O Procedimento disciplinar de despedimento

23/02/2016 às 17:58

Resumo:


  • O procedimento disciplinar no Direito do Trabalho é um exercício do poder disciplinar do empregador, e sua necessidade é mais evidente no caso de despedimento por justa causa.

  • O empregador deve seguir um procedimento disciplinar específico que inclui a notificação da nota de culpa ao trabalhador, a realização de um inquérito, a defesa do trabalhador, a instrução do processo, o parecer do órgão sindical e, finalmente, a decisão de despedimento.

  • A não observância das formalidades legais durante o procedimento disciplinar pode resultar na invalidade do despedimento, conferindo ao trabalhador o direito de escolher entre a reintegração ou uma indemnização, além do pagamento das remunerações vencidas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em Direito do Trabalho, falar sobre o procedimento disciplinar implica fazer referência ao poder disciplinar do empregador, pois é no exercício deste que aquele se concretiza.

Sumário:

1. Introdução 2. Despedimento por facto imputável ao trabalhador (justa causa)

3. Procedimento disciplinar – generalidades 4. Procedimento disciplinar 4.1 Nota de culpa 4.2 Inquérito 4.3 Defesa 4.4 Instrução 4.5 Parecer do órgão sindical     4.6 Decisão 4.7 A Invalidade do despedimento 5. Conclusão 6. Bibliografia

1. Introdução

Em Direito do Trabalho, falar sobre o procedimento disciplinar implica fazer referência ao poder disciplinar do empregador, pois é no exercício deste que aquele se concretiza. 

A Lei do Trabalho, aprovada pela Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto, e doravante indicada por LT, manteve no seu essencial, quanto a esta matéria, o regime que provinha da anterior legislação laboral. Referimo-nos à Lei n.º 8/98, de 20 de Julho. O legislador continua a prever o poder disciplinar como um privilégio exclusivo do empregador e a conceber dois tipos de procedimentos. Um deles, mais simples, enunciado em termos genéricos, não sujeito a forma escrita e destinado às infracções disciplinares previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 63.º O outro, mais complexo, obrigatoriamente escrito, com fases expressamente definidas e enunciação dos direitos e deveres das partes para a generalidade das infracções.

No caso de despedimento com justa causa é onde se revela mais a necessidade de procedimento disciplinar.

É assim que com a presente apresentação cujo tema é O Procedimento Disciplinar de Despedimento objectiva-se descrever as várias etapas do processo disciplinar em atenção ao estatuído na LT.

Para uma melhor abordagem do trabalho, optou-se por uma análise descritiva das várias fases caracterizadoras do processo disciplinar, com esteio na legislação e na doutrina de interesse. Sempre que possível, apreciar-se-á o mesmo instituto à luz do preceituado no direito comparado.

Por uma questão de metodologia expositiva, o trabalho é apresentado de modo contínuo observando a enumeração correspondente.

Ao longo da exposição, sempre que não venha especialmente indicada a lei que serve de suporte a dado dispositivo, deve se entender que o mesmo refere-se à LT ora em vigor.  

2. Despedimento por facto imputável ao trabalhador (justa causa) 

Decorre do artigo 127.º, n.º 1 que as partes ligadas numa relação de trabalho podem fazê-lo cessar sempre que ocorrerem factos ou circunstâncias graves que impossibilitem moral ou materialmente a subsistência da relação material estabelecida.

Esse é o conceito genérico da justa causa.

Será que basta a ocorrência de qualquer ilícito para fundar a justa causa?

A Lei enumera no art. 66.º um conjunto de situações que constituem infracção disciplinar. Outras situações poderiam ser descritas e, todavia, não estão enumeradas, uma vez que as leis não podem prever todas as situações possíveis.

A justa causa envolve um comportamento culposo do trabalhador, isto é, o trabalhador é culpado da acção ou omissão que efectuou.

O comportamento tem que imediatamente impossibilitar a continuação do contrato de trabalho. Isto quer dizer que se a entidade patronal, depois de tomar conhecimento do facto que justifique o despedimento, permitir que o trabalhador continue a laborar na empresa, reconhece não ser o dito facto impeditivo da manutenção da relação de trabalho e não poderá despedir o trabalhador por justa causa relacionada com essa acção ou omissão.

Por fim, esse comportamento tem que ser grave por si mesmo e nas suas consequências.

É neste seguimento que o art. 67.º, n.º 1 prevê que o “comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequência, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, confere ao empregador o direito de fazer cessar o contrato de trabalho por despedimento.”

Repare-se que no geral a expressão “despedimento” é usada como modalidade de resolução, num sentido amplo que inclui várias figuras. Abrange a resolução do contrato por facto imputável ao trabalhador (art. 127.º, n.º 4), a alteração das circunstâncias (por ex. o despedimento colectivo, art. 127.º, n.º 4 al. d)), a resolução por impossibilidade (relativa) de realizar a prestação (art. 127.º, n.º 4, al. a)) e por detenção ou prisão do trabalhador (art. 124.º, n.º 4, al. c)), se tal facto prejudicar o funcionamento normal das actividades.

Para o que ao tema em apreço interessa, considere-se o estatuído no art. 127.º, n.º 4. al. c) referente, em especial, à justa causa, para o trabalhador por “violação culposa e grave dos deveres laborais…”.

Para se proceder a um despedimento com esta justificação é necessário a realização de um processo disciplinar dentro da empresa. Este processo disciplinar é regulado no decreto-lei acima referido e o não respeito por alguma das suas regras implica a nulidade do processo disciplinar e a impossibilidade de se proceder ao respectivo despedimento por justa causa.

3. Procedimento disciplinar – generalidades

À semelhança do que ocorria na antiga LT, o legislador no art. 62.º, n.º 1 prescreve o seguinte: "O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador que se encontre ao seu serviço, podendo aplicar-lhe as sanções disciplinares previstas no artigo seguinte". Deste dispositivo decorre que enquanto durar o contrato de trabalho, compete ao empregador exercer o poder disciplinar sobre os trabalhadores ao seu serviço. A cessação do vínculo afasta a possibilidade de exercício da acção disciplinar. 

O legislador optou por continuar a não dar uma definição do que seja o poder disciplinar, embora se possa dizer, como Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra, p. 225, que o mesmo se traduz no poder do empregador de aplicar medidas coactivas (sanções disciplinares) ao trabalhador, cuja conduta prejudique ou ponha em perigo a empresa ou não seja adequada à correcta efectivação dos deveres contratuais, e se lhe apontam as características de unilateralidade, discricionariedade e de ser essencialmente punitivo. 

A LT, que faz assentar a relação laboral no contrato de trabalho, revela uma estrutura inquisitória do processo disciplinar. A iniciativa, a investigação, a acusação e a decisão, são da competência do empregador ou do superior hierárquico do trabalhador nos termos por aquele estabelecidos (artigo 62.º, n.º 2). Através do processo disciplinar o empregador averiguará se os factos que podem consubstanciar infracção disciplinar ocorreram, o circunstancialismo que os rodeou, o grau de culpa do seu autor e procederá à aplicação da sanção. Trata-se, na verdade, de um enorme poder de um sujeito sobre outro, em particular se atentarmos que está em causa uma relação contratual de natureza privada.

É para mitigar esse desequilíbrio de forças e impedir a arbitrariedade do empregador, que se consagrou o princípio da proporcionalidade na aplicação de sanções, no sentido de que a sanção disciplinar deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais do que uma pela mesma infracção, fazendo-se, assim, apelo às noções de ilicitude, culpa e ao princípio do ne bis in idem (art. 64.º, n.ºs 2 e 3), e que o legislador continua a impor um conjunto de formalismos no domínio da aplicação de sanções disciplinares, bem como a existência de um procedimento.

As sanções disciplinares encontram-se previstas no art. 63.º, n.º 1 da LT.

Prescreve-se, por seu turno, no art. 65.º, n.º 3, que a sanção disciplinar (qualquer que ela seja) não pode ser aplicada sem a audiência prévia do trabalhador. A audiência prévia do trabalhador, ou seja a possibilidade de o mesmo exercer o seu direito de defesa, constitui a pedra angular de qualquer procedimento disciplinar, sendo mais exigentes essas formalidades quando se trate do despedimento, o que se compreende por se tratar da sanção disciplinar máxima e em face do art. 85.º, n.º 3 da Constituição da República (princípio da segurança no emprego e proibição dos despedimentos sem justa causa). 

Diz Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, pp. 329 e segs., que a audiência prévia do trabalhador, significa a concessão ao mesmo do direito de consultar o processo disciplinar, juntar documentos, apresentar testemunhas e requerer outras diligências probatórias em sua defesa. 

Para além da audição do trabalhador e da fase da instrução em que serão realizadas as diligências que o empregador entender efectuar para fundamentar as suas acusações, bem como as diligências requeridas pelo trabalhador, existe ainda a fase da decisão (art. 67.º, n.º 2, al. c)) em que o empregador analisará os elementos probatórios recolhidos e proferirá a decisão disciplinar.

O exercício da acção disciplinar, como a relevância da infracção disciplinar e a aplicação da sanção encontram-se dependentes da observância de prazos. 

A acção disciplinar deve exercer-se nos trinta dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infracção (art. 67.º, n.º 2, al. a)). Conforme Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Vol. I, op. cit., p. 269, trata-se de um prazo de caducidade, que se for ultrapassado implica a extinção do direito de acção disciplinar (a extinção de um direito potestativo pelo seu não exercício prolongado durante certo período de tempo). Apenas se poderá considerar que esse prazo começa a decorrer quando o empregador estiver na posse de elementos que lhe permitam aquilatar da autoria da infracção. Por seu lado, o procedimento inicia-se quando a entidade empregadora ou o órgão com competência disciplinar determina que se dê início ao procedimento disciplinar contra o infractor. 

A Lei permite, tratando-se de meros indícios ou suspeitas sobre os factos constitutivos da infracção ou sobre o seu autor, a fim de se apurar se existem dados suficientes que justifiquem a dedução do procedimento disciplinar, um processo de averiguações, o procedimento prévio de inquérito, que não deverá durar mais de noventa dias (art. 67.º, n.º 3). 

A infracção disciplinar prescreve ao fim de um seis meses a contar do momento em que teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime (art. 65.º, n.º 2). Por outra, se os factos imputados ao trabalhador integrarem um ilícito criminal, o prazo de prescrição da infracção disciplinar passa a ser o da prescrição prevista para o ilícito penal, sendo que esse alargamento não depende do efectivo exercício da acção penal, nem da prévia verificação de qualquer outra condição ou pressuposto, maxime do exercício do direito de queixa-crime, quando o exercício daquela esteja dependente desta.

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A nota de culpa, como a instauração do procedimento prévio de inquérito, interrompem os prazos referidos (art. 67.º, n.º 3, in fine).   

A aplicação da sanção só pode ter lugar nos noventa dias subsequentes à decisão (art. 65.º, n.º 5). Passados noventa dias a partir da decisão sem que sanção tenha sido executada deixa de o poder ser, por se verificar a prescrição da sanção disciplinar.

Sem prejuízo do direito que lhe assiste de impugnar judicialmente a decisão de aplicação da sanção, o trabalhador tem também o direito de reclamar para o escalão imediatamente superior na competência disciplinar àquele que lhe aplicou a sanção, de recorrer a mecanismos de composição de litígios previstos em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho ou na lei (art. 65.º, n.º 4). Deste modo, o trabalhador que queira ver reapreciada a decisão disciplinar que lhe aplicou a sanção disciplinar, pode fazê-lo junto do respectivo tribunal ou recorrer a meios de resolução de litígios previstos nos instrumentos de regulamentação colectiva ou na própria lei. O trabalhador poderá ainda, recorrer à mediação laboral, nos termos da Lei n.º 11/99, de 8 de Julho. O acordo obtido por esse meio não fica sujeito a qualquer controlo judicial e goza de força executiva. 

4. Procedimento disciplinar 

4.1 Nota de culpa

Nos casos em que se verifique algum comportamento susceptível de integrar o conceito de justa causa previsto no art. 127.º, n.ºs 1 e 4, al. b), o empregador comunica por escrito ao trabalhador a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados (artigo 67.º, n.º 2, al. a)).

A nota de culpa é a peça basilar do procedimento disciplinar, na medida que é por ela que se dá a conhecer ao trabalhador o conteúdo da acusação que contra si impende.

Decorre de Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Vol. I, op. cit., pp. 440-445, a definição da nota de culpa como o escrito no qual são vertidos pelo empregador os factos imputados ao  trabalhador,  consubstanciadores,  na  perspectiva  do  empregador,  de  uma  ou  várias infracções disciplinares. A descrição de tais factos deve ser circunstanciada. A nota de culpa deverá indicar as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, não respeitando a lei, a nota de culpa de conteúdo genérico, vago ou conclusivo. Com esta exigência visa-se que o trabalhador tome conhecimento do que lhe é imputado, de forma a poder defender-se adequadamente.

É por isso que, nos termos do art. 68.º, n.º 1, al. a), a falta da nota de culpa ou da descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador determina a invalidade e, consequentemente, a ilicitude do despedimento.

Na data da notificação da nota de culpa, o empregador, em observância do que vem estatuído no art. 67.º, n.º 2, al. a) deve igualmente remeter cópia ao órgão sindical existente na empresa.

Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode ainda suspender preventivamente o trabalhador, mantendo o pagamento da retribuição (art. 67.º, n.º 5). Único pressuposto para que opere esta suspensão é o de que a presença do trabalhador na empresa se mostre inconveniente.

Conforme se disse acima, uma nota de culpa indeterminada e obscura e, nessa medida, susceptível de prejudicar gravemente o direito de defesa do trabalhador, é inválida.

A questão que se coloca, desde logo, é a de saber o que acontece quando apenas parte dos factos imputados ao trabalhador não foram descritos de forma circunstanciada. Monteiro Fernandes tem entendido que, nos casos em que a aplicação da sanção disciplinar se tiver fundado em outros factos constantes da nota de culpa, que não dependem dos afectados, a referida omissão não determina uma invalidade total, mas tão-somente dos factos em relação aos quais se verificou a violação. A consequência do desrespeito será, pois, a de não serem atendidos aqueles factos que, embora fundamentem a decisão de despedimento, não hajam sido circunstanciadamente descritos.

De igual forma, tem sido defendido por Monteiro Fernandes que, ainda que a nota de culpa contenha factos que não obedecem à imposição de descrição circunstanciada, tal não significa a invalidade do procedimento, caso o trabalhador haja entendido suficientemente aquilo que lhe era imputado e não tiver sido prejudicado nas suas garantias de defesa. Logo, se o trabalhador tiver respondido à nota de culpa sem manifestar qualquer desconhecimento ou incompreensão daquilo que lhe é imputado, não se verifica a falta de fundamentação da nota de culpa, já que o trabalhador não foi impedido de exercer o contraditório. Por outras palavras, as deficiências da nota de culpa se tem por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação. Assim pode suceder que, apesar da nota de culpa não indicar claramente qual a ordem que o trabalhador é acusado de ter desrespeitado, este demonstre na sua defesa ter perfeita consciência do ato de desobediência que lhe é imputado. Prevalece pois o que Monteiro Fernandes designa por “critério de adequação funcional da nota de culpa”.

Não deverão em conformidade ser atendíveis na decisão que, a final, aplica o despedimento com justa causa, factos invocados pela entidade empregadora que não constassem da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuantes.

Decorrendo mais de trinta dias da data do conhecimento efectivo da infracção sem que a entidade empregadora comunique a nota de culpa ao trabalhador extingue-se o direito daquele de ainda proceder disciplinarmente contra o trabalhador. Trata-se de um prazo de caducidade (artigo 298.º, n.º 2).

4.2 Inquérito

Se, em regra, o processo disciplinar começa com a comunicação pelo empregador da nota de culpa ao trabalhador (art. 67.º, n.º 2, al. a) e n.º 4), há, porém, a possibilidade de o procedimento começar antes dessa comunicação, mais precisamente com o inquérito, previsto no n.º 3 do mesmo artigo.

O inquérito tem lugar, à luz dos dispositivos referidos, sempre que não se conheça o autor ou a infracção por ele cometida.

À semelhança do que acontece com a notificação da nota de culpa ao trabalhador, o início do inquérito prévio interrompe a contagem dos prazos previstos no artigo 65.º, n.º 2, ou seja, interrompe o prazo (em regra) de seis meses de que o empregador dispõe, desde a prática da infracção, para exercício do direito de exercer o poder disciplinar.

Uma questão que pode ser colocada é de apurar se o inquérito interrompe o prazo de trinta dias para o empregador acusar o trabalhador, conhecido o acto com relevância disciplinar por este praticado (artigo 67.º, n.º 2, al. a)).

Apreciando a doutrina que nos é similar, há um verdadeiro dissídio nesta matéria. Alguns autores têm, a este título, acentuado que o início do inquérito prévio interrompe o prazo conferido ao empregador para, desde o conhecimento da infracção, iniciar o procedimento disciplinar. Essa interrupção, porém, apenas terá lugar se, cumulativamente, (i) o inquérito for efectivamente necessário para fundamentar a nota de culpa, significando que o agente ou os factos, pelo menos em parte, sejam desconhecidos, (ii) que o procedimento seja conduzido de forma diligente em prazo não excedente a noventa dias e (iii)  que a nota de culpa seja notificada até trinta dias após a conclusão do inquérito. Vid., entre outros, Mendes e Almeida, Em Torno do Contrato de Trabalho, Petrony, p. 128.

Não parece ser uma posição de todo sustentável.

Sucede que o prazo de trinta dias fixado no dispositivo supra é um prazo peremptório – de caducidade (artigo 298.º, n.º 2 do C. Civil).

A caducidade, como figura do direito substantivo distinta da prescrição, consiste na extinção da vigência e eficácia dos efeitos de um acto, quando o direito não é exercido dentro de um determinado prazo fixado por lei (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, pp. 294-295).

O prazo de caducidade não se suspende sem se interrompe (artigo 328.º do C. Civil).

Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (artigo 311.º, n.º 1 do C. Civil).

Não se aplica pois a suspensão ou interrupção do prazo de propositura do procedimento disciplinar com fundamento no inquérito, se o empregador, tomando conhecimento de factos delituoso, ao invés de exarar uma nota de culpa preferir antes maior averiguação prévia dos mesmos para sustentar a acusação.

A caducidade aproveita, no caso, ao trabalhador (artigo 301.º do C. Civil ex vi do artigo 333.º, n.º 2 do C. Civil).

4.3 Defesa

De acordo com o disposto no artigo 67.º, n.º 2, al. b), o trabalhador pode, no prazo de quinze dias, após a notificação da nota de culpa, responder por escrito bem assim juntar documentos e requerer que sejam efectuadas diligências probatórias. 

Diz Pedro de Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, Coimbra, pp. 134 e segs., que o exercício da defesa é um verdadeiro direito, e não dever ou ónus. A Lei não cria um qualquer quadro de consequências desfavoráveis ou de preclusões de defesa relativamente ao trabalhador objecto de procedimento disciplinar de despedimento, nada obstando a que, mesmo não tendo respondido à nota de culpa, o trabalhador impugne via judicial o despedimento ou que na acção judicial invoque factos ou indique meios de prova que não tenha referido em sede do procedimento disciplinar. Da ausência de resposta não pode, inclusive, extrair-se um qualquer efeito cominatório, já que sobre o trabalhador não impende um ónus de impugnação. O processo disciplinar tem, pois, natureza extrajudicial e não preclusiva.      

Constitui nulidade insuprível do processo disciplinar não ser conferido ao trabalhador a possibilidade de exercício do contraditório (art. 68.º, n.º 4).

4.4 Instrução

Na fase da instrução, o trabalhador deverá juntar todos os meios de prova que atestam a sua não culpa ou o isentam. Assiste ao trabalhador o direito de assegurar a comparência das testemunhas por si indicadas e de outros meios de prova em direito permitidas.

Em regra, realiza-se na instrução a audição do participante, audição de testemunhas indicadas ou não pelo participante em número ilimitado, audição do arguido a seu pedido, ou por iniciativa do instrutor, realização de diligências a pedido do arguido, realização de acareações, audição de representantes da associação sindical a que o arguido pertença, a seu pedido, e outras diligências.

A preterição pelo empregador das diligências da instrução entende-se que coarcta o direito de defesa do trabalhador e em conformidade torna inválido o processo disciplinar (artigo 68.º, n.º 1, al. b)).

4.5 Parecer do órgão sindical

Após a conclusão das diligências probatórias ou, caso estas não tenham lugar, após recepção da nota de culpa, o empregador deve apresentar cópia integral do processo ao sindicato da empresa para que faça juntar ao processo parecer fundamentado, no prazo de cinco dias úteis, conforme resulta do art. 67.º, n.º 2, al. b), in fine.

Na perspectiva do trabalhador, a importância deste trâmite, segundo Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Vol. I, op. cit., pp. 448-449, reside sobretudo na possibilidade que, através dele pode ficar aberta, se o parecer for desfavorável a aplicação da sanção, de impedir ou, ao menos, protelar a eficácia do despedimento.

A preterição desta formalidade torna inválido o processo disciplinar (art. 68.º, n.º 1, al. a)).

4.6 Decisão

Recebido o parecer do órgão sindical o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento. Não o fazendo, caduca o direito a aplicar a sanção (art. 298.º, n.º 2 do C. Civil).

Para Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Vol. I, op. cit., pp. 448-449, a decisão só se torna eficaz mediante comunicação escrita ao trabalhador, com indicação dos fundamentos, ou seja, dos elementos tidos como suficientes para preencher a justa causa. O despedimento é, desta maneira, um negócio jurídico integrado por uma declaração receptícia, isto é, cuja eficácia depende da recepção pelo destinatário (art. 224.º, n.º 1 do C. Civil).

A decisão deve ser fundamentada e proporcional à gravidade do dano provocado pelo trabalhador.

É o art. 64.º, n.º 5 que estatui o princípio da gravidade da infracção disciplinar em atenção ao grau de culpa, ilicitude, comprometimento da actividade adstrita ao trabalhador, provocação de danos à empresa e à economia nacional e em última análise ponha em causa a subsistência da relação jurídico-laboral. No mesmo lamiré, atende-se a violação grave e culposa dos deveres laborais pelo trabalhador (art. 127.º, n.º 4, al. b)).

Na decisão deverão ser pesadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador – no que há-de ser tido em conta o princípio da proporcionalidade enunciado acima e o parecer do órgão sindical da empresa. É através da motivação do despedimento que o trabalhador poderá aferir a justeza ou não da medida. No mesmo sentido, não concordando com o binómio fundamentos-decisão, o trabalhador poderá recorrer ao tribunal para reavaliação da medida disciplinar aplicada.

A não fundamentação da medida de despedimento dá lugar à invalidade do processo disciplinar (art. 68.º, n.º 1, al. a)).

4.7 A Invalidade do despedimento

Nos termos do art. 68.º, o efeito jurídico da falta de justa causa (quer por inexistência de infracção, ou pela insuficiência desta para justificar a desvinculação) ou da nulidade do processo (por inobservância das formalidades legais) consiste na invalidade do despedimento.

Os efeitos desta invalidade são os seguintes:

- o direito do trabalhador de ser pago pelas remunerações vencidas desde a data de despedimento até um máximo de seis meses, sem prejuízo da sua antiguidade (art. 69.º, n.º 3);

- direito do trabalhador a escolher entre a sua reintegração na empresa e uma indemnização de antiguidade, calculada nos termos do art. 128.º, n.º 2 (art. 69.º, n.º 5).

Uma segunda nota a propósito dos vícios procedimentais para dizer que nem toda invalidade do procedimento disciplinar é insuprível. Na verdade, o legislador veio consagrar como vício insuprível somente a impossibilidade de defesa do trabalhador arguido, por não lhe ter sido dado conhecimento da nota de culpa (art. 68.º, n.º 4).

5. Conclusão

O trabalho apresentado consistiu num estudo dos procedimentos formais a observar em caso de despedimento por infracção disciplinar à luz do ordenamento jurídico moçambicano abrangendo, de modo geral, as etapas, as formas e os elementos conexos.

A matéria de cessação do contrato de trabalho é das mais prementes existentes no domínio da jurisdição de trabalho.

Justifica esta asserção o facto de o contrato de trabalho trazer para o trabalhador a definição do seu estatuto profissional e sócio-económico a que a cessação trará inevitavelmente a sua redefinição.

Não se pode perder de vista que o Direito do Trabalho é social e visa corresponder a preocupações que muito ultrapassam a mera garantia da igualdade formal própria do direito civil. Na realidade, esta área de direito procura surpreender as diferenças que existem entre as partes e consagrar soluções susceptíveis de assegurar efectiva e verdadeira justiça material. É, aliás, essa a sua razão de ser: regular uma relação jurídica muito peculiar, em que, apesar de ambas as partes serem formalmente iguais, na realidade uma está subordinada à outra, que detém inusitados poderes de direcção e disciplinares, e, por seu turno, enfrenta limitações destinadas a reequilibrar, na medida do possível, a relação.

De todas as formas de cessação, pela violência que lhe é conexa, designadamente pela quebra de confiança na manutenção do vínculo laboral justificado pelo comportamento grave e culposo do trabalho está o despedimento por infracção disciplinar.

Esta modalidade de despedimento de iniciativa do empregador encontra arrimo na justa causa.

Não basta porém a justa para despedir. O empregador deve seguir um determinado ritual prescrito na lei, sob pena de, ainda que tenha razão quanto ao conteúdo para despedir, ver ser arredada essa razão. A entidade patronal não quererá que um trabalhador que tenha traído a relação de trabalho, ao ponto de se justificar o seu despedimento com justa causa, continue ao serviço da empresa por lapsos no procedimento disciplinar. Mas esta será a consequência de qualquer lapso ocorrido durante o processo disciplinar.

A LT posicionando-se neste particular do lado do trabalhador obriga o empregador a reunir requisitos substantivos (justa causa) com requisitos formais (processo disciplinar) para que seja lícito o despedimento.

6. Bibliografia:

FERNANDES, Monteiro, Direito do Trabalho, Vol. I, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 1987.

LIMA, Pires et al., Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Coimbra, 1987.

MACEDO, Pedro de Sousa, Poder Disciplinar Patronal, Almedina, Coimbra, 1990.

MENDES E ALMEIDA, Em Torno do Contrato de Trabalho, Petrony, Lisboa, 2009.

XAVIER, Lobo, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, Lisboa, 1992.

Sobre o autor
Carlos Pedro Mondlane

Juiz de Direito e docente universitário. Presidente do Tribunal de Polìcia da Cidade de Maputo. Presidente da União Internacional dos Juízes da CPLP. Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Pós Doutorando em Direitos Humanos, Saúde e Justiça pela Universidade de Coimbra. Doutorado em Direito Privado pela Universidade Católica de Moçambique e Universidade Nova de Lisboa. Mestrado em Direito pela Universidade Católica de Moçambique. Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane. Prelector e autor de livros e artigos jurídicos publicados em revistas de especialidade. Autor, entre outros, de:- Comentário da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Coord. Pinto de Albuquerque), Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, Anotada e Comentada- Código de Processo Civil, Anotado e Comentado- Colectânea dos 15 Anos da Lei de Terras: Venda de Terra em Moçambique: Mito ou Realidade?- Manual Prático dos Direitos Humanos - Constituição de Moçambique Anotada (no prelo)

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