RESUMO
O processo de globalização imprimiu uma aproximação maior entre os países. Por sua vez, ao tomar conhecimento de outros sistemas e processos, cada um interagiu de forma diferente com o seu meio. Internamente essa interação gerou mudanças que se processaram, e ainda se processam, numa velocidade tamanha, requerendo das instituições um acompanhamento contínuo das suas evoluções individuais. Nesse contexto, com a Constituição de 1988, houve uma evolução jurídica, onde foram reconhecidos direitos e proporcionadas as respectivas garantias destes, tais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Por sua vez, as leis e regulamentos, tiveram que se adaptar, rapidamente, à nova ordem constitucional, sob pena de serem excluídos do mundo jurídico, ou melhor, dizendo, ter a sua inclusão forçada pelas ações judiciais, em todas as esferas privada e pública. A própria Força Aérea como um todo teve que implantar mudanças para continuar inclusa no novo momento que surgiu. Porém, existem partes que ainda estão exclusas, ou não totalmente incluídas, como o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica. Autores renomados do direito têm abordado esse tema, visando nortear o embasamento das possíveis reformulações necessárias. Se pode citar, dentre os autores referenciados Hely Lopes Meirelles, no Direito Administrativo, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, no Direito Administrativo Militar, Alexandre Henriques da Costa et al, no Direito Administrativo Disciplinar Militar, e Celso Ribeiro Bastos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho e André Ramos Tavares, no Direito Constitucional. Aplicando-se as teorias das regras e dos princípios além da teoria Kelseniana, denominada como teoria pura do Direito (Hans Kelsen), comparou-se os dispositivos do RDAER e da Lei Maior. A Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 5º, inciso LIV prescreve que : "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Esta garantia constitucional pressupõe a existência da ampla defesa e do contraditório, e o respeito ao princípio da legalidade para que uma pessoa possa ter o seu jus libertatis cerceado, seja na esfera criminal ou administrativa. Os militares das forças armadas e das forças auxiliares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar) no exercício de suas atividades constitucionais ficam sujeitos a dois diplomas pelo cometimento de faltas contrárias ao ordenamento: o Código Penal Militar (C.P.M) e o Regulamento Disciplinar (R.D). O Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1.001 de 21 de outubro de 1.969, foi aprovado pela Junta Militar que substituiu o General Costa e Silva, e traz os crimes militares em tempo de paz e em tempo de guerra, aos quais estão sujeitos os militares das Forças Armadas e Auxiliares. O Regulamento Disciplinar é o diploma castrense que trata das transgressões disciplinares, as quais estão sujeitos os militares, sendo uma norma interna corporis No Brasil, cada Força Armada possui o seu regulamento disciplinar que traz suas disposições e particularidades.
Palavras-chave: Constituição, Direito, Disciplina, Regulamento.
ABSTRACT
The globalization process printed a bigger approach between the countries. In turn, when taking knowledge of other systems and processes, each one interacted of different form with its half one, Internally this interaction generated changes that if they had processed, and still they are processed, in a so great speed, requiring of the institutions a continuous accompaniment of its individual evolutions. In this context, with the Constitution of 1988, it had a legal evolution, where they had been recognized proportionate rights and the respective guarantees of these, such as due process of law, legal defense and the contradictory. In turn, the laws and regulations, had had that to adapt itself, quickly, to the new constitutional order, duly warned to be excluded of the world legal, or better, saying, to have its inclusion forced for the legal actions, in all the spheres private and public. The proper Air Force as a whole had that to implant changes to continue enclose at the new moment that appeared. However, parts that still are included, or not total enclosed exist, as the Regulation To discipline of the Aeronautics. Famous authors of the right have boarded this subject, aiming at to guide the basement of the possible necessary reformularizations. We can cite, amongst referenciados authors Hely Lopes Meirelles, in the Administrative law, Pablo Tadeu Rodrigues Rosa, in the Administrative law To militate, Alexander Enriques of Costa et al, in the Administrative law Military regulations, and Celso Ribeiro Bastos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho and Andres Ramos Tavares, in the Constitucional law. Applying itself you would have of the rules and the principles beyond the Kelseniana theory, called as pure theory of the Right (Hans Kelsen), compared the devices of the RDAER and the Law Biggest. The Federal Constitution of 1.988, in its article 5º, interpolated proposition LIV prescribes that: “nobody will be private of the freedom or its good without due process of law”. This constitutional guarantee estimates the existence of legal defense and the contradictory, and the respect at the outset of the legality so that a libertatis person can have its “ius” curtailed, either in the criminal or administrative sphere. The military of the Armed Forces and the forces auxiliary (Military Policy and Body of Military Fireman) in the exercise of its activities constitutional are citizens the two diplomas for the cometimento of contrary lacks to the order: código Penal Militar (C.P.M) and Regulamento Disciplinar (R.D). The Criminal Code To militate, Decree nº 1,001 of 21 of October of 1.969, was approved by the Military Meeting that substituted General Costa and Silva, and brings the militar offenses in time of peace and time of war, which are citizens the military of the Armed Forces and Auxiliares. The Regulation To discipline is the military diploma that deals with the trespasses to discipline, which is citizens the military, being an internal norm corporis In Brazil, each Armed Force possesss its regulation to discipline that it brings its disposals and particularitities.
Word-key: Constitution, Right, Discipline, Regulation.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CADH – Convenção Americana de Direitos Humanos
CD – Conselho de Disciplina
CF – Constituição Federal
CJ – Conselho de Justificação
COJAER – Consultoria Jurídica Adjunta do Comando da Aeronáutica
COMAER – Comando da Aeronáutica
CONJUR – Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa
CP – Código Penal Brasileiro
CPM – Código Penal Militar
CPP – Código de Processo Penal Brasileiro
CPPM – Código de Processo Penal Militar
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
EM – Estatuto dos Militares
MD – Ministério da Defesa
PSJCR – Pacto San Jose da Costa Rica
RDAER – Regulamento Disciplinar da Aeronáutica
RDE – Regulamento Disciplinar do Exército
REGMAR – Regulamento Disciplinar da Marinha
SIJ – Seção de Investigação e Justiça
SINT – Seção de Inteligência
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 7
2 METODOLOGIA................................................................................................................. 11
3 HISTÓRICO........................................................................................................................ 14
3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA.............................................................................................. 14
3.2 TEORIA DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS........................................................... 26
4 REFERENCIAL TEÓRICO.............................................................................................. 38
4.1 A TEORIA KELSENIANA ............................................................................................. 38
5 APRESENTAÇÃO DOS DADOS E SUA ANÁLISE.................................................... 44
5.1 AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS..................................................................... 44
5.2 surgimento do direito à defesa PROCESSUAL no brasil................ 50
5.3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NA CF/88............................................................... 52
5.4 A AMPLA DEFESA NA CF/88...................................................................................... 57
5.5 O CONTRADITÓRIO NA CF/88................................................................................... 61
5.6 O DIREITO PROCESSUAL DISCIPLINAR MILITAR............................................... 62
5.7 O RDAER......................................................................................................................... 68
5.8 A PORTARIA Nº 839/2003 E SUAS LIMITAÇÕES................................................... 70
5.9 CONFRONTO TEÓRICO DOS PRINCÍPIOS DA CF COM O RDAER.................. 72
6 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 79
7 RECOMENDAÇÕES......................................................................................................... 82
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 85
GLOSSÁRIO.......................................................................................................................... 88
1 INTRODUÇÃO
Nossa geração foi marcada pelo nascimento de um novo ordenamento jurídico, uma nova realidade, sepultando um passado caracterizado por atos abusivos.
A atual Constituição foi o ícone desta nova etapa jurídica e política de nosso país: uma democracia mais humanista e voltada a assegurar direitos fundamentais.
Ao assumir o ápice do ordenamento jurídico, a Magna Carta passou a determinar de forma criteriosa a interpretação de atos normativos que lhe são hierarquicamente inferiores, e que de maneira nenhuma com ela podem chocar-se, sob pena de serem declarados nulos.
O mundo moderno pode ser resumido como um complexo de sistemas de diversas dimensões, de macro a micro, que interagem em busca de um equilíbrio, exercendo pressões mútuas no ambiente organizacional que se situam. Neste prisma, de forma mais específica, estão localizados o Comando da Aeronáutica e o ordenamento jurídico brasileiro. Os pontos de interação por parte do Comando da Aeronáutica são as suas diversas portarias, regulamentos, enfim, todo o conjunto de normas que visam a regular o seu funcionamento e, dentre eles, o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica.
O Regulamento Disciplinar da Aeronáutica é composto por um conjunto de regras de conduta, efetivadas para manter a hierarquia e, também, obviamente, a disciplina, sendo esta um fator de fortalecimento daquela. Logo a eficiência e a eficácia da instituição militar não dependem, somente, do adestramento do seu efetivo, mas, com certeza, da existência e da manutenção desses dois pilares básicos. "Manobrar um exército é vantagem; uma multidão indisciplinada, um perigo”.(SUN TZU, 2003, p. 42).
A Constituição Federal é a nossa lei maior que não pode ser ferida por outras leis, decretos, portarias ou quaisquer outros instrumentos legais.
A hierarquia das leis, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, não admite, em tese, que nenhuma norma que esteja abaixo desta lei maior venha a se sobrepor ao seu respectivo texto.
Por outro lado, há que ser observado o prescrito pelo Direito Administrativo, ordenador das ações dos órgãos, dos agentes e das atividades públicas, abrangendo, portanto, a administração militar.
Em toda sociedade, uma mudança brusca leva um certo tempo para ser absorvida, pois implica a troca de velhos conceitos por novos institutos, impondo, embora muitos insistam em reagir, a quebra de paradigmas. Não seria diferente nas Forças Armadas.
Este ensaio pretendeu identificar como objetivo geral esses novos conceitos, mais precisamente os direitos fundamentais de todo cidadão, principalmente do militar, confrontando Constituição, Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAER), no tocante à apuração e aplicação da sanção disciplinar ao militar que está submetido a processo administrativo disciplinar.
A presente pesquisa tem como problema proporcionar uma noção sobre em que medida o RDAER está em dissonância com o ordenamento jurídico pátrio e também o aprimoramento de idéias neste campo da Administração Militar.
A escolha desse tema decorre da urgência que a Força Aérea Brasileira tem para incorporar de forma plena as modificações trazidas pela Carta Constitucional de 1988, principalmente no que se refere aos regulamentos militares.
Não se pretende, com este trabalho, fazer uma apologia à quebra dos princípios da hierarquia e disciplina. Ao contrário, busca-se colocar a figura do militar na mesma condição de igualdade do cidadão quanto ao aspecto do processo administrativo disciplinar e perante a Constituição, conforme prevê o art. 5º e, dessa forma, evitar que sejam cometidos excessos e injustiças.
As autoridades militares devem evitar aplicar a seus agentes alguns dos antigos regulamentos, pois alguns destes foram tacitamente revogados pelo texto constitucional. Devem-se observar rigorosamente os novos mandamentos, sob pena de estar-se julgando com amparos ilegais, e, conseqüentemente, ter-se essas decisões anuladas pelo Poder Judiciário, ocasionando prejuízos financeiros e morais à Instituição.
Pretende-se ainda que este ensaio possa, no futuro, servir de base para o operador jurídico que aspire a um maior aprofundamento nas questões referentes às Forças Armadas.
Num primeiro momento, a questão da transgressão disciplinar choca-se com a formação recebida nas escolas militares, ainda mais ao comparar-se ao princípio constitucional da ampla defesa.
O aumento acentuado da “interferência” do Poder Judiciário em questões administrativas disciplinares do Comando da Aeronáutica, tem como um dos motivos principais a desatualização do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAER), frente à Constituição Federal de 1988 (CF/88).
O RDAER, principal instrumento de aplicação da disciplina na Aeronáutica, por não estar coerente e adaptado à Carta Magna vigente, fere alguns princípios constitucionais, tais como: o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Conseqüentemente, tem permitido o incremento de anulações de punições disciplinares, através de liminares que abalam a autoridade do comando e estimulam iniciativas análogas, tendo em vista a facilidade com que tais decisões são obtidas.
No RDAER é preciso haver algumas adaptações para uma perfeita adequação das normas castrenses à Carta Magna.
Os militares, assim como os demais cidadãos, possuem direitos e garantias fundamentais que foram assegurados pela Constituição de 1988, e que devem ser observados e respeitados, em atendimento aos preceitos constitucionais e a própria existência do Estado Democrático de Direito.
É importante observar que não se busca negar à autoridade militar os princípios fundamentais das organizações militares, hierarquia e disciplina, mas o que se pretende é um perfeito enquadramento da legislação disciplinar da Aeronáutica ao disposto no Texto Constitucional.
A adoção de medidas de adequação da disciplina aos princípios constitucionais é importante para oferecer aos comandos a segurança necessária para que possam efetivamente promover a disciplina e defender os princípios das instituições militares, sem incorrer em erros técnicos que ensejem a responsabilização civil, administrativa ou até criminal da autoridade.
A fim de atingir o objetivo geral do estudo, o pesquisador adotou os seguintes objetivos específicos:
{C}a) {C}analisar e elucidar os princípios constitucionais que sustentam o pilar do Estado Democrático de Direito;
{C}b) {C}identificar os dispositivos inseridos no Regulamento Disciplinar da Aeronáutica que estariam em dissonância com os princípios constitucionais, e;
{C}c) {C}analisar o processo atual de apuração da transgressão disciplinar e verificar se está sendo observado o devido processo legal e demais princípios de nossa Lei Maior.
Em âmbito internacional descreveram-se os pactos que a República Federativa do Brasil efetuou no que tange à proteção dos princípios da defesa, do contraditório e do devido processo legal, como por exemplo o PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA, que é a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Estudou-se o tema da pesquisa científica, contextualizando-a no Comando Aeronáutica, seu Regulamento Disciplinar e seu Estatuto, além da Portaria nº 839/2003, bem como se delineou os dispositivos destas normas que estariam em discordância com a Carta Magna e com o Ordenamento Jurídico vigente.
Finalmente, apresentaram-se os resultados da pesquisa, por meio da análise das informações colhidas, comparando-se o disposto nos primeiros capítulos.
Não existe a pretensão de esgotar o tema em si, mas colaborar com este trabalho, pois se acredita que é dever da Instituição respeitar e proteger os direitos individuais do cidadão, devendo desta forma conquistar a confiança e o respeito do público. A Força Aérea deve igual proteção e tratamento a todos os seus integrantes, principalmente quando o suposto infrator encontrar-se sob a sua tutela, como parte do seu dever-poder.
2 METODOLOGIA
A metodologia do presente relatório de pesquisa será de natureza descritiva quanto ao objetivo geral e, quanto aos objetivos específicos bibliográfica e documental.
Utilizou-se o tipo de delineamento de levantamento, por ser considerado, na literatura jurídica, adequado e aplicável ao estudo de assuntos que possibilitem a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado.
A pesquisa será realizada, quanto ao objetivo geral, de forma descritiva porque trabalhará com as variáveis apresentadas no problema enfatizando em que medida os dispositivos do RDAER estariam em confronto com os princípios vigentes no ordenamento jurídico pátrio trazendo maiores benefícios à análise em pauta.
Com base nas palavras de RUDIO (2001, p.71), descrever é narrar o que acontece, desta forma, a pesquisa descritiva está interessada em descobrir o que acontece; conhecer o fenômeno, procurando interpretá-lo, e descrevê-lo. Assim pretende-se utilizar essa metodologia eis que mais adequada à pesquisa científica em tela.
Uma pesquisa descritiva deve empregar a observação de primeira mão, interessar-se pelo cotidiano, situar-se num contexto de descobrimento, importar-se mais com os significados do que com a freqüência dos fatos e deve buscar o específico e o local para encontrar padrões.
Vergara (2000, p. 47) argumenta que a pesquisa descritiva expõe as características de determinada população ou fenômeno, estabelece correlações entre variáveis e define sua natureza. "Não têm o compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação". Cita como exemplo a pesquisa de opinião, o que no caso em pauta surge como ferramenta para se descrever a existência ou não de alguma discrepância jurídica no RDAER em face da Constituição Federal de 1988.
Gil (1991, p. 46) acrescenta que algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre variáveis, pretendendo determinar a natureza dessa relação.
Contrariando os enfoques abordados, Locke et al. (1998, p. 128), consideram que a pesquisa descritiva apenas captura e mostra um cenário de uma situação, expressa em números e que a natureza da relação entre variáveis é feita na pesquisa correlacional.
Dessa forma, o autor ressalta a inter-relação com o problema de pesquisa, ao afirmar que sua utilização deverá ocorrer quando o propósito de estudo for descrever as características de grupos, estimar a proporção de elementos que tenham determinadas características ou comportamentos, dentro de uma população específica, descobrir ou verificar a existência de relação entre variáveis.
No que tange aos demais objetivos do estudo científico em pauta utilizar-se-á a metodologia de pesquisa bibliográfica, uma vez que a seleção das técnicas utilizadas encontra-se amparada, também, por Lakatos (2002), que cita como finalidade da pesquisa bibliográfica, colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito dito ou filmado sobre determinado assunto, analisando e elucidando os princípios constitucionais que sustentam o pilar do Estado Democrático de Direito; identificando os dispositivos inseridos no Regulamento Disciplinar da Aeronáutica que estariam em dissonância com os princípios constitucionais e, analisando o processo atual de apuração da transgressão disciplinar para verificar se está sendo observado o devido processo legal e demais princípios de nossa Lei Maior.
A pesquisa bibliográfica abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, dissertações, internet etc., até meios de comunicações orais: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filme e televisão. “A sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi dito, escrito ou filmado sobre determinado assunto”, (LAKATOS e MARCONI, 1996, p. 66).
Nesse sentido, Köche (1997, p. 122) reforça o aspecto do objetivo da pesquisa bibliográfica:
conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um determinado tema ou problema, tornando-se instrumento indispensável a qualquer tipo de pesquisa.
Realizar-se-á coleta de dados em livros e interpretação das teorias e princípios do marco teórico e das fontes bibliográficas de forma a apontar as incoerências do RDAER frente ao ordenamento jurídico vigente. A interpretação e subsunção das teorias, princípios, métodos e informações jurídicas à pesquisa em pauta fará parte da segunda parte da metodologia.
Pretende-se, ainda, chegar a uma conclusão jurídica com base em estudiosos e doutrinadores, além de um método comparativo com outros ordenamentos jurídicos oriundos de outras nações, e da própria Organização de Direitos Humanos, em nível mundial, para se averiguar em que patamar se coloca o princípio da ampla defesa e do contraditório em nosso RDAER.
3 HISTÓRICO
3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
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"É complexo o conteúdo da expressão Justiça Militar" (BARRETO, Adalberto. I Congresso de Direito Penal Militar: saudação em nome da comissão organizadora. Rio de Janeiro: Superior Tribunal Militar, Anais do I Congresso Brasileiro de Direito Penal Militar, 1958. p. 247-268), pois de um lado compreende o Direito Penal Militar, o Processo Penal Militar, a Organização Judiciária Militar e de outro lado os Estatutos Militares, os regulamentos disciplinares e o ordenamento das formas de apuração das faltas disciplinares e suas respectivas punições disciplinares. Confunde-se o estudo da origem da hierarquia e da disciplina militar com o próprio estudo da Justiça Militar e do Direito Militar, que tem como finalidade maior a tutela desses bens jurídicos, como será abordado oportunamente. É com este sentido amplo que examina-se a evolução do Direito Militar e da Justiça Militar, cujo surgimento se perde na História. Constatações como "já se tornou cediça a afirmação segundo a qual o Direito Militar e com ele a Justiça Militar datam do aparecimento dos exércitos permanentes", ou "por imperativo dos fatos mesmos, a jurisdição penal militar aparece, na mais remota antigüidade, quando surge, conjuntamente com o Estado, o corpo armado..." [, ou, segundo VON LIZT, "a história do direito penal militar data do aparecimento dos exércitos permanentes" (ROSA, P. T. R. ‘O regulamento disciplinar e suas inconstitucionalidades’, Disponível em: www.ujgoias.com.br> Acesso: em 20 set. 2001), são freqüentes nas obras que procuram retratar as origens dessa JUSTIÇA. Apesar de não haver um estudo adequado, com cunho científico, aparecem registros na história dos povos sobre a JUSTIÇA MILITAR, sendo possível encontrar-se alguns traços referentes a uma disciplina tomada hoje como militar, junto ao exército respectivo, entre os povos mais antigos. Quando o homem entrou na faixa das conquistas e das defesas para o seu povo, aí, provavelmente, a JUSTIÇA MILITAR deu os seus primeiros passos, pois logo sentiu a necessidade de poder contar, a qualquer hora e em qualquer situação, com um corpo de soldados disciplinados, sob um regime férreo e com sanções graves e de aplicação imediata. Perante um inimigo, sob condições as mais adversas, colocando em risco a sua vida e em jogo os interesses de um povo, os integrantes desse exército teriam que estar sob controle total de seus chefes e em condições de utilização imediata. Seguramente, era uma justiça da força militar na força militar. Fatos que hoje se tem como crime militar eram apontados no CÓDIGO DE UR-NAMMU (UR-NAMMU, da cidade de UR, fundador da III Dinastia de UR, na antiga Mesopotâmia), a mais antiga lei conhecida, mas sem uma jurisdição militar, e sim submetidos à vontade do Rei, o seu maior chefe. O CÓDIGO DE HAMMURABI (HAMMURABI, sexto rei da BABILÔNIA, governou por 43 anos), também apresentava normas de caráter militar, assim como antigas leis assírias e egípcias. Sobre o Egito antigo, DEODORO SICUTO (Histoire Universelle, de 1737) , lembra punições infligidas nas Leis de Sesostris III. A partir da descoberta da escrita cuneiforme, graças a SIR HENRY RAWLINSON, militar, diplomata e orientalista, pôde-se conhecer as leis do Rei HAMMURABI, que viveu entre 1728 e 1686 A.C., onde também se encontram referências à hierarquia e disciplina militar:
Suas prescrições de justiça, onde anematiza aquele que negligenciasse o cumprimento dos preceitos inseridos no Código, que tomou seu próprio nome, escreveu: ´Que Samas, o grande Juiz do céu e da terra, aquele que conduz retamente os seres vivos, o senhor, meu refúgio, derrube a sua realeza, não promulgue o seu direito, confunda o seu caminho, faça cair a DISCIPLINA do seu EXÉRCITO´ etc.( REALE, M. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 76) Na Grécia antiga, junto aos gregos – "como salientou SARA DE FIGUEIREDO - mencionando SADY CARDOSO GUSMÃO: ´para salientar que a origem da Justiça Militar quase se perde na noite dos tempos`" (MACHADO, H. de B. ‘As decisões judiciais e o Estado de direito’. Disponível em: www.jus.com.br> Acesso em 10 out. 2001) - "HOMERO já falava de anciãos, escolhidos dentre guerreiros, sentados diante de Tróia, a administrar justiça" (CROSA, E. apud in SILVA, Curso de direito constitucional positivo). Talvez aludindo às punições aplicadas por Milcíades e Aristides. Menciona-se que as punições aplicadas nessa época não se distinguiam entre punições de natureza administrativa ou penal, ambas eram de natureza jurídica, especialmente em ATENAS e ESPARTA, onde se encontrava a jurisdição militar como uma instituição jurídica parecida à atualmente existente, distinguida, apenas, entre jurisdição militar em tempo de paz e jurisdição militar em tempo de guerra, com a decisão ficando com os chefes militares e, em especial, com os Estrategas. Diz CHRYSOLITO DE GUSMÃO que: Em conseqüência de não possuírem os gregos uma concepção diferenciada e específica dos delitos militares, devido ao fato, principalmente, de que todo cidadão era considerado soldado da pátria, tampouco tinham também os helenos uma justiça militar que estivesse nitidamente separada da justiça comum (PINHEIRO, Jacy Guimarães. Disciplina e coragem do "militaris romanus". Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 9, n. 11/12, p. 61, 1986/1987). GUSMÃO acrescenta que na Grécia antiga, a justiça militar era exercida, "a princípio, pelo Archonte, juiz sacerdote, que conhecia dos delitos militares, julgando-os e lhes prescrevendo as necessárias e correspondentes penas", competência essa passada, aos poucos, para os Estrategas, e depois para os Taxiarcos. (destaquei) Desde aquela remota época, fixou-se entendimento de que os delitos militares deveriam ser apurados e julgados pelos próprios militares, haja vista a completa compreensão dos valores e idiossincrasias da profissão das armas. PLATÃO (A República: diálogos I. Trad. de Sampaio Marinho, Lisboa, Portugal: Publicações Europa - América, 1975, Livros II, III e IV - p. 41 a 150), mesmo lamentando a existência da guerra, por tê-la, "no mais alto grau, geradora de males privados e públicos nas cidades, quando nela aparece", diz que na arte da guerra deve-se ter coragem para combater bem, e que a educação dos guerreiros, estes selecionados em razão do trabalho que irão desempenhar, deve ter um campo próprio de conhecimentos, voltado à natureza das atividades das armas. Daí, que: o magistrado deveria pertencer à mesma arma do militar culpável, de modo que o infante fosse julgado por outro infante, e de igual modo com respeito às demais armas.(SOTOMAYOR, Renato Astrosa. op. cit., p. 20) Em Roma, a Justiça Militar avança com uma organização e um campo melhor delimitados, merecendo um capítulo especial no DIGESTO - DE RE MILITARE. Com os grandes povos que se destacaram na antigüidade da História Universal - egípcios, babilônios, assírios, persas, gregos etc. - os exércitos, exceto o dos gregos, eram mais uma reunião de povos subjugados, com predominância do então povo dominante. Assim, as regras internas e suas organizações militares, ou eram em número reduzido, ou eram de difícil aplicação a todos, ou delas pouquíssimos registros foram detectados. Com os romanos, porém, a Justiça Militar e o Direito Militar ganham realce maior, eis que, e nunca é demais se fazer a anotação, Roma e sua glória devem, e muito, ao seu exército. Enquanto estes se mantiveram unidos, fortes, disciplinados, organizados, treinados, os romanos foram alargando o seu território, chegando aos confins do mundo na época conhecido, e puderam manter-se no domínio de vários outros povos por centenas de anos, bastando dizer-se que o império romano do ocidente só veio a cair em 476 d.C., e o do oriente, muito mais tarde, já no século XV, ou mais precisamente, em 1453. Tantos anos de poder só podem ser explicados a partir de um exército forte e disciplinado o suficiente para conquistar e manter terras e gentes. Se o romano também foi grande no Direito, grande também se revelou no Direito Militar. Mais de três mil anos se passaram na história da Justiça Militar para se chegar a Roma. Já nesta, o período fica restrito do século II a.C. à morte de JUSTINIANO, em 565 d.C. É com CÉSAR AUGUSTO que a jurisdição penal militar adquire características próprias de uma instituição jurídica, e a história da organização militar de Roma é dividida por LINS (LINS, Edmundo Pereira. op. cit., p. 481-2), em três períodos: 1º - o que vai da fundação da cidade à guerra social. Durante esse largo espaço de tempo, todos os cidadãos são soldados e todos os soldados são cidadãos. Acham-se, portanto, sujeitos ao jus commune; 2º - o dos exércitos mercenários, que apareceram com as guerras civis. Estas assinalaram a decadência da República, com a qual cessaram os aludidos exércitos. Estes se achavam, igualmente, sujeitos ao mesmo jus commune; e 3º - o dos exércitos permanentes. Estes começaram nos primeiros anos do Império; sofreram, na respectiva organização, modificação essencial no segundo século; e transformaram-se, completamente, no reinado de Deocleciano. Nesse último período, sedimentam-se as diferenças entre o crime propriamente ou impropriamente militar. Tais diferenças de entendimento doutrinário e jurisprudencial projetaram-se no tempo e no espaço até os nossos tempos. Portanto, a Justiça Militar, contemporânea dos mais antigos povos civilizados, consolidou-se na antiga Roma, onde o DIGESTO - DE RE MILITARE - contém todas as normas do Direito Militar e da Justiça Militar que possibilitaram a coesão e a eficácia dos exércitos romanos. A História registra que o Império de Roma só se formou graças à disciplina das legiões romanas, firmada em um rígido Direito Militar, aplicado pela Justiça Castrense (A expressão JUSTIÇA CASTRENSE, ou DIREITO CASTRENSE, aparece como sinônimos de JUSTIÇA MILITAR, ou DIREITO MILITAR; a palavra CASTRENSE vem do latim CASTRA, CASTRÓRUM, que quer dizer acampamento, fortificação militar, quartéis de verão “castra aestiva”, quartéis de inverno (castra hiberna), e, por extensão, caserna; assim como "justa militaria" significa deveres da vida militar, também do latim JUSTA, JUSTORUM (o devido, o justo) In: FERREIRA, Antônio Gomes. Dicionário de latim-português. Porto, Portugal: Porto Editora, 1983. p. 205 e 649). E que, quando se afrouxou a disciplina, com generais pondo e depondo Imperadores, sobreveio o caos, e Roma, com sua glória, ruiu. Caindo Roma e surgindo a chamada Idade Média: precisa de paciência beneditina o exegeta para rastrear o crime militar nas hostes bárbaras, encontrando parcos subsídios em César e Tácito (ROMEIRO, João. op. cit., p. 10). Pretendendo-se chegar ao Brasil, busca-se logo, na história da Idade Média, a situação de Portugal em relação à organização dos seus corpos militares e sua justiça, mais especificamente com a Justiça Militar. Colonizado por Portugal, o Brasil, até então habitado pelos indígenas, recebeu tudo de Lisboa, inclusive o Direito e os exércitos. Só após muitos anos os brasileiros puderam definir seus destinos, estabelecendo suas leis, seus documentos normativos, sua vida jurídica e seu exército e armada nacional. Daí, a necessidade de se passar por Portugal, nesse levantamento histórico. Portugal, como toda a Europa, sofreu com as transformações ocorridas logo após a queda do Império Romano do Ocidente, vendo-se todo o território, até então romano, ser dominado por hordas de bárbaros, as mais variadas. Para a península ibérica vale mencionar os visigodos, e deles o Rei ALARICO, que em 506 d.C. mandou compor o BREVIARIUM, também chamado LEX ROMANA WISIGOTHORUM ou CÓDIGO DE ALARICO, que era uma súmula das leis do CÓDIGO GREGORIANO, das INSTITUTAS DE GAIO e das SENTENÇAS DE PAULO, ou seja de forte base romana, produzindo fácil recepção ao costume local e poucas alterações ao ordenamento jurídico anterior. Mais tarde, em 693 d.C., o REI ÉGICA fez o CÓDIGO VISIGÓTICO (ou FORUM JUDICUM). Com o CÓDIGO VISIGÓTICO, denominado ainda de LEX WISIGOTHORUM, a LUSITÂNIA, regida pelas leis romanas, vê confirmarem-se novamente em suas terras as Leis de Roma, pois esse Código é a junção delas com a magistratura episcopal, cristãos que eram os visigodos. Com a invasão árabe na região, em 712, e a destruição do Império Visigótico, após cinco anos de lutas, teve início essa nova dominação, que não obstante os setecentos anos de domínio sarraceno na península hispânica, não lograram deixar traços consideráveis no mundo jurídico que nos antecedeu. Nenhuma via foi aberta para possibilitar a entrada do Direito mouro no FORUM JUDICIUM (ou CÓDIGO VISIGÓTICO), pois "nunca foi aceita e sempre repelida pelos vencidos subjugados e pelos visigodos refugiados nas Astúrias" (GARCEZ, Aroldo. A saga da lei: o julgador, o crime e o castigo. Caxias do Sul: Editora da Universidade de Caxias do Sul (EDUCS), 1990. p. 13, 14 e 26). Por várias razões ROMEIRO (ROMEIRO, João. op. cit., p. 10) já havia ressaltado que as mais variadas leis da época demonstram que desde o período romano até os séculos atuais, os delitos militares receberam sanção de inúmeras leis que podem ser apontadas como a gênese dos atuais Códigos Militares da época contemporânea. Nota-se que ROMEIRO utiliza a expressão delitos militares como sinônimo de crime e transgressão militar, assim como Códigos Militares abrangem os Códigos Penais e os Disciplinares. As fontes das ORDENAÇÕES AFONSINAS, e por via de conseqüência das demais Ordenações (MANUELINAS e FILIPINAS): compreendem todo o direito anterior: usos e costumes, forais, leis gerais, determinações da Corte registradas no Livro Verde, concordatas com a Santa Sé, além do direito romano, canônico e visigótico (SEGURADO, Milton Duarte. O direito no Brasil. São Paulo: José Buschatsky Editor e Editora da Universidade de São Paulo, 1973, p. 58). Como as outras Ordenações posteriores, as AFONSINAS estavam divididas em cinco livros, sendo o 1º, o judex (sobre o juiz); o 2º, o judicium (sobre o processo); o 3º, o clerus (sobre o clero); o 4º, o connubia (sobre o casamento); e o 5º, o crimem (sobre o crime). Após 75 anos de vigência, ao tempo de D. Manuel, foram elas revogadas, surgindo em seu lugar as ORDENAÇÕES MANUELINAS sem alterações substanciais, mantidos os cinco livros e seus respectivos assuntos, e revogadas em 14 de fevereiro de 1569, com a entrada do CÓDIGO DE D. SEBASTIÃO. No governo de FILIPE III, da Espanha, e II, de Portugal (e do Brasil), foram decretadas as ORDENAÇÕES FILIPINAS, em 1603, que perduraram por mais de dois séculos em Portugal, e vigoraram no Brasil até 1916, pelo menos o seu Livro IV, só revogado com o Código Civil, já que, em matéria penal e processual penal, vigorou até 1830, com a edição do Código Criminal, ou seja, 227 anos, quase a metade da existência do Brasil. Apesar de odiadas pelos portugueses - era a época do domínio espanhol – as ORDENAÇÕES FILIPINAS fundavam-se na eqüidade e no que o direito romano tinha de melhor. O seu Livro V era o Código Criminal, tratando dos delitos e das penas em 143 títulos. O Livro V, aliás, foi denominado famigerado no sentido antigo, por ser famoso, e no sentido moderno, por suas torturas e penas cruéis, como degredo, morte etc. Se as ORDENAÇÕES FILIPINAS, apesar de promulgadas em 1603, eram uma legislação ainda medieval, "identificável com a vingança pública, herança do Direito Visigótico, do Direito Canônico e das Estatutas de Justiniano", como bem comentou GARCEZ (GARCEZ, Aroldo. op. cit., p. 93), a elas juntam-se os ARTIGOS DE GUERRA, do CONDE DE LIPPE, surgidos em 1763, assunto que mais adiante será enfocado. Por sua vez, o Brasil dos primeiros anos só viu a solução dos seus problemas encontrada a golpes de espada ou por uma bala de mosquete. A essa época, leciona WASHIGTON DE MELLO (MELLO, Washington Vaz de. História do direito brasileiro. Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 9, n. 11/12, p. 67 e 68, 1986/1987), "era o Capitão-Mor quem aplicava a Justiça do Rei, constituindo-se, muitas vezes, seu arbítrio à própria lei", e "só eram considerados em vigor as leis do Reino nos pontos em que não colidiram com os termos de doações e forais. A legislação portuguesa era, pois, subsidiária. Existiam, porém, leis peculiares que tinham ampla aplicação", só que "para o colono também não tinham as Ordenações o rigor peculiar a sua aplicação no Reino". Os exércitos aqui existentes não possuíam unidade nacional, inclusive as tropas a serviço do Governador-Geral eram constituídas de alguns militares portugueses, geralmente os oficiais, muitos degredados, mercenários e até índios e escravos. A doutrina dos exércitos era herdada de Portugal e aplicada de forma incipiente e arbitrária. Efetivamente, para VIANNA: (...)a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, alterou, profundamente, a situação de nosso país, que de simples colônia, embora intitulada Estado e geralmente considerada Vice-Reino, repentinamente passava à condição de sede da monarquia lusitana, deixando, portanto, de merecer aquela classificação.(VIANNA, Hélio. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1967. 6. ed. v. 2. p. 13) A referida situação exigiu: a necessidade de ampla reorganização administrativa, tendo em vista não só a transferência, para o Rio de Janeiro, das secretarias de Estado, tribunais e repartições antes estabelecidas em Lisboa, mas também a adaptação à nova ordem de coisas, das que aqui já existiam(...)..(VIANNA, Hélio. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1967. 6. ed. v. 2. p. 13) Logo após a organização dos Ministérios, foi criado, também na cidade do Rio de Janeiro, o CONSELHO SUPREMO MILITAR E DE JUSTIÇA, pelo Alvará de 1º de abril de 1808, com força de lei, assinado pelo mesmo Príncipe Regente (BARBOSA, Raymundo Rodrigues. História do Superior Tribunal. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1952. p. 60). O CONSELHO SUPREMO MILITAR E DE JUSTIÇA acumulava duas funções, sendo uma de caráter administrativo e outra de caráter puramente judiciário. Na de caráter administrativo coadjuvava com o Governo "em questões referentes a requerimentos, cartas-patentes, promoções, soldos, reformas, nomeações, lavratura de patentes e uso de insígnias, sobre as quais manifestava seu parecer, quando consultado" e, na referente aos aspectos judiciários: como Tribunal Superior da Justiça Militar, o CONSELHO SUPREMO julgava em última instância os processos criminais dos réus sujeitos ao foro militar. (PESSÔA, Ruy de Lima. Superior Tribunal Militar. Revista do Superior Tribunal Militar (número comemorativo do 180º Aniversário da Justiça Militar), Brasília, v. 10, n. 1, 1988, p. 24. O CONSELHO SUPREMO MILITAR era composto pelos Conselheiros de Guerra e do Almirantado, e por outros oficiais que fossem nomeados como Vogais, e o CONSELHO SUPREMO DE JUSTIÇA possuía a mesma composição, acrescido de três juizes togados, um dos quais para relatar os processos, segundo o art. 7º, do Alvará de criação (BASTOS, Paulo Cesar. Superior Tribunal Militar: 173 anos de história. Brasília: Superior Tribunal Militar, 1981. p. 23). Foi o surgimento oficial do escabinato na Justiça Militar do Brasil. Com o CONSELHO SUPREMO MILITAR E DE JUSTIÇA instalou-se o primeiro Tribunal Superior de Justiça instituído no Brasil, e: sua originária denominação foi mantida até o advento da República, quando, pela Constituição de 1891, passou a intitular-se SUPREMO TRIBUNAL MILITAR, com organização e atribuições definidas pela Lei nº 149, de 18-7-1893 (FERNANDES, Alm. Esq. Octávio J. S. O Superior Tribunal Militar e a legislação de segurança nacional. Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 7, n. 8, jan./dez. 1983, p. 8). Passando a integrar o Poder Judiciário pela Constituição de 1934 e, com a Constituição de 1946, vindo a ser denominado SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. WILHELM LIPPE, Conde de Schaumbourg, oficial alemão, foi convidado pelo Rei D. JOSÉ I, de Portugal, para reestruturar o exército português, no Século XVIII. Apesar de alemão, alistou-se na marinha inglesa, mais tarde abandonada por motivo de saúde. Era, para PINHEIRO: profundo conhecedor da artilharia e destacou-se nas batalhas de Crefeld, Minden, Lutherbeugen, Fellinguausen, bem como nos cercos de Munster, Cassel, Wesel e Marlburgo, inclusive na cobertura da retirada de Kampsen, sempre a serviço do rei da Inglaterra.(PINHEIRO. Jacy Guimarães. O Conde de Lippe e seus artigos de guerra. Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 4, n. 4, 1978, p. 61) Com uma possível guerra contra a Espanha, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, pediu à Inglaterra um militar que pudesse instruir as tropas portuguesas, sendo, então, indicado o Conde de Lippe. No começo do ano de 1763, o CONDE DE LIPPE ficou, definitivamente, encarregado de reorganizar e disciplinar o exército português, formulando vários planos militares, e criando os famigerados ARTIGOS DE GUERRA: Cujas normas, vigorantes no exército brasileiro durante tantos anos, encerram, na verdade, disposições penais criticáveis, face ao entendimento das doutrinas modernas, mas, para a época, tinham razão de ser, dada a circunstância de formação e recrutamento da tropa, mormente no que tange à necessidade de manter a ordem e a disciplina nas lutas internas e externas que o Brasil enfrentou.(PINHEIRO, Jacy Guimarães. O Conde de Lippe e seus artigos de guerra. Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 4, n. 4, 1978, p. 62) Destaque-se que, nessa época, continuavam em vigor as ORDENAÇÕES FILIPINAS e, na área militar, os recentes Regulamento do CONDE DE LIPPE. Do seu Regulamento, sobraram apenas os ARTIGOS DE GUERRA, que constituíam os Capítulos 23 e 26 desse Regulamento. BARROSO diz que: ambos se referem à disciplina na arma de Infantaria, o primeiro tratando da subordinação ou obediência, o segundo do estado de guerra propriamente dito (BARROSO, Gustavo. O regulamento do Conde de Lippe. Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 7, n. 8, 1983, p. 102). (grifei) O Regulamento do CONDE DE LIPPE vigorou no Exército brasileiro até 1907, quando o Ministro da Guerra, Marechal HERMES RODRIGUES DA FONSECA, fez uma reforma na sua força militar terrestre. Como exemplos do rigor dos ARTIGOS DE GUERRA, destacam-se: artigo 4º - Todo o Militar que cometer uma fraqueza, escondendo-se, ou fugindo, quando for preciso combater, será punido de morte; artigo 15 - Todo aquele que for cabeça de motim, ou de traição, ou tiver parte, ou concorrer para estes delitos, ou souber que se urdem, e não delatar a tempo os agressores, será infalivelmente enforcado; e artigo 5º - Todo o Militar que, em uma batalha, acção, ou combate, ou em outra occasião de Guerra, der um grito de espanto, como dizendo: - O inimigo nos tem cercado - Nós somos cortados - Quem puder escapar-se, escape-se -, ou qualquer palavra similhante, que possa intimidar as Tropas; no mesmo instante o matará o primeiro Official mais próximo, que o ouvir, e se por acaso isto lhe não succeder, será logo preso, e passará pelas armas (pena de morte) por Sentença do Conselho de Guerra.(BARROSO, Gustavo. O regulamento do Conde de Lippe. Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 7, n. 8, 1983, p. 105) O referido artigo 5º tornou-se o mais conhecido e temido, pois levava o autor desse delito à morte, seja pela espada do Oficial mais próximo, e portanto, sem qualquer julgamento, ou seja, após sentença do Conselho de Guerra, este sendo obrigado a decidir também pela morte, pela própria redação dada a esse artigo 5º. Todo o militar de qualquer grau e sem exceção alguma, estava sujeito aos ARTIGOS DE GUERRA, e eles serviam de base ou de leis fundamentais em todos os Conselhos de Guerra, devendo: ser lidos todos os dias ou nos dias de pagamento, em frente das companhias. E nenhum soldado prestaria juramento de fidelidade à bandeira, sem que lhe fossem lidos e explicados claramente (PINHEIRO, Jacy Guimarães. Disciplina e coragem do "militaris romanus". Revista do Superior Tribunal Militar, Brasília, v. 9, n. 11/12, p. 66, 1986/1987). As penas desses ARTIGOS eram muito severas, como o arcabuzamento, a expulsão com infâmia, a morte (pelas armas), pancadas de espada de prancha, o enforcamento, a expulsão, o carrinho perpétuo (argolas de ferro nas pernas), o trabalho nas fortificações etc., todavia as penas corporais foram proscritas com o advento da República. Note-se que, ao mesmo tempo em que os ARTIGOS DE GUERRA do CONDE DE LIPPE eram aprovados em 1763, um jovem de mais ou menos 26 anos, chamado CESARE BONESANA, MARQUÊS DE BECCARIA, lançava nessa mesma época um livro "que modificou toda a filosofia penal do mundo civilizado, pela exposição contrária a vários vícios da prova, inclusive contra as torturas e a pena de morte", intitulado DOS DELITOS E DAS PENAS. Assim, uma vez mais, a disciplina militar, tutelada pelo Direito Militar, administrativo ou penal, mostrou-se pilar base da existência e funcionamento dos Exércitos, desde a Idade Antiga, passando pelas Legiões Romanas, onde ficou historicamente consagrada, chegando as Forças Armadas contemporâneas. Viu-se, portanto, de todo esse percurso, que não foi de agora a consagração da hierarquia e disciplina militar, como valores jurídicos, e do Direito Militar, como instrumento de tutela desses bens. As Forças Armadas constituem corpo especial da Administração, destinando-se, precipuamente, à segurança externa do Estado, bem como de forma secundária, à garantia da ordem interna, num primeiro momento a cargo das polícias (civil/militar), merecendo do legislador constituinte expressa referência e reconhecimento da magnitude de suas atribuições. Emerge do art. 142, caput, da CF/88, que: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da Republica, e destinam-se a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Utilizando, mais uma vez, a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA: As Forças Armadas são instituições Nacionais porque pertencem inteiramente a nação. Permanentes significando que sua dissolução só acontecerá na hipótese de exaurir-se o próprio Estado. E, sendo Regulares, significa que deverão contar efetivos suficiente ao seu funcionamento normal, por via do recrutamento constante, nos termos da lei (DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000,. p. 653). Sua base institucional esta estruturada na hierarquia e na disciplina militar, sem as quais seria de todo impraticável a realização da sua missão e todas as guerras estariam perdidas sem que fosse necessário disparar um tiro sequer. São, ainda, parte inalienável do Estado Democrático de Direito e, muito, além disso, são, o último argumento, os garantes materiais da sua própria sobrevivência, como bem explicitado na Carta Constitucional, que lhes atribuiu a defesa da pátria como missão maior. Distingue-se do setor civil, e a ele até opondo-se, em virtude de sua militarização, "isto é, pelo enquadramento hierarquizadas de seus membros em unidades armadas e preparadas para o combate" (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 25 ed., ver., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 235-7), porque são as detentoras da força pública e nelas se deposita a coação irresistível com que deve contar o Estado para manter a unidade de seu povo e de seu território sob uma ordem pacífica e justa, tal a sua relevante missão constitucional. Hierarquizadas, formam uma pirâmide quanto ao comando, regendo cada escalão superior, todos os inferiores, como é necessário para as manobras e operações bélicas. Disciplinadas formam um arcabouço de certeza operativa, que se traduz na eficiência da pronta-resposta aos comandos recebidos do escalão superior. Se assim não o fosse, se cada ordem pudesse ser contestada ou discutida, diante do perigo real ou iminente, as tropas sucumbiriam pela inércia ou pela desordem e falta de coesão nas ações. Assim, identificou-se em três normas da Constituição Federal a natureza constitucional conferida na tutela dos bens jurídicos hierarquia e disciplina militar. 3.2 A TEORIA DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS Por sua vez, normas infraconstitucionais tratam da tutela da hierarquia e da disciplina militar, definindo a sua aplicação. Todavia, algumas dessas normas são anteriores à CF/88, exigindo a aplicação da hermenêutica jurídica na interpretação dessas normas. Seguindo o critério da hierarquia das leis, inicialmente encontra-se a Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Em seu art. 1°, está reproduzido o art. 142 da CF/88: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são (...), organizadas com base na hierarquia e disciplina, (...)”. No âmbito das leis ordinárias encontra-se o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969), Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei 1.002, de 21 de outubro de 1969), ambos decretos expedidos pelos Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, no uso das atribuições que lhes conferiam os Atos Institucionais n. 5 e n. 16; Estatuto dos Militares (Lei 6.880, de 9 de dezembro de 1980); Regulamento Disciplinar da Aeronáutica – RDAer (Decreto 76.322, de 22 de setembro de 1975), Regulamento Disciplinar da Marinha – RDM (Decreto 88.545, de 26 de julho de 1983); e o Regulamento Disciplinar do Exército – R-4 (Decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002). O Código Penal Militar (CPM), na parte especial, Livro I (Dos crimes militares em tempo de paz), assim rubricou o Título II – "dos crimes contra a autoridade ou disciplina militar" (destaquei), dispondo de 33 artigos que descrevem condutas tipificadas, explicitamente, como contrárias à autoridade (hierarquia) e à disciplina militar, como pode-se abstrair do delito de recusa de obediência: Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução: Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Art. 163 do Código Penal Militar) O Código de Processo Penal Militar (CPPM), na seção "Do acusador", traz disposição sobre a "fiscalização e função especial do Ministério Público", nos termos do art. 55: Cabe ao Ministério Público fiscalizar o cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das normas de hierarquia e disciplina, como base da organização das Forças Armadas. Nesse sentido, compete ao órgão ministerial militar, alcunhado na justiça militar de parquet das armas, tutelar pela hierarquia e disciplina, como exemplo: na representação para a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato, ou ainda, para a perda de posto e patente (inc. II, art. 116, LC 75/93); no exercício do controle externo da atividade judiciária militar (inc. II, art. 117, LC 75/93), cuja autoridade policial é exercida pelos Comandantes, Chefes ou Diretores de Organizações Militares (art. 7°, do CPPM); e na requisição de diligências investigatórias ou na instauração de Inquérito Policial Militar (inc. I, art. 117, LC 75/93). O Estatuto dos Militares tem como finalidade regular a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas. Dispõe em capítulo próprio acerca "Da hierarquia e da disciplina", asseverando que a hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. No título II - "Das obrigações e dos deveres militares" – classifica-se como crime, contravenção ou transgressão disciplinar a violação das obrigações ou dos deveres militares, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específica. O regulamento disciplinar, que também serão melhor enfocados em capítulo próprio, são o principal instrumento de manutenção da disciplina militar no âmbito da Administração Militar, como exemplificado no art. 6º do RDAer : A punição disciplinar só se torna necessária quando dela advém benefício para o punido, pela sua reeducação, ou para a Organização Militar a que pertence, pelo fortalecimento da disciplina e da justiça. O RDM e o R-4 reproduzem a definição de disciplina do Estatuto dos Militares, enquanto RDAER, se omite a esse respeito, entretanto todos descrevem em capítulo próprio o rol das condutas consideradas contravenções ou transgressões disciplinares. Versando sobre a teoria dos princípios os comentários abaixo delimitam sobremaneira o tema para que se possa entender a tese central desta pesquisa. |
Atualmente, a doutrina tem sido pacífica na compreensão de que princípios e regras são espécies emanadas de uma mesma origem: o superconceito norma jurídica. Nesse sentido, CLAUDIUS ROTHENBURG assevera que:
Tanto as regras como os princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados com a ajuda das expressões deônticas básicas do mandamento, da permissão e da proibição (ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 16).
Assim, a distinção entre ambos é uma distinção entre dois tipos de normas, uma vez que:
Sobre essa identidade básica é que se vão traçar diferenças, a respeito da diversa feição normativa que cada qual apresenta, justificando uma natureza peculiar tanto aos princípios quanto às regras, mas que não deve ocultar o que lhes é igual em essência (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39).
Regras são normas jurídicas que regulam o comportamento e a conduta social, estabelecendo um dever ser, ou seja, nos dizem como devemos agir em determinadas situações específicas. Uma regra é prescrição abstrata e genérica, uma previsão jurídica editada para disciplinar, aprioristicamente, um número indeterminado de atos ou fatos da vida real. Ela descreve os traços genéricos destes prováveis atos ou fatos em uma tarefa de abstração.
De acordo com a doutrina de DWORKIN, esboçada na obra levando os direitos a sério, as regras:
são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.( COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit., p. 80)
Em outras palavras, é estritamente necessário que haja identidade entre fato e norma para que esta seja aplicada. Os pressupostos de fato referidos pela regra devem estar presentes para que ela seja válida. Se assim for, em qualquer caso há de se aplicar à regra. Neste sentido, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO ensina:
Por isso se afirma que, na aplicação aos casos ocorrentes, as regras valem ou não valem, incidem ou não incidem, umas afastando e/ou anulando as outras sempre que as respectivas conseqüências jurídicas sejam antinômicas ou reciprocamente excludentes (LAGISNKI, Valdirene, Os princípios e as regras jurídicas. Disponível em: <http://www.fernandes.eng.br/lagisnki/artigos/princípios_regras.htm> acesso em 03 maio 2002).
A essa lógica de aplicação das regras, RONALD DWORKIN intitula disjuntividade. As regras são aplicadas de forma disjuntiva, ou seja, ocorrendo a hipótese de incidência e sendo a norma válida, a conseqüência jurídica deve necessariamente ocorrer.
VALDIRENE LAGINSKI entende que, com base na disjuntividade:
Toda norma jurídica tem de ser forçosamente lícita ou ilícita e só com a estrutura disjuntiva é possível conceitualizar ambas as possibilidades. A proposição disjuntiva caracteriza-se pelo fato de que a um mesmo sujeito se atribui uma pluralidade de determinações que se excluem entre si. Por meio da cópula ‘ou’ as duas determinações se põem por uma parte em exclusão mútua do sujeito-objeto. (COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit., p. 81)
Deduz-se, então, não ser viável que duas ou mais normas incidam sobre um mesmo caso. Uma regra afasta a outra. Uma regra anula a outra. Isto para que seja zelada a coerência do ordenamento jurídico, evitando situações antinômicas. Ainda assim, dada a complexidade do corpo normativo, não é possível eliminar totalmente as antinomias. Desta feita, quando elas ocorrem, apenas uma das regras será válida.
Quando se verifica a incompatibilidade de normas que pertencem ao mesmo ordenamento e têm o mesmo âmbito de validade, uma delas será extirpada. Nessas situações extremas, torna-se visível a inevitável criatividade judicial do direito, quando:
o sistema permite que o intérprete atue ao mesmo tempo como legislador mais e menos, na medida em que a escolha de uma das normas em conflito implica rejeição da outra, e vice-versa (DWORKIN, Ronald. op. cit., p. 43).
O próprio ordenamento jurídico dispõe de critérios para equacionar conflitos antinômicos. São de ordem cronológica, hierárquica e de especialidade, comumente conhecidos em latim como lex posterior derogat priori; lex superior derogat inferiori; lex specialis derogat generali. São invocados pelos aplicadores do direito para solucionar conflitos, já que, a incidência de uma regra fatalmente afasta outra.
Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à regra promulgada pela autoridade de grau superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero (COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit., p. 101).
Princípio é um termo de raiz latina; vem de principium, initium e significa origem, começo, exórdio. Foi traduzido na Filosofia por ANAXIMANDRO com sentido de fundamento, causa do movimento. ARISTÓTELES, por sua vez, foi quem primeiro enumerou os significados possíveis da palavra, como por exemplo, ponto de partida efetivo de uma produção ou causa externa de um processo ou movimento. Para os PRÉ-SOCRÁTICOS, princípio é o elemento constitutivo das coisas ou dos conhecimentos.
O estudo dos princípios no que tange o enquadramento filosófico reclama, indispensavelmente, o estudo de três fases: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista. A sucessão de cada uma delas vai denunciar a gradativa importância que foi sendo reconhecida aos princípios dentro do ordenamento jurídico.
O jusnaturalismo enquadra os princípios em uma esfera abstrata e metafísica. São axiomas jurídicos inspiradores de um ideal de justiça com eficácia restrita ao campo ético-valorativo. Nesta medida o papel dos princípios se distancia da normatividade e perde força vinculante. RUY SAMUEL ESPÍNDOLA arremata que os princípios são, dentro da concepção jusnaturalista, normas universais de bem obrar; princípios de justiça, constitutivos de um Direito ideal.
A fase juspositivista é, como todos sabemos, o primado da lei, e é serviço dela que os princípios são posicionados. Derivam da lei e são todos como uma fonte normativa subsidiária dos textos legais. Ocupando o plano meramente teórico, os princípios exercem o papel de integração do Direito quando surgem lacunas. Nesta fase, os princípios são como válvulas de segurança que garantem o reinado absoluto da lei. Infere-se, portanto, que o juspositivismo mitiga a normatividade dos princípios ao relegá-los como meros acessórios das normas, empregando-lhes maior papel instrumental e completivo que normativo e vinculante.
Pós-positivismo: A terceira fase é recente e denota a "hegemonia axiológico-normativa dos princípios” (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Vol. III, ob. cit., p. 717. Verbete: princípio). É a fase em que os princípios alcançam a força de normas jurídicas vinculantes, vigentes e eficazes, ultrapassando o restrito papel de integração do Direito, como intencionava o juspositivismo.
A expressão princípio tem sido utilizada indistintamente, em vários campos do saber humano, a fim de estruturar sistemas ou conjuntos articulados de conhecimentos sobre objetos cognoscíveis. MARIA HELENA DINIZ parte do conceito abstrato de princípio antes de avançar para o campo jurídico:
Princípio- a) Origem ou causa da ação; causa primária; b) o que contém ou faz compreender as propriedades ou caracteres essenciais da coisa; c) cada uma das proposições diretivas ou características a que se subordina o desenvolvimento de uma ciência; regras fundamentais de qualquer ciência ou arte; d) norma de ação enunciada por uma fórmula; e) fundamento; f) o que contém em si a razão de alguma coisa...(ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucional adequada, 1ª ed. 2ª tiragem. Apresentação de J.J. Gomes Canotilho. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 48).
Apesar desta multiplicidade de significações, pode-se afirmar que princípios são diretrizes basilares que organizam qualquer sistema. São o marco fundante e justificador dos conhecimentos, mas que não têm apenas papel de iniciar determinada organização; têm, com igual importância, atuação no funcionamento e consistência do sistema, sua sobrevivência, coerência e validade.
Mesmo partindo para o campo do Direito, percebemos que a palavra em estudo incorpora diversas conotações. Ora refere-se à formulação dogmática de conceitos estruturados sobre o direito positivo, ora designa determinado tipo de normas jurídicas, ou ainda estabelece postulados teóricos. É bem verdade que esta polissemia pode vir a abrigar confusão de conceitos.
Assim, princípio jurídico pode ser entendido como o pensamento diretivo que domina e serve de base para a formação de disposições singulares de direito de uma instituição jurídica, de um código ou de todo o Direito Positivo. O princípio encarna a teleologia do sentido de uma lei, seu motivo determinante e sua razão formadora.
Os princípios são o mandamento nuclear do sistema. Constituem as proposições primárias do direito e estão vinculados aos valores fundantes da sociedade. Por assim ser, impõem ao operador do direito a interpretação consentânea a tais valores. É onde se pode diagnosticar o cunho axiológico da interpretação principiológica.
Jamais um ordenamento jurídico será integrado, exclusivamente de regras. Há, nele, também, princípios de direito. É a sábia lição de EROS ROBERTO GRAU, que ensina que, dentro do corpo normativo, tais princípios serão: princípios gerais do Direito ou princípios positivos do Direito. A grosso modo, pode-se dizer que os segundos são os primeiros em sua forma aplicada, mas tal discussão não será aprofundada no presente estudo.
Adentrando no contexto da Constituição, tem-se entendido que os princípios constitucionais são os já conhecidos e conceituados princípios, agora formulados e inseridos em um conjunto de normas "mais altas" do ordenamento – a Lei Maior. Nesta oportunidade, emerge questionar se um princípio passa a ser constitucional apenas e tão somente por sua inserção na Constituição. Tal indagação é satisfeita pela lição de ROTHEMBURG, quando afirma que:
... a localização não é irrelevante, quer em razão da evidência que assim se empresta aos princípios, quer pela superioridade formal de que se revestem no quadro - hoje largamente predominante – das constituições rígidas.(ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 23)
Aspecto peculiar é a natureza desses valores. São valores superiores que informam a Constituição, munindo-a dos instrumentos indispensáveis à consecução de seus próprios objetivos. É o que CARMEM LÚCIA ROCHA diz:
Os princípios constitucionais são os conteúdos intelectivos dos valores superiores adotados em dada sociedade política, materializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulação política no Estado. Aqueles valores superiores encarnam-se nos princípios que formam a própria essência do sistema constitucional, dotando-o, assim, para o cumprimento de suas funções, de normatividade jurídica. A sua opção ético-social antecede a sua caracterização normativo-jurídica.(COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit., p. 82).
Sob esses aspectos, a ampla defesa, o devido processo legal e o contraditório apresentam-se como verdadeiros princípios jurídicos a orientar toda a organização, funcionamento e emprego das instituições militares.
Salientando algumas características inerentes aos princípios, é importante lembrar que eles são, eminentemente, abstratos, linhas diretoras. Desta feita, não se trata de imperativos categóricos. Diferente do caráter coercitivo, mandamental e relativamente taxativo das regras, os princípios têm atuação oscilante, apontam tendências, sopesam valores. Eles estabelecem orientações estimativas de cunho axiológico, enunciando motivos para decidir em um certo sentido sem impor ao intérprete aplicador uma única decisão concreta.
Neste compasso, admitem convivência e conciliação com outros princípios eventualmente concorrentes. Por não serem, em absoluto, incompatíveis ou mutuamente exclusíveis, a aplicação dos princípios não implica violação de outros. É, portanto, autorizado inferir que estão ausentes as antinomias na medida em que não há colisão, mas sim um juízo de peso e importância à luz das situações fáticas. Oportuna é a lição de ROBERT ALEXY:
(...) os princípios ordenam que algo deve ser realizado em maior ou menor medida possível, levando em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. Não contêm eles mandatos definitivos, senão prima facie. Do fato de que um princípio é válido para um caso não quer dizer que o princípio valha para este caso como resultado definitivo (Apud LAGISNKI, Valdirene. Os princípios e as regras jurídicas, disponível em: http://www.fernandes.eng.br/lagisnki/artigos/princípios_regras.htm> acesso em 03 de maio 2002).
Assim, fica evidenciada a elasticidade da aplicação principiológica. É um jogo de balanceamento, ponderação e relativização ante as circunstâncias do caso concreto. Desta feita, não se fala em hierarquização fixa, abstrata e apriorística. Os operadores do direito devem agir atendendo à razoabilidade, que significa mais prudência e bom senso.
Os princípios jurídicos são mandatos de otimização e não ordenações de vigência – podem e devem ser aplicados na medida do possível e com diferentes graus de efetivação (CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2000, p. 72)
A presença dos princípios constitucionais provoca imediata orientação de todo o direito na direção fixada pelos mesmos, não de forma simplesmente informadora, característica de disposições subsidiárias, mas como diretivas contidas na Carta Magna, de maneira vinculante. CARMEM LÚCIA ROCHA, mais uma vez, ensina que:
a verdade que fica é a de que os princípios são um indispensável elemento de fecundação da ordem jurídica positiva. Contêm em estado de virtualidade grande número de soluções que a prática exige (COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit., p. 82).
Finalmente, a relativa imprecisão dos princípios viabiliza a celebração de pactos de convivência. Realmente, se assim não fosse:
as disputas ideológicas seriam intermináveis e os conflitos delas resultantes não permitiriam a promulgação oficial de leis fundamentais. Uma concepção do direito que negue a separação absoluta entre o direito e a moral, e que não acuda a princípios de justiça material preestabelecidos é uma doutrina perigosa.( CALSAMIGLIA, Albert. Ensayo sobre Dworkin. Texto traduzido por Patrícia Sampaio. Disponível em <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/arquivo.html> Acesso em 03 set. 2002).
É contra essa doutrina perigosa que se insurge RONALD DWORKIN ao elaborar a Teoria da Resposta Correta, cujo proposta é acoplar ao argumento jurídico a argumentação moral e, assim, resgatar uma jurisdição legal, justa e moral. Para tanto, utiliza a via da interpretação principiológica, sem que isso implique conferir poder político ao juiz ou depreciar a segurança jurídica. Pertinente é o trecho de ALBERT CALSAMIGLIA:
Parte-se do pressuposto de que a argumentação moral se caracteriza pela construção de um conjunto consistente de princípios que justificam e dão sentido a nossas intuições. As intuições de nossos juízos são os dados básicos, mas estes dados e estes juízos devem acomodar-se ao conjunto de princípios. Esta tarefa reconstrutivo-racional do pensamento moral não é exclusiva deste, já que Dworkin a estende ao pensamento jurídico. Por isto se pode afirmar (...) que o propósito de Dworkin é reinstaurar a relação íntima entre a argumentação moral e a jurídica (COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit., p. 99).
INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO complementa este raciocínio ao condenar a discricionariedade e o voluntarismo, alertando que:
Diante desse panorama, em que se evidencia a necessidade de sinalizar os caminhos da interpretação constitucional – para não sucumbirmos às tentações do voluntarismo -, cumpre renovar a advertência de que os resultados de toda atividade hermenêutica só se tornarão legítimos e socialmente vinculantes se as manifestações da consciência jurídica individual dos aplicadores da constituição puderem ser identificadas como formas de expressão da consciência jurídica geral (Neste sentido ver CALSAMIGLIA, Albert. Ensayo sobre Dworkin. Texto traduzido por Patrícia Sampaio. Disponível em <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/arquivo.html> Acesso em 03 fev. 2003).
A proposta de DWORKIN, quando um juiz se deparar com um caso difícil – assim entendido como aquele em que há incerteza devido à existência de várias normas determinando sentenças distintas ou devido à inexistência de norma aplicável ao caso -, é de não lançar mão de suas percepções ou preferências, mas sim de construir, com base nos princípios, um raciocínio dialético que pondere os valores e os interesses conflitantes na demanda. Assim procedendo, objetiva-se eliminar o poder político de escolha do juiz e resgatar o foco da decisão justa e razoável.
Servindo-se dos princípios, de sua dimensão de peso e importância, de sua generalidade e do caráter axiológico, o juiz encontrará a resposta correta dentro do próprio ordenamento jurídico. Quando existe conflito, não se pode deixar o tema à mercê do poder discricionário, o juiz deve dar vitória ao princípio que tem maior peso, e sua tarefa será justificar o princípio eleito. Sugere-se uma negação do poder político do juiz sem reduzir sua atividade a uma mera operação mecânica. O juiz não subordina a lei, ele se move dentro do sistema (constitucional) de regras e princípios, posicionando-se apenas como um garantidor de direitos.
Todo este raciocínio se construiu a partir da diferença lógica que – como visto – existe entre regras e princípios. As regras, dado o seu caráter categórico e estanque não se compatibilizam, diferente do que ocorre com os princípios, com um processo de jurisdição flexível, dialético e em perene construção.
A sociedade vai se tornando gradativamente mais complexa, e bem assim o direito. Casos difíceis são extraordinários em direitos minimamente desenvolvidos. Por tudo isso, é compulsório concluir que o Direito – mormente na esfera constitucional – deve dispor de modelos e métodos que possibilitem um caminhar conjunto da interpretação das leis e da jurisdição ideal com a sociedade.
Assim, emerge a importância da Teoria dos Princípios, em função de suas características basilares para o atendimento das necessidades da interpretação moldada à Constituição.
Sendo o marco axiológico inspirador e filtrante de todo o texto constitucional, demonstrou-se que os princípios carregam toda uma bagagem ética, uma base de valores que, por serem fundamentais, devem permear o exercício do Direito em todos os seus campos e fases.
Dessa maneira, os princípios atuam como funil garantidor da moralidade e da justiça quando da entrega da tutela jurisdicional. A aplicação de toda a Constituição necessariamente deve ser referendada pelo crivo axiológico dos princípios, que estariam auxiliando a atividade interpretativa como um sensor da moralidade, equidade e justiça. Isso remete à lição de FLÁVIA VIVEIROS:
o momento interpretativo é aquele em que mais avulta a importância dos valores. Empregar um princípio para argumentar durante o processo interpretativo modifica, radicalmente, as possibilidades de solução para o problema a enfrentar, dotando-as de um marcado traço estimativo (ROMEIRO, Joao. op. cit., p. 12).
Ao reconhecer a normatividade dos princípios, abandona-se a concepção de que são normas meramente programáticas e subsidiárias, entendimento que enfraquece a aplicabilidade prática dos princípios e sua força de vinculação. Os princípios, como espécies de normas - parte jurídica e dogmática do ordenamento jurídico - assumem a tarefa de regular casos.
Este potencial normativo confere autoridade no processo interpretativo, dotando os princípios de vinculatividade e eficácia positiva para auxiliar a interpretação constitucional. Por conseguinte, os dispositivos da Carta Magna devem ser concretizados pelo intérprete em consonância com a fonte principiológica, sendo que nenhum aspecto pode fugir aos princípios, neles se baseando por todos os ângulos.
Dessa forma, a Teoria dos Princípios tem se revelado presente no trabalho de construção de significado das normas constitucionais, o que reflete na longevidade da Carta Magna.
Em vista desse quadro, a interpretação principiológica vem autorizar o intérprete a desprender-se, do apego cego à literalidade da lei – que, por vezes, pode culminar em injustiças - para operar com a dimensão de peso e importância dos princípios.
Essa dimensão confere aplicação comedida e balanceada dos valores veiculados pelos princípios. Confere a plasticidade necessária, não proporcionada pelo caráter estático e maquinal das normas. Isto porque os princípios admitem convivência e conciliação com outros eventualmente concorrentes. Por não serem, em absoluto, incompatíveis, a aplicação principiológica não implica violação de outros princípios. Prova disso é que, enquanto regras podem ser antinômicas, os princípios mostram-se conflituais. Esta característica revela-se essencial para a interpretação constitucional na medida em que esta vem se deparando com casos mais e mais difíceis, com valores antagônicos, não raro, igualmente relevantes, que devem ser sopesados e não formatados dentro da lógica subsuntiva.
Assim, operando a dimensão de peso e importância dos princípios, o intérprete encontra respaldo para respeitar a complexidade de valores imbuída nos casos da atualidade, de modo que o direito se flexibilize apegando-se antes à busca do justo que a letra da lei. Pela dimensão de peso e importância, o hermeneuta medita, confrontando os interesses em choque na demanda. Avalia-se, com base na importância de cada um dos valores presentes na lide, qual deve preponderar, construindo e direcionando a jurisdição no rumo da solução justa.
Portanto, canalizar e ponderar para examinar dialeticamente a força relativa de cada princípio na oportunidade da interpretação constitucional segundo Kelsen é necessário na tarefa de zelar pela justiça.
A objetividade inerente aos princípios remete claramente ao modelo da resposta correta de Ronald Dworkin, na medida em que tal modelo combate veementemente a discricionariedade judicial. Com efeito, não é autorizado nem aceitável que uma demanda seja equacionada com base no subjetivismo e discricionariedade do juiz, este deve esmerar-se em encontrar a solução dentro do direito, argumentando dialeticamente e servindo-se da Teoria dos Princípios em uma incansável tarefa de interpretação construtiva.
4 REFERENCIAL TEÓRICO
4.1 TEORIA KELSENIANA
Se a Justiça é tomada como critério da ordem normativa a designar como Direito, então as ordens coercitivas capitalistas do mundo ocidental não são de forma alguma Direito do ponto de vista do ideal comunista do Direito, e a ordem coercitiva comunista da União Soviética não é também de forma alguma Direito do ponto de vista do ideal de Justiça capitalista. Um conceito de Direito que conduz a uma tal conseqüência não pode ser aceito por uma ciência jurídica positiva. (Hans Kelsen in Reine Rechtslehere. Trad: J. Baptista Machado. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes: São Paulo, 1998. p. 54).
A obra prima de Kelsen talvez seja o livro "Teoria Pura do Direito", um exemplar de quão uma mente jurídica pode alcançar brilhantismo. Entretanto, a produtividade acadêmica de Kelsen não se resume só a esta obra. Esta advertência inicial se presta a mostrar que o pensamento kelseniano, além de não ser reduzível a tão-somente um ponto de vista, pode abordar parâmetros os mais variados, o que demonstra que Kelsen atravessou vários estágios, se alimentou das mais diversas influências e alcançou resultados que qualquer honesto cultor das ciências jurídicas até hoje é capaz de apresentar admiração.
A teoria de ordem genética, o tema em comento, imagina o Direito como conjunto normativo nos quais as normas derivam de relações de competência e dedução lógica.
A grande máxima desta teoria ganha em eficiência, praticidade e robustez lógica em comparação com outras teorias pelo fato de ser um conhecimento que, em suas linhas gerais, é simples. Se for simples, é inteligível, pode ser bem compreendido pelos utilizadores da linguagem jurídica e até mesmo os participantes de comunidades leigas, evita ruídos de comunicação e pode ser manejado na prática sem maiores entraves.
A simplicidade da teoria genética pode ser sintetizada na máxima de que "uma norma é válida se é logicamente derivada de outra norma válida” (O termo "validade" em Kelsen suscitou polêmicas e combates doutrinários. Segundo Kelsen, a validade da norma simboliza sua existência no conjunto normativo e sua obrigatoriedade. Dependendo do contexto de leitura, a inserção de existência e obrigatoriedade de forma muito parelha à validade pode gerar confusões e certos autores, tais como Alf Ross, não deixaram de expressar áspera crítica a este primado kelseniano).
Exposto, sem maiores rodeios, um dos pontos centrais da teoria kelseniana, cabe avançar em outras discussões correlatas.
Para Kelsen, o sistema de derivação de normas tem dois quadrantes possíveis, quais sejam:
a) derivação estática - uma norma deriva da outra em função de acepções de conteúdo, valorativas;
b) derivação dinâmica - uma norma deriva da outra em razão de sucessivas autorizações.
Certamente, para Kelsen, o modelo de derivação estática se adequou mais a sistemas normativos estritamente morais e, assim sendo, se compatibilizará com aquilo que se convencionou chamar de Direito Natural. Kelsen não deixou de relacionar tal matéria em seus estudos, mas sempre ostentou firme desaprovação no que concerne à aceitação e aplicabilidade de tais postulados.
Quando se propõe a criticar o Direito Natural, Kelsen apresentou argumentos fulminantes:
Segundo a doutrina do ‘Direito natural’, a norma da justiça é imanente à natureza- a natureza do homem ou a natureza das coisas- e o homem pode apenas apreender, mas não criar ou influenciar essa norma. A doutrina é uma ilusão típica, devida a uma objetivação de interesses subjetivos. (In KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. Trad: Luis Carlos Borges. Teoria Geral do Direito e do Estado. Martins Fontes: São Paulo, 1998, p. 68)
O modelo dinâmico traz à tona a idéia de uma sucessiva cadeia de autorizações. As normas são organizadas a partir de outras normas, sendo importante considerar a atividade das autoridades produtoras de normas, pois são elas que podem dar legitimidade e seqüência à cadeia, bem como regular dos procedimentos a serem adotados.
O modelo dinâmico se mostrou mais presente no Positivismo Jurídico moldado por Kelsen, que imaginou uma teoria do Direito Positivo independente dos particularismos típicos da realidade de cada país. Kelsen foi enfático ao afirmar que a Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito Positivo - do Direito Positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. A rede de autorizações sucessivas para criação de normas está claríssima na elaboração da norma fundamental.
A norma fundamental pode ser inicialmente caracterizada como uma norma base autorizadora das relações de firmamento de competências e deduções lógicas para a criação do conjunto de normas. Sabe-se que a Constituição fixa os critérios a partir dos quais uma norma deve ser considerada como jurídica ou não jurídica. Contudo, os marcos político-jurídicos da Constituição não são capazes de explicar todo o fenômeno normativo, sob pena de se incorrermos em um simplismo dogmático de crer que a Constituição tem todas as respostas para as dúvidas acerca da origem, fundamento e legitimidade do conjunto normativo.
A primaz passagem sobre a norma fundamental em sua clássica obra "Teoria Pura do Direito" se dá da seguinte forma:
O ato criador da Constituição, por seu turno, tem sentido normativo, não só subjetiva como objetivamente, desde que se pressuponha que nos devemos conduzir como o autor da Constituição preceitua. (....) Um tal pressuposto, fundante da validade objetiva, será designado aqui por norma fundamental (Grundhorm). Portanto, não é o ser fático de ato de vontade dirigido à conduta de outrem, mas é ainda e apenas de uma norma de dever-ser que deflui a validade-sem sentido objetivo-da norma segundo a qual esse outrem se deve conduzir em harmonia com o sentido subjetivo do ato de vontade..(KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 09).
Acima e anterior à Constituição deve existir uma razão normativa, algo que seja inclusive capaz de fundar racionalmente a Constituição. Pois bem, essa norma anterior e externa reside justamente na norma fundamental.
A força da norma fundamental como ápice da pirâmide normativa e elemento que dá gênese ao conjunto normativo pode ser bem caracterizada no seguinte trecho da obra kelseniana:
Uma ‘ordem’ é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é - como veremos- uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as outras pertencentes a essa ordem. Uma norma singular é uma norma jurídica enquanto pertence a uma determinada ordem jurídica, e pertence a uma determinada ordem jurídica quando sua validade se funda na norma fundamental dessa ordem (KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 33).
A norma fundamental é hipotética, pressuposta. Aqui Kelsen expressamente bebeu das lições de Kant, que afirmava que em qualquer ramo do conhecimento alguma pressuposição se faz premente para o encontro de certos conhecimentos.
Ainda procurando explicitar o caráter pressuposto da norma fundamental, urge expor o seguinte:
Mas interessa especialmente ter em conta que os atos através dos quais são produzidas as normas jurídicas apenas são tomados em consideração do ponto de vista do conhecimento jurídico em geral, na medida em que são determinados por outras normas jurídicas; e que a norma fundamental, que constitui o fundamento da validade destas normas, nem sequer é estatuída através de um ato de vontade, mas é pressuposta pelo pensamento jurídico (KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 24).
Kelsen preconizou uma leitura específica do Direito que retirasse da ciência jurídica interferências indevidas de outros campos do conhecimento. A ciência jurídica, enquanto descrição do Direito, não pode ser contaminada pelas intempéries valorativo-subjetivas de outros ramos do saber. Daí desponta, com vigor, a idéia de "pureza" do Direito. Isto significa que Kelsen se propõe a garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Com isto, colima evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto.
Uma passagem sintomática desta separação em Kelsen é esta:
Os predicados de valor envolvidos nos julgamentos que declaram certa conduta lícita ou ilícita serão designados aqui como "valores do Direito", ao passo que aqueles envolvidos nos julgamentos quanto à justiça ou injustiça de uma ordem jurídica serão chamados "valores de justiça". Os enunciados que afirmam valores de Direito são julgamentos objetivos de valor, e os que afirmam valores de justiça são julgamentos subjetivos de valor. (...) A existência do valor do Direito é verificável objetivamente. O valor da justiça, porém, não é da mesma natureza que o valor do Direito. Quando julgamos uma ordem jurídica ou uma instituição justa ou injusta, queremos dizer algo mais do que quando dizemos que um prato de comida é bom ou ruim, indicando que o consideramos ou não agradável ao paladar. (...) As normas efetivamente usadas como padrões de justiça variam, conforme assinalamos, de indivíduo para indivíduo, e são muitas vezes irreconciliáveis. Algo é justo ou injusto apenas para o indivíduo que acredita na existência da norma de justiça apropriada, e essa norma existe apenas para os que, por um motivo ou outro, desejam o que a norma prescreve. É impossível determinar a norma da justiça de modo único (KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. op.cit.p. 67/68).
Restou uma forte rejeição kelseniana de que sua teoria de ciência fosse invadida por concepções de conteúdo subjetivo. Enfático, Kelsen afirmou que os julgamentos de justiça não podem ser testados objetivamente. Portanto, não há espaço para eles dentro de uma ciência jurídica.
A adoção com mais vigor do modelo dinâmico por Kelsen permite ainda que existam fenômenos de delegação, isto é, a expressa possibilidade de que o ordenamento confira poder delegado a outras autoridades normativas para participar ativamente da cadeia sucessiva de normas.
Em Kelsen, o Direito se firmou como técnica de controle social, agindo através de motivação "indireta" das condutas do homem. Com o manejo de sanções punitivas por um aparato estatal racionalmente organizado, aqueles que ousassem desobedecer as normas tinham consciência dos prejuízos que tal desobediência poderia gerar.
Fica óbvio então que Kelsen concebeu um homem racional, capaz de guiar suas atividades em razão da sanção e do temor de sofrer prejuízos se fugir dos parâmetros normatizados de conduta. Assim sendo, o Direito combate a força provinda do arbítrio torpe e desmedida com a força legitimada pela regulação das normas. O Estado está autorizado a usar a força, mas de forma razoável e limitada e tão-somente quando o combate a ser feito disser respeito às desobediências ao estatuído no ordenamento jurídico. Aquilo que não configurar desobediência ao ordenamento jurídico posto não é vedado e, por conseguinte, um mínimo de liberdade não normatizada é sempre garantida ao particular.
Invocar de maneira recorrente o termo "norma" também faz com que certo destaque tenha que ser dado ao caráter de imputação no Direito. Para Kelsen, os fenômenos da natureza são fulcrados no princípio da causalidade, ao passo que os acontecimentos normativos ganham espeque no princípio da imputação. Nesta construção é que pode ser efetuada a grande distinção entre os mundos do "ser" e do "dever ser".
O mundo do "ser" simboliza o mundo físico, aquilo fundamentalmente aferido pela mera constatação de fatos naturais. Este mundo é regulado em essência pelo princípio da causalidade, ou seja, se algo "é", seu consectário também "é".
Já o mundo do "dever ser" implica em uma relação entre fatos e normas alheias aos fatos. Através de uma ligação de imputação, as ações humanas são analisadas sob o enfoque de ações humanas normativamente reguladas, de maneira que se algo "é", o seu consectário não necessariamente também "é"; sua conseqüência não está no quadrante do "ser", mas sim no "dever ser".
Com certeza, do mundo do "ser" não pode advir um dever. É escorreito insistir na tecla que só de uma norma pode derivar a validade de outra norma.
Um bom exemplo disto pode ser extraído do seguinte trecho da obra kelseniana:
Certa conduta humana é um delito porque a ordem jurídica vincula a essa conduta como condição, como conseqüência, uma sanção. (...) A partir da perspectiva de uma teoria cujo único objeto é o Direito positivo não existe nenhum outro critério de delito que não o fato de ser a conduta a condição de uma sanção. Não existe um delito em si (KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. op.cit.p. 73).
O que transforma um fato num ato jurídico (lícito ou ilícito) não é sua faticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui.
Kelsen pontificou como poucos uma realidade de auto criação jurídica, na qual, no fim das contas, além do Direito regular o processo de criação de normas, toda criação acaba também redundando em aplicação. Logo, por exemplo, quando o legislador produz leis, em verdade ele está dando aplicabilidade à Constituição. Mesmo o juiz, apesar das severas objeções que muitas visões tradicionalistas da separação de poderes podem lançar, também cria normas, uma vez que, quando aplica leis está criando as sentenças, normas, em geral, de cunho individual.
No presente relatório de pesquisa será utilizada a teoria dinâmica de Kelsen em que uma norma hierarquicamente inferior só será válida, na sua integralidade ou parcialmente, se estiver em consonância com a norma superior.
Em breve comentário se diria que o RDAER só seria válido se comparado com os postulados Constitucionais inseridos na Lei Maior de nossa nação, e após o resultado desta comparação poder-se-ia verificar em que medida há alguma incompatibilidade ou inconstitucionalidade.
5 APRESENTAÇÃO DOS DADOS E SUA ANÁLISE
5.1 AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
Os princípios da ampla defesa e do contraditório não foram apenas inseridos nos texto de nossa Carta Maior, mas também nos pactos que a República Federativa Brasileira firmou em âmbito internacional.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, prescreve que:
Art. 9o - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Art. 10 - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por Parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Art. 11 - Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
Depreendendo-se que quaisquer dispositivos que hipoteticamente sejam contrários ao regramento acima estaria em desacordo com mandamentos mundiais.
A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
(PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA) destaca o seguinte:
Art. 7o - Direito à liberdade pessoal.
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido à detenção ou encarceramento arbitrários.
4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.
5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade permitida por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.
7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
Art. 8o - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
A partir de meados da década de 80, com a abertura política, o Brasil passou a ratificar os mais importantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Tal fato foi consolidado com a introdução do Estado democrático de direito, consagrado pela Constituição Federal de 1988, que estabelece de forma efetiva os princípios da supremacia dos direitos humanos e da dignidade humana. Com esse marco, o Brasil passou a integrar o cenário de proteção internacional dos direitos humanos.
Não obstante os significativos avanços conquistados na implementação de mecanismos de proteção aos Direitos Humanos, a sociedade brasileira ainda convive com constantes e cotidianas violações à pessoa humana, exigindo das entidades de defesa dos direitos humanos, organizações não-governamentais e instituições que compõem o sistema de Justiça, um acompanhamento constante, notadamente com denúncias e exigências aos órgãos públicos pela efetiva punição dos responsáveis pela transgressão desses direitos.
De modo que não faz muito tempo que o Brasil aderiu ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, fato este que apesar de estarmos em pleno exercício do Estado democrático de direito, contribuiu, de certo modo, para a plena e efetiva aplicação dos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos.
Conforme preconiza a Constituição da República Federativa do Brasil, todos os tratados e convenções em que o Brasil é Estado Parte são de aplicação imediata no ordenamento interno do país. Compete, todavia, ao Poder Executivo celebrá-los a referendo do Congresso Nacional, nos termos do artigo 84, inciso VIII, da Carta Constitucional e, após sua aprovação pelo Congresso, o Presidente, por decreto, sanciona sua execução.
A executoriedade imediata dos Tratados e Convenções internacionais no âmbito dos direitos humanos faz com que estes sejam diretamente aplicados, sem que seja necessário adotar previamente medidas legislativas, administrativas de outra natureza regulamentar. É o que dispõem os parágrafos 1º e 2º, do artigo 5º da Constituição Federal:
§ 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Por outro lado, parte da doutrina entende que em se tratando de Convenção ou Tratado Internacional que verse sobre direitos e garantias fundamentais, a exemplo de normas contidas no Pacto de São José da Costa Rica, que veda a prisão civil por dívidas, teria nessa hipótese aplicação imediata, independentemente de sua ratificação pelo Congresso Nacional.
No campo dos direitos humanos, bem como dos direitos fundamentais, a Constituição de 1988 representou importante avanço em relação às anteriores. Esse significativo avanço foi o resultado da aspiração da sociedade civil brasileira e de entidades não-governamentais de defesa dos direitos humanos que, com o advento do Estado democrático de direito.
A atual Constituição, em seu Título I, "Dos direitos fundamentais", consigna a "dignidade da pessoa humana" e a "prevalência dos direitos humanos" entre os princípios essenciais em que se fundamenta a República Federativa do Brasil, enquanto Estado democrático de direito. Inobstante a ausência explícita da expressão direitos humanos em outras partes do texto constitucional, é de se ressaltar que o princípio de prevalência desses direitos está presente nos diversos capítulos e disposições do referido título, ampliando consideravelmente os direitos e deveres individuais e coletivos assegurados na Constituição de 1967.
Inseridos nos direitos e garantias individuais, ainda, o capítulo I, "Dos direitos e deveres individuais e coletivos", traz profunda inovação ao reconhecer que além dos indivíduos, os grupos e a coletividade, têm seus direitos tutelados, que podem ser exercidos via associação de classe, por meio da ação civil pública, mandando de segurança coletivo, mandando de injunção. Observa-se também, que o artigo 5º da Carta Constitucional reconhece, expressamente, significativa parcela dos direitos e garantias fundamentais inseridos nas convenções internacionais de proteção dos direitos humanos, com respectivas medidas de proteção que efetivamente representam um grande avanço nesse campo.
Dentre os direitos e deveres individuais e coletivos, reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, pode-se destacar: a proibição da tortura e de qualquer tratamento desumano ou degradante; a igualdade entre homens e mulheres; a igualdade perante a lei; o princípio de que somente a lei pode obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo; o direito de acesso à justiça e ao devido processo legal; a ampla defesa; o direito de petição, a liberdade de pensamento e culto, de convicção filosófica ou política, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, do domicílio, da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas; o acesso à informação; a liberdade de circulação, reunião e associação; a liberdade de associação profissional ou sindical; o direito de propriedade e sua função social.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 foram ratificados pelo Brasil, os seguintes documentos Internacionais de proteção dos direitos humanos: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996 e i) o Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996. Finalmente, em 03 de dezembro de 1998, o Brasil reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, através do Decreto Legislativo nº 89/98. E, mais recente, em 07 de fevereiro de 2000, o Brasil assinou o Estatuto do Tribunal Internacional Criminal (Estatuto de Roma) que já foi aprovado por votação simbólica na Câmara Federal, seguindo para apreciação do Senado Federal.
No tocante aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, verificou-se que ao estabelecerem parâmetros básicos a serem observados pelos Estados, devem estes trilhar duas premissas, a saber: a primeira delas diz respeito a possibilidade de se promover a respectiva ação protetiva perante as instâncias nacionais e internacionais. No âmbito nacional, os instrumentos internacionais somam-se ao Direito interno, ampliando e aprimorando, nunca restringindo, o sistema de proteção dos direitos humanos, tendo como o princípio norteador a prevalência da pessoa humana.
A segunda hipótese ocorre no âmbito internacional. Os instrumentos de proteção dos diretos humanos possibilitam a reclamação da tutela internacional, mediante a responsabilização do Estado, na medida em que os direitos humanos internacionalmente assegurados são violados. Outro aspecto bastante importante no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos é o fato de que o Estado tem a responsabilidade primária quanto à proteção de direitos, cabendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária, tão-somente na hipótese das instituições nacionais agirem de forma deficiente ou omissa na tutela de direitos. De modo que, os organismos internacionais de proteção não procuram suprimir os mecanismos locais, mas sim, fortalecê-los.
Nas três últimas décadas, cerca de 50 casos foram apresentados contra o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana. A maioria das reclamações foi encaminhada por entidades não-governamentais de defesa dos direitos humanos, de âmbito nacional ou internacional ou pela atuação conjunta dessas entidades.
Segundo informações dessas organizações as reclamações foram distribuídas da seguinte forma, por classificação:
{C}a) {C}casos de detenção arbitrária e tortura cometidos durante o regime autoritário militar;
{C}b) {C}casos de violação dos direitos das populações indígenas;
{C}c) {C}casos de violência rural;
{C}d) {C}casos de violência da polícia militar;
{C}e) {C}casos de violação dos direitos de crianças e adolescentes;
{C}f) {C}casos de violência contra a mulher e;
{C}g) {C}casos de discriminação racial.
Esses exemplos comprovam que a maioria dos casos refere-se à violência policial, o que nos traz a triste evidência de que mesmo em pleno Estado democrático de direito as práticas arbitrárias do antigo regime militar continuam em pleno vigor, estampadas na violência cotidiana praticada pelos órgãos policiais, que subvertem a ordem constitucional vigente.
No que diz respeito ao encaminhamento de denúncias de violação dos direitos humanos no Brasil, tomamos como exemplo os procedimentos adotados pelo Centro de Diretos Humanos e Memória Popular de Natal/RN. O CDHMP possui um sistema de triagem que avalia, de acordo com os critérios definidos pelo Programa de Justiça e Segurança, quais são os casos chamados genéricos, e os casos denominados alta complexidade. O caso, de acordo com a sua característica e amplitude é encaminhado para a Rede de Instituições Públicas, e também de Entidades parceiras, quando será dado o seu devido procedimento de acordo com a natureza do caso e do papel da Instituição recebedora da denúncia. É também feito encaminhamento às Instituições e Organizações que trabalham com orientação jurídica e atendimento jurídico gratuito, assim como ações indenizatórias, que envolvem a responsabilidade civil do Estado.
Quanto aos encaminhamentos práticos de casos e ações, citamos ainda como exemplo as experiências do CDHMP, que estabelece diretrizes de como atuar nos mais diversos níveis de influências local, nacional e internacional no tocante às questões de denúncias e violações de direitos humanos enfatizando a importância de entidades e instituições como: Anistia Internacional, Human Rights Wacht, Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados americanos (OEA), comissão de direitos Humanos da Câmara Federal, CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, OAB Federal, MNDH - Movimento Nacional de Direitos Humanos; Conselhos de Direitos Humanos e ainda a articulação e lobbyng com os meios de comunicação social e demais entidades da sociedade civil organizada.
Como resultado final desses procedimentos, o sistema internacional invoca um parâmetro de ação para os Estados, legitimando o encaminhamento de denúncias se estas garantias aos direitos humanos internacionais são desrespeitadas. Desse modo, a sistemática internacional estabelece a tutela, a supervisão e o monitoramento do modo pelo qual os Estados garantem esses direitos internacionalmente assegurados.
Finalmente, as decisões e deliberações da Cortes Internacionais em relação aos casos de desrespeitos do direitos humanos, não têm força coercitiva em relação aos Estados transgressores. Todavia, o desgaste político perante a comunidade Internacional faz com que esses Estados adotem medidas para efetivar as decisões das Cortes. Recentemente o Governo brasileiro acenou com uma proposta de resolver os 50 casos de violações de direitos humanos levados perante a Corte Interamericana, propondo soluções conciliatórias para por fim às ações, mediante compensações financeiras para as vítimas.
5.2 surgimento do direito à defesa PROCESSUAL no brasil
A partir da Constituição de 1891, o constitucionalismo brasileiro passou a utilizar a expressão defesa, sempre associada ao direito penal, falando sempre em prisão e nota de culpa, sendo que a partir de 1967, foi retirada a expressão nota de culpa, do texto constitucional.
Até o advento da Constituição Federal de 67/69, o direito à defesa estava garantido constitucionalmente apenas onde houvesse acusados, portanto, não estava relacionado nem ao menos ao processo civil. Porém, a doutrina já visualizava a aplicação do direito à defesa nos processos administrativos, conforme afirma PONTES DE MIRANDA (1971, p. 233), ao comentar a Constituição de 1967:
A defesa, a que alude o § 15, é a defesa em que há acusado; portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal ou administrativo ou policial. O princípio nada tem com o processo civil, onde há réus sem direito à defesa antes da condenação.
Vê-se que, apesar de o direito à defesa não estar, ainda, constitucionalizado, o processo administrativo já sofria a incidência da garantia constitucional, logicamente em se tratando de processo contencioso, como já foi dito.
Grande avanço ocorreu com o texto da Constituição de 1988, onde o direito à defesa e ao contraditório passou a incidir em qualquer processo onde houvesse litigantes e acusados em geral, o que ampliou por demais o campo de aplicação deste princípio.
Apesar de a jurisprudência já vir se posicionando favoravelmente à ampliação da incidência da garantia de defesa para além dos processos criminais, a inovação da Constituição de 1988 foi a de determinar expressamente que a qualquer litigante ou acusado seja garantido o direito a se defender plenamente. Como realça CELSO BASTOS (1989 p. 122):
É certo que já havia, debaixo da constituição anterior, um labor extremamente meritório, tanto no âmbito doutrinário quanto jurisprudencial, no sentido de estender as garantias em questão além do processo penal. A nova redação do texto, contudo, tem o condão de constitucionalizar esta tendência, positivando-a, em nível do direito expresso.
Assim é que, com a constituição de 1988, o direito à defesa passou a ter um papel importante na democracia brasileira, aparecendo como elemento que reduz sobremaneira o arbítrio do Estado, notadamente nos processos administrativos:
devendo estar previamente estabelecido quanto ao rito e as sanções legais, sendo asseguradas as condições para que a defesa possa ser ampla e justa. (NERY, 2002, p. 30)
Com relação ao conteúdo, outro grande avanço da Constituição de 1988 foi o de eliminar a referencia à lei no tocante aos meios e recursos inerentes à ampla defesa. Desta forma já há no dispositivo constitucional um significado mínimo de ampla defesa, que não é deixado ao talante do legislador ordinário delimitar.
Segundo PONTES DE MIRANDA (1971, p. 234), não há um conceito de defesa perfeitamente formado. Há, porém, algo de mínimo, além do que não existe defesa. Este mínimo não necessita de regulamentação legal resumindo-se na impossibilidade processos secretos ou inquisitoriais. Este mínimo já é garantido constitucionalmente, juntamente com os meios e recursos que visam a aplicar o direito à defesa.
A Constituição de 1988 trata o direito à defesa como decorrente da personalidade e dignidade humanas, inserindo-se na categoria de direito fundamental. Vem garantir ao réu, tanto nos processos jurisdicionais quanto nos processos administrativos contenciosos, possibilidade de trazer aos autos todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade.
Ela impede que o processo se transforme em uma luta desigual, em que só a uma parte é dada a oportunidade de argumentar e produzir provas. É por isso que a defesa é um instituto que determina o verdadeiro aspecto atual do direito, qual seja, o aspecto dialético, de argumentações contraditórias tendentes a revelar a verdade. É pela análise dos argumentos das partes, que o julgador irá decidir a controvérsia, nada tendo valor inquestionável.
5.3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NA CF/88
Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 5º, inciso LIV prescreve que: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Esta garantia constitucional pressupõe a existência da ampla defesa e do contraditório, e o respeito ao princípio da legalidade para que uma pessoa possa ter o seu ius libertatis cerceado, seja na esfera criminal ou administrativa.
Os militares das forças armadas e das forças auxiliares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar) no exercício de suas atividades constitucionais ficam sujeitos a dois diplomas pelo cometimento de faltas contrárias ao ordenamento: o Código Penal Militar (C.P.M) e o Regulamento Disciplinar (R.D).
O Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1.001 de 21 de outubro de 1.969, foi aprovado pela Junta Militar que substituiu o General Costa e Silva, e traz os crimes militares em tempo de paz e em tempo de guerra, aos quais estão sujeitos os militares das Forças Armadas e Auxiliares. O Regulamento Disciplinar é o diploma castrense que trata das transgressões disciplinares, as quais estão sujeitos os militares, sendo uma norma interna corporis.
No Brasil, cada Força Armada possui o seu regulamento disciplinar que traz suas disposições e particularidades. O mesmo ocorre com as Polícias Militares Estaduais e Corpos de Bombeiros Militares.
Em cada Estado da Federação, as Milícias possuem a sua própria organização e por conseqüência particularidades que se manifestam em seus diplomas disciplinares.
A doutrina apoia-se no art. 8º do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, Decreto nº 76.322 de 22 de setembro de 1.975, para melhor definir a transgressão disciplinar e diferenciá-la do crime militar. Segundo aquele preceito, transgressão disciplinar é:
toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar (Art. 8o, do RDAER - Decreto nº 76.322 de 22 de setembro de 1.975).
Esta definição, em uma primeira análise e devido à ausência de outros elementos, leva a conclusão, segundo Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (Direito Administrativo Militar: Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005), de que o militar por suas faltas que não cheguem a constituir crime estaria sujeito apenas e tão somente às transgressões previstas de forma taxativa no regulamento a que pertence, respeitando-se desta forma o princípio da legalidade e o due process of law.
De uma forma genérica como já acentuado, o due process of law tem como objetivo primordial resguardar o trinômio vida-liberdade-propriedade, no entanto, não apenas sob a ótica do direito processual, mas inclusive do próprio direito material, muito embora suas origens na Carta Magna tenham se concretizado no âmbito processual.
O caráter processualístico conferido ao princípio cede lugar para outras análises as quais repercutem diretamente em todos os ramos do direito material, transpõe a esfera individualista para a esfera coletiva bipartindo-se em substative due process e procedural due process, atingindo seu escopo não somente político, mas social e ético.
O substantive due process, de cunho não privatístico, e, como resultado da análise da Suprema Corte Americana acerca de atos normativos que tenham o condão de ferir os direitos individuais, posiciona-se como obstáculo ao surgimento de leis injustas emanadas do próprio Estado, de modo a assegurar o cidadão contra a criação de leis que venham a ferir mortalmente seus direitos fundamentais (24). Neste sentido assevera Ramos Junior (1999, p. 134) ao afirmar que a luta do cidadão contra os abusos do Poder Governamental através de instrumentos específicos tem sido encarada como manifestação do devido processo legal em sua acepção material ou substancial; tendo, por conseguinte, o fim protetivo contra manifestações atentatórias e arbitrárias dos legisladores ao anseio de justiça.
Nery Junior (1999, p.37), ressalta o surgimento necessário do substantive due process referindo que decorre do instituto a "imperatividade de o legislativo produzir leis que satisfaçam o interesse público" referindo ainda que dessa imperatividade resulta o princípio da razoabilidade das leis, no sentido, de que toda lei que não demonstrar razoabilidade, interesse público, é contrária ao direito devendo, desta forma, ser controlada pelo Poder Judiciário (ROSA, P. T. R. Princípio da legalidade na transgressão disciplinar militar. Disponível em Acesso em 20 set. 2001).
Discorre Lima (1999) a respeito a limitação das atividades desenvolvidas pelo Legislador no seguinte sentido:
As idéias fundamentais eram as seguintes: o produto legislativo teria de estabelecer uma relação razoável com o fim legitimamente pretendido, caso contrário a Corte o declararia nulo; e, os poderes do Estado não poderiam chegar ao ponto de limitar a liberdade do cidadão, em especial as liberdades de contrato e de comércio, já identificadas como liberdades protegidas pela cláusula do devido processo.
A dimensão substantiva significa em realidade o controle do Legislativo pelo Judiciário, tendo como fim invalidar os atos legislativos, as leis que interfiram nos direitos individuais assegurando a todo cidadão o bem estar e a segurança necessária para a convivência sob a proteção Estatal, como refere Lima (1999,p.113):
(...) existem limites além dos quais o Legislativo, como poder responsável pela criação das leis, não pode passar, sendo tarefa dos Tribunais verificar se tais fronteiras foram violadas.
Fronteiras estas cujos limites competiriam ao Poder Judiciário através do substantive due process law, resguardando, por conseguinte, os direitos fundamentais outorgados pela Constituição aos cidadãos concretizando o Estado Democrático de Direito não apenas em seu aspecto legal, formal, mas também em seu aspecto material.
Sob a ótica processual, o devido processo legal alcança significado mais restrito. O procedural due process passa a significar o direito dos indivíduos de obterem garantias de caráter exclusivamente processual, tais como o direito ao conhecimento da acusação; o direito a julgamento célere; a ter decisão devidamente motivada; de não ser julgado por com base em provas obtidas por meios ilícitos, o direito de ser julgado por órgão competente, direito ao contraditório; a igualdade entre outros.
O devido processo legal, passa então a simbolizar a obediência às normas processuais estipuladas em lei; é uma garantia constitucional concedida a todos os jurisdicionados-administrados assegurando um julgamento justo e igualitário, assegurando a expedição de atos administrativos devidamente motivados bem como a aplicação de sanções em que se tenha oferecido a dialeticidade necessária para caracterização da justiça. Decisões proferidas pelos tribunais já têm demonstrado essa posição no sistema brasileiro, qual seja, de defesa das garantias constitucionais processuais no sentido de concederem ao cidadão a efetividade de seus direitos.
Seria insuficiente a Constituição garantir ao cidadão inúmeros direitos se não garantisse a eficácia destes, nesse desiderato, o princípio de devido processo legal ou, também, princípio do processo justo, garante a regularidade do processo, a forma pela qual o processo deverá tramitar, a forma pela qual deverão ser praticados os atos processuais e administrativos.
Segundo Carvalho (1994, p.132):
o princípio do devido processo legal protege a liberdade em seu sentido amplo - liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade de fazer e não fazer, de acordo coma lei, e os bens, também, em amplo sentido - bens corpóreos (propriedades, posses valores) e bens incorpóreos (direitos, ações, obras intelectuais, literárias, artísticas, sua imagem, seu conceito, sua expressão corporal etc...)
O princípio do devido processo legal resguarda as partes de atos arbitrários das autoridades jurisdicionais e executivas, porém, há que se relembrar como ressalta Ruy Portanova (1999,p.78) que a tortura com objetivo de se obter a confissão do demandado já integrou o devido processo legal, e que somente a partir de 1988 é que foi estendido ao processo administrativo, muito embora, antes de sua explicitação já existisse um procedimento estruturado; numa demonstração de que tal princípio não é estático mas adapta-se ao período histórico-jurídico em que atua.
O processo é composto de fases e atos processuais que devem ser rigorosamente seguidos viabilizando as partes a efetividade do processo não somente em seu aspecto jurídico-procedimental, mas também em seu escopo social, ético e econômico, razão pela qual pode-se afirmar que o princípio do devido processo legal enfeixa em si todos os demais princípios processuais de modo que o devido processo legal visa assegurar o cumprimento dos princípios constitucionais processuais inseridos nestas fases, pois somente aí ter-se-á a efetivação de um Estado Democrático de Direito, no qual o povo não somente se sujeita a imposição de decisões como participa ativamente destas.
Toda atuação do Estado há de ser exercida em prol do público mediante o processo justo, mediante a segurança dos trâmites legais do processo impedindo-se, por conseguinte, decisões voluntaristas e arbitrárias efetivando o princípio constitucional da igualdade e a manutenção do Estado Democrático de Direito.
A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen há muito previa o princípio do devido processo legal como preceito obrigatório.
Em Kelsen, o Direito se firmou como técnica de controle social, agindo através de motivação "indireta" das condutas do homem. Com o manejo de sanções punitivas por um aparato estatal racionalmente organizado, aqueles que ousassem desobedecer as normas tinham consciência dos prejuízos que tal desobediência poderia gerar. Fica óbvio então que Kelsen concebeu um homem racional, capaz de guiar suas atividades em razão da sanção e do temor de sofrer prejuízos se fugir dos parâmetros normatizados de conduta. Assim sendo, o Direito combate a força provinda do arbítrio torpe e desmedido com a força legitimada pela regulação das normas. O Estado está autorizado a usar a força, mas de forma razoável e limitada e tão somente quando o combate a ser feito disser respeito às desobediências ao estatuído no ordenamento jurídico. Aquilo que não configurar desobediência ao ordenamento jurídico posto não é vedado e, por conseguinte, um mínimo de liberdade não normatizada é sempre garantida ao particular.
Eis então a correlação do princípio do devido processo legal ao marco teórico da presente pesquisa.
Um outro princípio decorrente deste abordado é o da ampla defesa que será estudado na próxima seção.
5.4 A AMPLA DEFESA NA CF/88
O artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal eximiu qualquer dúvida porventura existente quanto à importância deste princípio ao afirmar que:
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Durante o longo período de regime de exceção surgiram leis autoritárias e restritivas de direitos. Todavia, o direito de defesa surgiu como inspiração do direito natural e divino, como expressão de filosofia jurídica que a ampla defesa e o contraditório são a materialização do mais decantado instituto produzido pela justiça dos homens: a igualdade perante a lei.
Constata-se, portanto, que somente após 1988 o processo administrativo passou a ter as mesmas garantias previstas para o processo judicial e para que a ampla defesa e o contraditório possam ser exercidos com a plenitude prevista pelo texto constitucional é preciso que o acusado tenha a liberdade de se voltar contra a acusação.
Tarefa difícil é viabilizar, no meio militar, sem que para isso tenham que ser rompidos dogmas e padrões técnicos há muito consolidados.
A própria Constituição Federal, ao elevar a exigência do devido processo legal à categoria ‘dos Direitos e Garantias Fundamentais’, assegurou aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerentes.
Além disso, ampliou a esfera de competência do Poder Judiciário para perquirir acerca dos elementos intrínsecos da legalidade do ato administrativo, sendo esse entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula nº 21.
Neste sentido diz Hely Lopes Meirelles (1999):
processo administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme têm decidido reiteradamente nossos Tribunais judiciais, confirmando a aplicabilidade do princípio constitucional do devido processo legal, ou mais especificadamente, da garantia da defesa (MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro. 15 ed., p. 584).
Sobre esse assunto leciona Edgar Silveira Bueno Filho:
(...) quando haja leis processuais que não garantam um procedimento justo, pode-se, com base na cláusula due process of law, argüir a sua inconstitucionalidade ou pleitear-se a sua interpretação de acordo com o desejo constitucional, eis que do contrário estariam elas plenas da irrazoabilidade e irracionalidade (...).(BUENO FILHO, E. S. O direito à defesa na Constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 46/47).
Com o intuito de preservar as garantias constitucionais e aplicar o princípio da legalidade nas sanções impostas pela Administração Pública, o legislador tornou indispensável a regular apuração das faltas disciplinares cometidas pelos servidores públicos.
O direito comparado, mais precisamente na Constituição Italiana em seu art. 24, 2 afirma que:
...a defesa representa um direito inviolável em todo estado e grau do procedimento jurisdicional – é mais do que o direito ao processo, é o direito ao processo justo.
Para alguns doutrinadores, o direito à defesa, tal a sua importância para o ordenamento jurídico, chega a ter caráter sagrado, comprovado pelo fato do próprio Deus ter perguntado a Caim antes de condená-lo pela morte de seu irmão: Quid fecisti ?
Lê-se ainda no evangelho a resposta de Nicodemus aos fariseus: "porventura condena a nossa lei um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?" (Bíblia Sagrada. João 7:51).
Famosa é a frase do juiz Fortescue, que em uma de suas sentenças afirmou que:
o princípio da ampla defesa é divino porque até Deus, em toda a sua onipotência, deu a Adão a oportunidade de ser ouvido e defender-se antes de ser expulso do paraíso (CARIAS, B. apud in BACELLAR FILHO, p. 264).
Não pode haver limitações à produção da defesa que objetive contraditar questões levantadas pela acusação, como não pode ser restrita a possibilidade de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos no contexto em que se realiza.
Da Constituição Federal, é possível entender que sem contraditório e ampla defesa não há processo administrativo. Mais que isso, ela exige, de forma incondicional, o procedimento em contraditório para que seja possível a aplicação da sanção disciplinar de qualquer espécie.
Tem-se que o direito militar, penal ou disciplinar, é um ramo especial da ciência jurídica que embora possua princípios próprios continua subordinado aos comandos constitucionais.
Como reflexo, tem-se que as garantias do Direito Processual Penal devem ser aplicadas às infrações administrativas, assim como o princípio da legalidade vale, em sua forma mais plena, no âmbito do direito administrativo.
A Força Aérea tem o dever de punir o agente que pratique um ilícito administrativo, mas para aplicar a sanção deverá garantir, fazendo uso do devido processo legal, o direito de defesa, que será exercido da forma mais ampla possível, conforme previsão constitucional, sob pena da sanção tornar-se ilegítima e invalidável pela própria Administração Pública Militar e, caso isto não ocorra, pelo Poder Judiciário.
Em resumo, o princípio da ampla defesa e do contraditório é absoluto, não comporta exceções e é inerente a todos os tipos de processo, inclusive ao administrativo disciplinar militar.
Desse modo, qualquer ato punitivo estará eivado de vícios e erros, que os inquinam de ilegalidade, não sendo aptos a produzir efeito algum, consoante estabelece a Súmula 473, do STF:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Consoante os ensinamentos ora analisados conclui-se que a punição disciplinar terá que ser imposta por autoridade hierárquica competente, em obediência ao objeto, à forma e ao motivo previstos nas normas que regulam o assunto, bem como deve ter por finalidade a normalidade e o aperfeiçoamento do serviço público, pois do contrário será inválido, porquanto, ilegal, por não se conformar com a lei que o autoriza.
Segundo este princípio fundamental encartado no art. 5º da Lei Maior, a ampla defesa estabelece a possibilidade de serem trazidos ao conhecimento da autoridade julgadora todos aqueles elementos de prova, proporcionando a defesa ao acusado.
Consiste em reconhecer ao acusado o direito de saber que está e porque está sendo processado; de ter vista do processo administrativo disciplinar para apresentação de sua defesa preliminar, produzindo as provas que entender necessárias à mesma.
O militar tem assegurado, por meio deste princípio, condições de esclarecer os fatos levantados contra ele, e tal é a amplitude desta garantia que lhe é possibilitado calar ou apresentar versão que não corresponda à verdade.
A amplitude alcançada pelo uso do direito de defesa será fator determinante da característica liberal do Estado de Direito previsto em nossa Constituição Federal.
Com acerto Egberto Maia Luz comenta:
O exercício da ampla defesa há de ser devidamente operacionalizado dentro do processo, seja ele judicial ou administrativo, sob pena do mesmo ser declarado nulo por revisão do Poder Judiciário, por ser requisito inafastável de qualquer processo administrativo sendo o exercício do direito de defesa amplo, sagrado e constitucionalmente assegurado a toda pessoa contra quem é intentada uma acusação (LUZ, E. M. Direito administrativo disciplinar: teoria e prática. 3. ed. São Paulo: RT, 1994, p.206).
Encerrando, destaca-se o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello que, reafirmando o respeito aos preceitos constitucionais afirma:
a Administração Pública não poderá proceder contra alguém passando diretamente à decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever jurídico de atender o contido nos mencionados versículos constitucionais (BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 85).
A inter-relação do princípio acima abordado com a obra Kelseniana se faz através de uma ponderação a respeito do abuso da sanção como caractere de obediência de normas, bem como a ausência de sensibilidade para mesclar os modelos dinâmico e estático na busca do referencial ideal para derivação de normas.
Contudo, a lógica, coerência e primor metodológico do conjunto da obra kelseniana revelam-se ainda bases muito fortes para explicar e resolver crises do Direito nos tempos hodiernos.
Da aplicação do princípio da ampla defesa se origina o contraditório, ou seja, o direito que o cidadão, militar ou civil, tem de contradizer uma acusação que se lhe impõe, para isso o tópico seguinte esmiuçará melhor a questão.
5.5 O CONTRADITÓRIO NA CF/88
Os princípios do contraditório e da ampla defesa quase se confundem em si mesmos. Neste estudo não será aprofundada a questão específica do contraditório e da ampla defesa por não ser este o objeto primeiro, e porque tal demandaria ensaio específico.
Iniciando esta pesquisa, percebe-se que o contraditório brota da própria defesa e é estrutural na medida em que estabelece as bases processuais para a fruição da ampla defesa, desdobrando-se em dois momentos: a informação e a possibilidade de reação, visto que o conhecimento no contraditório é pressuposto para o exercício da defesa.
Para compreender a amplitude deste princípio imperativa uma nova leitura do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, que afirma que:
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
A defesa garante o contraditório, que por ele se manifesta e é assegurada. Esta defesa se faz possível graças a um de seus momentos constitutivos – a informação – e vive e se exprime por intermédio de seu segundo momento – a reação.
O contraditório encerra o princípio do audiatur et altera pars, segundo o qual deve ser ouvida também a parte contrária, sendo a ela oferecida a oportunidade e a efetividade de resposta.
Desse aspecto trata Ives Gandra Martins ao afirmar que:
a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feito pelo autor. Daí o caráter dialético do processo que caminha através de contradições a serem finalmente superadas pela atividade sintetizadora do juiz (MARTINS, I. G. apud in GASPARINI, D. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 806).
A garantia do contraditório é manifestação autêntica do Estado Democrático de Direito e, por isso mesmo, inimiga natural dos valores expressos em normas gestadas em períodos de exceção, oferecendo às partes a possibilidade de atuação na formação da convicção do juiz.
A Constituição Federal de 1988 inovou nesta matéria, pois no ordenamento anterior o contraditório era previsto apenas na instrução criminal, ficando a aplicação da ampla defesa na órbita administrativa na dependência de interpretação extensiva.
Como conseqüente lógico de validade do RDAER a ampla defesa deve estar claramente definida no referido diploma legal com vistas a compatibilização com a nossa Carta Magna, conforme preceitua a dialética dinâmica de Kelsen.
5.6 DIREITO PROCESSUAL DISCIPLINAR MILITAR
O Direito Administrativo Militar é o ramo do direito que trata das questões disciplinares, afetas aos integrantes das Forças Armadas e das Forças Auxiliares. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, este ramo do Direito vem passando por transformações, provocadas pelo disposto no artigo 5º, do diploma constitucional.
Segundo o autor Paulo Tadeu Rosa Rodrigues (Direito Administrativo Militar: Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005), o militar possui os mesmos direitos que são assegurados aos civis, quando é julgado em decorrência da prática de ato ilícito (administrativo, penal ou civil). O disposto no artigo 5º, Inciso LV, da Constituição Federal, que assegura aos acusados o direito de ampla defesa e do contraditório, implica num processo que tenha por finalidade dar legalidade ao ato administrativo, sendo esta efetiva e não aparente.
Porém, a aplicação dos princípios do devido processo legal e da inocência no Direito Administrativo Militar constituem, ainda, uma novidade.
A apuração de uma transgressão disciplinar exige a comprovação de autoria e materialidade, para descaracterizar o excesso e estar em conformidade com os princípios da legalidade e do devido processo legal. Sem a comprovação incontestável da violação dos dispositivos regulamentares, o acusado deve ser absolvido, com fundamento no Princípio da Inocência, afastando, conseqüentemente, o in dubio pro administração, entendimento comum no Direito Administrativo Militar. Como a prova da acusação é pesquisada pelo órgão julgador, a imparcialidade fica prejudicada, sendo, por isto, necessária a figura de um oficial acusador, responsável pela coleta de provas, permitindo ao oficial julgador ter a isenção necessária no momento do julgamento.
Durante a apuração de uma transgressão disciplinar, ocorrendo a ausência de provas concretas ou a insuficiência destas para comprovar que o acusado tenha violado o disposto no regulamento disciplinar, deve-se aplicar o Princípio da Inocência. Isto afasta o entendimento de que no Direito Administrativo Militar impera o princípio in dubio pro administração, ou seja, na dúvida a administração tem a razão.
A aplicação do Princípio da Inocência também está amparada pela Carta Magna, no direito a ampla defesa e ao contraditório e a sua observância refere-se ao princípio do devido processo legal, no qual está inserido o Princípio da Inocência.
No Direito Administrativo Militar, o autor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (Direito Administrativo Militar: Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005) também aborda a figura do Habeas Corpus. A liberdade é um direito fundamental e essencial, só podendo ser interrompida no caso de prisão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. a Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso LXV, reza que "a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária". É certo que o inciso LXI do mesmo artigo prevê, como situação excepcional, os casos de transgressão disciplinar, que estão previstos nos regulamentos disciplinares militares. O artigo 5º, parágrafo 2º, preceitua que tais garantias não excluem outras decorrentes de tratados dos quais a República Federativa do Brasil seja participante. Cita-se, então, a Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, que trata dos direitos e garantias fundamentais assegurados aos cidadãos da América, que no seu artigo 7º, número 6, reza que:
Toda pessoa privada de liberdade tem o direito de recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem o direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido.
A Emenda Constitucional número 45/2000 passou a considerar os tratados internacionais subscritos pelo Brasil equivalentes a emendas constitucionais.
Parte da doutrina apoia-se no artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal, para embasar a não procedência da figura do habeas corpus nas transgressões disciplinares. Porém, o citado tratado não fez distinção entre os cidadãos, dividindo-os em civis e militares. O direito de ir e vir abrange todos os brasileiros indistintamente, o que legitima a interposição de hábeas corpus nas transgressões disciplinares.
Assim como a hierarquia e a disciplina devem ser preservadas, as garantias fundamentais também devem ser observadas.
O Direito Processual Disciplinar Militar pode ser considerado como ramo oriundo do Direito Administrativo, uma vez que o processo disciplinar, numa acepção ampla, se desenvolve no seio da Instituição Militar.
Entretanto, na medida em que vem ganhando sistematização mais acentuada, aos poucos vêm assumindo características de um ramo autônomo do direito, e que sofreu e vem sofrendo profundas modificações desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Os militares, que exercem uma função essencial relacionada com a preservação da segurança nacional, são cidadãos, que inegavelmente, também possuem direitos e garantias fundamentais, que devem ser observadas e respeitadas tanto pela sociedade como pelas autoridades militares.
Mas, isso não significa que em decorrência dessas garantias os processos disciplinares militares possam se afastar do razoável e indispensável à preservação dos fundamentos castrenses.
Donde resta se observar, que o cumprimento das regras constitucionais não significa o incentivo a impunidade, uma vez que todo militar que violar a hierarquia e a disciplina ou cometer faltas análogas deve ser punido, como forma de se garantir a manutenção das Instituições que são essenciais para o Estado de Direito.
Nesta esteira, busca-se o conceito de Direito Processual Disciplinar que segundo o grande jurista e professor Eliezer Pereira, pode ser definido como:
[…] o conjunto de normas e princípios, sedimentados em leis, regulamentos, pareceres de órgãos oficiais, jurisprudência e doutrina, que informam e orientam a dinamização dos procedimentos apuratórios de faltas disciplinares, objetivando fornecer sustentação à legítima lavratura do correspondente ato punitivo (MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e sua Processualidade. Leme : Editora de Direito, 1996, p. 86).
Feitas estas observações, necessário que nos reputemos ao estudo das fontes, princípios e normatizações do Direito Processual Disciplinar Militar, pois somente com estes conhecimentos poderemos compreender melhor o assunto em tela.
As fontes do Direito Processual Disciplinar trazem à Autoridade Militar todos os caminhos e instrumentos que irão servir de auxílio para o perfeito e inquestionável encaminhamento dos Processos Disciplinares.
Assim, forçoso analisar, uma a uma, as seguintes fontes: lei constitucional, leis infraconstitucionais (ordinárias, complementares e decretos-lei), regulamentos, atos normativos internos, pareceres da Advocacia Geral da União, jurisprudências dos tribunais, princípios gerais do direito e praxe administrativa.
A Constituição Federal, sob a ótica de nosso ordenamento jurídico, encontra-se na posição de fonte primeira do Direito Pátrio. Portanto, pela hierarquia das leis, todas as demais fontes encontram-se abaixo da Carta Magna, fazendo com que a mesma não possa ser afrontada ou contrariada.
Neste sentido, o mestre José Armando da Costa dispõe que:
Qualquer norma ordinária que esteja em desacordo com a Carta Maior adquire o desqualificativo de lei inconstitucional, defeito de validade que mais frontalmente contamina a lei ou qualquer outro ato normativo. Norma inconstitucional não instaura o reinado da legalidade, e sim o da ilegalidade(Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 2005).
A Lei Ordinária, lei complementar e decreto-lei. A lei formal, ou seja, lei ordinária, lei complementar ou decreto-lei recepcionado pela constituição de 1988, constituem, na ordem da hierarquia constitucional, a segunda fonte do Direito Processual Disciplinar Militar.
Dentre estas fontes e em relação ao Direito Processual Administrativo Disciplinar Militar temos que a lei basilar, ou seja, aquela que norteia as atividades castrenses é o Estatuto dos Militares (Lei N° 6.880, de 09 de dezembro de 1980).
O Estatuto dos Militares delegou aos Regulamentos Disciplinares, por meio do artigo 47, a força normativa para que estes expendessem as delineações oportunas acerca das conceituações das transgressões disciplinares e relativamente as normatizações para que se apliquem as punições.
Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.
No mesmo plano do Estatuto dos Militares, contudo, sem a mesma deferência, mas, sim em seu auxílio, poderemos buscar a Lei Geral do Processo Administrativo (Lei N° 9784, de 29 de janeiro de 1999), que dispõe expressamente em seu art.69, in verbis: “Os processos administrativos específicos continuam a reger-se por lei própria, aplicando-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei”.
Os Regulamentos Disciplinares. Nesta categoria temos o Regulamento disciplinar da Aeronáutica ou RDAER.
O RDAER trata-se do nº DECRETO Nº 76.322, DE 22 DE SETEMBRO DE 1975, e conforme já mencionado, possui por delegação expressa em lei, a força normativa para que se apliquem as punições disciplinares no âmbito do Comando da Aeronáutica.
Os decretos têm como finalidade esclarecer, detalhar ou explicar a lei, facilitando seu cumprimento e tornando-a operacionalizada.
Com esta disposição o art. 1º do RDAER, estabelece: “Art. 1º - Fica aprovado o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica que com este baixa, assinado pelo Ministro da Aeronáutica”.
Atos normativos internos: são normas de aplicação específica para determinados procedimentos, visando constituir orientações que disciplinam e sistematizam atividades administrativas internas.
Ancorando-se mais uma vez nos ensinamentos do jurista José Armando da Costa (Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 2005), conceitua-se: “Os atos normativos de eficácia no interior das repartições tomam, geralmente, o feitio de instruções, circulares, ordens de serviço, avisos e portarias”.
Neste patamar e relativo ao processo disciplinar da Força Aérea, destaca-se a PORTARIA Nº 839/GC3, DE 11 DE SETEMBRO DE 2003, que aprova a sistemática de apuração de transgressão disciplinar e da aplicação de punição disciplinar militar.
Os pareceres da Advocacia Geral da União, uma vez aprovados pelo Presidente da República, vinculam a Administração Federal, ficando os seus órgãos obrigados a lhes dar cumprimento.
Tal assertiva esta disposta no artigo 40 §1º da lei complementar nº73 de 10 de fevereiro de 1993, que institui a lei orgânica da Advocacia-Geral da União.
A jurisprudência constitui fonte indireta para o direito processual disciplinar. Entretanto, salientamos que a orientação jurisprudencial não enseja vinculariedade em nosso direito, ou seja, não vincula a administração em nortear suas decisões aos entendimentos do tribunal.
Dessa forma, a administração militar verificando a inclinação jurisprudencial poderá acatá-la e orientar seus procedimentos de forma a revestir seus atos de maior segurança jurídica.
Os princípios gerais do direito são fonte de importância, contudo da mais difícil utilização, pois exigem do aplicador do direito, em nosso caso da autoridade militar, um manuseio com instrumentos mais abstratos, complexos e de idéias de maior teor cultural do que os preceitos singelos de aplicação cotidiana.
São fontes supletivas. Sua aplicabilidade dependerá da omissão de lei ou das lacunas por ela deixada.
De acordo com os ensinamentos de Geraldo Ataliba tem-se que:
Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).
Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências (República e Constituição, 2001).
Carlos Maximiliano na obra Hermenêutica e aplicação do direito (2003) no capítulo referente aos princípios gerais de direito trás a seguinte lavra:
Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica.
As praxes administrativas podem constituir importantes fontes subsidiárias ao Direito Processual Disciplinar Militar.
Somente no silêncio da lei, poderá a Administração Militar valer-se da praxe administrativa como embasamento e auxílio na condução do processo disciplinar, desde que, obviamente, esta não atente contra ordenamento jurídico e os princípios de Direito.
Observa-se que em decorrência do princípio da recepção, o RDAER que foi editado por meio do Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975, expedido pelo então Presidente da República, Ernesto Geisel, foi recebido pela nova ordem constitucional com status de Lei Ordinária. Assim sendo, o RDAER não pode se sobrepor a Constituição, em respeito à hierarquia das leis, preconizada pelo jusfilósofo alemão, Hans Kelsen.
5.7 O RDAER
O Regulamento Disciplinar da Aeronáutica é composto por um conjunto de regras de conduta, efetivadas para manter a hierarquia e, também, obviamente, a disciplina, sendo esta um fator de fortalecimento daquela. Contudo, é evidente que a eficiência e a eficácia da instituição militar não dependem, somente, do adestramento operacional do seu efetivo, mas, com certeza, da existência e da manutenção desses dois pilares básicos.
Nele estão enunciadas as transgressões disciplinares e os tipos de sanções as quais o militar está sujeito, bem como as autoridades competentes para a sua aplicação. É certo que ele não aponta nenhum procedimento para a sua aplicabilidade, que esteja em consonância com o Direito Administrativo, de maneira geral, e, mais especificamente, com o Direito Administrativo Militar. Esse aspecto, segundo os autores citados neste artigo, torna nulo o ato administrativo da aplicação de uma punição, pois o regulamento disciplinar deve ser aplicado, segundo a ótica dos autores, na forma de um processo administrativo militar, observando-se todo o rito processual, no qual pode-se ressaltar o direito ao contraditório.
A apuração da transgressão disciplinar exige a comprovação de autoria e materialidade para que esteja em conformidade com os princípios da legalidade e do devido processo legal, evitando-se, assim, a figura do excesso. Na falta desta comprovação o acusado deve ser absolvido, fundamentando-se o ato no Princípio da Inocência.
Segundo o autor Paulo Tadeu Rosa Rodrigues (Direito Administrativo Militar: Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005), na área disciplinar afeta aos funcionários civis e militares, o processo administrativo que apura a transgressão disciplinar é denominado de sindicância, podendo esta ser investigatória ou acusatória.
Na sindicância investigatória o fato é conhecido e o autor desconhecido. Na sindicância acusatória o autor e o fato são conhecidos, cabendo à autoridade administrativa coletar os elementos que comprovarão os indícios dos fatos atribuídos ao transgressor, porém a defesa deste deverá ser realizada por um profissional, bacharel em Direito, devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Na esfera disciplinar da Aeronáutica não existe essa organização, pois o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica não preconiza a utilização de um processo administrativo na apuração de transgressão disciplinar.
O citado diploma disciplinar não regulamenta, também, a figura do habeas corpus nos casos em que a punição aplicada, sendo esta restritiva da liberdade, configure-se abusiva, indo de encontro aos direitos constitucionais e da Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica.
Outro ponto questionável é o que se refere ao artigo 10, parágrafo único, com o seguinte texto:
São consideradas também, transgressões disciplinares, as ações ou omissões não especificadas no presente artigo e não qualificadas como crime nas leis penais militares, contra os Símbolos Nacionais; contra a honra e o pundonor individual militar; contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviço, estabelecidos nas leis ou regulamentos, ou prescritos por autoridade competente. (AERONÁUTICA, 1975, p. 8).
Não se questiona o poder discricionário da autoridade militar. Porém, segundo Hely Lopes Meirelles, este não pode ser confundido com poder arbitrário, sendo a liberdade de ação restrita aos limites da lei.
Atos discricionários - Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização. (MEIRELLES, 2005. p. 168).
Segundo o autor Paulo Tadeu Rosa Rodrigues (Direito Administrativo Militar: Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005), uma vez que a liberdade é um bem sagrado e tutelado pela Constituição Federal, não se pode aceitar normas de caráter geral, que não estejam previamente previstas, possam cercear o jus libertatis de uma pessoa, considerando-se que o militar, pelo cometimento de uma transgressão disciplinar, dependendo da sua natureza e amplitude (leve, média ou grave), pode ficar sujeito a uma pena de cerceamento de liberdade de até trinta dias, sendo esta cumprida em regime fechado. O autor classifica as normas deste cunho como inconstitucionais, pois podem propiciar a existência do livre arbítrio, permitindo a condução ao abuso e ao excesso de poder.
5.8 A PORTARIA Nº 839/2003 E SUAS LIMITAÇÕES
A Portaria Nº 839/GC3, DE 11 DE SETEMBRO DE 2003, aprova a sistemática de apuração de transgressão disciplinar conforme transcrita abaixo:
Art. 1º Aprovar a sistemática de apuração de transgressão disciplinar e de aplicação de punição disciplinar militar até a entrada em vigor do novo Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAER).
§ 1º Para operacionalizar a sistemática prevista nesta Portaria, os Comandantes, Chefes, Diretores ou Secretário de Organização Militar (OM) deverão designar a(s) autoridade(s) competente(s) para apurar, aplicar ou propor aplicação de punição disciplinar militar no âmbito de sua área de atuação.
§ 2º A sistemática de apuração e de aplicação de punição disciplinar militar engloba duas situações distintas para as quais devem ser observados os seguintes procedimentos:
I - situação ordinária - transgressão militar que não constitua crime previsto no Código Penal Militar (CPM), decorrente de solução de sindicância ou de comunicação por escrito, devendo a autoridade competente da OM para apurar, aplicar ou propor a aplicação de punição disciplinar militar:
a) ao receber a comunicação oficial, convocar o militar transgressor para audiência;
b) notificá-lo sobre o conteúdo da comunicação, que deverá conter relato da transgressão disciplinar cometida, podendo, caso julgado conveniente, convocar duas testemunhas mais antigas que o militar transgressor;
c) no ato, após terem sido verificadas todas as circunstâncias relativas ao fato, entregar ao transgressor o “Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD)”, previsto no Anexo I a esta Portaria, concedendo-lhe um prazo de dois dias úteis para a devolução do formulário devidamente preenchido, com as justificativas julgadas cabíveis;
d) caso o FATD seja devolvido sem estar preenchido, convocar duas testemunhas mais antigas que o militar transgressor e registrar o fato;
e) caso o FATD seja devolvido preenchido adequadamente, no prazo de até dois dias úteis, solucionar o caso, após terem sido averiguadas todas as circunstâncias pertinentes ao fato;
f) na presença do militar transgressor e das testemunhas, quando for o caso, comunicar a sua solução e, no caso de punição disciplinar, apresentar ao transgressor a “Nota de Punição Disciplinar Militar (NPDM)”, prevista no Anexo II a esta Portaria, para conhecimento da punição disciplinar que lhe está sendo aplicada e aposição de sua assinatura;
g) caso o militar transgressor se recuse a assinar a Nota a que se refere o Anexo II a esta Portaria, registrar o fato na referida Nota, que será assinada pelas testemunhas; e
h) adotar as medidas necessárias para a publicação em Boletim Interno da OM;
II - situação sumária - para o caso em que a transgressão se caracterizar por grave ofensa à hierarquia e à disciplina, por palavras ou atitudes, na presença de superiores, de subordinados ou de civis, sem ser caracterizada como crime previsto no CPM, conforme abaixo:
a) se a transgressão grave ocorrer na presença de oficial, este deverá providenciar o recolhimento do transgressor para o local previamente definido pelo Comandante, Chefe, Diretor ou Secretário da OM e comunicar o fato imediatamente à autoridade competente da OM para apurar, aplicar ou propor a aplicação de punição disciplinar militar;
b) se a transgressão grave ocorrer na presença de graduados, o mais antigo deverá conduzir o transgressor à autoridade competente da OM para apurar, aplicar ou propor a aplicação de punição disciplinar militar;
c) caso o transgressor se recuse a ser conduzido pelo graduado, este deverá convocar duas testemunhas e levar o fato ao conhecimento da autoridade competente da OM para apurar, aplicar ou propor a aplicação de punição disciplinar militar; e
d) a autoridade competente da OM para apurar, aplicar ou propor a aplicação de punição disciplinar militar, ao tomar conhecimento da transgressão, deverá decidir se o transgressor deve permanecer recolhido ou não e proceder conforme previsto nas alíneas “a” a “h” do inciso I deste parágrafo, no que for aplicável.
Art. 2º O conteúdo desta Portaria deve ser divulgado para todos os militares e constar dos currículos dos Cursos e Estágios da Aeronáutica.
Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Notadamente verifica-se que o instrumento legal para regulamentar o processo de apuração da transgressão militar não é o adequado uma vez que desobedece o princípio da hierarquia das leis.
Com o advento da promulgação da Constituição Federal de 1988 o RDAER ganhou status de Lei Ordinária e nele deveria constar a regra de apuração disciplinar e não em instrumento normativo interno, como no caso, a referida Portaria.
Existem, ainda, algumas falhas legais que merecem ser apontadas no referido texto normativo, qual seja, a de que não há a observância plena do princípio constitucional da ampla defesa uma vez que não é concedido ao transgressor o direito de produzir provas tais como: arrolar testemunhas, solicitar perícias, e outras admitidas no ordenamento jurídico vigente.
Há equívocos em vários aspectos normativos jurídicos na Portaria supracitada, como, por exemplo, quando houver a denominada situação sumária em que o conceito de grave ofensa à hierarquia e disciplina é subjetivo dando margem ao comentimento de excessos e arbitrariedade que violam os preceitos constitucionais.
5.9 CONFRONTO TEÓRICO DOS PRINCÍPIOS DA CF COM O RDAER
Com o advento do Texto Constitucional de 1988, pode-se afirmar que surgiu um novo Estado, com normas diversas das pré-existentes. O respeito aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana passaram a ser princípios constitucionais da República Federativa do Brasil.
Observa-se, de acordo com os entendimentos dos diversos autores mencionados neste trabalho, que em decorrência do princípio da recepção, o RDAER que foi editado por meio do Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975, expedido pelo então Presidente da República, Ernesto Geisel, foi recebido pela nova ordem constitucional com status de Lei Ordinária. Assim sendo, o RDAER não pode se sobrepor a Constituição, em respeito à hierarquia das leis, preconizada pelo jusfilósofo alemão, Hans Kelsen.
Ao se cotejar o RDAER com a Constituição Federal de 1988, verifica-se que, segundo a Teoria Pura do Direito de Kelsen e obras de renomados doutrinadores, tais como José Afonso da Silva dentre outros, o regulamento não obedece amplamente à hierarquia das leis, possuindo algumas disposições conflitantes com o Texto Constitucional.
A seguir, será verificada cada uma dessas incoerências cotejadas conforme os parâmetros acima mencionados.
Tem-se o princípio da reserva legal, quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal, entendida essa como ato normativo emanado do Congresso Nacional e elaborado de acordo com o devido processo legislativo constitucional.
Não se deve confundi-lo com o Princípio da Legalidade, que é de abrangência mais ampla, genérica e abstrata. Significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. Está previsto no art. 5º, inciso II, da CF/88,que preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Tais princípios surgiram com o Estado de Direito, opondo-se a toda e qualquer forma de poder autoritário e antidemocrático. Visam a combater o poder arbitrário do Estado, cessando assim, o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder, em benefício da lei.
Ao tratar dos crimes militares e das transgressões disciplinares, a Constituição Federal disciplinou no art. 5º, inciso LXI que:
ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (grifos do autor).
O artigo 8º do RDAER define transgressão disciplinar e a diferencia do crime militar. Segundo aquele preceito, transgressão disciplinar é:
toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento. Distingui-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar.
Essa definição, em uma primeira análise e devido à ausência de outros elementos, leva à conclusão de que o militar por suas faltas que não cheguem a constituir crime estaria sujeito apenas e tão-somente às transgressões previstas de forma taxativa no regulamento disciplinar, respeitando-se dessa forma o princípio da reserva legal.
Mas, no parágrafo único, do artigo 10, do Estatuto disciplinar estudado, encontra-se flagrante desrespeito aos princípios da reserva legal e da legalidade, com a seguinte disposição, segundo Paulo Tadeu Rosa Rodrigues (Direito Administrativo Militar: Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005):
São consideradas, também, transgressões disciplinares, as ações ou omissões não especificadas no presente artigo e não qualificadas como crimes nas leis penais militares, contra os Símbolos Nacionais, contra a honra e o pundonor individual militar; contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas de moral; contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviços, estabelecidas nas leis ou regulamentos, ou prescritas por autoridade competente (parágrafo único, do artigo 10, do RDAER)
Deve-se esclarecer que pelo cometimento de uma transgressão disciplinar, dependendo da natureza e da amplitude (leve, média ou grave), o militar ficará sujeito a uma pena de detenção (prisão) até 30 dias, que poderá ser cumprida em regime fechado.
Em tema de liberdade, que é um bem sagrado e tutelado pela Constituição Federal, que no art. 5º “caput” assegura que todos são iguais perante a lei, não se pode permitir ou aceitar que normas de caráter geral, que não estavam previamente estipuladas, possam cercear o jus libertatis (direito de liberdade) de uma pessoa, no caso o militar.
Em nosso ordenamento jurídico, ninguém pode ser punido sem que exista uma lei anterior que defina a conduta, sob pena de violação aos preceitos constitucionais e a Convenção Americana de Direitos Humanos, subscritas pelo Brasil, e recepcionada em nosso ordenamento jurídico, por meio de decreto legislativo e de decreto emanado do Poder Executivo.
Outro fato que ocorre com relação à legalidade é a circunstância de o RDAER ser um regulamento aprovado por um decreto, mas possuir status de Lei Ordinária, por assim ter sido recepcionado pela Lei Maior.
Pelo princípio da recepção de normas pela Constituição, toda a ordem normativa proveniente dos regimes constitucionais anteriores é recebida pela Carta Magna em vigor, desde que com ela seja materialmente compatível. Considera-se, nesse caso, que a norma recepcionada passa a revestir-se da forma prevista pelo texto constitucional para a matéria.
Com base no dispositivo constitucional, percebe-se claramente que o nosso regulamento disciplinar somente pode ser modificado por meio de Lei Ordinária Federal, no seu aspecto técnico, ou seja, por meio de norma elaborada pelo Poder Legislativo.
O artigo 5º, inciso LV da CF/88 disciplina que:
Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (grifos do autor).
Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário; enquanto contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a conduta dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. (MORAES, 2002, p.124)
O RDAER prevê no artigo 34 que: “nenhuma punição será imposta sem ser ouvido o transgressor e sem estarem os fatos devidamente apurados”. Contudo, não contempla o devido processo administrativo disciplinar, ampla defesa e o contraditório.
Vários comandantes, preocupados com o crescente número de ações judiciais impetradas contra a Administração, quanto à legalidade das punições disciplinares frente à CF/88, têm criado soluções isoladas para suprir as deficiências do RDAER.
Essas iniciativas são válidas e louváveis, porém o procedimento tem de ser padronizado no Comando da Aeronáutica, através do seu regulamento disciplinar, para que haja uma uniformização.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LIV prescreve que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (grifo do autor). Essa garantia constitucional pressupõe a existência da ampla defesa e do contraditório, e o respeito ao princípio da legalidade, para que uma pessoa possa ter o seu jus libertatis (direito de liberdade) cerceado, seja na esfera criminal ou administrativa.
A Magna Carta consagrou o devido processo legal como sendo a única forma para que uma pessoa possa perder seus bens ou ter a sua liberdade cerceada.
Na transgressão disciplinar, o militar está sujeito a perder sua liberdade, e, portanto esta conseqüência somente poderá ser aplicada e considerada válida se respeitar o princípio da reserva legal e o artigo 5º, inciso LIV da CF/88.
Após 1988, o processo administrativo passou a ter todas as garantias previstas para o processo judicial, conforme preceitua o artigo 5º, inciso LV da CF/88. Com base nesse dispositivo, para que a ampla defesa e o contraditório, com todos os recursos a ela inerentes, possam ser exercidos, é preciso que o acusado tenha conhecimento da definição da conduta ilícita que teria em tese violado, e que este já se encontre previsto em norma anterior, de forma específica e devidamente discriminada.
Ainda no artigo 34, número 3, do RDAER, prescreve que “quando forem necessários maiores esclarecimentos sobre a transgressão, deverá ser procedida sindicância” e também prevê, no número 4, ainda do mesmo artigo, que “durante o período de investigações de que trata o número anterior, a pedido do respectivo encarregado da sindicância, o Comandante poderá determinar a detenção do transgressor na Organização ou em outro local que a situação recomendar, até um prazo máximo de oito dias”.
Porém, a sindicância não se confunde com o processo administrativo disciplinar, posto que este é o meio de apuração e punição de faltas dos servidores e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração, enquanto aquela é o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para que, se for o caso, seja instaurado o processo e o infrator seja punido. A sindicância não tem base para a punição.
No parágrafo único do artigo 10 do Estatuto disciplinar, o RDAER, encontramos a seguinte disposição:
São consideradas, também, transgressões disciplinares, as ações ou omissões não especificadas no presente artigo e não qualificadas como crimes nas leis penais militares, contra os Símbolos Nacionais, contra a honra e o pundonor individual militar; contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviços, estabelecidas nas leis ou regulamentos, ou prescritas por autoridade competente.
Em conformidade com a teoria pura do direito de Hans Kelsen e segundo o ensinamento do magistrado Paulo Tadeu Rosa Rodrigues (Direito Administrativo Militar: Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005), anteriormente mencionado, esta norma de caráter geral e abrangente encontra-se reproduzida quase que na íntegra em todos os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, em flagrante desrespeito ao princípio da legalidade e ao artigo 5º, inciso II da C.F.
As normas desta espécie previstas nos regulamentos disciplinares militares são inconstitucionais, segundo, pois permitem a existência do livre arbítrio, que pode levar ao abuso e excesso de poder.
Preleciona Hely Lopes Meirelles que "discricionariedade não se confunde com poder arbitrário, sendo liberdade de ação dentro dos limites permitidos em lei" (MEIRELLES, 2005. p. 168).
Assim, para este jurista, todas as garantias do Direito Penal devem valer para as infrações administrativas, e os princípios como os da legalidade, tipicidade, proibição da retroatividade, da analogia, do ne bis in idem, da proporcionalidade, da culpabilidade etc, valem integralmente inclusive no âmbito administrativo.
O Direito Militar, penal ou disciplinar, é um ramo especial da Ciência Jurídica, com princípios e particularidades próprias. Mas, como qualquer outro ramo desta ciência está subordinado aos cânones constitucionais.
Nosso ordenamento jurídico que segue a tradição da família romano-germânica não admite que uma norma infraconstitucional se sobreponha ao Texto Fundamental.
As autoridades administrativas militares ainda demonstram, am alguns casos, a não aceitação em relação à questão da observância do princípio da anterioridade da transgressão disciplinar militar, pois entendem que a autoridade deve ter discricionariedade para impor punição aos seus subordinados.
Mas, o respeito à hierarquia e a disciplina não pressupõe o descumprimento dos direitos fundamentais assegurados ao cidadão, uma vez que a Constituição Federal em nenhum momento diferenciou no tocante as garantias fundamentais disciplinadas no art. 5º, o cidadão militar do cidadão civil, e o militar antes de estar na caserna foi um dia civil, e após a sua aposentadoria voltará novamente a integrar os quadros da sociedade.
A não observância destes princípios significa o desrespeito às regras do jogo, "rules of the game", que em um Estado Democrático de Direito, é previamente estabelecido, e se aplica a todos os cidadãos, sejam eles civis ou militares, tanto na esfera judicial como na administrativa.
O processo administrativo, pós 88, passou a ter todas as garantias previstas para o processo judicial, conforme preceitua o artigo 5º, inciso LV da C.F. Com base neste dispositivo, para que a ampla defesa e o contraditório com todos os recursos a ela inerentes possam ser exercidos é preciso que o acusado tenha conhecimento do ilícito que teria em tese violado, e que este já se encontre previsto em norma anterior de forma específica.
6. CONCLUSÃO
Concluindo a presente pesquisa sobre as incompatibilidades do RDAER frente à Constituição Federal e o processo disciplinar no âmbito do Comando da Aeronáutica, cabem alguns comentários e considerações.
A peculiaridade da sociedade militar é uma realidade. A própria Constituição assim lhe apresenta, lastreada na disciplina e na hierarquia, que constituem a essência das Forças Armadas. Entretanto, mesmo peculiar, a Instituição Força Aérea Brasileira integra a administração pública brasileira como um todo, obedecendo e cumprindo as leis do país.
Se os direitos fundamentais forem corretamente entendidos pelas autoridades militares, não há porque entrarem em rota de colisão com os direitos dos militares, já que visam os primeiros, exatamente, tutelar os segundos.
As restrições impostas aos militares são aquelas relacionadas pelas próprias peculiaridades da profissão.
Todavia, a sociedade militar submete-se aos princípios gerais do Direito e ao ordenamento jurídico pátrio, a sua inobservância na consecução do processo disciplinar poderá frustrar a expectativa punitiva da administração militar diante da transgressão e ocasionar outros transtornos que poderiam ser evitados.
Uma punição disciplinar que venha a ser questionada pelo controle jurisdicional externo poderá trazer conseqüências desagradáveis para a administração militar. De imediato, têm-se denegrida a imagem da autoridade militar, pelo fato de que não soube punir ou puniu injustamente.
Num momento posterior, podem-se ter outros problemas, consubstanciados tanto no aumento da indisciplina como também por possíveis questionamentos judiciais de outros atos punitivos, bem como futuros processos visando indenizações financeiras por “injustiças praticadas”.
Assim, destaca-se a importância que deve ser dada pelas autoridades militares que conduzem os processos disciplinares, seja a sindicância ou o processo disciplinar (punitivo), quanto da observância de todas as formalidades legais exigidas, principalmente no que concerne aos princípios do Direito, especialmente do Direito Constitucional e Administrativo, durante a efetiva realização dos mesmos.
Por derradeiro, dispõe-se que na profissão militar a justiça é a pedra fundamental para promover disciplina, eficiência e moral, ou seja, uma punição corretamente aplicada terá um caráter educativo que irá se sobressair sobre todos os outros aspectos, cumprindo assim inteiramente sua finalidade.
Viu-se que, no momento atual, o RDAER, principal instrumento de aplicação da disciplina na Aeronáutica, está desatualizado, trazendo dificuldades à Administração na aplicação dos preceitos disciplinares, em razão de não estar adaptado e coerente com a Constituição Federal de 1988.
Inicialmente relatou-se a origem e a evolução das normas disciplinares no Brasil, desde o advento da Proclamação da República até os dias atuais. Verificou-se que o primeiro RDAER foi criado em 1943 e apresentava forte influência dos regulamentos disciplinares das demais Forças. Com o advento da Constituição de 1967 e das alterações por ela sofridas em 1969, foi necessária a edição de um novo RDAER em 1975. Com a promulgação do novo Texto Constitucional em 1988, a legislação disciplinar da Aeronáutica apresentou disposições conflitantes com a Lei Maior, carente de atualizações.
A seguir, esboçou-se a situação atual do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, onde se se observaram as principais incoerências frente à Carta Magna. Comentaram-se as irregularidades diante dos princípios constitucionais da reserva legal, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, neste contexto foram identificados os dispositivos legais do RDAER que estão incompatíveis com o ordenamento jurídico pátrio, cumpriu-se desta forma o objetivo geral da pesquisa delineado na parte introdutória.
Em relação aos objetivos específicos pode-se dizer que foram alcançados uma vez que: foram analisados e elucidados minuciosamente os princípios constitucionais que sustentam o pilar do Estado Democrático de Direito; foram identificados os dispositivos inseridos no Regulamento Disciplinar da Aeronáutica que estariam em dissonância com os princípios constitucionais, e analisado o processo atual de apuração da transgressão disciplinar pela Portaria nº 839/GC3, de 11 de setembro de 2003, do Comandante da Aeronáutica, publicada no BCA nº 177, de 16 de setembro de 2003.
Depreende-se ainda que em todo o desenvolvimento do trabalho utilizou-se o método da derivação dinâmica (uma norma deriva da outra em razão de sucessivas autorizações) de Hans Kelsen inserido na Teoria Pura do Direito que deu sustentação teórica ao presente estudo científico.
Ao mencionar que o RDAER, um Decreto recepcionado como Lei Ordinária, deve se compatibilizar com a Constituição Federal, a Lei Maior da nação, para ter validade caracteriza-se a aplicação como um todo do referencial teórico definido na Teoria Kelseniana.
Pelo exposto alcançaram-se os objetivos do trabalho, pois, como demonstrado, se a proposta for efetivada, o RDAER será um instrumento forte, coerente e justo para o exercício do poder disciplinar no Comando da Aeronáutica.
Destaca-se, assim, a importância que esta atualização do RDAER representa para a administração militar da Aeronáutica, que ficará livre da mácula de possuir um instrumento legal em desacordo com a CF/88 e com os princípios de nosso ordenamento jurídico. Não será mais censurada e se poupará dos desgastes das inúmeras ações judiciais que poderiam ser levadas a efeito.
Por fim, resta importante tecer algumas recomendações para a reforma do RDAER, com a inclusão de certos dispositivos e a exclusão de outros, objetivando adequá-lo ao Texto Constitucional, conforme esmiuçado no próximo capítulo.
7 RECOMENDAÇÕES
A fim de atender aos preceitos constitucionais, o presente trabalho propõe a reforma do RDAER atual, com a inclusão de certos dispositivos e a exclusão de outros que, sem ferir os pilares da instituição, permitam aos seus integrantes o exercício de todos os direitos e garantias que a Lei lhes confere.
A Constituição de 1988, buscando fortalecer a proteção aos direitos fundamentais, estabeleceu a reserva legal para a disciplina de transgressões ou crimes militares. É o que se observa na parte final do inciso LXI, do artigo 5º: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (grifo do autor).
O RDAER vigente, estabelecido pelo Decreto nº 76.322/75 e recepcionado como Lei Ordinária pela CF/88, somente poderá ser alterado por outra lei de igual hierarquia.
Logo, o novo RDAER aqui proposto, deverá ser uma lei ordinária e não mais um decreto presidencial. Assim, as punições disciplinares de prisão que forem aplicadas estarão livres do risco de serem contestadas no Judiciário.
Outra alteração que deverá sofrer o RDAER, em nome da legalidade, será a eliminação do parágrafo único do artigo 10, pois a excessiva abrangência daquele dispositivo possibilita a prática de abuso ou de excesso de autoridade.
A relação de todas as transgressões disciplinares deverá estar expressa no texto da Lei, de forma que todos os militares da Aeronáutica saibam claramente quais ações ou omissões são consideradas passíveis de punição.
Em razão da previsão constitucional, deve ser incluída, no caput do artigo 34 do RDAER, referência ao processo administrativo disciplinar, bem como à ampla defesa e ao contraditório.
Propõe-se a seguinte redação: Art 34: Nenhuma punição será imposta sem ser ouvido o transgressor, assegurados a ampla defesa e o contraditório, e sem estarem os fatos devidamente apurados, através do devido Processo Administrativo Disciplinar.
Para fins de ampla defesa e contraditório, são direitos do militar: ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento da punição disciplinar, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação; ser ouvido; produzir provas; obter cópias de documentos necessários à defesa; ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas; utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação; adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; e ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas.
Ainda se tratando do artigo 34, o número 3 deverá também sofrer alteração, passando a ter a seguinte redação: 3 - Quando forem necessários maiores esclarecimentos sobre os fatos alusivos à transgressão, deverá ser procedida sindicância, para, se for o caso, servir de base ao Processo Administrativo Disciplinar a ser posteriormente instaurado.
O julgamento e aplicação da punição disciplinar deverão ser feitos com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que ela se inspira no cumprimento exclusivo do dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício educativo do punido e da coletividade.
Com a modificação proposta, o RDAER ficará coerente e em harmonia com a CF/88, pois passará a contemplar a ampla defesa e o contraditório, esclarecendo que tudo será legal e insuscetível de nulidade.
Quanto ao Processo Administrativo Disciplinar, este deverá estar dentro do RDAER, e terá início com o recebimento da comunicação da ocorrência, sendo processado no âmbito do comando que tem competência para apurar a transgressão disciplinar e aplicar a punição. O militar arrolado como autor do fato aporá o seu ciente na 1ª via do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar e permanecerá com a 2ª via, tendo, a partir de então, três dias úteis, para apresentar por escrito e assinado, suas alegações de defesa, no verso do formulário. Cumpridas as etapas anteriores, a autoridade competente para aplicar a punição ouvirá o militar, julgará suas justificativas ou razões de defesa e emitirá conclusão escrita, quanto à procedência ou não das acusações e das alegações de defesa, que subsidiará a análise para o julgamento da transgressão. Finalizando, essa autoridade publicará a decisão em Boletim Interno da Unidade.
Caberá ao RDAER maior detalhamento do Processo Administrativo Disciplinar, ficando, ainda, a sua formalística a ser estabelecida por uma Instrução do Comando da Aeronáutica (ICA). Uma vez expostas as incoerências do RDAER frente a CF/88 e as propostas de solução para o problema, faz-se necessário realizar um retrospecto do tema abordado, realçando os principais aspectos abordados, o que será feito na conclusão do presente trabalho.
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GLOSSÁRIO
Antinomias – Contradição, oposição real ou aparente entre duas leis, dois princípios, normas, etc.
Aprioristicamente –Rao apriorismo, raciocínio a priori, sistema que se baseia em princípios anteriores à experiência.
Arcabuzamento – ato de matar alguém por tiro de espingarda ou arcabuz.
Audiatur et altera pars – O Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa é assegurado pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, mas pode ser definido também pela expressão audiatur et altera pars, que significa “ouça-se também a outra parte”.
Axiológico – No contexto jurídico significa o Direito como valor de justiça.
Castrense – a palavra CASTRENSE vem do latim CASTRA, CASTRÓRUM, que quer dizer acampamento, fortificação militar, quartéis de verão “castra aestiva”, quartéis de inverno (castra hiberna), e, por extensão, caserna; assim como "justa militaria" significa deveres da vida militar, também do latim JUSTA, JUSTORUM (o devido, o justo)
Cognoscíveis – Que se pode conhecer, fácil de conhecer.
Desiderato – Aquilo que se deseja, aspiração.
Dialético – (do grego διαλεκτική) era , na Grécia Antiga, a arte do diálogo, da contraposição de idéias que leva a outras idéias. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão." "Aristóteles considerava Zênon de Eléa (aprox. 490-430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideraram Sócrates (469-399 a. C.)." (Konder, 1987, p. 7).
Digesto de re militare – Compilação de normas relativas a assuntos de administração militar.
Direito natural – Direito natural é a idéia abstrata do Direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e anterior – trata-se de um sistema de normas que independe do direito positivo, ou seja, independe das variações do ordenamento da vida social que se originam no Estado. O direito natural deriva da natureza de algo, de sua essência. Sua fonte pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos.
Due process of law- É o termo referente ao princípio constitucional que garante ao indivíduo direito de ser processado segundo as normas jurídicas vigentes antes do fato que ensejou o processo. Está explicitamente elencado no art.5, LIV da CF/88 que preceitua: "ninguem será privado de sua liberdade ou deseus bens sem o devido processo legal".
Estado de Direito – O Estado Democrático de Direito é o regime predominante nos países ocidentais. Este Estado é marcado pelas seguintes características: Democracia; Governo da maioria coexistindo com Direitos das minorias; relações civis-militares marcada pela autoridade e controle civil sobre os militares; existência de partidos políticos representativos da coletividade; responsabilidades cívicas dos cidadãos na administração da coletividade e do Estado; existência da liberdade de expressão e de uma imprensa livre; sistema federativo de governo; supremacia da lei sobre todos cidadãos e autoridades; proteção dos Direitos Humanos; existência de uma Constituição e de divisão do Estado em poderes independentes e harmônicos que se auto-fiscalizam: executivo, legislativo e judiciário. Estas características serão analisadas individualmente nos itens seguintes.
Estrategas – Em sua tradução literal significa estrategista.
Exegeta – Em sua tradução literal significa comentador ou intérprete
Fonte supletiva – Em direito significa origem, fonte, princípio que completa e que supre. Pode-se considerar a jurisprudência e a doutrina como fontes supletivas da ciência jurídica.
Forum Judicium – Foro judicial, local de competência para a realização de competência definidos nas normas constitucionais e processuais.
Habeas corpus – etimologicamente significa em latim "Que tenhas o teu corpo". A expressão completa é habeas corpus ad subjiciendum. É uma garantia constitucional outorgada em favor de quem sofre ou está na iminência de sofrer coação, ameaça ou violência de constrangimento na sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder da autoridade legítima. Além disso, serve como instrumento de controle da legaildade do processo penal.
Hegemonia axiológico-normativa dos princípios – Hegemonia é o predomínio de algo sobre o resto. Axiologia é o Direito como valor de Justiça. No contexto da pesquisa a expressão siginifica o predomínio normativo (que tem força de uma norma ou regra) dos princípios jurídicos uns sobre outros ou sobre os regramentos.
Hermenêutica judicial – No caso do Direito, trata-se de técnica específica que visa compreender a aplicabilidade de um texto legal. Em palavras mais simples: quando uma lei entra em vigor, assim como toda e qualquer literatura, requer uma compreensão de seu conteúdo. Se não houvessem regras específicas para tal interpretação (e é disso que trata a hermenêutica jurídica), cada qual poderia (quer juízes, quer advogados) entender a lei da maneira que melhor lhe conviesse. Logo, a Hermenêutica traz para o mundo jurídico uma maior segurança no que diz respeito à aplicação da lei, e, ao mesmo tempo, assegura ao legislador uma antevisão de como será aplicado o texto legal, antes mesmo que entre em vigor.
Hodiernos – Atual, recente, relativo ao dia de hoje.
Human Rights Wacht – Organização Internacional que visa a defesa dos direitos humanos sediada em Nova Iorque, Estados Unidos da América.
Idiossincrasia – A idiossincrasia é uma característica comportamental própria de um indivíduo ou grupo de indivíduos responsável pela interpretação de uma situação de acordo com sua cultura e formação. Disposição do temperamento do indivíduo, que o faz reagir de maneira muito pessoal à ação dos agentes externos. 2. Maneira de ver, sentir, reagir, própria de cada pessoa.
In dubio pro administração – Princípio vigente no direito administrativo que significa: na dúvida se decide a favor da administração pública.
Infraconstitucional – Significa abaixo da constituição, mais precisamente utiliza-se o termo para dizer que uma norma é hierarquicamente inferior à Constituição Federal.
Institutas de Gaio – É um livro de escola, mas que é de inestimável valor pelas informações que nos fornece sobre o direito romano clássico, foi descoberto, em 1816, pelo historiador Niebuhr, num palimpseto, do século V ou VI d.C., da biblioteca da Catedral de Verona (a melhor leitura desse palimpseto é devido ao filólogo Studemund). Em 1927, Hunt publicou três fragmentos, descobertos na cidade de Oxirinco, no Egito, de uma cópia das Institutas de Gaio escritos num papiro do século III d.C. Finalmente, em 1933, Meda Norsa comprou, no Cairo, duas folhas e meia de pergaminho escritas no século V d.C., as quais contêm parte de cópias das mesmas Institutas.
Jurisprudêcia – do Latim: juris prudentia é um termo jurídico com diversos significados.
Jus libertatis – Direito à liberdade consagrado na Constituição Federal em seu art. 5o, na Declaração Universal de Direitos Humanos e no Pacto de San Jose da Costa Rica. Significa dizer que a liberdade de locomoção, de ir e vir, permanecer e ficar, são a regra, e a contrario sensu sua restrição é uma exceção.
Jusfilósofo – O termo se refere ao indivíduo que se aplica ao estudo dos princípios e das causas especificamente no direito, também significa amigo do saber jurídico, sábio ou livre pensador. Modernamente o jusfilósofo se dedica a uma disciplina, ou uma área de estudos, que envolve a investigação, análise, discussão, formação e reflexão de idéias jurídicas (ou visões de mundo) em uma situação geral, abstrato ou fundamental. Originou-se da inquietação gerada pela curiosidade humana em compreender e questionar os valores e as interpretações comumente aceitas sobre a sua própria realidade.
Lei Maior ou Texto Fundamental – Constituição Federal.
Lex posterior derogat priori – Princípio de direito no qual a lei posterior derroga (revoga parcialmente) a norma posterior, sendo da mesma hierarquia.
Lex specialis derogat generali – Princípio de direito no qual a lei especial derroga (revoga parcialmente) a norma geral, sendo da mesma hierarquia. A lei especial é aquela que trata especificamente de um assunto enquanto que a norma geral estabelece critérios genéricos.
Lex superior derogat inferiori – Princípio de direito no qual a lei hierarquicamente superior derroga (revoga parcialmente) a norma inferior.
Lide – Na concepção mais clássica (Carnelutti), corresponde a um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Trata-se do núcleo essencial de um processo judicial civil, o qual visa, em última instância resolver a Lide (conflito) apresentada perante o juízo. É um erro comum entre os estudantes de Direito iniciantes confundir Lide e "Facultas agendi" (direito subjetivo). Todavia, não há como persistir tal erro. O primeiro termo corresponde ao núcleo do processo civil, enquanto o Direito Subjetivo existe como um conjunto de prerrogativas reconhecidas pelo estado e que não necessariamente precisam ser exigidas perante um tribunal.
Ne bis in idem – Princípio de direito no qual é vedado se aplicar mais de uma sanção para o mesmo delito. O mais comum refere-se à aplicação de estudo de casos jurídicos na tomada de decisões judiciais.Tecnicamente, jurisprudência significa "a ciência da lei". Estatutos articulam as regras da lei, com raras referências a situações factuais.
Par conditio – Significa isonomia processual, também nominada paridade de armas, segundo a qual as partes devem ser tratadas com igualdade.
Positivismo jurídico – O Positivismo jurídico refere-se ao direito positivo, institucionalizado pelo Estado, de ordem jurídica e obrigatório em determinado lugar e tempo. Os apoiantes desta filosofia defendem que não existe necessariamente uma relação entre direito,moral e justiça, visto que as noções de justiça e moral são dinâmicas e não universais, cabendo ao Estado, dentro de limites materiais e formais, como detentor legítimo do uso da força, determinar as normas de conduta .
Rules of the game – Regras do jogo em sua tradução literal.
Talante – Arbítrio, vontade, desejo. A seu bel-prazer.