Prescrição como limitação objetiva de estabilização temporal.

Implicações pragmáticas do julgado do REsp 1.120.295/SP processado em sede de Recurso Repetitivo

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Demonstrar a natureza jurídica e o regime tributário da norma de prescrição, objetivando analisar suas proposições normativas, a fim de determinar sua materialidade, de forma a verificarmos as implicações do julgamento do Resp 1.120.295/SP.

  1. DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL

Quando afirmamos que o direito é o conjunto de normas jurídicas válidas em determinado país, estamos afirmando que as normas jurídicas são elementos estruturais do direito, sendo assim, para compreendermos seu conteúdo, faz-se necessária compreensão de seu elemento, as normas jurídicas, e pra tal carecemos de uma teoria a fim de se firmar o corte metodológico para definir sua estrutura.

Segundo a teoria das classes o intérprete utiliza os recursos da classificação para reordenar sua realidade de acordo com sua necessidade, utilizando-se das semelhanças entre os objetos para separá-los em classes, para o estudo das normas jurídicas, quando o legislador estabelece fatos e condutas pertencentes ao sistema jurídico não está fazendo nada mais do que dividir fatos jurídicos e fatos não jurídicos, ou seja, condutas prescritas pelo direito e condutas não prescritas pelo direito, estabelecendo assim os fatos e condutas que produzem relevância jurídica como o campo de sua realidade.

Neste sentido, o ato de classificar é uma operação lógica realizada pelo homem, separando os objetos em classes de acordo com as semelhanças entre eles existentes. Nas palavras do Professor Paulo de Barros Carvalho “Classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente determinadas com relação às demais classes.”[1]

O que define se um elemento pertence ou não a uma classe é a sua relação de pertinencialidade com a mesma, ou seja, se enquadrar ou não ao critério eleito pelo cientista para identificá-lo. Nesse procedimento, como ensina RICARDO GUIBOURG “agrupamos os objetos individuais em conjunto ou classes e estabelecemos que um objeto pertencerá ou não a uma classe determinada quando reúna tais ou quais condições”.[2]

A definição se perfará de forma conotativa quando verificar a atribuição dos critérios de uso da palavra; por exemplo, mamífero é a palavra de classe que alberga todos os elementos que têm a característica de possuir glândula mamária. De outro lado, a definição será denotativa quando especificar todos os objetos do mundo que se subsumam a essa palavra, por exemplo, as palavras vaca, baleia e homem são denotações da palavra mamífero.

Já a classe é o conjunto de indivíduos que preenchem alguns requisitos de admissão e que fazem com que entre eles haja identidade em determinado aspecto. É uma entidade linguística, que aglutina um conjunto de objetos, em razão de reunirem tais ou quais características definitórias. E, por sua vez, todas as classes podem ser em outras classes, donde leciona PAULO DE BARROS CARVALHO:

“Toda classe é suscetível de ser divida em outras classes. É princípio fundamental em Lógica que a faculdade de estabelecer classes é ilimitada enquanto existir uma diferença, pequena que seja, para ensejar a distinção. O número de classes possíveis é, por conseguinte, infinito; e existem, de fato, tantas classes quantos nomes, gerais e próprios. Porém, se examinarmos, uma a uma, as classes dos elementos químicos ou dos planetas, e se considerarmos em que particularidades os indivíduos de uma classe diferem dos que a ela não pertencem, encontraremos sob esse aspecto um diferença bastante nítida entre duas classes distintas.

Por outro lado, o expediente classificatório pode dar sentido artificial a uma palavra em decorrência da necessidade técnica de uma ciência particular. Isto porque cada gênero difere dos outros, não necessariamente por um só atributo, senão por número indefinido de atributos.” [3]

A afirmação no sentido de não haver classificações certas ou erradas, mas sim úteis ou inúteis não se aplica às classificações jurídicas, tendo em vista que estas, conforme orientação de EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, têm em si finalidades eminentemente prescritivas. Ensina esse autor que existem dois níveis de classificações jurídicas:

a) aquelas construídas no Direito Positivo e b) as descritas na Ciência do Direito. As classificações no direito positivo têm cunho nitidamente prescritivo e o fim precípuo de outorgar regimes jurídicos e definir situações jurídicas específicas aos produtos dessa classificação. De outra parte, as classificações da Ciência do Direito caracterizam-se por se apresentar em linguagem descritiva e, justamente, têm por objeto descrever as proposições prescritivas do direito positivo. [4]

Logo, a classificação proposta pelo cientista do direito deve ser fiel aos comandos do direito positivo, sob pena das proposições exaradas incorrerem no valor de falsidade. Já a utilidade não pode ser considerada critério jurídico para fins classificatórios, posto estar a descrição do objeto adstrita aos limites impostos pela verificação de suas características presentes no Direito Positivo.

Quanto ao critério classificador, as classificações podem ser dividas em intrínsecas, quando o critério que informa a classificação compõe a definição do objeto classificado, e extrínsecas, quando o critério diferenciador for externo à coisa classificada.

Referida divisão das espécies de classificação nos faz útil no presente estudo, posto que, a relação de pertinência prática da inclusão em uma classe não possui fins meramente acadêmicos. Ao se promover a relação de pertinência de um comando normativo a uma classe jurídica, estamos estabelecendo que aquela norma deverá seguir o regime jurídico proposto aos demais elementos que compõem aquela classificação.

Verificando a natureza das normas jurídicas como objetos extremamente complexos, identificamos uma característica bimembre em sua constituição.

Em seu sentido deôntico completo, as normas jurídicas prescrevem uma relação jurídica intersubjetiva e uma respectiva sanção respaldada pela coercibilidade do Estado no exercício de sua função jurisdicional, conceitualmente denominadas em norma primária e norma secundária, ou na acepção de Carlos Cossio, endonorma e perinorma.

Desta forma, seguindo as lições do Professor Lourival Vilanova:

Em reescritura reduzida, num corte simplificado e abstrato, a norma jurídica apresenta composição dúplice: norma primária e norma secundária. Na primeira, realizada a hipótese fáctica i.e., dado um fato sobre o qual ela incide, sobrevém, pela causalidade que o ordenamento institui, o efeito, a relação jurídica com sujeitos em posições ativa e passiva, com pretensões e deveres (para nos restringirmos às relações em sentido estrito). Na segunda, hipótese fáctica, o pressuposto é o não cumprimento, a inobservância do dever de prestar, positivo ou negativo, que funciona como fato jurídico (ilícito, antijurídico) fundante de outra pretensão, a de exigir coativamente perante órgão estatal a efetivação do dever constituído na norma primária.[5]

A norma primária corresponde a um conteúdo fático relacional que se encontra devidamente tipificado na norma geral e abstrata, enquanto que a hipótese da norma secundária corresponde ao descumprimento da conduta intersubjetiva prescrita na norma primária sobre a qual o Estado exerce sua força imperativa.

Em seu sentido estrito é uma estrutura lógico-sintática que propicia ao intérprete isolar as proposições jurídicas em critérios isolados a fim de definir o núcleo semântico da norma jurídica tributária que segue os padrões de homogeneidade sintática das normas jurídicas de sentido deôntico completo (H→C) compostos por critérios implicadores genéricos, visando descrever fatos aptos a ensejar a constituição de uma relação jurídica.

Observa-se que é a norma primária que possui como funcionalidade, como norma geral e abstrata, a delimitação o âmbito de incidência da exação relativa descrição conotativa de um conjunto de fatos, assim como ser objeto de questionamento sobre controle de constitucionalidade e legalidade.

Sintaticamente, a norma secundária encontra-se, logicamente, condicionada na seguinte estrutura D[-(S’RS”)→S]. Mais especificamente, observamos que em seu consequente normativo, o Estado em exercício de sua função jurisdicional figura como um dos polos da relação, em que se prescreve uma providencia sancionatória, em razão do descumprimento da conduta.

A norma jurídica processual, nada mais é, do que uma norma jurídica secundária de caráter instrumental, reguladora da conduta do Estado Juiz na produção de atos normativos destinados a garantir a eficácia social da norma jurídica material mediante a coatividade do Estado no exercício de sua função jurisdicional.

Neste sentido a norma jurídica completa encontra-se disposta sintaticamente de acordo com a seguinte construção proposicional: D {[H→C] v [(-C) →S]}.

Deve-se ater ao sentido do termo “sanção”, fixando que esta representa o direito subjetivo de ordem processual postulatório de coatividade do Estado-Juiz para assegurar a garantia de um direito.

Da mesma forma que observamos na teoria das normas, para obtermos seu sentido deôntico completo, faz-se necessário à composição dúplice de norma primária e secundária, ou seja, o sistema do direito necessita do direito material e o direito processual correlacionados, apesar de serem normas didaticamente destacáveis, a ausência de um torna incompleto o sentido deôntico do outro, pois como o direito processual estabelece a obrigação da autoridade judicial de sancionar o sujeito de direito que venha a violar o preceito primário, a ausência do direito material o torna um instrumento sem finalidade material, tornando-a inócua, enquanto que a ausência do direito processual como sistema secundário ao direito material o desjuridisciza.

Instrumentalizando as lições formuladas mediante a Teoria das classes, impõe-se a discorrer acerca da classificação proposta ao objeto norteador do presente trabalho, a fim de nortear nosso pensamento, com a finalidade de estabelecer paulatinamente o regime jurídico a qual se encontra vinculado.

  1. FENOMENOLOGIA DA PRESCRIÇÃO

2.1. Normas gerais: Constituição Federal e Código Tributário Nacional

O Constituinte originário de 1988 inovou ao outorgar a Lei Complementar a competência de veicular normas de decadência e prescrição em matéria tributária, conforme disposto no art. 146, III, b da Carta Magna.

Ademais, insta destacar que desde a edição da Emenda Constitucional nº. 18, de 01 de dezembro de 1965, sob a égide da Constituinte de 1946, já se estabelecia a necessidade do Sistema Tributário Nacional ser regulamentado por meio de lei complementar.

“Desde os primórdios da república, já se percebia que o texto constitucional não poderia ser exaustivo, exigindo daí, a edição de leis para sua complementação. Naquela época, não se cogitava de uma lei formalmente complementar, com quórum diferenciado. Em seu aspecto material, entretanto, o instituto da lei complementar não pode ser considerado uma novidade. A primeira constituição republicana, de 1891, já previa, em seu artigo 34competir privativamente ao Congresso Nacional “Decretar as leis orgânicas para a execução complementar da Constituição”.[6]

Assim, a competência estabelecida pelo Constituinte de 1988 deriva do amadurecimento histórico que se inclinou no sentido de privilegiar matérias que se destinam a regulamentar o Sistema Tributário Nacional.

Neste enfoque, o art. 146 da Constituição Federal acompanhou este regramento, estabelecendo disposições consideradas normas gerais em matéria tributária que possuem como veículo introdutor normativo a Lei Complementar.

Fundado nas lições do Professor Roque Antônio Carrazza, as disposições do art. 146 da Constituição Federal devem ser interpretadas em total harmonia com as demais disposições de competência presentes no texto constitucional, de forma que a autonomia jurídica dos demais entes que compõem a República Federativa do Brasil não seja violada. 

Isto porque, dentro do sistema constitucional vigente, as normas gerais são normas de harmonização do sistema tributário, com a finalidade de buscar a uniformidade da tributação praticada por todos os entes da federação.

Significa dizer que, em matéria de prescrição a Constituição Federal elegeu a lei complementar como seu veículo introdutor legal, entretanto, conforme exposto em linhas acima, o sistema normativo é mais complexo do que aparenta.

Contudo, antes da égide da Constituição Federal de 1988, estava em vigor a Lei Ordinária 5.172 de 25 de outubro de 1966, denominado Código Tributário Nacional, que acabou sendo recepcionado pela nova constituinte, com base nas disposições do art. 34, §5º, da ADCT (Ato de Disposições Constitucionais Transitórias) que estabelecia o Princípio da Recepção, sendo, mesmo editado anteriormente a nova constituinte, caso possuíssem compatibilidade material com esta, os diplomas legais receberiam novo fundamento de validade.

Em razão ao Princípio da Recepção, as normas da Lei Ordinária 5.172/1966 que possuem compatibilidade material com o art. 146 da Constituição Federal, foram recebidos com status de Lei Complementar, entre eles as disposições dos art. 150, 156 e 174 que versam sobre prescrição.

Diferentemente do Código Tributário Nacional, a Lei Ordinária nº. 6.830, de 22 de setembro de 1980, denominada Lei de Execuções Fiscais (LEF), mesmo estabelecendo normas de prescrição, fora recepcionada com status de lei ordinária.

Tendo em vista que a condicionante formal da lei complementar, para versar sobre matéria de prescrição, não era estabelecida pela Constituição de 1967, restava verificar se a LEF possuía caracteres de harmonização do sistema, com o fim de homogeneidade tributária.

Dado identificação legal do instituto da prescrição no Sistema Tributário pátrio, passamos a identificação de sua natureza jurídica.

2.2. Natureza Jurídica da norma de prescrição

A definição é uma categoria lógica, que visa o exercício de fixação de elementos conotativos ou denotativos em uma classe, que permita compreender seu aspecto semântico a fim de incluir objetos em seu conteúdo ou distingui-los dos demais que não apresentem as características fixadas, auxiliando o interprete na organização da realidade em que habita.

Em razão da condição do direito como um sistema comunicacional, este dispõe dos mesmos elementos inerentes a comunicação, que nas palavras do linguista Roman Jakobson é “a transmissão por um agente emissor, de mensagem, veiculada por um canal, para o receptor, segundo um código comum e dentro de um contexto”[7].

Sendo assim, o direito encontra-se vulnerável a incidência de impropriedades do sistema comunicacional sobre qualquer um dos seis elementos destacados por Jakobson que dificultam a comunicação. Para estes, denominamos de ruídos comunicacionais, são fatores que interferem negativamente no processo comunicacional, prejudicando a comunicação entre o emissor da mensagem com seu receptor, entre eles a vaguidade, ambiguidade e forte carga emotiva.

Tais vícios são completamente característicos da linguagem, nem mesmo a linguagem mais complexa consegue afastar por inteiro sua incidência. Entretanto no intuito de afastar tais vícios, utilizar-se o emissor de instrumentos que melhorem a precisão do discurso, se valendo de técnicas de definição denotativa e conotativa que contribuam ao processo de elucidação dos conceitos propostos.

Isto porque, o conceito é uma entidade linguística constituída que determina a significação do signo, pela qual se perfaz a captação dos traços de unidade e permanência na linguagem edificadora da realidade humana, isolando-a dos outros elementos de linguagem que constroem uma ideia.

Neste sentido, restam as lições de Tárek Moysés Moussallem que assim leciona:

“Definir é operação lógica entre dois conceitos, que consistem em indicar, por meio de linguagem, as características ‘essenciais’ ou definitórias que deve reunir a linguagem do objeto – definiens -, para que o termo definido (outro conceito) – definiendum – lhe seja aplicável.[8]

Assim, norteamos nosso pensamento no entendimento de que a prescrição é um mecanismo de estabilização do sistema, em razão da garantia de segurança jurídica de sua estrutura.

Os mecanismos de estabilização estrutural do ordenamento, que derivam da carga axiológica de segurança jurídica, têm por finalidade garantir aos sujeitos uma ideia de previsibilidade das relações jurídicas.

A estabilização pretensa pelo instituto da prescrição apresenta-se como instrumento limitador do estabelecimento de pretensões jurídicas conflituosas em caráter perpétuo, visando a propagação de efeitos relacionais ad eternum, motivo pelo qual Pontes de Miranda o qualificava como instituto que “serve à segurança e a paz pública”[9]

“Dessa maneira, sempre que o fluxo do tempo ameaçar a obtenção daquele almejado equilíbrio, que se reflete no princípio da firmeza ou da certeza jurídica, prevê o sistema a ocorrência de fatos extintivos, os quais têm o condão de definir, drasticamente, a situação pendente, determinando direitos e deveres subjetivos correlatos. Entre tais acontecimentos está a prescrição.”[10]

Assim, no direito, a prescrição tem como núcleo semântico a limitação temporal da exigibilidade de um direito subjetivo, por meio da força de coação do Estado Juiz, na busca de sua satisfação.

Estabelecer a natureza jurídica ao instituto da prescrição, assim como da decadência, é deveras árduo. Isto porque, apesar de tratarmos de normas tão antigas, que derivam do próprio Direito Romano, os civilistas, há muito tempo, vem se elaborando intensos debates doutrinários sobre a matéria.

Grande parte da doutrina, especificamente em matéria tributária, entende que o instituto da prescrição é uma norma de direito material, tendo em vista que sua fenomenologia de incidência se opera na forma de extinguir a exigibilidade do crédito tributário.

Este entendimento decorre da leitura do art. 156 do Código Tributário Nacional, que elenca no inciso V, a extinção da exigibilidade do crédito tributário por força da decadência e da prescrição, direcionando suas argumentações a ressaltar que ambos os institutos são incidentes diretamente sobre o crédito.

“O direito de exigir é direito material, se assim não fosse, não teria o efeito de extinção o crédito decorrente do direito material. Sem mencionar que, se os efeitos da prescrição fossem apenas processuais, o direito ainda existiria, e a exigência poderia permanecer administrativamente, o que não ocorre em razão do efeito extintivo.”[11]   

Apesar de compreender as argumentações expostas por este núcleo doutrinário, posicionamos de forma divergente na identificação da natureza jurídica da prescrição, que, no nosso entendimento, é instituto importado do direito processual civil.

Da forma sobre a qual os argumentos finalísticos são propostos na defesa da natureza material do instituto da prescrição, não nos parecem suficientes para desnaturar o instituto.

No mesmo sentido em que se propõe desde o início do trabalho, identificamos a natureza existencial da norma jurídica como bimembre, na qual a existência de uma é condicionada a outra para que se construa seu sentido deôntico completo.

Sendo assim, não há de se falar que admitir a natureza jurídica de direito processual da norma de prescrição contraria o núcleo axiológico de evitar a perpetuação de relações jurídicas no tempo, pois apenas extinguindo o “direito subjetivo de ingressar com ação” permaneceria no sistema a exigência administrativa do respectivo crédito tributário por meio de diversas modalidades de sanções politicas, como a inscrição no Cadastro de Dívida Ativa. 

A relação de dependência da norma relacional, com sua condicionada secundária é de relação existencial, conforme lições de Lourival Villanova.

“Norma primária (oriunda de normas civis, comerciais, administrativas) e norma secundária (oriunda de norma de direito processual objetivo) compõem a bimembridade da norma jurídica: a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a secundária sem a primária reduz-se a instrumento, meio, sem fim material, a adjetivo sem o suporte do substantivo.[12]

Assim, em consequência da extinção da norma processual, que atribui caráter de direito subjetivo postulatório da coatividade da tutela jurisdicional da relação jurídica por ela garantida, há a perda de juridicidade daquele direito material, extinguindo-se, por consequência, o nexo de pertinenciabilidade do fato com o direito.

Deste modo, propõem-se identificar em nossas premissas, que o instituto da prescrição não se reduz a um mero mecanismo limitador de cobrança judicial, como respeitosamente reporta-se Ruy Barbosa Nogueira.

“(...) a prescrição é o desaparecimento do direito formal subjetivo, ou meio de cobrança (administrativa ou judicial), por não o promover o titular do direito, dentro do prazo estabelecido em lei (...) prescrição (...) não faz parte do direito material, mas está ligada apenas à mecânica da cobrança administrativa ou judicial.[13]

Seguindo o modelo proposto, a prescrição apresenta-se como instrumento limitador do estabelecimento de pretensões jurídicas conflituosas em caráter perpétuo, extinguindo a força de coatividade jurisdicional. 

Em geral, amplamente sujeita a correções, podemos dizer que, enquanto a decadência se ocupa do direito consubstanciado na norma primária, a prescrição se dirige ao direito previsto na norma secundária, disciplinando o direito de ação perante o Estado-Juiz para efetivação deste dever.[14]

Sendo assim, observa-se que não existe identidade entre estas duas normas, tão rotineiramente tratadas pela doutrina, principalmente tributária, com tanta similaridade, pois a decadência volta-se para percussão de direito substantivo, enquanto que a prescrição, a um direito adjetivo ou processual.

Definido a natureza jurídica da norma de prescrição como de direito processual, partimos a análise de sua estrutura deôntica

2.2.1. Antecedente normativo da Prescrição

A proposição-hipótese é descritiva de fato de potencial ocorrência no contexto social, nos termos da doutrina de Paulo de Barros Carvalho.

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“A proposição antecedente funcionará como descritora de um evento de possível ocorrência no campo da experiência social, sem que isso importe submetê-la ao critério de verificação empírica, assumindo os valores “verdadeiro” e “falso”, pois não se trata, absolutamente de uma proposição cognoscente do real, apenas de proposição tipificadora de um conjunto de eventos.[15]

Seguindo o modelo exposto ao norte, a prescrição apresenta-se como instrumento limitador do estabelecimento de pretensões jurídicas conflituosas por meio de previsões da ocorrência de fatos extintivos no sistema, mediante um limitador do fluxo temporal. 

Resta necessário estabelecermos a classe de fatos previstos pelo ordenamento para que se impute a incidência de consequentes extintivos por meio da causalidade jurídica, sendo função do antecedente normativo, materializar este conjunto de fatos potenciais.

Podemos identificar no antecedente normativo da norma jurídica da prescrição o seu aspecto material, nos seguintes termos:

“Com o lançamento eficaz, quer dizer adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito tributário, expressão que o legislador utiliza para referir-se ao ato de lançamento regularmente comunicado (pela notificação) ao devedor. [16]

“As causas previstas no parágrafo único do art. 174, uma vez ocorridas, têm a força de interromper o fluxo temporal que termina com a prescrição.[17]

Desta forma, o conjunto de fatos que o sistema tributário prescreve como materialidade da norma de prescrição reflete a existência de um fluxo temporal determinado de 5 (cinco) anos, entre dois marcos objetivos relacionais; quais sejam, a constituição definitiva do crédito tributário e a ocorrência de um marco interruptivo da prescrição.

O tempo não é, portanto, uma categoria de conhecimento ou uma forma de encarar a coisa (Anschauunsform, de Kant), nem muito menos uma categoria da realidade, como nos fazem crer as filosofias tradicionais, mas é uma forma gramatical variável que informa nosso pensamento (frases) de acordo com a língua na qual pensamos num dado instante”[18].

Sendo assim, dentro da realidade jurídica, o legislador, com base na competência outorgada pelo constituinte originário no art. 146, III, b da Constituição Federal, estabelecer o prazo de 5 (cinco) anos como o fluxo de tempo suficiente para o exercício do direito subjetivo postulatório, perante o Estado Juiz, para exigir a coação jurisdicional satisfativo do crédito.

Acompanhando o fluxo temporal descrito, o sistema jurídico, por observar que para estabelecermos a decorrência do tempo, estabeleceu seus marcos de fixação objetiva que permitam o intérprete identificá-lo, preocupou-se o legislador em prescrever seu termo inicial e o final.

Assim, entendendo que o tempo não se encontra solto na realidade, o denominado Código Tributário Nacional prescreveu no art. 174, caput, e seu parágrafo único, como marco inicial, a constituição definitiva do crédito tributário e o termo final, a provocação de uma causa interruptiva da prescrição. 

Complementar ao pensamento exposto acima, atenho-me a observar o termo da constituição definitiva do crédito tributário, da mesma forma que o Professor Eurico de Santi.

“O léxico definitividade, que é substantivo que exprime a qualidade do que é definitivo, ‘tal qual deve ficar’ não deve ser interpretado em termos absolutos, pois contrasta com a abertura dinâmica do sistema normativo: nem normas tributárias, nem Código Tributário Nacional, nem Código Civil, nem Código de Processo Civil e nem a própria Constituição Federal são definitivos. É conceito relacional, posto que em direito toda a norma jurídica é definitiva enquanto pertencer ao ordenamento.”

(...) “Não cabe portanto, interpretar constituição definitiva em oposição a constituição provisória. Sistematicamente parece-nos que a preocupação do legislador do Código Tributário Nacional foi contrapor a noção dinâmica de procedimento previsto no art. 142, ao produto final desse processo: credito tributário, formalizado pelo lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo. Definitividade assim, deve ser interpretado como qualidade do que foi produzido, tal qual ficou.”  [19]

Assim, a constituição definitiva do crédito tributário se configura no ato da comunicação do sujeito passivo do lançamento ou do auto lançamento tributário, momento a partir do qual se torna exigível a exação.

Tendo em vista que são estes atos jurídicos aptos a constituir relações jurídicas tributárias, imputativos de direito subjetivo a Fazenda Pública de exigir do contribuinte o crédito tributário.

A interrupção do prazo prescricional tem como efeito jurídico paralisar a contagem do fluxo de tempo previsto na legislação vigente de acordo com o marco limitador objetivo de sua contagem, sendo que:

“As causas previstas no parágrafo único do art. 174, uma vez ocorridas têm a força de interromper o fluxo temporal que termina com a prescrição.[20]

No presente momento faz-se necessário somente estabelecer a premissa que, em nossa visão, as disposições do parágrafo único do art. 174 do CTN correspondem aos marcos finais, limitadores da contagem de fluxo da prescrição em matéria tributária, tendo em vista que este assunto será pormenorizadamente exposto em capítulo próprio.

Ademais, a importância da exposição dos marcos fixadores do tempo na proposição hipotética da norma, revela-se na sua indissociabilidade do fluxo temporal, a fim de compor o conjunto de fatos subsumíveis a incidência deste instituto, conformando o aspecto material na norma prescricional.  

Portanto, estabelece-se como antecedente normativo da prescrição: dado o decurso do prazo de 5 anos, entre a constituição definitiva do crédito tributário sem que o titular do direito provoque uma causa interruptiva. Seguimos agora para o consequente.

2.2.2. Consequente normativo da Prescrição

A proposição-tese funciona como prescritora de condutas intersubjetivas, como leciona Paulo de Barros Carvalho.

“Para a Teoria Geral do Direito “relação jurídica” é definida como vínculo abstrato segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação.[21]

Demonstra-se que o conteúdo do consequente normativo, para que se instaure uma relação jurídica prescinde da presença de dois elementos; o subjetivo e o prestacional.

O elemento subjetivo revela-se na presença dos sujeitos de direito sintaticamente posicionados de acordo com as responsabilidades relacionais que sustentam, na qual o titular do direito subjetivo figura como sujeito ativo do consequente normativo, enquanto que o titular do dever jurídico posiciona-se como sujeito passivo que deverá cumprir a obrigação.

O direito subjetivo e o dever jurídico representam o elemento prestacional, que versa diretamente sobre a conduta a ser praticada modalizada como obrigatório, proibido, e permitido.

O elemento prestacional de toda relação jurídica caracteriza-se como a satisfação do direito subjetivo do qual se encontra investido o sujeito passivo, na qual seu cumprimento resulta na satisfação das expectativas sociais do direito.   

Em matéria de prescrição, a causalidade jurídica que representa a satisfação da expectativa social, em razão da ocorrência do conteúdo hipotético é a extinção do crédito tributário.

“No direito tributário, vale notar, existe apenas um denominador comum entre os dois institutos que irá extinguir-se com a norma de decadência, qual seja, o crédito tributário, assim haverá extinção de toda a obrigação tributária, seja no instituto da decadência, seja no instituto da prescrição, conforme art. 156,V do CTN.[22]

A extinção de toda a obrigação tributária, por força da prescrição ou da decadência, é uma decorrência lógica da extinção normativa sobre o qual cada um destes institutos incide.

Ao verificarmos uma norma extintiva por decadência, temos por decorrência de nossas premissas, sua incidência sobre a norma primária que prescreve uma relação jurídica de direito material de caráter substantivo, tornando inócua a norma secundária como um instrumento de coatividade do Estado Juiz sem fins materiais.

De forma distinta a extinção do crédito tributário por força da incidência do instituto da prescrição, se opera sobre a norma secundária que estabelecia o direito subjetivo de ordem processual postulatório de coatividade do Estado-Juiz para assegurar a garantia do direito prescrito na norma primária, resultando na extinção da obrigação tributária pela desjuridicização da norma individual e concreta.

No mesmo sentido, leciona o Professor Paulo de Barros Carvalho.

“Foi oportuno o legislador do Código ao incluir a prescrição entre as modalidades extintivas da obrigação tributária. De fato, a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura. Com o perecimento do direito à ação de cobrança, perde o credor os meios jurídicos para compelir o sujeito passivo à satisfação do débito. Acontecimento dessa índole esvazia de juridicidade o vinculo obrigacional, que extrapola para o universo das relações morais, éticas, etc.[23]

Assim, o fenômeno da prescrição extingue o caráter sancionatório da norma individual e concreta que a qualifica como jurídica, tendo que, sem a existência do qualificador coativo do Estado sobre a bimembridade normativa, esta deixa de pertencer ao sistema do direito.

Neste sentido, sempre que estiver ausente a potencialidade ao direito de ação como medida coercitiva, inexistirá um direito material em sua significação jurídica.

Desta forma, propõe-se uma estrutura hipotética condicionada ao fenômeno da prescrição, que se conforma em: dado o decurso do prazo de 5 anos, entre a constituição definitiva do crédito tributário sem que o titular do direito provoque uma causa interruptiva, deve ser proibido ao titular do direito subjetivo exigir do sujeito passivo o crédito tributário, em razão da extinção de sua exigibilidade processual postulatório de coatividade do Estado-Juiz.

  1.  MARCOS INTERRUPTIVOS DA PRESCRIÇÃO

3.1. Marcos interruptivos da prescrição em matéria tributária – art. 174 do CTN

Está claro, que a organização do sistema tributário não pode compadecer-se com as indeterminações e incerteza que acompanham os conflitos irresolvíveis que se perpetuam no tempo.

Assim, além do sistema dedicar-se a delimitar seu campo inicial, o próprio, define seus marcos finais, que em matéria tributária seguem o disposto no art. 174 do Código Tributário Nacional, que tem força de interromper o fluxo temporal sobre o qual incide a prescrição.

“Resumindo, o parágrafo único do art. 174 do CTN elencou quatro possibilidades distintas para a ocorrência do efeito interruptivo da prescrição: o inciso primeiro é apenas possível diante de uma ação de exigibilidade do crédito; o inciso segundo é uma medida judicial que deve ser proposta antes da ação de execução fiscal; o inciso terceiro, um ato judicial de titularidade da autoridade judiciária que deve ser proferido no bojo de uma ação de exigibilidade; e o inciso quarto e último é o ato particular de reconhecimento do débito pelo devedor.[24]

Desta forma, o parágrafo único do artigo 174 do Código Tributário Nacional estabeleceu os limites objetivos do exercício coercitivo da tutela jurisdicional, em matéria tributária.

Conforme as premissas aqui tratadas, os marcos interruptivos de prescrição são elementos de estabilização temporal do direito que põem fim ao direito subjetivo do credor.

Por força das disposições do artigo 146, III, b da Constituição Federal, compete à lei complementar disciplinar a prescrição em matéria tributária, o que nos faz afirmar, pelas premissas ao norte traçadas, que a materialidade do instituto da prescrição deve ser veiculada por este instrumento.

“A partir do instante em que principia a contagem da prescrição, detém a Fazenda o prazo de 5 anos para propor a execução fiscal correspondente, sob pena de extinguir-se o crédito tributário (art. 156, V, do CTN) . Mas impele observar que a data a que se refere a legislação sobre execuções fiscais não é propriamente aquela da propositura do pedido do Fisco, mas sim a do despacho que ordene a citação do novo devedor.[25]

Isto porque, ao verificarmos o conjunto de fatos descritos no conteúdo conotativo do antecedente normativo da prescrição, o delineamento material do fluxo temporal é estabelecido por meio de seu marco inicial, e marco final.

Neste sentido, apesar da prescrição tratar de instituto de direito processual, sua materialidade descrita no antecedente normativo compete ao Código Tributário Nacional, por força da delimitação constitucional estabelecida.

3.1.1. Despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal

Com o advento da Lei Complementar 118/2005, entre outras disposições, houve a modificação do parágrafo único, inciso I, do art. 174 do Código Tributário Nacional, que instituía como marco interruptivo da prescrição a citação válida do executado.

Esta alteração, acompanhando as premissas apresentadas pela nova Lei de Falência nº. 11.101/2005, publicadas no mesmo dia, tendeu a conferir maior efetividade na satisfação do crédito fiscal, por meio de uma antecipação de interrupção, em comparação a disposição anterior, a momento logicamente pretérito.

Isto porque, apesar da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº. 6.830/80), no §2º do art. 8 dispor que o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição, entendimento nos autos dos embargos de divergência do Recurso Especial nº. 36.855/SP pela prevalência de uma interpretação sistemática sobre o art. 174 do CTN.

Nas lições de Renato Lopes Becho.

“O motivo principal para as execuções fiscais terem uma regra específica para a suspensão do prazo de prescrição está na Administração Tributária. A experiência demonstra que os exequentes que agem em nome do Fisco protocolizam referidos processos habitualmente apenas às vésperas do término do prazo prescricional, notadamente naquelas circunstâncias em que o prazo para a constituição do crédito se conta a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele da ocorrência do fato imponível (CTN, artigo 173, inciso I). São dezenas de milhares de processos nos últimos meses do ano, por vezes distribuídos nas últimas semanas do ano. Isso sobrecarrega a máquina judiciária.[26]

Não há de se discutir, que a modificação da legislação vigente fora elaborada no intuito de beneficiar o Estado, diante de sua necessidade de capital e a ineficiência da máquina arrecadatória em promover a exigibilidade dos créditos.

Ante tal estado de coisas, uma norma que fixe o despacho do juiz determinando a citação (ou, até melhor, a mera distribuição da execução fiscal) como ato que interrompe a prescrição é uma medida muito útil para a Fazenda Pública. Solucionou-se com uma medida legislativa um grave problema administrativo, ao invés de buscar-se uma solução administrativa, fazendo recair sobre o contribuinte o ônus pela falha do Estado. É exemplo de nossa cultura, supondo que a alteração da legislação resolve os problemas nacionais.[27]

3.2. Marcos interruptivo da prescrição no processo civil – art. 219 do CPC

Antes de analisarmos o julgado do Recurso Especial nº. 1.120.295/SP resta necessário compreendermos o instituto da prescrição disposta pelo direito civil.

Tendo em vista as disposições do art. 219 do Código de Processo Civil, considera-se interrompida a prescrição pela citação válida do devedor, segue transcrito.

“Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.

§1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.

§2º Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.

§3º Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias.

§4º Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição.” 

Desta forma, o ato citatório possui eficácia material de interromper o prazo prescricional, ao qual poderá ser atribuído efeitos retroativos a data da propositura da ação, quando promovida em até 10 (dez) dias contados da data do despacho citatório, nos termos do §2º, prorrogáveis por mais 90 (noventa) dias (§3º), sobre pena de inaplicabilidade dos efeitos retroativos (§4º), desde que a demora não derive dos mecanismos inerentes do Poder Judiciário[28].

Portanto, da mesma forma que as disposições do artigo 219 do Código de Processo Civil outorgam o direito subjetivo material de retroatividade dos efeitos da interrupção da prescrição a data da propositura da ação, imputam ao credor o dever jurídico de diligenciar no regular andamento processual para que se efetue a citação válida em até 100 (cem) dias da data do despacho citatório.

A exigência atribuída pela imputação do dever jurídico do credor no impulso processual, apenas conferiu um privilégio aos credores que diligenciarem no sentido de atribuir celeridade ao andamento processual, o que por ventura, é de responsabilidade da parte.

Caso não promova a citação válida no prazo prescrito, será considerada interrompida a prescrição na data da citação válida, sem que lhe seja atribuído efeitos materiais de retroatividade.

“Assim, a citação completa a formação do processo como relação trilateral litigando autor-juiz-réu. Além disso, leva à produção dos efeitos do art. 219, de bastante relevância: prevenção do juízo, interrupção da prescrição, produção de litispendência, tornar coisa litigiosa, constituição do devedor em mora, operando-se este último efeito ainda que ordenada (a citação) por juiz incompetente (art. 219, caput).

Há que ser analisada com mais detença a interrupção da prescrição. Tem-se que, com o advento do CC/2002, vige a regra de que a interrupção da prescrição dá-se com a citação inicial, retroagindo à data do despacho que a determinou, desde que o interessado promova no prazo e na forma da lei processual (art. 202, I do CC/2002). Relevante apontar que para a circunstância de que o caput do art. 202 do CC/2002 é claro no sentido de que a prescrição poderá ser interrompida uma única vez.[29]

Apesar das críticas que se revelam sobre a retroatividade material dos efeitos interruptivos da prescrição promovido pelo Código de Processo Civil, do qual nos valemos do pensamento de Ilya Prigogine[30] que se aproveita da metáfora da “flecha do tempo” para tratar de sua irreversibilidade, a eficácia material se promove exclusivamente sobre a citação, inaplicáveis, portanto, em matéria tributária.

Nos termos em que se construiu a norma prescritiva, sua materialidade descreve 3 elementos; (i) o fluxo de prazo de 5 anos, (ii) o termo inicial de contagem, e (iii) o marco interruptivo, sobre estes não se aplicam as disposições do Código de Processo Civil 

As alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005 apenas ratificam os argumentos propostos, com a antecipação do marco interruptivo no intuito de solucionar a ineficiência da maquina arrecadatória, que não diligencia no intuito de impulsionar o andamento da ação, rompendo-se as amarras entre os marcos objetivos fixadores da contagem fluxo prescricional em matéria tributária da materialidade prescrita pelo Código de Processo Civil.

A época da edição da Lei Complementar nº. 118/2005, já se encontravam vigentes as disposições da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que alteraram a redação do art. 219 do Código de Processo Civil, caso objetivasse o legislador promover a adequação material compatível com a do Codex Processual teriam sido adequados naquela oportunidade.

3.3. Implicações pragmáticas do julgado do REsp 1.120.295/SP.

Neste momento, objetivamos apontar as implicações promovidas pelo Recurso Especial nº. 1.120.295/SP, relatado pelo Ministro Luiz Fux, submetido ao regime dos recursos repetitivos do art. 543 –C do Código de Processo Civil no que se refere à fixação do termo final da prescrição, segue ementa relacionada.

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS). PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA. PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE NÃO PREVÊ DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO.

(...)

13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de  inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN).

14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.

15. A doutrina abalizada é no sentido de que:

"Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição. Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil:

'Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.'

Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação.

Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação, é desqualificado pelo exercício da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição." (Eurico Marcos Diniz de Santi, in "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Ed. Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 232/233)

16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN.

17. Outrossim, é certo que "incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário" (artigo 219, § 2º, do CPC).

18. Conseqüentemente, tendo em vista que o exercício do direito de ação deu-se em 05.03.2002, antes de escoado o lapso qüinqüenal (30.04.2002), iniciado com a entrega da declaração de rendimentos (30.04.1997), não se revela prescrita a pretensão executiva fiscal, ainda que o despacho inicial e a citação do devedor tenham sobrevindo em junho de 2002.

19. Recurso especial provido, determinando-se o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

Sustentando que o surgimento do fato jurídico prescricional pressupõe o decurso do intervalo de tempo prescrito em lei, associado à inércia do direito de ação pelo seu não exercício, o Ministro Relator Luiz Fux firmou posicionamento que “o ajuizamento da execução fiscal, encerra-se a inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174 do CTN).”[31]

Premissas que discordamos, tendo em vista que foram afastadas as disposições legais vigentes sobre a fixação dos marcos interruptivos, em total afronta a segurança jurídica, como será melhor demonstrado em tópico a parte.

Ademais, objetiva aplicar as disposições do artigo 219, §1º do Codex Processual, onde se estabelece a retroatividade à data da propositura da ação.

Observa-se na análise do item 16 da Ementa, na qual se estabelece que “a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN.”

Desta forma, o REsp 1.120.295/SP não só utiliza-se da indevida aplicação das disposições do art. 219, §1º do CPC para antecipar o marco interruptivo da prescrição, como acaba por promover novo termo inicial de contagem prescricional, estabelecendo novos estabilizadores sobre lapso temporal não regulamentado pela legislação, tanto para fins de direito civil, quanto tributário.

Não exatamente a tese defendida por alguns doutrinadores, antes da edição da Lei Complementar 118/2005, mas, nos termos expostos pelo decisum, conta-se o fluxo temporal de 5 anos da constituição definitiva do crédito tributário, a findar-se até a data da propositura da ação judicial, sendo desta, o início de novo fluxo temporal de 5 anos, a ser interrompido pela ocorrência das disposições do parágrafo único do art. 174 do CTN.

Afirmação contraditória com os próprios fundamentos do acórdão que entendeu como uma “incoerente interpretação” (nos votos do relator) extinguir o instituto da prescrição com fulcro no parágrafo único do art. 174 do Código Tributário Nacional, constituindo uma nova modalidade de prescrição sobre a mesma pessoa jurídica, que em nada se compara as disposições em matéria de prescrição regidas pelo Código de Processo Civil.

Ademais, implicação relevante, também concerne na adequação das disposições do artigo 219, §1º, do CPC aos marcos interruptivo da prescrição em matéria tributária, estabelecidos pelo parágrafo único do art. 174 do CTN, conferindo identidade ao despacho citatório com a citação válida para fins de retroatividade, mesmo após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005.

Conforme anteriormente relatado, com a edição da Lei Complementar 118/2005 se buscou, por meio de alteração legislativa, solucionar um problema social de ineficiência da máquina arrecadatória, antecipando seu marco interruptivo.

Destarte, a presente decisão não é embasada sobre o mesmo suporte fático daquelas fundamentadas sobre a Súmula do STJ nº. 106. No relatório, o Ministro Luiz Fux compara o presente acórdão ao Recurso Especial nº. 668.834/RS, no qual há aplicação da referida súmula sobre uma  execução fiscal proposta em março de 1988, na qual a citação válida (marco interruptivo vigente a época) se configurou somente em 20 de abril de 1994.

Deste modo, verifica-se que os precedentes utilizados apresentam realidades distintas, posto que no Recurso Especial 1.120.295/SP são analisados os efeitos da propositura da execução fiscal de 05 de março de 2002, com a citação válida ocorrida em junho de 2002.

Por este motivo não há de se arguir a morosidade do Poder Judiciário no devido andamento do processo, posto que a morosidade deriva unicamente da Administração detentora do direito fiscal, que permaneceu inerte as margens da incidência da prescrição.

Desta forma, partiremos a análise das injuridicidades vislumbradas no decisum.

3.5. Segurança Jurídica como limitação objetiva de estabilização temporal.

Como vimos, o Recurso Especial 1.120.295/SP fixou uma nova regra de interrupção da prescrição, diferentemente das normas postas em todo o ordenamento, entre elas, citamos as disposições do parágrafo único do artigo 174 do Código Tributário, § 2º do artigo 8 da Lei de Execuções Fiscais e do artigo 219 do Código de Processo Civil.

Neste sentido, a proposição hipotética prescrita pelo Recurso Especial 1.120.295/SP, estabelece que a interrupção da prescrição ocorre com o ajuizamento da execução fiscal. 

Após a crise do Estado Social, a Constituição Federal de 1988 optou pela constituição do Estado Democrático de Direito, de modo a implementar a transferência do poder da classe dirigente para os destinatários das normas e do poder, com influência dos mesmos nas decisões e ações estatais, através dos mecanismos de deliberação democrática.

Na forma do denominado Estado Democrático do Direito, o poder das pessoas políticas atua em conformidade com os ditames da Constituição Federal para garantir o exercício dos direitos e garantias fundamentais pelos cidadãos, sem invadir ou extrapolar sua esfera de competência.

Para tal, observemos as lições que compartilhamos de Roque Antonio Carrazza.

“Nos países onde existe os chamados Estado de Direito, a lei – norma geral, abstrata e igual para todos os que se encontram em situações jurídicas equivalente – provém do Legislativo, cujos membros são eleitos pelo povo. Por exprimir, como vimos, a vontade geral, possui um primado sobre os atos normativos emanados dos demais Poderes. Deveras, a Administração Pública que a realiza nos casos concretos, apoia-se exclusivamente na lei. O Judiciário, de seu turno, é o garantidor máximo da legalidade.[32] 

Partindo da referida premissa, defende-se que as atuações dos poderes do Estado, nas formas delineadas na Constituição Federal, representam os alicerces do Estado de Direito, sobre o qual o Poder Judiciário figura como garantidor da legalidade.

Os primados delimitadores do fluxo temporal, em matéria de decadência e prescrição, firmam-se no intuito garantidor da certeza jurídica, impossibilitando a perpetuação de relações jurídicas no tempo.

Observa-se, que eleição do elemento temporal, dentro de um universo de possibilidades infinita de acontecimentos não se demonstra suficiente para delimitar a pretensão representativa do instituto.

Um condicionante aberto, sem estabelecer os marcos delineadores de fixação fática, torna a inócua sua pretensão de atribuir previsibilidade ao sistema em face da certeza e segurança jurídica.

Ao desconsiderarmos seus marcos objetivos de fixação temporal, teríamos uma prejudicialidade de consistência sistemática tão grande ao ponto de sempre estarmos diante da prescrição ou nunca observarmos sua ocorrência.

Da mesma forma, presenciaríamos uma indevida identidade entre os institutos da prescrição e da decadência sobre os mesmos fixadores temporais, pois ambos delimitam-se sobre o mesmo fluxo do tempo.

Assim, a delimitação legal dos marcos objetivos para contagem do fluxo temporal do direito é espectro da segurança jurídica que, nesta semântica, objetiva atribuir previsibilidade as relações por meio do conhecimento do termo ad quem existencial de um direito subjetivo.

O primado da legalidade no estabelecimento dos marcos interruptivos da prescrição é reflexo desta estabilização temporal do ordenamento jurídico, que é condicionado a lei em detrimento da segurança jurídica.

Entretanto, no julgado Recurso Especial 1.120.295/SP, o Superior Tribunal de Justiça não se observou os primados da legalidade, tendo em vista que, entre as inúmeras normas prescritivas presentes no direito positivo, o resultado do acórdão elegeu uma modalidade de interrupção prescrita, mas inovou no sentido de apresentar um marco interruptivo alienígena ao sistema.

Nosso ordenamento outorga ao Poder Judiciário, função garantidora da lei, agindo como órgão de intervenção sobre os conflitos que decorrem de seu descumprimento, visando sancionar seu descumprimento. 

Sendo assim, além da ausência de fundamento legal que sustente o entendimento consolidado no Recurso Especial 1.120.295/SP, em patente violação ao princípio da legalidade, o acórdão promoveu abalos significativos a segurança jurídica, pois desestabilizou os regimes de poderes delineados pelo sistema que garantidores do Estado Democrático de Direito.

O poder jurisdicional é fonte do direito, no que concerne a estabelecer se determinado ato normativo está ou não compatível com a Constituição Federal ou respeitando a legalidade, mas não poderá, jamais, produzir um conteúdo estrito da norma jurídica, no sentido de estabelecer, em caráter inaugural, uma relação material.

“Especificamente sobre as fontes do direito, no momento pré-exacional atuarão a legislação e a jurisprudência, notadamente pela atuaçãodo Supremo Tribunal Federal, de forma intensa, lembrando que o Poder Judiciário somente é fonte negativa, nunca positiva da tributação. Por outro giro verbal, o Poder Judiciário dirá se a legislação está ou não de acordo com a Constituição Federal, mas nunca colocará o conteúdo estrito da norma. A jurisprudência nunca poderá fixar uma alíquota, por exemplo. Mas dirá se a alíquota posta pelo legislador é constitucional, assim como poderá dizer que a alteração da alíquota feriu a Constituição, devendo ser aplicada a alíquota anteriormente fixada legislativamente.”[33]

Desta forma, ao agir como fonte positiva do direito, o Recurso Especial 1.120.295/SP tem caráter invasivo dos poderes outorgados ao legislativo, ao ponto que a resolução do conflito que se apresentava, cabia ao Poder Judiciário optar por um modelo prescricional a ser adotado, desde que possuísse relação de pertenciabilidade com o ordenamento.

Ao que parece, vem se promovendo injuridicidades no intuito de salvaguardar a satisfação do crédito tributário, sob o fundamento raso da necessidade social de capital, com a finalidade de sustentar a máquina pública.

De grande relevância empírica, no Relatório de Avaliação da Execução de Programas de Governo nº. 21, datado de fevereiro de 2013, último relatório emitido sobre as atividades da PGFN e da Dívida Ativa da União, a Controladoria Geral, em razão da competência atribuída pelo art. 74 da Constituição Federal, promoveu a análise dos procedimentos adotados pela Receita Federal do Brasil e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para o alcance de seus objetivos institucionais na gestão da Divida Ativa da União.

A avaliação buscou efetuar um estudo sobre a eficácia administrativa no controle de seu crédito fiscal, limitando o estudo a inscrições de débitos com valor superior a R$10.000,00 (dez mil reais) relativas as contas de 2007 e 2008.

Um dos questionamentos elaborados pela Controladoria Geral da União objetivava analisar se o processo de inscrição da Dívida Ativa da União estava sendo conduzido de maneira eficiente e conforme a legislação pertinente.

Sua conclusão foi pela ineficiência do processo de inscrição, devido a grande intempestividade no envio dos créditos fiscais pela Receita Federal do Brasil para a Procuradoria da Fazenda Nacional da respectiva unidade federativa, para efeito de inscrição na divida ativa[34].

Dos resultados obtidos, fora verificado que até 1.402 processos, de uma amostragem de 5.187, foram enviados a Procuradoria da Fazenda Nacional a beira da prescrição[35].

A constatação no Relatório, corresponde a situação fática que se apresenta no REsp 1.120.295/SP, demonstrada perante seguinte exposição feita pelo relator.

“Consequentemente, o prazo prescricional para o Fisco exercer a pretensão de cobrança judicial da exação declarada, in casu, iniciou-se na data da apresentação do aludido documento, vale dizer, em 30.04.1997, escoando-se em 30.04.2002, não se revelando prescritos os créditos tributários na época em que ajuizada a ação (05.03.2002).[36]

Assim, estamos perante uma total dissonância dos marcos interruptivos da prescrição, fixados pelo parágrafo único do artigo 174 do Código Tributário Nacional.

Diante das alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, no qual se modificou o marco interruptivo da prescrição em matéria tributária, especificamente no inciso I do parágrafo único do artigo 174 do Código Tributário Nacional, para o despacho citatório, nosso entendimento é de que não há aplicabilidade do art. 219, §1º do Codex Processual.

Isto porque, o despacho citatório e a citação válida são institutos processuais diversos, que possuem efeitos e regramentos distintos, ao passo que as disposições que estabelecem a eficácia jurídica à citação valida, não são aplicáveis a ordem de citação.

O art. 219, §1º do Código de Processo Civil outorga a citação válida, interruptiva de prescrição, efeitos retroativos ao seu ajuizamento, sobre institutos materialmente tratados por aquela codificação.

Como fora exposto, apesar de considerarmos o instituto da prescrição como uma norma de direito processual, de acordo com as disposições do art. 146, III, b da Constituição Federal, no que concerne a materialidade do instituto, prevalecem aquelas dispostas em Lei Complementar.

“Apenas o legislador complementar pode disciplinar essa matéria. Isso significa que a aplicação de qualquer regra processual não pode interferir no prazo de prescrição estabelecido pelo CTN. Se o legislador da Lei Complementar 118/2005 assim quisesse porque não tratou de forma expressa e incluiu a regra no CTN, mesmo sabendo da divergência da jurisprudência à época? A regra é vigente no CPC desde publicação da Lei 8.952/1994, o CTN sofreu alteração em 2005 e não incluiu a regra simplesmente porque não quis, e é assim que deve ser.[37]

O Código de Processo Civil é instituído pela Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e possui status de Lei Ordinária no sistema jurídico pátrio, sendo assim, não é instrumento apto para versar sobre prescrição.

A necessidade de Lei Complementar para dispor sobre normas gerais de direito tributário, prevista no texto constitucional, é uma outorga de competência complementar de reserva legal, sobre todos os aspectos da norma, não somente sobre seu prazo, incluindo-se assim, as interrupções prescricionais.

De modo que, quando o art. 5º, parágrafo único, do DL 1.569/77 estabeleceu a suspensão da prescrição de créditos de pequeno valor invadiu matéria reservada à lei complementar, incorrendo em inconstitucionalidade. O próprio Supremo Tribunal Federal manifestou-se pelo regramento material da norma de prescrição por meio de lei complementar, atribuindo efeitos vinculantes a sua pacificação, em razão da edição da Súmula Vinculante nº. 8.

“Súmula Vinculante nº. 8

São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.”

Na sessão exaltada ao norte, o entendimento dos ministros foi unânime quanto à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos elencados. O art. 146, III, b, da Carta Constitucional afirma que apenas Lei Complementar pode dispor sobre prescrição e decadência em matéria tributária, em todos os seus aspectos, tendo em vista que o artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 estabelecia uma nova modalidade de suspensão do prazo prescricional sem previsão em Lei Complementar.

Igualmente, quando o art. 2º, §3º, da LEF disse da suspensão do prazo prescricional por 180 dias, sem previsão no CTN, foi rechaçado por este Egrégio Superior Tribunal de Justiça em sede do REsp 667810/PR.

Outro exemplo, antes da alteração do Código Tributário Nacional pela Lei Complementar 118/05, quando havia conflito entre o art. 8º, §2º, da LEF, que estabeleceu a interrupção da prescrição pelo despacho que ordena a citação, e o Código Tributário Nacional dizia da interrupção pela citação pessoal, sendo considerados inválidos ou inaplicáveis os dispositivos da LEF em matéria tributária, conforme jurisprudência que se consolidou neste sentido.

Em razão da edição da Súmula Vinculante nº. O próprio Supremo Tribunal Federal manifestou-se pelo regramento material da norma de prescrição por meio de lei complementar, atribuindo efeitos vinculantes a sua pacificação.

“Tendo sido publicada na Imprensa Oficial, a Súmula Vinculante em questão não pode ser descumprida pelos demais órgãos do Poder Judiciário, nem pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (cf. art. 103-A da CF). Eventual ato administrativo ou decisão judicial que a contrariar ou a aplicar indevidamente ensejará “reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da Súmula, conforme o caso” (cf. art. 103-A, §1º, da CF)[38]

Apesar dos precedentes da Súmula Vinculante do STF nº 8 não desenvolver a composição dos marcos interruptivos na materialidade da norma de prescrição, não há como não se reconhecer sua presença.

A materialidade da norma de prescrição está prevista em seu antecedente normativo, no qual se encontram presente os conjuntos de fatos típicos subsumíveis a sua incidência, é esta classe de fatos matéria exclusiva de Lei Complementar.   

Deste modo, concluímos da mesma forma que abalizada doutrina, aqui representada por Renato Lopes Becho, no seguinte sentido:

Entretanto, considerando que o legislador estipulou deforma diferente, quer no Código de Processo Civil, quer no Código Tributário Nacional, ou ainda na Lei de Execução Fiscal, como vimos no item precedente, é forçoso reconhecermos que o REsp nº. 1.120.295/SP não atende ao princípio da legalidade, estipulado constitucionalmente (CF, art. 5º, inc. II)e repetido para o Direito Tributário (CF, art. 150,I). No sentido da legalidade tributária, determinou o constituinte que não se exigirá tributo “sem lei que estabeleça”. Todavia ao se exigir tributo sem atentar para a legislação de regência é o mesmo que exigir tributo não estabelecido em lei.[39]

CONCLUSÃO

Desde o início dos trabalhos, nos dedicamos no sentido de compartilhar a visão sobre o instituto da prescrição em matéria tributária como uma norma processual, transportada do direito processual, tendo em vista que sua incidência ocorre como

Entretanto, a materialidade da norma prescricional, que identificamos em seu antecedente normativo, encontra-se vinculada ao exercício da competência por meio de lei complementar, nos termos dispostos no artigo 146, III, b da Constituição Federal.    

Ao construirmos a norma padrão do instituto da prescrição, observamos que sua proposição hipotética se preocupa em classificar os fatos prescritíveis sobre a análise de 3 elementos, (i) marco inicial, (ii) fluxo de tempo, e (iii) marco final, sendo estes elementos que compõem a materialidade da norma prescritiva.

Desta forma, partilharmos do caráter da prescrição como uma limitação objetiva de estabilização temporal, derivada dos primados de Segurança Jurídica, na forma de evitar a perpetuação de relações jurídicas no tempo.

Observamos, que o julgado do Recurso Especial 1.120.295/SP, objetivou estabelecer um antecedente normativo diferente das demais normas prescritivas do ordenamento jurídico, atuando como fonte do direito positivo.

Ocorre que, a prática de atos que visem contrariar a divisão de poderes delineados pela Constituição Federal, representa patente violação a estrutura do Estado Democrático de Direito vigente, ao qual cabe ao Poder Judiciário figurar como garantidor da legalidade, sendo o que se espera do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça na oportunidade de rever seu posicionamento.

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Sobre o autor
João Gabriel Casemiro Águila

Sócio Diretor do escritório Águila Advogados Associados, atuante no ramo de direito tributário, empresarial e operações financeiras, com vasta experiência em contencioso e consultivo. Professor Direito Tributário, com experiência em pós-graduação na Escola Paulista de Direito – EPD e outras instituições. Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, graduado UNAMA/PA - Universidade da Amazônia, Belém, Pós-graduado em Direito Tributário ("lato sensu") pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP,Concluinte do Curso de Extensão em Teoria Geral do Direito ("lato sensu") pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/SP. Curso de Extensão em Contabilidade Fiscal na Fundação Getúlio Vargas – FGV. Concluinte do Curso de Extensão em Contabilidade Tributária pela Associação Paulista de Estudos Tributários – APET. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil.

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