (MASSON, 2009). Ao considerar esse entendimento é ferir gravemente o direito de liberdade do réu. Portanto, é necessário que o poder legislativo delimite a extensão do que configura “culpabilidade”, afim de garantir a saudável manutenção do Estado Democrático de Direito.

3.2.   Antecedentes

Consideram-se antecedentes todas as boas e as más condutas do agente. Tudo aquilo que lhe aconteceu ou existiu antes de ter cometido o crime. É uma análise que o juiz deve realizar no processo de individualização da pena sobre a vita anteacta do agente. Há controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência acerca do que configura “maus-antecedentes”. A Constituição Federal de 88 assim postulou, “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF/88, Art. 5, LVII).

No entendimento de Franco, Belloque, Cezar Roberto Bitencourt e José Antônio Paganella Boschi, pelo princípio da presunção de inocência ora consagrado pela Carta Magna, somente poderão ser considerados maus-antecedentes os fatos anteriores oriundos de condenação com trânsito em julgado. Assim sendo, “não têm o condão de elevarem a pena, portanto, inquéritos instaurados, processos em andamento ou que encerram com absolvição ou extinção da punibilidade e, nem mesmo condenações ainda analisadas em grau recursal” (FRANCO; STOCO, 2007, p. 344).

Nessa linha de raciocínio, parcela da doutrina e jurisprudência entende que das condenações irrecorríveis depois de mais de cinco anos do cumprimento da pena, ou condenações irrecorríveis posteriores a prática do segundo crime, referente a conduta anterior, constituirão maus-antecedentes. (FRANCO; STOCO, 2007). A maior e mais problemática elementar dos maus-antecedentes é a característica da perpetuidade. Diferente da reincidência que tem o decurso temporal estabelecido pela lei penal, os maus-antecedentes constituem uma penalogia eternizada. Ou seja, quando da prática de um novo crime, mesmo que já decorridos muitos anos e já havido cumprido a pena de crime anterior, os maus-antecedentes serão considerados na dosagem da pena. Verifica-se, pois, a inconstitucionalidade dessa circunstância ao passo que fere os princípios constitucionais da racionalidade e da humanidade, bem como o mandamento constitucional positivado de que não haverá penas perpétuas (CF/88, Art. 5, XLVII). Portanto, afim de garantir segurança jurídico-penal ao agente, deve se aplicar a analogia in bona parten, ao estabelecer o decurso temporal de cinco anos que se destina a reincidência.

 3.3.   Conduta social

A conduta social a ser considerada pelo julgador no processo individualizador da pena, sob as óticas de Franco e Stoco, “deve ser avaliada enquanto o comportamento desenvolvido pelo agente na comunidade em que vive, abrangendo as suas relações familiares e de vizinhança, o seu modo de vida no trabalho e nos espaços comunitários de lazer, as condutas que – de maneira recorrente – apresenta no inter-relacionamento humano social (2007, p. 345).

Essa circunstância, ao ser considerada pelo juiz, em que ocorre a valorização da história de vida do agente, o que fazia ou deixava de fazer no seio social, pode, no caso concreto significar um total livre arbítrio do julgador, pois considera-se a culpabilidade de autor e não de fato praticado (conduta punível). O grau de discricionariedade do juiz é imensurável, uma vez que poderá ser levada a efeito qualquer modo de identificação do agente na comunidade como “conduta social”, violando assim o princípio da legalidade e da taxatividade. (CARVALHO, 2002).

 3.4.   Personalidade

A personalidade do agente, segundo o que assinala Aníbal Bruno, “é todo complexo, porção herdada e porção adquirida, com o jogo de todas as forças que determinam ou influenciam o comportamento humano” (1984, p. 154). Ou seja, são as características pessoais do agente, sua índole, sua periculosidade. Em síntese é considerar o perfil do agente afim de dosar uma pena que lhe será imposta. Ao considerar essa circunstância o magistrado deve explorar não apenas o campo jurídico conceitual, mas também a psicologia, antropologia, psiquiatria, etc.

Franco e Stoco entendem que “o exame da personalidade permitirá ao juiz verificar em que medida o comportamento criminoso é reflexo dela, tornando-o mais ou menos reprovável” (2007, p. 345). Mais uma vez o poder discricionário do juiz é muito grande. Fica a critério do magistrado – mesmo que devidamente fundamentado na sentença – os elementos a serem considerados da personalidade, ferindo assim, novamente o Princípio da Legalidade e da taxatividade.

 3.5.   Motivos, Circunstâncias e consequências do crime; e, Comportamento da vítima

Os motivos do crime são as elementares que levaram o agente praticar o crime. Segundo Boschi, “os motivos do crime podem ser qualificados ética ou socialmente como positivos ou negativos, nobres ou não” (2000, p. 219). Cabe salientar que se o motivo do crime constituir agravante ou atenuante, causa de aumento ou diminuição, qualificadora ou privilegiadora, não será considerada na primeira fase de dosagem da pena, caso contrário ocorreria o bis in idem.

As circunstâncias do crime “são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la” (FRANCO; STOCO, 2007, p. 346). Ou seja, referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi, como o lugar, instrumentos do crime, tempo de duração, o relacionamento entre o autor e a vítima.

A intensidade da lesão ao bem jurídico tutelado em decorrência da prática delituosa configura a consequência do crime. “O maior ou menor vulto do dano ou perigo de dano, que é sempre inerente ao delito, não só para a vítima como para a sociedade, o sentimento de insegurança provocado nesta e outros efeitos ainda que mais afastados” (MAGALHÃES apud FRANCO; STOCO, 2007, p. 347). Ao considerar essa circunstância o julgador deve ter cautela para não levar em conta as circunstâncias que já são inerentes ao tipo penal (para não realizar um bis in idem). No que diz respeito ao comportamento da vítima, são fatores que, com parcela de negligência ou imprudência da vítima, influenciaram a pratica do delito pelo agente, como por exemplo deixar uma bolsa dentro de um carro como os vidros abertos. A vítima foi descuidada e isso influenciou na ação do agente. A Inconstitucionalidade dessas três circunstâncias estão, basicamente, no fator da legalidade, pois ficam a critério do juiz considerá-las.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, o jus puniendi do Estado só se legitima quando exercido em consonância ao Princípio da Legalidade, conforme manda a Constituição Federal. O direito de punir do Estado, oriundo do poder que possui – enquanto instituto representante dos interesses do povo – é necessário dentro da sociedade afim de manter a ordem social. Obstante tal faculdade de punir que deveria estar legitimado pelo Direito Penal encontra-se totalmente deslegitimado diante da inconstitucionalidade demonstrada e explícita do processo de fixação da pena que será imposta ao réu, conforme se apresenta o Art. 59 do CP. O Princípio da legalidade é gravemente violado. O Direito de liberdade do agente fica sob a discricionariedade do julgador e não sobre os ditames legais. Ao considerar a legalidade como fator legitimante do jus puniendi do Estado não significa realizar uma padronização de penas como defendem alguns doutrinadores, uma vez que a lei será responsável por detalhar todos os elementos para a imposição de uma pena a um indivíduo. O jus puniendi, portanto, se legitima dentro da estrita legalidade.

 

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. Ed. t. 3. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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CARVALHO, Salo; CARVALHO, Amilton Bueno de Carvalho. Aplicação da pena e garantismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 51-53.

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Sobre o autor
Adilson Pires Ribeiro

Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Batista de Minas Gerais (2020).

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