A responsabilidade civil do Estado por erros na condução da política econômica

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O presente artigo tem por objetivo a análise da responsabilidade civil do Estado com enfoque nos erros de condução da política econômica, bem como o estudo dos elementos que caracterizam a responsabilidade civil do Estado e seus aspectos e requisitos.

Introdução

O Brasil vive, hoje, um momento histórico. Inflação em quase descontrole, perda do poder de compra da população, empresas em crise, demissões em massa, crescimento econômico abaixo do esperado, insegurança nas ruas e instabilidade são apenas alguns dos problemas que a sociedade brasileira está presenciando.

Diante desse cenário, a grande dúvida que surge é: será essa situação oriunda da maneira como a política econômica tem sido conduzida em nosso país? E, se sim, como e porque o Estado deve ser responsabilizado?

Ao longo deste artigo, buscaremos apresentar pontos que podem responder essas perguntas. Mas, primeiramente, é de extrema importância queestudemos um pouco das principais razões apontadas pelos estudiosos do assunto como sendo os fatores que nos levaram à crise.

Ao contrário do que muitos governistas alegam, não temos hoje uma crise mundial generalizada criando dificuldades para o Brasil. São situações regionais, localizadas. É verdade que a situação mundial não nos ajuda mas também não pode ser responsabilizada pela estagnação brasileira. Se a China apresenta uma redução em seus números sempre elevados de crescimento (acima de 2 dígitos), temos os Estados Unidos que já sinalizam uma recuperação. A zona do euro tem alguns países em dificuldades mas que não retratam a situação do bloco. Até mesmo os países latino americanos, tem tido crescimento superior ao nosso.

O Brasil está enfrentando dificuldades por conta de erros cometidos na condução da política econômica. A teoria de que o crescimento viria como consequência do aumento do consumo não ocorreu na pratica. O resultado foi a falta de produtos e o aumento da inflação. Os combustíveis não foram reajustados de acordo com as variações do preço do petróleo e cambio por razões políticas. O Estado brasileiro cresceu demasiadamente e as políticas sociais consumindo uma parcela considerável do PIB fizeram aumentar o déficit público que por conta da reduzida arrecadação, vem apresentando recordes históricos.

Temos o exemplo da diminuição do imposto sobre produtos industrializados (IPI). Muitos especialistas consideram, dentre as medidas adotadas pela Presidente da República Dilma Rousseff, como um dos grandes vilões da crise pois foi um estimulo ao consumo sem o correspondente aumento na capacidade produtiva. Gerou o aumento do consumo das famílias brasileiras (o que é um fato positivo) estimulando o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) mas não teve a contrapartida do investimento na indústria.

O mundo também vive um momento histórico. Nesse cenário de crise atrás de crise, num ciclo vicioso, é difícil, até mesmo, enxergar uma solução em um futuro próximo. O governo sinaliza que o “pessimismo” da sociedade dificulta a retomada do crescimento, mas, na verdade, o que temos é o esgotamento da política econômica baseada no aumento do consumo. Ela foi importante para atravessarmos a crise mundial de 2008 mas deveria ter sido revista tão logo começaram os sinais de recuperação da economia, mudando o modelo para buscar superávit.

Algum dos fatores da crise mundial que refletiram para o Brasil são a recessão e a crise de crédito. Por recessão entende-se ser a diminuição do consumo de bens duráveis como consequência ao aumento dos juros de crédito. A crise de crédito, por sua vez, é o próprio aumento dos juros de crédito pelas empresas que não conseguiram investimentos externos para que compensem isso, através de investimentos no Brasil.

É importante salientar também o conhecido e não desejado “custo Brasil”, resultado da complexidade estrutural que temos por aqui em diversas áreas, como por exemplo, trabalhista, fiscal, logística, entre outras, que contribuem no aumento da crise por reduzir significativamente a competitividade dos produtos brasileiros no exterior e, dependendo do câmbio, até internamente.

Fundamentos da Responsabilidade Civil no Brasil

Antigamente, predominava o pensamento de que só se podia responsabilizar alguém por seus atos, primeiro se a conduta fosse moralmente reprovável, em seguida, se houve culpa do agente (Teoria Subjetiva). Hoje, este é um entendimento ultrapassado. Hoje, entende-se que todo dano deve ser reparado, a princípio (Teoria Objetiva).

Portanto, a culpa deixou de ser um elemento a ser analisado na responsabilidade do agente, dando lugar à ideia de imprudência e negligência, ou seja, qual o risco assumido pelo agente em suas ações, mesmo sem querer provocar dano. Nesse sentido, surge a Teoria do Risco, que consiste, basicamente, na ideia de que se alguém tomar para si uma grande responsabilidade, ele deve arcar com os danos causados por suas atividades, devido ao risco assumido. Assim entende o Supremo Tribunal Federal:

“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO (CF, ART. 37, § 6º) CONFIGURAÇÃO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. QUEDA EM BUEIRO, COM FERIMENTOS NA PERNA DIREITA. RECONHECIMENTO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE QUE SE ACHAM PRESENTES TODOS OS ELEMENTOS IDENTIFICADORES DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO. CARÁTER SOBERANO DA DECISÃO LOCAL, QUE, PROFERIDA EM SEDE RECURSAL ORDINÁRIA, RECONHECEU, COM APOIO NO EXAME DOS FATOS E PROVAS, A INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS E FATOS EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA (SÚMULA 279/STF). DOUTRINA E PRECEDENTES EM TEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO.  ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (STF - RE: 631214 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 19/02/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-057 DIVULG 25-03-2013 PUBLIC 26-03-2013)”.

No Direito brasileiro, a responsabilidade civil surge do Direito criminal. Nesse sentido, a responsabilidade era mensurada pela condenação do criminoso. Posteriormente, houve a separação da responsabilidade, passando a ser aplicada no âmbito civil, de forma autônoma. O Código Civil de 1916 trouxe ao Direito brasileiro a Teoria Subjetiva. Segundo essa teoria, para haver responsabilidade, deve haver dolo ou culpa do agente, mas não basta existir, deve ser provado.

Em que pese o Direito brasileiro adotar a Teoria Subjetiva, a industrialização e o desenvolvimento acabaram por trazer mais danos, não passíveis de indenização segundo essa teoria. Surge então a Teoria do Risco. Entendia-se que o dono de um negócio assume todos os riscos inerentes àquele negócio, incluindo os riscos de danos. Ou seja, o risco assumido é que fundamenta o dever de indenizar, não a culpa ou dolo do dono do negócio. Essa é a responsabilidade objetiva. Posteriormente, adotou-se essa teoria para responsabilizar o Estado pelos danos causados pelas ações de seus agentes.

Por fim, o Código Civil de 2002 adotou, definitivamente, a Teoria Objetiva, em seu artigo 186, quando diz: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Dessa leitura, já se percebe que a lei responsabiliza o agente causador de dano, independente de culpa. Juntamente com esse artigo, segue o artigo 927, que diz: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo”. Assim, o causador do dano é responsabilizado, e tem o dever de indenizar, independente de culpa. Dessa forma, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julga no seguinte sentido:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos relacionados a acidente de trânsito. Abordagem reparatória. Veículo conduzido por preposto da ré. Risco da coisa e da atividade, enquanto dona do bem. Inteligência dos artigos 927, parágrafo único, e 932, III, do Código Civil e da Súmula 187, do Supremo Tribunal de Federal. Incúria em manobra de conversão. Juízo de parcial procedência. Apelo da ré. Provido em parte. (TJ-SP - APL: 01097918020098260100 SP 0109791-80.2009.8.26.0100, Relator: Carlos Russo, Data de Julgamento: 24/07/2013, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/07/2013)”.

O parágrafo único desse mesmo artigo também consagra a Teoria do Risco, como se lê: “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”. Isso significa que grandes atividades ou atividades perigosas trazem consigo grandes riscos de danos, passíveis de indenização, independente de culpa do agente. Assim decide o Superior Tribunal de Justiça:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Agravo regimental NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. RISCO DA ATIVIDADE. DANO EXTRAPATRIMONIAL. VALOR FIXADO A TÍTULO COMPENSATÓRIO. PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. JUROS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 54/STJ. DECISÃO AGRAVADA, QUE SE MANTÉM, POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a pactuação de contrato mediante fraude praticada por terceiro, por constituir risco inerente à atividade econômica desenvolvida, não elide a responsabilidade da empresa pelos danos daí advindos. Precedentes. 2. É pacífico o entendimento deste Tribunal no sentido de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de proporcionalidade, o que não se evidencia no presente caso. Precedentes. 3. Na responsabilidade extracontratual, a mora se dá no momento da prática do ato ilícito, tendo-se na data do evento danoso o dies a quo a partir do qual se inicia o cômputo dos juros moratórios previstos em lei. Súmula 54/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 241516 MG 2012/0217535-3, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 06/08/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: 06/08/2013)”.

A despeito dos elementos da culpa, cabe citar que a lei traz a negligência e a imprudência. Negligência é a conduta omissiva, ou seja, o agente deixa de agir. Será negligente aquele que poderia agir para evitar o dano, mas não o fez. A imprudência, por outro lado, é a conduta positiva, ou seja, o agente age quando não deveria agir, e causa dano. Aqui, destaque para a imperícia como elemento de culpa. Embora a lei não traga a imperícia, a jurisprudência entende que o imperito também deve ser responsabilizado pelos danos causados. Imperito é aquele que se diz técnico de uma profissão ou arte, mas não o é, e causa donos por isso. Quanto ao assunto, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESSARCIMENTO MATERIAL. COLISÃO ENTRE VEÍCULOS OCORRIDA POR IMPERÍCIA NA CONDUÇÃO DE CAMINHÃO. Caso em que comprovado que o demandado/reconvinte agiu com imperícia ao sinalizar conversão à esquerda e realizar a manobra no sentido oposto. O simples fato de que era permitido o estacionamento de veículos na via não caracteriza local proibido para o tráfego na pista de rolamento à extrema direita. Depoimento testemunhal claro e coeso no mesmo sentido das demais provas colhidas aos autos. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70053088399, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em 09/04/2014). (TJ-RS - AC: 70053088399 RS , Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Data de Julgamento: 09/04/2014, Décima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/04/2014)”.

Existem, contudo, causas que excluem a responsabilidade do agente. São elas caso fortuito, força maior, culpa exclusiva de terceiro e culpa exclusiva da vítima. Caso fortuito e força maior são acontecimentos que são imprevisíveis, diante de certas condições, como uma tempestade torrencial em uma região que chove pouco, ou um furacão onde não acontece com frequência. Culpa exclusiva de terceiro significa que o dano causado foi provocado por terceiro, e que somente ele é o responsável pelo dano. Culpa exclusiva da vítima significa que o dano causado decorreu de uma ação provocada pela vítima, por exemplo, um pedestre tenta atravessar uma rua movimentada no sinal vermelho e acaba sendo atropelado. Essas são circunstâncias que excluem a responsabilidade do agente, pois nota-se que este não provocaria o dano se pudesse agir de outra forma. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu:

“APELAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ATROPELAMENTO POR ÔNIBUS -RESPONSABILIDADE CIVIL - INEXISTÊNCIA. I - Os elementos da responsabilidade civil são três: conduta humana (dolosa ou culposa); nexo de causalidade e dano/prejuízo. II- À caracterização da responsabilidade civil, não podem estar presentes alguma de suas causas excludentes, quais sejam, estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento do dever legal; exercício regular de direito; caso fortuito/força maior; culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro. III - Estando presente causa excludente da responsabilidade civil do estado, qual seja, culpa exclusiva da vítima, aplica-se a teoria do risco administrativo, a qual afasta o dever de indenizar do Estado quando ausente qualquer dos seus elementos definidores. (TJ-MG - AC: 10443030140117001 MG , Relator: Antônio Bispo, Data de Julgamento: 15/04/2013, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/05/2013)”

Quando como já dito, a responsabilidade civil do Estado segue a Teoria do Risco. E nem poderia ser de outra forma. O Estado, como grande entidade que é, traz riscos consideráveis em suas ações, e causam danos à sociedade, tanto para o particular, como para a coletividade. Tem-se, portanto, que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, dispensada a necessidade de prova.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, §6º, consagra a responsabilidade objetiva do Estado, inclusive de seus agentes e prestadores de serviços públicos, ainda que prestados por particulares. Lê-se: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Em outras palavras, ainda que o Estado não seja o causador direto do dano, ele deve reparar o dano causado.

Contudo, a Constituição Federal prevê a possibilidade de o Estado ser indenizado pelo real causador do dano. Chama-se direito de regresso. Consiste na possibilidade de alguém ser indenizado por um terceiro, que esteja a seu serviço ou tutela, caso o terceiro cause dano no exercício de suas funções. Assim decide o Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DIREITO DE REGRESSO. VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CULPA DO AGENTE DEPENDENTE DA REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA DELINEADA NO ACÓRDÃO REGIONAL. DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA NÃO ENSEJA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 18.4.2011. Divergir do entendimento do acórdão recorrido demandaria o revolvimento da moldura fática delineada no Tribunal de origem, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição Federal. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF - ARE: 679077 SC , Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 11/03/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-060 DIVULG 26-03-2014 PUBLIC 27-03-2014)”.

Hoje, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade civil é objetiva. Não se discute mais a questão da culpa do agente, bastando haver dano para que seja o agente responsabilizado, e que seja passível de indenização, ressalvados os casos de excludente de responsabilidade. Para o Estado, as excludentes de responsabilidade são difíceis de aplicar. São raras as hipóteses, devido ao dimensão e proporção que o Estado possui, e pelas atividades que assume, o que o coloca como responsável em quase todas as vezes que houver dano

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Responsabilidade civil do Estado por erro na condução de política econômica

Para estabelecer os limites da responsabilidade civil do Estado por erro na condução de politica econômica e demarcar se de fato há tal responsabilidade, é mister esmiuçar, a priori, o próprio conceito de responsabilidade civil do estado, suas nuanças e desdobramentos.

Segundo Bandeira de Mello, diante de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos do Estado; é iminente a possibilidade de tais atos causarem danos a outrem[1], restando assim à obrigação de reparar os lesados, recompondo os agravos materiais por via da responsabilidade extracontratual.

Tal responsabilidade se dá pela teoria do risco administrativo, sendo objetiva, que, como assevera Alexandre de Moraes, exige a ocorrência dos sequentes requisitos[2]:

  • Ocorrência do dano;
  • Ação ou omissão administrativa;
  • Existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e
  • Ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

A teoria do risco administrativo é um contra ponto à teoria do risco integral (esta, via de regra, não aceita qualquer excludentes), permitindo abrandamentos que se fulcram na possibilidade de afastamento da responsabilidade em decorrência de excludentes da responsabilização, quais sejam[3]:

  • Força maior;
  • Caso fortuito;
  • Culpa exclusiva da vitima; ou
  • Culpa exclusiva de terceiros.

Neste diapasão, uma serie de acontecimentos extraordinários poderiam afastar a obrigação do Estado em indenizar, desde aqueles de ocorrência natural imprevisível e inevitável (força maior), dos quais se destacam o terremoto, o maremoto, os alagamentos, etc. até aqueles provenientes de atos humanos da mesma forma inevitáveis e imprevisíveis (caso fortuito).

Por seu turno, Carlos Roberto Gonçalves, ministra que no caso do Estado provar que o fato danoso ocorreu em virtude de culpa exclusiva da vitima ou em concorrência poderá também se livrar por inteiro ou parcialmente da obrigação de indenizar, mas se se a vitima provar apenas o dano e o nexo causal e, por sua vez, o Estado nada provar da culpa desta, arcará com a reponsabilidade[4]. .O exímio doutrinador esclarece-nos de tal esteio, pois os requisitos para responsabilizar o Estado restariam completos.

Adentrando um pouco mais nas excludentes, resta elucidar até que ponto tal faculdade poderá ser invocada na medida dos acontecimentos de força maior ou caso fortuito. Seria absoluto este direito?

Alexandre de Moraes esclarece que tal exclusão não se daria se ao caso fortuito ou força maior somar-se a omissão do Estado, por exemplo, na não limpeza das bocas de lobo ou não recolhimento de lixo que ocasionou o entupimento das vias de escoamento pluvial que potencializou o alagamento ou o gerou por si só, consagrado assim pelo §6º, do artigo 37 da Constituição Federal[5].

Neste sentido, proclamou o Tribunal de Justiça de São Paulo que não responde a municipalidade pelos danos ocasionados por enchentes, se não provado que elas decorrem de defeitos técnicos de córregos[6].

Ao que concerne a excludente fundada na culpa exclusiva da vitima, se entende pelo fato em que se constata que tal pessoa deu causa integral à ocorrência do dano[7]. O exemplo retirado da doutrina é aquele em que a persona se joga na frente de um carro oficial de forma inesperada, não restando à família pleitear qualquer indenização do Estado.

Por sua vez, a excludente fundada na culpa exclusiva de terceiros ocorre quando comprovado que a ação ou omissão do Estado (lato sensu) não foi o causador do dano a vitima, mas tal dano se deu exclusivamente por comportamentos de outras pessoas, estas não sendo agentes estatais[8].

Com efeito, as excludentes têm como objetivo primordial romper com o nexo de causalidade, deixando um dos requisitos fundantes do direito a ser indenizado pelo Estado, em vias de responsabilidade civil, vazio, o que elidi tal obrigação. Não obstante, é relevante apenas quando comprovar a ausência de nexo casual entre a atuação do Estado e o dano sofrido[9].

Por fim, mas não menos importante, precípuo destacar que a responsabilidade civil do Estado é norma constitucional, estampado no artigo 37, § 6º[10] da Magna Carta. Ao se debruçar no texto normativo, podem-se depreender os seguintes elementos[11] assaz importantes para compreender o tema em epigrafe:

  • As pessoas que responderão objetivamente;
  • As atividades estatais e os serviços públicos prestados por pessoas privadas;
  • A necessidade do dano e do nexo causal;
  • A terceiros;
  • Por agentes;
  • Que atuam nessa qualidade; e
  • A possibilidade do direito de regresso contra os responsáveis que agiram em dolo ou culpa.

Uma questão levantada e que merece discussão é a conexão entre a responsabilidade civil do Estado e as ações e práticas do governo atual no rumo e condução da economia. A forma em que o governo federal dirige a economia do país, e as consequências que isto gera pode enquadrar-se na responsabilidade civil do Estado.

Dentre os grandes temas em voga atualmente, como corrupção, atraso em obras públicas, aumento da dívida e da inflação, perda do valor da moeda, entre outros, um que se sobressai entre todos como notória do atual governo da presidente Dilma Rousseff são as chamadas “pedaladas ficais”.

Segundo o jornal O Estado de São Paulo[12], “pedalada fiscal” é o nome dado ao atraso proposital do governo federal - através do Tesouro Nacional - em atrasar os repasses feitos aos bancos públicos e privadas e a autarquias, como o INSS, por exemplo.

Como bem explicado pelo Desembargador Federal Marcus Abraham, em artigo intitulado “Para entender as pedaladas fiscais” [13]:

“A manobra das pedaladas consistia na postergação mensal do repasse, para certos bancos públicos, de recursos financeiros destinados ao atendimento de programas sociais e previdenciários (bolsa família, abonos, pensões, aposentadorias etc.), gerando para o Governo, como benefício, um temporário aumento no superávit primário das contas públicas e uma aparente maior capacidade de cumprimento das metas fiscais, diante de um real desequilíbrio fiscal e das sérias dificuldades financeiras que o país atravessa.”.

Atrasando tais repasses, o Ministério da Fazenda tinha folga para maquiar as contas do governo e passar a informação para a sociedade e para o mercado financeiro de que o governo apresentava contas menores em seu orçamento, fazendo com que tais pensassem que o governo gastava menos do que na realidade.

Estes atrasos geraram prejuízo à sociedade na forma em que programas sociais foram afetados, como o Minha Casa Minha Vida. As empresas responsáveis pelas obras de moradia receberam em atraso o repasse federal, atrasando, também, a construção das obras.

As pedaladas foram descobertas pela mídia e pelo público em geral no fim de 2013. A presidente Dilma Rousseff cobrou explicações e os próprios servidores e técnicos do Tesouro estavam insatisfeitos com a perda de credibilidade da instituição.

Além de programas sociais, revelou-se, posteriormente, atraso nos repasses do governo ao setor elétrico. Há a estimativa de que R$ 3,4 bilhões tenham deixado de ser repassados a empresas que fornecem tal serviço para que o governo pudesse apresentar contas públicas mais favoráveis ao público.

Como informado pelo r. Des. Marcus Abraham: “Em relação às pedaladas, destaca-se a possível violação ao artigo 36 da LRF, que proíbe operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Tal infração seria originária dos adiantamentos concedidos para a União pela Caixa Econômica Federal para cobertura dos programas Bolsa Família, Seguro Desemprego e Abono Salarial de 2013/2014, dos adiantamentos concedidos pelo BNDES para a cobertura do Programa de Sustentação do Investimento de 2010/2014, e dos adiantamentos concedidos pelo FGTS para as despesas do Programa Minha Casa, Minha Vida de 2010/2014 (item 2.3.6 do Relatório do TCU). Assim, enquanto as instituições financeiras efetuavam os pagamentos em dia aos beneficiários sem ter recebido o repasse da União, esta, por sua vez, não contabilizava como dívida o adiantamento, não afetando as estatísticas oficiais do resultado primário.”.[14]

Em agosto de 2014, o Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União, pediu um procedimento de investigação das pedaladas fiscais, em órgãos ligados diretamente ao governo federal, como o Banco Central, Tesouro Nacional e demais órgãos administrativos.

No início de 2015, o TCU – Tribunal de Contas da União comprovou que houve a alteração das contas do governo. Após meses de resistência do governo federal em relutar a conclusão a que chegou o TCU, no dia 7 de abril de 2015, o Ministério Público declarou ver crime de responsabilidade fiscal nas tais pedaladas. O órgão informou, em parecer, que a presidente Dilma Rousseff descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma das grandes omissões que deu causa à investigação do MP, dentre tantas, foi o “financiamento” que a Caixa Econômica Federal acabou por fazer no governo federal, por não repassar o dinheiro para pagar as despesas do banco público, fazendo com que o mesmo tivesse que arcá-los com a própria receita. Tal situação, segundo o Ministério Público, configura crime fiscal.

Em 30 de abril de 2015, o Ministério Público Federal declarou ver indício de responsabilidade na esfera criminal, e não tão somente na esfera cível. O Núcleo de Combate à Corrupção, do MPF, declarou também que houve infração ao artigo 359-A, do Código Penal, pois os bancos fizeram empréstimos ao governo, antecipando recursos para cumprir obrigações do Tesouro Nacional. O dispositivo tem a seguinte redação:

Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa:       

Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos”.

Após impasses entre governo e oposição a respeito das contas do governo Dilma Rousseff, e após meses de discussões e análises no STF, na Câmara e no Senado, além do próprio Tesouro, o TCU – Tribunal de Contas da União – marca o julgamento das contas de 2014 da presidente Dilma para o dia 07/10/2015. E os ministros decidem, por unanimidade, em reprovar as contas do governo federal, aumentando as ânsias e clamores da oposição em pedir o impeachment da presidente Dilma.

A crítica a ser feita das manobras e “pedaladas” feitos nas contas do governo esbarra na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n° 101/2000). Apesar de haver questionamentos atuais a respeito das contas do governo federal, tal ordenamento jurídico é vigente para os três níveis da federação: União, Estados e Município, além do Distrito Federal.

Um dos grandes dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, em discussão sobre as pedaladas é o artigo 36, que tem a seguinte redação:

“Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

        Parágrafo único. O disposto no caput não proíbe instituição financeira controlada de adquirir, no mercado, títulos da dívida pública para atender investimento de seus clientes, ou títulos da dívida de emissão da União para aplicação de recursos próprios.”.

A questão do “equilíbrio fiscal” atinge todos os Estados do mundo. Arrecadar mais do que gastar gera “superávit”; ao ponto que gastar mais do que arrecadar gera “déficit”. O equilíbrio entre ambos é alcançado quando o volume de gastos acompanha o nível da arrecadação estatal.

Vale lembrar que ao longo da história o tamanho e as funções do Estado foram se modelando ao formato atual. No início do século XX, o Estado era menor e tinha o dever de prover aos seus cidadãos menos serviços do que atualmente. No percorrer do século passado, a máquina estatal aumentou consideravelmente de tamanho. A legislação e o direito acompanharam tal evolução, incluindo em seus textos legais mais direitos e garantias aos cidadãos, ao passo que para o Estado foi entregue mais deveres e responsabilidades. A quantidade de tributos arrecadados aumentou consideravelmente em muitos países, acompanhando a evolução da máquina pública.

Atualmente, o Brasil dispõe de uma carga fiscal de, aproximadamente, 36% do PIB (Produto Interno Bruto). Aliado à carga tributária, o Estado tem com o crédito público outra maneira de arrecadar dinheiro para direcionar seus gastos.  O problema são as dívidas geradas pelo Estado brasileiro com tais créditos. O governo pede um empréstimo, mas atrasa em quitá-lo (quando deixa de pagá-lo, como já aconteceu no Brasil na década de 1980).

Aliado a juros altos (para compensar riscos de inadimplência), o Estado brasileiro gera uma dívida enorme com seus credores, comprometendo, assim, os outros gastos sociais que merecem atenção, como saúde e educação. Apenas com juros e amortização, o gasto para com a dívida pública brasileira compromete 40% do orçamento pública federal a cada ano.

Então, a Lei de Responsabilidade Fiscal buscou manter os gastos públicos em níveis adequados, visto que tais gastos, quando fora de controle, comprometem a boa prestação de serviços públicos. Como visto anteriormente, as “pedaladas fiscais” ocasionaram com que o governo federal não repassasse dinheiro para vários programas sociais, incluindo-se bancos públicos e empresas prestadoras de serviços.

A LRF procura estabelecer metas para que o governo mantenha metas de superávit em seu orçamento, que serão gastos com o pagamento de juros da dívida pública (“superávit primário”). E cabe ao Tribunal de Contas da União apreciar tais contas que, posteriormente, serão analisadas pelo Congresso Nacional, que é competente para fiscalizar as contas orçamentárias e financeiras da União, segundo os artigos 70 e 71 da Constituição Federal (vide abaixo).

“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.”.

O artigo 71 da Constituição Federal estabelece as funções principais do Tribunal de Contas da União, como a de apreciar as contas da Presidente da República (inciso I), julgar as contas de administradores públicos (inciso II), fiscalizar qualquer recurso repassado pela União (inciso VI), etc.

Por fim, cumpre ressaltar que o caso prático das pedaladas deve ser visto como uma forma de ampliarmos a nossa estrutura de proteção aos cofres públicos, especialmente os da União, além de aumentar a exigência de responsabilidade fiscal perante o governo. A grande instituição da Res publica atual devem ser mantidas e aprimoradas, mediante o exercício pleno de suas capacidades garantidas pela Constituição Federal.

E a Lei de Responsabilidade Fiscal encaixa neste contexto de fiscalização das contas do governo, ao exercer um papel de altíssima relevância no Estado Democrático de Direito. Ela é a ponte que liga o cidadão e a sociedade ao poder público, que, juntos, devem unir esforços para a construção de uma sociedade mais desenvolvida, aliada a uma máquina estatal que não seja ineficiente e deficitária.

Abordagem Específica Sobre o Tema

O Estado pode atuar de diversas maneiras no domínio econômico, tanto diretamente ao atuar agente econômico, controlando e fiscalizando a atuação de entes particulares, como indiretamente ao agir em parceria com a iniciativa privada. A atuação pode se dar de forma de forma mais intensa, podendo chegar a um ponto de se tornar monopólio, ou menos intensa, permitindo que a iniciativa privada explore determinada atividade, cabendo ao Estado fiscalizar a exploração da empresa privada.

A intervenção indireta do Estado na ordem econômica, de acordo com Marçal Justen Filho (2005, p. 456), “consiste no exercício pelo estado de sua competência legislativa e regulamentar para disciplinar o exercício de atividade econômicas, desempenhadas na órbita pública ou privada. Seu fundamento constitucional está no art. 174”.

Já a intervenção direta do Estado na ordem econômica, de acordo com o mesmo autor (2005, p.47), “é o desenvolvimento por meio de uma entidade administrativa de natureza econômica, em competição com os particulares ou mediante atuação exclusiva”.

Nesse sentido, abre-se espaço para discorrer acerca da responsabilidade do Estado no tocante de suas atribuições no campo econômico, sendo essa a obrigação atribuída ao Poder Público para ressarcir os danos causados a terceiros pelos seus agentes, quando no exercício de suas atribuições.

Pelo apresentado nos tópicos anteriores, vimos que a responsabilidade do Estado é objetiva, não dependendo da caracterização de culpa, bastando a existência de certos requisitos. Ora, então se um erro, cometido por ação ou omissão do ente público, na condução da política econômica é capaz de causar dano à nação, parece que todos os requisitos necessários para a responsabilização do Estado estão presentes. O dano será a perda de patrimônio público ou a perda da chance de obtê-lo (exemplo: prejuízo aos cofres públicos por negócio mal feito ou deixar de instituir um imposto que seria absolutamente necessário para a saúde dos cofres públicos), a ação ou omissão se dará pelo ato do Estado ou sua omissão quanto a ato da política econômica e o nexo causal será configurado desde que deste ato ou omissão, decorra o dano.

Resta observar a presença de alguma das excludentes existentes em nosso ordenamento jurídico. Uma crise econômica mundial, causada por um fator no mercado externo completamente imprevisível, pode caracterizar caso fortuito, bem como uma catástrofe climática que resulte em prejuízos tão grandes que causem o fracasso das contas públicas, será hipótese de força maior. Observe-se mais uma vez, que nesses casos, mais do que mera excludente, há uma real quebra do nexo de causalidade, o que por si só, já teria o condão de afastar a responsabilidade estatal.

Porém, além destas excludentes que a teoria da reponsabilidade civil do Estado nos apresenta, há de salientar-se que a jurisprudência do STJ tem entendido que a “mera natureza indicativa da política econômica revela a ausência de responsabilização do Estado”, conforme o voto do Ministro Luiz Fux (à época do STJ) e da Ministra Denise Arruda, no julgamento do REsp 614048 / RS e REsp 639170 / PR, respectivamente. Nos casos em questão, buscou-se a responsabilização do Banco Central pela política de paridade cambial que acabou causando prejuízos a certa empresa. No julgamento, vislumbrou-se que houve uma espécie de “culpa concorrente da vítima” e, por isso, afastou-se a responsabilização, nas palavras do Ministro Luiz Fux houve “a ingerência de fatores exteriores aliada à possibilidade de o particular prevenir-se contra esses fatores alheios à vontade estatal”, que gerou a inexistência do nexo causal.

Sendo a função fundamental do Estado organizar e gerir a Administração Pública, a ordem jurídica lhe incumbe o dever de promover o bem comum, sendo que o Estado cumpre prestando serviços de interesse público, os quais poderão ser executados diretamente por seus entes federativos ou, indiretamente, por meio de delegação a empresas estatais criadas por lei para esse fim. Enquanto executoras de serviços públicos, tanto as pessoas jurídicas como privadas, por meio de seus agentes que, nessa qualidade, vierem a causar dano em patrimônio ou interesse de terceiros juridicamente tutelado pelo ordem jurídica, devem, responder civilmente, sem se cogitar se houve dolo ou culpa, consoante Constituição Federal de 1988 no seu parágrafo 6º do Artigo 37. Nesse sentido, Mello (2009, p.202), explica que a responsabilidade civil das empresas públicas ou privadas prestadoras de serviço público é objetiva, pois: `` atualmente é certo que se governa na conformidade dos mesmos critérios que se aplicam ao Estado; ou seja: os da responsabilidade objetiva, pois assim é, segundo doutrina e jurisprudência, a responsabilidade pública. Portanto, independe de dolo ou culpa, bastando o nexo causal entre seu comportamento e o agravo destarte produzido. Isto por força do precitado art. 37, § 6º, da Constituição, que estabelece para as pessoas de Direito Privado prestadoras de serviço público a mesma responsabilidade que incumbe às pessoas de Direito Público``.

Para que o Estado atue na atividade econômica, devem estar presentes dois pontos cruciais: Exigência por parte da segurança nacional ou haver motivo fundado em interesse relevante da coletividade. Importante destacar que quem definirá o que faz parte da segurança nacional ou se há presença de interesse relevante da coletividade, é o legislador, ou melhor, o Governo Federal. Basta analisarmos o exemplo da Telebrás, sociedade esta de economia mista, vinculada ao Ministério das Comunicações nos termos da Lei nº 5.792, de julho de 1972.

O art. 37, parágrafo 6º da CF/88, preceitua: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Assim a única maneira de as sociedades de economia mista e empresas públicas serem abarcadas pela responsabilidade civil objetiva, é sendo a exploração realizada por elas caracterizada como serviço público. Nesse diapasão, é importante raciocinar que pelo fato de o art. 175 da CF/88 ter sido inserido no capítulo referente aos Princípios Gerais da Atividade Econômica (as empresas públicas e as de economia mista), poderíamos concluir que elas poderiam ser enquadradas como prestadoras de serviços públicos. Porém é sabido que tais empresas estão submetidos aos regimes de empresas privadas e, os serviços públicos, ao regime predominantemente público. Nessa esteira o art. 173 CF/88 traz: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Assim, por tratar-se de exceção, elas estarão submetidas ao regime das empresas privadas. Portanto, nada mais justo que afirmar que o art. 173 CF/88 apresenta um conceito mais restrito de atividade econômica realizada pelo Estado, enquanto que o art. 175 CF/88 traz uma definição mais abrangente, incluindo a atividade econômica como serviço público, até pelo fato de estar inserido no capítulo dos “Princípios Gerais da Atividade Econômica”.

Exercendo o Estado atividade econômica por meio de entidades por ele criadas, deverão estas serem constituídas sob o regime jurídico privado e se sujeitarem às normas pertinentes à iniciativa privada, isto é, direitos civil, comercial e trabalhista e por não gozarem, as empresas estatais exploradoras da atividade econômica, das prerrogativas dos entes políticos, estando sujeitas regras de direito privado, consequentemente, também não se inserem no disposto no § 6º do Art. 37 da Constituição Federal de 1988, para fins de responsabilidade civil objetiva. Interessante notar que tanto a empresa pública quanto a sociedade de economia mista estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas no tocante as obrigações e direito, assim como a não possibilidade de gozar de privilégios fiscais não extensivos as do setor privado. (art. 173, incisos dos parágrafos 1º, 2º e 3 º).

Para se verificar a responsabilidade no campo econômico, usa-se o critério do tipo de serviço prestado. Assim, se prestar serviço de natureza pública, enquadra-se na responsabilidade objetiva; caso contrário, valer-se-á das regras de empresas privadas que pressupõe a responsabilidade civil subjetiva. Portanto, a teoria do risco administrativo, que objetiva a responsabilização objetiva da Administração Pública, não se aplica às sociedades de economia mista e empresas públicas exploradoras de atividades econômicas, mesmo estas integrando formalmente a Administração Indireta. Assim, resta-lhes a aplicação do Direito Civil e a responsabilização da mesma forma que as demais pessoas privadas – de forma subjetiva, cabendo a vítima demonstrar o comportamento danoso culposo ou doloso.

Dessa forma, vislumbra-se que embora possível e totalmente justificável teoricamente, pode ser uma tarefa bastante difícil a imputação do dano decorrente de erro na condução da política econômica, quando resultar de ato, pois o nexo causal é restritivo (teoria da causa próxima e direta), se tornando difícil provar-se que um cidadão ou uma empresa, por exemplo, sofreram danos diretamente pelo erro da política econômica nacional, quanto mais quando for ato omissivo. Conforme leciona Yussef Said Cahal (Responsabilidade Civil do Estado, Editora RT, 2007; pág. 45), o nexo causal nestes casos “nem sempre aparece com a necessária precisão e clareza; e isto transparece especialmente naqueles casos de atos omissivos da Administração, substancialmente identificados como falha anônima do serviço, quando então se examina se o ato omitido seria razoavelmente exigível, para se deduzir da sua omissão ou falta a causa primária do prejuízo reclamado”.

Conclusão

A respeito da responsabilidade civil, esta já está enraizada no ordenamento jurídico brasileiro, pois se mostra, e sempre se mostrou, necessário a exigência de que se aponte quem deve ressarcir o dano que causou. A partir dessa premissa, desenvolveu-se teorias que visavam explicar a responsabilidade civil e definir seus parâmetros, começando pela Teoria da Culpa, chegando aos dias de hoje na Teoria Subjetiva, remetendo ao Estado a maior de todas as responsabilidades: a Responsabilidade Objetiva.

O Estado é gigantesco e poderoso. E em razão disso, as funções que exerce, somados às suas obrigações e atividades, podem vir a causar dano, ainda que não haja culpa de seus agentes. Dano decorrente de sua atividade e posição assumida no contrato social, que traz tal risco. Essa premissa trouxe ao direito a Teoria do Risco, que nada mais é do que a responsabilização do Estado de maneira objetiva, em virtude do exercício de suas atividades, decorrente também de sua imensidão.

No tocante à condução de políticas econômicas, erros na gestão podem trazer prejuízos inimagináveis e danos irreparáveis. Nesse ponto, qualquer ação precipitada, errada ou de má-fé do agente público pode trazer danos para a economia e para própria administração pública, e por consequência, para a população. Diante da premissa, é possível a responsabilização do Estado diante de erros na condução de políticas econômicas, cabendo ao próprio Estado, através do exercício do direito de regresso contra seu agente, tomar providências.

Contudo, existem casos e situações em que é possível afastar a responsabilização do Estado. São as chamadas excludentes de responsabilidade. Em situações imprevisíveis, ou que fogem aos acontecimentos normais, ou que provem de ações de terceiros ou da própria vítima do dano, o Estado não é responsável pelo dano causado. Quanto a isso, é dever dos Tribunais ponderar a responsabilização do Estado, ainda mais quando se trata das ações de seus agentes, em especial, na condução da economia.

É possível responsabilizar o Estado por danos causados por erros na condução de políticas econômicas. O desafio maior do Poder Judiciário é ponderar caso a caso, de forma que não basta haver dano e nexo causal. É preciso também avaliar se não foi um mero dissabor por parte daquele que sofreu o dano, ou se não existe excludente de responsabilidade. Em se tratando dos agentes do Estado, cabe a reparação do prejuízo que o Estado sofreu, mediante o direito de regresso, de forma que o agente assuma com o ônus de seus atos, tendo culpa ou não.

O presente artigo foi elaborado pelos estudantes do Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie: Filipe Jorf, Geraldo Papa, Henrique Mareze e Richard Gurfinkel.

Referências Bibliográficas

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 28 ed. São Paulo: Atlas, 2015.


[1] Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo – 32° Edição – página 1021

[2] Alexandre de Moraes – Direito Constitucional Administrativo – 1ª Edição – página 233

[3] Irene Patrícia Nohara – Direito Administrativo – 5ª Edição - página 804

[4] Carlos Roberto Gonçalves – Direito Civil Brasileiro – volume 4 – página 172

[5] Alexandre de Moraes – Direito Constitucional Administrativo – 1ª Edição – página 236

[6] Apud Carlos Roberto Gonçalves – Direito Civil Brasileiro – volume 4 – página 174

[7] Irene Patrícia Nohara – Direito Administrativo – 5ª Edição - página 824

[8] Irene Patrícia Nohara – Direito Administrativo – 5ª Edição - página 825

[9] Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo – 32° Edição – página 1053

[10] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

[11] Irene Patrícia Nohara – Direito Administrativo – 5ª Edição - página 809

[12] Disponibilizado em http://infograficos.estadao.com.br/public/economia/pedaladas-fiscais/ - visualizado em 21/10/2015, às 12h20min.

[13] Disponibilizado em http://jota.info/coluna-fiscal-para-entender-as-pedaladas-fiscais - vizualizado em 22/10/2015, às 10h40min.

[14] Apud http://jota.info/coluna-fiscal-para-entender-as-pedaladas-fiscais - vizualizado em 23/10/2015, às 12h20min.

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Sobre os autores
Richard Gurfinkel

Estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie;<br>Estagiário na área de Direito Societário, incluindo M&A, Contratos e Investimentos Estrangeiros.<br>

Henrique Falleiros Mareze

Estudante do Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Filipe Jorf

Acadêmico de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Estagiário na área Trabalhista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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