Plano de saúde

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Planos de saúde e a responsabilidade estatal.

Introdução

 A partir da promulgação da Constituição de 1988, o Estado chamou para si a responsabilidade de garantir para todos o direito social de saúde, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitários às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF,art.196).

Ocorre que o sistema público de saúde no Brasil sempre foi e continua falido, seja por incompetência dos políticos de plantão, seja pela corrupção institucionalizada, seja pelo estado de miserabilidade da população brasileira (o que os faz distante das políticas de alimentação, educação, saneamento, profilaxia, e outras ações preventivas), seja enfim pelo conjunto de fatores conjugados.

 Some-se a isso o interesse empresarial que área desperta e os grandes lucros das empresas que negociam com a saúde e teremos encontrado os motivos pelos quais os planos de saúde crescem e se fortalecem a cada dia que passa.

 O Estado Brasileiro não se desincumbiu daquilo que a Constituição Federal lhe impôs (art.197) e, conforme afirma Claudia Lima Marques, foi ineficaz em todos os sentidos, pois transferiu seu dever primordial de cuidar da saúde da população para a iniciativa privada e foi incapaz de regulamentar princípios, condições e exigências básicas para atuação do particular em seguimento.

 Não foi sem razão que o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior sentenciou que a previdência privada assume a cada dia maior importância no país e isso decorre das dificuldades encontradas pela Previdência Social, cuja atuação ineficaz no âmbito da saúde tem levado grande número de pessoas à busca de proteção complementar na área da previdência privada, que hoje atinge milhões de pessoas, e como consequência da precariedade que vem sendo vitima a saúde pública, a grande maioria da população transfere sua saúde e sua vida a uma das muitas empresas que prestam serviços de prevenção e controle de doenças a que estamos todos sujeitos.

 Da Lei dos planos de saúde

 Esclareça-se por primeiro que as operadoras de plano de assistência à saúde estão regulamentadas pela Lei n° 9.656, de julho de 1998, e se encontram submetidas à regulamentação e fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

 Além de se submeterem à lei especial e às normas de fiscalização administrativa expedidas pela agência governamental, os contratos de planos de saúde e a prestação dos serviços por eles estabelecidos estão submetidos também às normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme expressamente ressalvado na Lei supracitada em seu arigo. 35-G: “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o parágrafo 1° do art.1° desta Lei as disposições da Lei n° 8.078, de 1990”.

 Contudo há distinção de tratamento com relação aos planos de saúde cujos contratos foram firmados em data anterior à vigência da lei regulamentadora.

 Nestes casos, há que se aplicar as normas gerias insculpidas no Código de Defesa do Consumidor, em especial as normas que limitam a aplicação das cláusulas abusivas (art.51 e seus incisos), a interpretação mais favorável ao consumidor (art.47) e o princípio geral da boa-fé (art.4°,III), como forma de preservar os direitos dos consumidores.

Cabe também destacar que a obrigação assumida pelos planos de saúde é de resultado. Pela relação contratual estabelecida entre a operadora e seus associados, estabelece-se uma obrigação de resultado, devendo o serviço possuir qualidade e adequação imposta em face da nova doutrina contratual. Por esse contrato a operadora se obriga a prestar serviços médicos, reembolsar quantias, fornecer exames, alimentação, medicamentos e internações, independentemente se o consumidor irá (ou não) se curar.

 Como diz Marilise Kostelnaki Baú, a empresa que oferece serviço está assumindo uma obrigação de efetivamente prestar esse serviço. Logo, o contrato somente se perfectibiliza com a efetiva prestação do serviço nos moldes em que foi prometido, e não poderia ser de outra forma, na exata medida em que a obrigação fundamental e emergente desse tipo de contrato é justamente a prestação do serviço médico terceirizado, quando o cliente vem dele necessitar em face de alguma moléstia.

De sorte que, sendo a obrigação de resultado, ao autor cabe provar a existência do contrato e o seu descumprimento, para que surja o dever de indenizar.

Da negativa de autorização para internação ou tratamento

 A recusa injustificada de autorização para internação, realização de tratamento ou para cirurgia por empresa de planos de saúde constitui-se em ilícito, sendo motivo ensejador de reparação por danos morais, mormente se a prescrição emana de médico atestando aquela necessidade.

A negativa de cobertura de internação de emergência gera a obrigação de indenizar o dano moral daí resultante, considerando a severa repercussão na esfera íntima do paciente, já frágil pela patologia aguda que o acomete, vindo a ser surpreendido com informação de negativa por parte do plano de saúde.

Nesse sentido é esclarecedor o posicionamento do Desembargador Nilsoni de Freitas Custódio que, em julgado do qual foi relator, assim deixou assentado: “não se pode exigir um comportamento que fuja dos parâmetros da razoabilidade, sacrificando a consumidora, que, apesar de cumprir religiosamente com as suas obrigações, se vê coarctada de efetivar procedimento cirúrgico indicado por profissional médico, em virtude da não autorização da administradora do plano de saúde”.

Diante desse contexto “a reparação do dano moral deve ser impositiva, toda vez que a prática de qualquer ato ilícito viole a esfera íntima da pessoa, causando-lhe humilhações, vexames, constrangimentos e dores”.

Corrobora o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, citado por Marques, que “a operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando o nome ou a natureza jurídica que adota.”

Assim, constata-se nitidamente a invocação do Código de Defesa do Consumidor para proteção dos consumidores de planos privados de assistência à saúde. Haja vista que, trata-se de uma relação de consumo onde figuram como partes os cidadãos contratantes como consumidores e as operadoras de planos de saúde como fornecedoras.

 O Código de Defesa do Consumidor prevê duas hipóteses de responsabilidade civil objetiva para os fornecedores: pelo fato do produto ou do serviço, ou por vício do produto e do serviço.

 A primeira delas, pelo fato do produto ou do serviço, encontra-se prevista no art. 12 ao 17 do CDC, é decorrente de danos materiais ou pessoais ocasionados pela má qualidade do produto ou do serviço. Sobressai-se que o referido dano não deve ser atribuído ao fornecedor, mas sim ao próprio produto ou serviço.

 Contudo, conforme assevera Nunes, o fornecedor é considerado na medida em que é responsável pelo ressarcimento dos prejuízos. É ele o da origem do fundo capaz de pagar os prejuízos.”. A segunda por sua vez, é aquela responsabilidade pelo vício do produto e do serviço, expressa através dos art. 18 ao 24 do CDC. Os vícios ali mencionados dizem respeito à qualidade, quantidade ou informação do produto ou do serviço, no entanto, salienta-se que esse vício deve ser intrínseco, inerente aos bens ou serviços, os quais provocam o dano na própria coisa, não podendo ter como consequências riscos a integridade física do consumidor.

 O próprio CDC, através de seus artigos mencionados, prevê sanções para que o fornecedor proceda à reparação desses vícios. Solidariedade entre planos de saúde, médico e hospitais.

 As empresas operadoras de planos de saúde são solidariamente responsáveis, juntamente com os médicos e hospitais credenciados que agem, em verdade, como seus verdadeiros prepostos, pelos danos causados aos seus consorciados.

Isto ocorre porque as empresas de planos de saúde, ao disponibilizarem uma relação de hospitais ou profissionais credenciados, há que ter se acercado das garantias mínimas de que tais pessoas (físicas e jurídicas) estão aptas a prestar um serviço de boa qualidade, não podendo se eximir ao argumento de que a escolha foi feita pelo usuário dos serviços.

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Neste particular aspecto, o Ministro Aldir Passarinho Júnior foi enfático ao preferir voto cuja ementa tem o seguinte teor: “a prestadora de serviços de” plano de saúde é responsável, concorrentemente, pela qualidade do atendimento oferecido ao contratante em hospitais e por médicos por ela credenciados, aos quais aquele teve de obrigatoriamente se socorrer sob pena de não fruir da cobertura respectiva.

Não dissente desse pensar a Ministra Nancy Andrighi, ao afirmar que “ o médico contratado pelo plano de saúde não é um empregado do plano, é um prestador de serviços autônomo que a operadora contrata para atender a convênios que firme com o objetivo de lucro. Portanto, responde concorrentemente porque contrata para em seu nome prestar o serviço que se comprometeu com os conveniados .

 Os objetivos do plano de saúde não se limitam a administrar e cobrir os custos da prestação de serviço médico. Além dessa prestação, assume a obrigação de prestar o serviço médico mediante profissionais qualificados e capazes de observarem as regras científicas e técnicas da ciência médica.

Por isso, qualquer acidente de consumo, isto é, falha no serviço prestado pelo médico, impõe-se a responsabilidade pelos danos para a operadora e o médico, sendo que aquela responderá objetivamente em virtude do risco proveito assumido pela empresa que desenvolve esta atividade com a finalidade de lucro.

 Ocorrendo o prejuízo ao usuário-consumidor, independente de culpa do terceiro contratado, pelas leis civis, ou pelas leis trabalhistas a operadora responderá pelo acidente de consumo.

 Esta é a força da responsabilidade objetiva e solidária que o CDC impõe com o objetivo claro de proteger e ampliar os meios de reparação aos danos que o consumidor sofra. Diferente é a situação em que o paciente contratou o seguro saúde porque, nesse, a escolha do médico é feita pelo próprio segurado, sendo que a responsabilidade da seguradora é tão-somente com o reembolso das despesas realizadas.

 Nesse sentido é a doutrina de Rui Stoco quando afirma que as empresas de seguros-saúde apenas reembolsam as despesas efetuadas por seus consorciados, sem interferir na escolha do prestador de serviço, logo, qualquer dano sofrido em face do atendimento que lhe foi prestado pelo médico ou hospital conveniado não lhe diz respeito, porque não há como estabelecer um liame de causalidade entre a empresa que contratou o plano de saúde e o dano sofrido pelo associado.

 Por fim, a questões discutidas nos tribunais não está vinculada somente com a responsabilidade das empresas e dos médicos. O que se vê é a importância que se dá com o contrato celebrado entre o consumidor e o prestador de serviço, não desvinculando e nem eximindo qualquer responsabilidade dos contratantes.

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