A onda brasileira

23/02/2016 às 22:55
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O texto parte da experiência pessoal do autor com o filme Die Welle (A onda), que trata do tabu alemão acerca de sua história com o nazismo e os sistemas políticos autocráticos. Pode-se observar que a experiência narrada no clássico sobre uma oficina escolar do tema Autocracia é bem palpável no atual cenário político brasileiro.

O filme alemão “A Onda” retrata uma experiência social realizada em 1967 pelo professor Ron Jones em uma escola de ensino médio na Califórnia. Na película, o professor Rainer é designado para realizar um projeto com seus alunos sobre Autocracia. Ele inicia a semana perguntando se é possível surgir uma nova autocracia na Alemanha. O objetivo do professor, inicialmente, é trazer a disciplina às salas de aula, obediência, ordem, enfim, vários aspectos presentes em um regime autocrático. No entanto, a experiência foge do seu controle e tem que ser encerrada imediatamente.

Com a mesma indagação do filme, repito a pergunta para o leitor: será possível uma nova ditadura no Brasil? É uma pergunta severa que pode gerar várias respostas. Eu acredito que seja possível, e pior do que as ditaduras anteriores que já enfrentamos. O Brasil, historicamente, vive uma democracia jovem. Eu diria até que só estamos convivendo com ela depois de 1988. Os brasileiros ainda não aprenderam a conviver democraticamente uns com os outros.

Estamos passando por um momento histórico conturbado. Mas não porque passamos por uma "crise" preconizada nos noticiários brasileiros, mas porque ideias outrora infecundas, começam a ter cada vez mais adeptos. A intolerância cresce a cada dia, de forma silenciosa, sorrateira, nos vazios de poder, nas escolas abandonadas de conhecimento, e pelas ruas do Brasil não se fala de outra coisa a não ser de ódio.

O discurso de ódio tem tomado bastante espaço no tempo dos brasileiros. Vide a qualidade e quantidade de noticiários que transmitem praticamente violência comentada várias horas por dia. Em outros momentos, figuras religiosas pregando intolerância e ódio, até incongruentes com a própria religião. Nas esquinas, ouve-se que um "bandido tem que morrer", "se fosse, eu matava", "tem que ficar preso para sempre".

Então, é possível, sim, voltarmos a uma nova Ditadura, e muito pior que a última. Nossas escolas já têm em sua personalidade a disciplina, adestramento, hierarquia, panóptico etc. As empresas, autarquias, polícias, órgãos públicos estão balizados sobre os pilares da hierarquia e disciplina. Líderes carismáticos e sem conteúdo, cada vez mais, são eleitos para o Congresso Nacional. Defensores de ideias fascistas percorrem os gabinetes do legislativo, executivo e judiciário brasileiros. Minorias são exterminadas indiscriminadamente e ninguém se importa, a possibilidade é real.

O sentimento pela ditadura ainda está latente, e a apatia dos opositores, gritante. Se não for combatido por aqueles que são contrários, ele tomará força e poderão ocorrer mais tragédias no cenário brasileiro. O povo brasileiro explorado desde a colônia parece não querer abandonar seu passado. Temos que assumir uma nova identidade. Precisamos de uma nova cultura, de um novo paradigma, de uma nova educação. Não precisamos somente de novas leis, ou políticos honestos. Precisamos abandonar uma cultura enraizada no retrocesso e conservadorismo para, assim, decidirmos por nós mesmos nosso futuro. 

Não existe solução para uma sociedade doente. Somente uma revolução cultural para mudar nosso futuro. Mais tolerância, amor, cultura, educação, discernimento, igualdade social, participação política e convivência coletiva, levando em consideração as características pessoais de cada sujeito. Há muito a ser mudado e poucos com vontade de mudar. 

A esperança é a última que morre!

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Sobre o autor
André Porto

Bacharel em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Servidor Público do Estado do Espírito Santo.

Informações sobre o texto

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