~~A INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE EXEQUATUR
Rogério Tadeu Romano
A empreiteira Odebrecht ajuizou no STJ (Superior Tribunal de Justiça) mais uma ofensiva contra as provas obtidas na Suíça que apontam a existência de contas secretas ligadas à empresa que, segundo o Ministério Público Federal, foram usadas para pagar propina.
A iniciativa ocorreu por meio da defesa do ex-executivo da empreiteira Márcio Faria, que entrou no STJ com uma reclamação contra a Procuradoria-Geral da República por ter enviado os documentos da Suíça à Procuradoria da República no Paraná, que investiga a corrupção na Petrobras.
O argumento é de que os documentos deveriam tramitar no STJ antes de serem enviados ao Paraná.
Mas, segundo o procurador-geral, da República, a jurisprudência e o próprio regimento interno do STJ permitem que esses pedidos de cooperação sejam cumpridos por “auxílio direto”, sem necessidade de passar por um crivo da corte.
Por certo, como acentua Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de Processo Penal, 16ª edição, pág. 959), à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004, a necessidade de homologação, hoje feita pelo Superior Tribunal de Justiça, por atribuição de norma constitucional derivada, a teor do artigo 105, I, “i”, da Constituição Federal, de sentença penal estrangeira, tem por objetivo primeiro a preservação da soberania nacional, dentro do que chamamos cooperação de combate à criminalidade, do que se vê em tratados e convenções internacionais. Cabe, assim, tal competência ao Superior Tribunal de Justiça, por seu Presidente, sem contestação, ou pelo Plenário, com impugnação.
A lei considera que a sentença estrangeira é capaz de adquirir eficácia no país, subordinando tal aquisição a um ato formal de reconhecimento praticado por órgão nacional.
Tal ato é a homologação. O ato formal de reconhecimento (homologação) é acontecimento futuro e incerto a que a lei subordina a eficácia, no território brasileiro, da sentença estrangeira. A decisão que acolhe o pedido de homologação de sentença estrangeira, seja qual for a natureza desta, é constitutiva.
Mas há entendimento contrário que veio do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Veja-se, a respeito, o acórdão de julgamento da Reclamação nº 2645 pela Corte Especial do STJ, Rel. Teori Zavascki (Caso Boris Berezovski).
A cooperação direta pode ocorrer de MP para MP, por meio de Memoriais de Entendimento, que têm sido utilizados para atos de forma mais simplificada, com menor formalidade, destinados a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes, seja nos planos político, econômico, jurídico, cultural ou em outros.
Os Memorandos de Entendimento firmados entre o Ministério Público Federal e as Instituições estrangeiras congêneres têm como objetivo principal a intensificação da Cooperação Jurídica Internacional, possibilitando a troca de informações entre estas no intuito de combater o crime organizado internacional de forma mais rápida e eficaz.
Com a assinatura dos Memorandos, fica aberto mais um canal de cooperação jurídica direta, complementar ao trabalho que já é feito pelos Ministérios da Justiça dos dois países, formulando políticas de cooperação informal e direta entre os Ministérios Públicos e obtendo informações de grande utilidade para o desempenho funcional dos membros do MPF.
A colaboração entre os Ministérios Públicos pode prever, ainda, aprimoramento de operadores do direito, promoção de programas específicos de combate ao crime organizado e realização de estudos e encontros de coordenação.
Vale ressaltar que o previsto nestes Memorandos não gera obrigações no âmbito do Direito internacional.
A Procuradoria Geral da República tem Memorandos de Entendimento firmados com os Ministérios Públicos dos seguintes países: Colômbia, Espanha, Itália, Japão, Paraguai, Peru, Portugal, Rússia, Ucrânia e Venezuela. Houve, ainda, a Troca de Cartas para intensificar a cooperação entre o Ministério Público Federal e as Instituições congêneres dos seguintes países: Finlândia, Noruega e Suíça.
Os pedidos de cooperação devem ser inicialmente encaminhados à ASCJI.
O ministro Teori Zavascki argumentou, no voto que proferiu em 2009, que “a norma constitucional do art. 105, I, “i”, não instituiu o monopólio universal do STJ de intermediar essas relações com estados estrangeiros”.
O artigo 105, I, “i” estabelece:
Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.
Naquele caso, houve pedido de cooperação jurídica, especificamente para compartilhamento de prova.
“O compartilhamento de prova é uma das mais características medidas de cooperação jurídica internacional, iterativamente prevista nos acordos bilaterais e multilaterais que disciplinam a matéria”, acrescentou o ministro no seu voto, proferido em 2009.
“Consideradas essas circunstâncias, bem como o conteúdo e os limites próprios da competência prevista no art. 105, I, i da Constituição, a cooperação jurídica requerida não dependia de expedição de carta rogatória por autoridade judiciária da Federação da Rússia e, portanto, nem de exequatur ou de outra forma de intermediação do Superior Tribunal de Justiça, cuja competência, conseqüentemente, não foi usurpada”, concluiu o ministro.
Repita-se, então, o que entendeu o STJ, na CR 438, que, levando em consideração a necessidade de ampla cooperação com as autoridades estrangeiras, por força de lei (Lei 9.613/98, art. 8º, § 1º), por força de compromisso internacional (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, art. 18, §§ 3º e 8º) e por força do princípio da efetividade do Poder Jurisdicional no novo cenário de cooperação internacional no combate ao crime organizado transnacional, é perfeitamente viável que um pedido de medidas de caráter executório – como buscas e apreensões, bloqueios e quebras de sigilo bancário – seja atendido independentemente de homologação de sentença estrangeira.