A súmula vinculante e o princípio da celeridade processual:análise da aplicação

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24/02/2016 às 00:33
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6- POSIÇÕES CONTRÁRIAS À ADOÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Há mutas discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da Súmula Vinculante.

Enquanto, para alguns, trata-se de poderoso mecanismo de celeridade processual, para outros é instrumento inconstitucional, que se contrapõe à liberdade de convicção e julgamento dos órgãos jurisdicionais.

Nesse direcionamento, eis alguns posicionamentos mencionados por Marcelo Pereira Faria:

6.1-Violação ao princípio da separação de poderes

Segundo os defensores de tal posicionamento, as súmulas aprovadas nos moldes do que prevê a sistemática da Lei n. 11.417 /2006 e da CF seriam uma espécie de "superlei", uma norma geral e abstrata, o que, por si só, configuraria afronta e usurpação da função típica de legislar, inerente ao Poder Legislativo. Isso seria, para os combatentes da súmula, verdadeira superposição de poderes, na qual o STF se colocaria em posição superior em relação do Poder Legislativo, cujo exercício é atribuído ao Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

6.2-Violação ao princípio do juiz natural

Para os que assim pensam, o magistrado, quando do exercício de sua função jurisdicional, deve ater-se somente ao que está previsto em lei (espécies normativas previstas no artigo 59 da CF) e à sua consciência jurídica, a qual brota de sua atividade exegética.

Desta feita, arrepiam-se pelo fato de as súmulas vinculantes, tais quais previstas pelo legislador constituinte derivado reformador, imporem, com certa força e impositividade que lhes são próprias, o caráter de obrigatoriedade sobre as decisões dos juízos inferiores. Entendem que o instituto fere de morte os supra mencionados princípios.

6.3- Engessamento da jurisprudência

Argumentam, ainda, os opositores da súmula vinculante que ao se acatar o instituto ter-se-ia um verdadeiro atrofiamento, engessamento, fossilização, cauterização do livre convencimento judicial dos magistrados de primeiro grau, ou seja, dos que atuam nas instâncias inferiores.

Ademais, alegam que os magistrados estão em melhores condições de decidir conforme as peculiaridades do caso concreto e entregar, de forma mais equilibrada, necessária e justa, a tutela jurisdicional, sem as amarras de determinado enunciado contido em súmula que não tenha sido por eles criado. 12


7- POSIÇÕES FAVORÁVEIS À ADOÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE

Em relação aos argumentos favoráveis à adoção da Súmula Vinculante, anota Marcelo Faria Pereira:

7.1- Combate à morosidade do Poder Judiciário

Nesse sentido, os que advogam em favor da súmula vinculante acreditam que a sua adoção pelo nosso ordenamento jurídico tornará possível, em breve espaço de tempo, a diminuição dessa carga excessiva de processos levados às instâncias superiores, sendo que os mesmos são, em sua grande maioria, processos que tratam de temas idênticos, substancialmente. Com isso, ter-se-ia uma redução drástica do número de recursos interpostos com intuitos meramente protelatórios.

7.2- Respeito ao princípio constitucional da segurança jurídica

Com a vinculação dos Juízos inferiores, quando do exercício de sua função jurisdicional, em obediência aos comandos exarados nos enunciados das súmulas (desde que feitas as considerações já abordadas anteriormente, isto é, que o magistrado exerça uma juízo de adequabilidade e interpretação do caso em concreto ao enunciado constante da súmula), deixará de existir decisões em conflito sobre um mesmo tema e, por conseguinte, maior segurança nas relações jurídicas postas sob decisão.13

Cabe ilustrar o texto com o posicionamento de André Ramos Tavares:

Há riscos, é claro. Mas igualmente não há como deixar de assumí-los, na busca de um sistema que se baseie menos na sorte (loteria de pensamentos jurídico-judiciais divergentes em relação a temas largamente debatidos) e mais na previsibilidade, própria da finalidade que se atribui ao e que justifica o Direito. (TAVARES, 2009, p.112).


8- DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE

Caso ocorra o descumprimento de súmula caberá Reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Esse remédio também é utilizado quando ocorre a sua aplicação indevida.

Sua aplicação encontra-se disciplinada no artigo 7°, parágrafos primeiro e segundo da lei 11.417/2006 e parágrafo terceiro do artigo 103-A da Constituição Federal, abaixo transcritos:

Art. 7º Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.

§ 1º Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.

§ 2º Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso

Aqui, cabe citar ensinamento de Gilberto Shafer, in verbis:

Há duas hipóteses de cabimento da Reclamação: a) para o ato administrativo e consequentemente para a vinculação do administrador; b)a dos órgãos judiciais e a vinculação dos (demais) órgãos judiciários. A verificação, em última instância, da obediência e da correta aplicação da Súmula (por contrariedade ou por ser indevida) será realizada pelo STF. Procedente a Reclamação – ou seja, constatada a contrariedade ou uso indevido-, o referido Tribunal “cassará”a decisão reclamada, isto é, retirará a eficácia de tal decisão, deixa-la-á sem efeito. É consequência da cassação e da anulação a simples retirada da eficácia da decisão e o comando de que nova decisão seja proferida. Cassar e anular são aqui termos que abrigam sinonímia, porque ambos significam retirar os efeitos ou invalidar. (SCHÄFER, 2012, p.161).

Se houver procedência da Reclamação, o ato administrativo será anulado e a decisão judicial será cassada, determinando-se que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso. (LENZA, 2013, p.875).

Quando a Reclamação tiver por origem a violação de enunciado de súmulas vinculantes pelo administrador público, dar-se ciência à autoridade prolatora para que sejam adequadas as futuras decisões administrativas, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal. A respeito, a lição de Pedro Lenza:

O objetivo é muito claro, qual seja, como diagnosticado, diminuir a presença da Fazenda Pública como parte em processos jurisdicionais idênticos cuja tese jurídica já tenha sido decidida pelo STF, com efeito vinculante. (LENZA, 2013, p. 876).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avalanche de processos levados à apreciação do Poder Judiciário tem impossibilitado a prestação jurisdicional célere. Observa-se que após a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde foi consagrado o princípio do acesso à justiça, houve um aumento das demandas.

Visando o abrandamento desse quadro, as recentes reformas na legislação processual brasileira procuram combater a morosidade da justiça e, nesse cenário, a súmula vinculante tem despontado como instrumento eficaz.

O intento na edição de uma súmula vinculante é acabar com ações e recursos repetitivos que congestionam a justiça, especialmente a corte máxima do país, o Supremo Tribunal Federal. É feita de forma excepcional, visando uniformizar decisões sobre controvérsias repetitivas levadas à apreciação do Poder Judiciário, sendo observados os requisitos procedimentais e materiais, trazendo segurança para decisões com temáticas idênticas.

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A sua utilização consagra o princípio da celeridade processual estampado no texto constitucional vigente, observando-se que todo o rigor na sua elaboração e edição, a restrição quanto à aplicabilidade apenas em matéria constitucional não se coaduna com o posicionamento daqueles que a interpretam como forma de engessamento do Poder Judiciário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CINTRA, A.C.A; GRINOVER, A.P.; DINAMARCO, C.R., Teoria Geral do Processo, 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

FARIA, Marcelo Pereira. Súmula Vinculante: argumentos contrários e favoráveis ao instituto.Disponível em <http://www.lfg.com.br > Acesso em 29 maio 2015.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FAZOLI, Carlos Eduardo de Freitas. Princípios Jurídicos. Revista UNIARA, n.20, p. 13-29, 2007

FIORENZA, Fábio Henrique Rodrigues de Moraes. Aspectos básicos da súmula vinculante.Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2622, 5 set 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17332/aspectos-basicos-da-sumula-vinculante>. Acesso em 29 fev 2015.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 17 ed. São Paulo: Saraiva 2013.

ROCHA, Eduardo Braga, Em prol da celeridade processual: súmula vinculante. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leituraartigo_id=10577> acesso em fev.2015.

SCHAFER, Gilberto. Súmulas Vinculantes: Análise crítica da experiência do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: livraria do advogado editora, 2012.

SORMANI; A.; SANTANDER, N.L. Súmula Vinculante: um estudo à luz da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011.

TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula Vinculante: Estudos e Comentários à Lei 11.417/2006, de 19.12.2006, 3.ed. São Paulo: Método, 2009.

https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=66830 site do stf discurso de ellen gracie ACESSO 02 DE MAIO DE 2015.


LEGISLAÇÃO CONSULTADA

BRASIL. Minicódigo Saraiva: penal, constituição federal e legislação complementar. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luia Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti- 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Mini Código Saraiva Penal, Constituição Federal e legislação complementar. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.


Notas

1 Constituição da República Federativa do Brasil, Disponível em <http://www.planalto.gov.br> Acesso em 29/02/2015.

2 FARIA, Marcelo Pereira, Súmula Vinculante: argumentos contrários favoráveis ao instituto. Disponível em http://www.lfg.com.br, 15 maio 2015

3 - Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 - Vide Lei nº 11.417, de 2006

4 - Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004

5 - Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004

6 - Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004- BRASIL. Minicódigo Saraiva: penal, constituição federal e legislação complementar. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luia Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti- 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, Constituição (1988). Constitutição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Mini Código Saraiva Penal, Constituição Federal e legislação complementar. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 80.

7 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004

8 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004

9 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004

10 BRASIL. Minicódigo Saraiva: penal, constituição federal e legislação complementar. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luia Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti- 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, Constituição (1988). Constitutição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Mini Código Saraiva Penal, Constituição Federal e legislação complementar. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 80).

11 BRASIL. Minicódigo Saraiva: penal, constituição federal e legislação complementar. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luia Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti- 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, Constituição (1988). Constitutição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Mini Código Saraiva Penal, Constituição Federal e legislação complementar. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 24).

12 FARIA, Marcelo Pereira. Súmula Vinculante: argumentos contrários e favoráveis ao instituto. Disponível em <http://www.lfg.com.br > Acesso em 09 maio 2015.

13 FARIA, Marcelo Pereira. Súmula Vinculante: argumentos contrários e favoráveis ao instituto.Disponível em <http://www.lfg.com.br > Acesso em 09 maio 2015.

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Sobre a autora
Ivanete Francisco dos Santos

Sou funcionária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, lotada na Segunda Vara Cível de Ibitinga-SP. Bacharel em Direito pela Universidade de Araraquara (UNIARA), turma 2017. Sou formada em Jornalismo pela Unesp- Bauru, turma de 1991.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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