I. Introdução
O Direito Penal é a relação que os indivíduos e as sociedades traçam com o controle de sua segurança, sanções que, de modo geral, evoluem em conjunto com a história.
Inicialmente as relações eram baseadas na vingança privada entre os sujeitos que, para além de se vingarem, praticavam atos de violência também contra outras pessoas que participassem do mesmo grupo social do agressor. Isso mantinha as sociedades humanas organizadas em espécies de tribos, núcleos (clãs), e aglomerados semelhantes, pois a convivência pacífica não era uma constante a as vinganças recorrentes.
Com o aumento da organização desses grupos, começaram a surgir códigos, leis, éditos, etc., para tentar diminuir os índices de vingança e controlar o poder de punição entre as pessoas e seus grupos sociais.
A partir da evolução histórica e no desencadear científico a partir do racionalismo moderno, surgem várias teorias e escolas para se buscar entender a área penal. No presente trabalho, a escola a que nos apreenderemos será a Moderna Alemã, também conhecida por Escola Sociológica Alemã ou Escola de Política Criminal.
A Escola Moderna Alemã foi liderada pelo jurista Von Liszt (1851-1919) que, com a contribuição decisiva do belga Adolphe Prins e do holandês Von Hammel, criaram a União Internacional de Direito Penal que perdurou até a Primeira Guerra Mundial.
O ilustre vienense participou de um movimento formado por correntes ecléticas, que procuraram conciliar os princípios da Escola Clássica e o tecnicismo jurídico com a positiva, semelhante ao positivismo crítico da terceira escola italiana. Liszt, influenciado por grandes mestres como Adolf Merkel e Rudolf von Ihering, inclusive quanto à ideia de fim do Direito, conceito que motivou a orientação que Liszt adotou em sua vida jurídica-científica.
Segundo BITENCOURT (2011), Von Liszt encarregou-se, digamos assim, da segunda versão do positivismo jurídico, dividindo a utilização de um método descritivo/classificatório que excluía o filosófico e os juízos de valor, mas se diferenciava ao apresentar ligações à consideração da realidade empírica não jurídica: o positivismo de Von Liszt foi um positivismo jurídico com matizes naturalísticas.
II. Contribuições da Escola Moderna Alemã
Von Liszt em 1882 ofereceu à comunidade jurídica seu constructo “Programa de Marburgo – A ideia do fim no Direito Penal”, traçando um marco na modernização do Direito Penal com contribuições importantíssimas às pesquisas do Direito Penal Positivo e profundas mudanças no entendimento das políticas criminais.
Como grande dogmático que se revelou, sistematizou o Direito Penal, dando-lhe uma complexa e completa estrutura, admitindo a fusão com outras disciplinas, como a criminologia e a política criminal. Por isso é possível afirmar que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt. Com efeito, Von Liszt enfatizou a já antiga ideia, originária do positivismo, “de fim no Direito Penal”, no seu Programa de Marburgo, oferecendo-lhe novo e forte conteúdo político dogmático (BITENCOURT, 2011).
Para Liszt, a orientação que o Direito Penal deveria assumir era segundo o fim, o objetivo a que o mesmo se destina. Beirando o utilitarismo, a escola alemã disse que o Direito Penal deve possuir um efeito útil “[...] que seja capaz de ser registrado e captado pela estatística criminal” (BITENCOURT, 2011). A pena justa é a pena necessária. Basicamente esse era o conceito chave desse aspecto da escola alemã.
O ponto de partida foi a neutralidade entre livre-arbítrio e determinismo, com a proposta de imposição da pena, com caráter intimidativo, para os delinquentes normais e de medida de segurança, para os perigosos (anormais e reincidentes), sendo esta última com o objetivo de assegurar a ordem social, com fim único de justiça.
Segundo BITENCOURT (2011),
Inicialmente, Von Liszt não admitia o livre-arbítrio, que substituía pela normalidade que deveria conduzir o indivíduo, e deixou em segundo plano a finalidade retributiva da pena, priorizando a prevenção especial.
A escola alemã liderada por Von Liszt incluiu em sua concepção de Ciências Penais a Criminologia (que se atenta a explicação das causas do delito) e a Penologia (neologismo criado para separar o estudo das causas e dos efeitos das penas). Também em seu programa, Listz defendeu a prevenção especial, ganhando repercussão internacional quanto a isso.
Com a inserção de novas ideias, não só pela escola alemã, como por outras escolas, a moderna escola liderada por Von Liszt vai de encontro à escola clássica que na Alemanha era representada por Karl Binding (1841-1920), que fundamentava suas ideias em Kant e Hegel. Seguiram nessa peleja Radbruch e Ebherardt Schimidt, que eram opositores da escola clássica. E posteriormente a influência liberal de Liszt foi retomada por penalistas neokantianos marbuguianos “[...] como Stammler e Graf Zu Dohna, da filosofia cultural do sudoeste da Alemanha, como Radbruch, M. E. Mayer e Erik Wolf, ou da filosofia dos valores, como Sauer.” Contudo essa vontade de impor suas ideias a outras vertentes e buscar o máximo de adeptos às ideias que cada escola propunha perde força no século que se segue, sendo essa batalha teórica lembrada mais pelo seu valor histórico e suas contribuições na tentativa de delinear qual o corte metodológico que os estudos do Direito Penal deveria adotar, quais os seus métodos de pesquisa e que resultados se deveria obter com suas pesquisas.
A Escola Alemã teve como finalidade principal a adoção de medidas e providências de ordem prática no interesse da repressão e prevenção do delito, o que conseguiu, introduzindo diversos institutos nas legislações.
III. Características da Escola Moderna Alemã
Segundo BITENCOURT (2011), é possível traçar as principais características da vertente:
a) Adoção do método lógico-abstrato (Direito Penal) e indutivo-experimental (demais ciências criminais): essa característica diz respeito à necessidade de delimitar o objeto de estudo do Direito Penal, realizando um corte metodológico que exclui áreas como a Criminologia, Sociologia, etc.;
b) Distinção entre imputáveis e inimputáveis: ele não fundamenta essa diferença no livre arbítrio, mas sim na “normalidade de determinação do indivíduo”. Para os imputáveis a sanção é a pena, e para os outros, uma medida de segurança, o que caracteriza a feição duplo-binária de sua teoria;
c) O crime é um fenômeno humano-social e fato jurídico: mesmo que se considere o crime como um fato jurídico, a escola não elimina a ideia que simultaneamente também é um fenômeno social e humano, o que constitui sua realidade;
d) Função finalística da pena: em detrimento de uma pena retributiva com a escola clássica, a escola moderna alemã a substitui dizendo que a pena deve ajustar-se à própria natureza daquele sujeito que declina as normas penais. Ainda que não tenham excluído totalmente o caráter retributivo da pena, os alemães priorizam “[...] a finalidade preventiva, particularmente a prevenção especial”;
e) Eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração: a escola sugere penas alternativas a esse tipo de sanção. Desenvolve assim, verdadeiramente, uma política criminal liberal.
IV. Considerações finais
Em um contexto de surgimento de várias escolas jurídicas, cada uma com sua contribuição à construção do Direito Penal hoje vivenciado pelos sujeitos, a escola moderna alemã contribuiu através da liderança de Von Liszt definindo métodos para o entendimento do Direito Penal (método lógico-abstrato); distinguindo imputáveis (sanção é a pena) e inimputáveis (sanção é uma medida de segurança); delineando o crime como não só um fato jurídico como também um fenômeno humano-social; principalmente contribuiu inserindo a ideia de fim a que a pena deva servir, em que não só o caráter retributivo deve ser levado em consideração, mas a pena deve se adequar a natureza do crime cometido pelo sujeito delinquente; e finalmente buscou a eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração, traçando o caráter liberal da escola alemã, transferido para as gerações futuras.
V. Referências bibliográficas
BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal, Parte geral I. São Paulo: Saraiva, 2011.