Por uma Legislação Ambiental menos Simbólica e Mais Efetiva

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Neste breve artigo discute-se a questão da efetividade da legislação ambiental brasileira em face da qualidade de suas disposições, apontando-se algumas soluções para o enfrentamento de um déficit de concretude.

Introdução

A legislação ambiental brasileira é apontada como uma das mais avançadas do mundo em termos de elaboração. A criatividade do legislador brasileiro, não de hoje, é reconhecida como profícua quando o assunto é criar disposições para a regulação e controle de condutas e atividades que possam causar danos ao meio ambiente. No entanto, apesar da quantidade e qualidade da legislação brasileira nota-se, na realidade fática, um grande abismo entre o conteúdo das regulações e a efetivação das medidas pretendidas.

O assunto em questão, que será enfrentado nestas linhas é a efetividade da legislação ambiental, ou seja a capacidade que a legislação possui de realizar as transformações para as quais aquela norma foi criada. O dever de zelar por um meio ambiente equilibrado constitui a premissa de que todo ser humano possui a responsabilidade de usar o espaço à sua volta de modo que não venha a inviabilizar o usufruto do mesmo espaço por outras pessoas, em termos materiais, físicos ou qualitativos, nesta ou nas próximas gerações.

As normas ambientais precisam ser efetivadas. Caso contrário os usos dos espaços e dos recursos naturais podem restar comprometidos em prejuízo de todos os seres vivos, incluindo entre estes o homem. Tome-se como exemplo o acidente causado pela mineradora Samarco, em Mariana-MG. Se a legislação ambiental e os procedimentos administrativos ambientais estivessem sendo seguidos à risca - o que implica em cumprimento voluntário dos regramentos ambientais por parte da empresa assim como de um controle e fiscalização ambiental realizado pelos órgãos ambientais competentes - o risco de dano ambiental seria menor ou talvez até inexistente. A não efetivação da legislação ambiental é mais do que uma negligência. Trata-se de violação do direito à vida (entendendo-se este direito em sentido amplo, incluindo todos os seres vivos), de violação ao princípio da responsabilidade, que deve reger todos os atos humanos, entre outros, como apontaremos a seguir.

1. O direito ambiental que o Estado brasileiro precisa

O direito ambiental que o Estado brasileiro precisa é aquele que esteja sintonizado com a realidade social, econômica, cultural, técnica, orçamentária e estrutural do ente federativo correspondente. Não adianta imaginar um direito com base em uma realidade que não seja a realidade brasileira, ou seja, pensar em um direito ambiental para o Brasil imaginando que este será aplicado na realidade da Finlândia, da Islândia, da Suécia ou da Alemanha, por exemplo. Não estou a afirmar não ser possível a criação ou a execução de normas avançadas de direito ambiental aqui no Brasil. Até porque, segundo o que se observou nas últimas Conferências das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, desde 1992, o Brasil é o país que mais cumpriu com as agendas assumidas nestes eventos internacionais. A questão é outra como veremos a seguir.

Ser o país que mais cumpre com as promessas de criação e execução de políticas públicas ambientais (nestas conferências internacionais) não quer dizer que esteja havendo o cumprimento satisfatório da legislação ambiental brasileira. Por ser muito ampla e completa (tratando de todos os aspectos da problemática ambiental), a aplicação (o cumprimento) da legislação ambiental brasileira em vigor torna-se difícil. Melhor do que ter muitas normas ambientais e pouca efetividade é ter poucas normas que cumpram com excelência os propósitos para as quais foram criadas.

Como bem recorda Krell (2004, pág. 91), toda problemática da deficiente implementação de políticas ambientais reside, no fundo, na reduzida "eficácia de comportamento" das respectivas leis em virtude da falta de consenso social sobre as mesmas, fato este que compele uma certo grau de "eficácia de sanção" das normas. Ao mesmo tempo, a falta de efetividade da legislação ambiental brasileira sofre com a inadequação das estruturas administrativas encarregadas de fiscalizar e executar as leis, sendo comum um desajustamento entre a estrutura e as tarefas atribuídas aos órgãos de controle ambiental.

Outro problema a ser apontado na legislação ambiental brasileira é a falta de comunicação e cooperação entre os órgãos de controle e fiscalização ambiental dos entes federativos. Ao invés de atuarem com espírito de cooperação, a realidade é que os órgãos ambientais dos entes federativos brasileiros atuam com espírito de competição, um querendo ser considerado mais efetivo do que o outro, mais prudente, mais ágil, mais diligente, enfim, melhor do que o outro. Em verdade, o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal de 1988, mesmo antes de sua regulamentação pela Lei Complementar 140/2011, já apontava para a necessidade de uma cooperação dos órgãos públicos ambientais, com vistas à potencialização do adequado controle e fiscalização das atividades consideradas efetivas ou potencialmente lesivas ao meio ambiente.

3. Avançando rumo a um federalismo cooperativo em matéria ambiental

Ainda sobre esta questão da cooperação entre os entes federativos com vistas a uma gestão pública ambiental mais efetiva, Krell (2004, pág. 91) destaca que é de fundamental importância analisar a questão das competências e, ao mesmo tempo, e ao mesmo tempo, das responsabilidades para a correta aplicação da legislação ambiental nos três níveis de governo, levando-se em conta que uma boa parte dos órgãos ambientais dos diferentes níveis federativos, até hoje, costuma desenvolver suas atividades e programas "um ao lado do outro" e não são integrados num sistema de cooperação recíproca.

Como destaca Antunes (2014, pág. 110), a Lei Complementar 140/2011 é um dos principais instrumentos jurídicos para a implementação do federalismo cooperativo ecológico e ao regulamentar o art. 23 da Constituição Federal, estabelece os mecanismos institucionais mediante os quais deve ser realizada a cooperação administrativa entre os diferentes entes federativos para proteger o meio ambiente e combater a poluição. Como se observa no corpo da norma, a principal preocupação do legislador complementar foi com o licenciamento ambiental que, até aqui, tem se mostrado o tema mais controverso no que tange à colaboração administrativa determinada pela Constituição. Todavia, a Lei Complementar 140/2011 tem sido questionada sob o ponto de vista da constitucionalidade, exatamente por seu espírito descentralizador.

O que se observou (na prática) com a edição da Lei Complementar 140/2011 foi o disciplinamento e uma uniformização do entendimento anterior: aquele predominante nos tribunais pátrios (apesar de algumas divergências à época), quanto a que ente federativo/orgão ambiental deveria ser competente para promover o licenciamento ambiental de determinada atividade que possa causa significativa degradação ambiental. No que tange à suposição de inconstitucionalidade da Lei Complementar 140/2011, ao argumento que impede o exercício de competências administrativas de controle e fiscalização ambiental por um determinado órgão, em detrimento do outro, entendemos não haver fundamentos jurídicos fortes para tanto, uma vez que todos os órgãos (dos diversos entes) ainda continuam obrigados a exercer a fiscalização de obras e atividades que possam comprometer a qualidade ambiental (exercício de competência administrativa - para fazer - art. 23, caput da CF/1988).

O que não pode mais ocorrer, por exemplo, é o órgão ambiental federal ignorar a licença ambiental concedida por órgão ambiental estadual (com estrutura e condições para atuação de fiscalização e controle ambiental), e multar o empreendimento licenciado diretamente, sem que antes tenha ao menos comunicado o suposto dano ambiental ou a eventual violação de condicionante constante na licença ao órgão que legalmente detém a competência originária (nos termos da Lei Complementar 140/2011) para que este tome as providências cabíveis. Este tipo de situação é bastante comum no Estado do Rio Grande do Norte, onde os órgãos, federal (IBAMA/RN) e estadual (IDEMA) têm se desentendido no que tange a procedimentos de fiscalização e de licenciamentos ambientais - ausência de cooperação e de diálogo entre estes dois órgãos, conforme fartamente noticiado na mídia local: (https://portalnoar.com/ibama-classifica-licenciamento-ambiental-do-idema-de-invalido/; https://portalnoar.com/idema-reage-e-diz-que-ibama-nao-tem-competencia-para-cassar-licenca/; https://portalnoar.com/ibama-desautoriza-idema-e-agrava-inseguranca-juridica-no-setor-produtivo-do-rn/; http://www2.fiern.org.br/index.php/noticias/artigos/2954-artigo-pode-o-ibama-invalidar-licencas-do-idema; http://eugeniobezerra.com.br/?p=14507; http://novojornal.jor.br/economia/idema-dificulta-licenciamentos-de-loteamentos-no-rn - todos com acesso em 22 de fevereiro de 2016).

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3. Efetividade das Normas e Princípio da Participação

Não se pode e nem se deve ignorar os diversos atores presentes na vida social e econômica brasileira quando da formulação e execução de políticas públicas ambientais. No que tange a tal realidade, todos devem ser ouvidos, cada um com seus pontos de vistas e com suas necessidades. É do debate e da compreensão acerca das mais diversas necessidades (do jovem, do idoso, dos empresários, dos servidores públicos, dos desempregados, dos portadores de necessidades especiais, etc.) que vai surgir uma política pública ambiental com alto potencial de concretude, uma vez que esta respeita, senão todas, pelo menos a boa parte das necessidades de todos os destinatários da norma. Trata-se de extrair um "denominador comum", um consenso quanto ao desenvolvimento econômico, social e ambiental de uma determinada área. Não há como se fugir, neste sentido, ao contratualismo ambiental, pois a realidade é que estes atores celebram um contrato para um modelo de desenvolvimento sustentável que seja o mais justo e democrático possível.

Claro que em alguns casos este modelo democrático sucumbe em face das regulações aprovadas pelo legislativo, em cada esfera de governo, o que ao nosso ver é necessário, desde que a supremacia do interesse público aponte para a defesa de valores inegociáveis do ponto de vista da técnica ambiental, sem os quais é impossível prosseguir para o alvo estabelecido pela Constituição Federal de 1988: o de erigir um verdadeiro Estado de Direito Ambiental.

4. Conclusão

A boa legislação o Brasil já possui. Resta ao Estado brasileiro o bom senso e a responsabilidade para dar vida ao projeto legislativo formalmente aprovado e em vigor. Que fique claro que não tivemos a intenção de afirmar, em termos de criação de normas, que o Brasil deve se conformar às suas limitações, em termos de deficiências estruturais. Cremos que a legislação ambiental pode sim sugerir e exigir do Estado as transformações necessárias para a melhoria do meio ambiente natural, cultural, artificial e do trabalho, transformações estas indispensáveis para que se produzam frutos que viabilizem uma gestão pública ambiental mais efetiva no que tange à concretização de direitos para o povo brasileiro, uma vez que através da observância das normas ambientais estar-se a criar um patamar mínimo para a fruição de diversos direitos fundamentais, entre eles a vida, a liberdade, a saúde, entre outros.

5. Referências Bibliográficas

ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. São Paulo: Atlas, 2014.

KRELL, Andreas. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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