O barão ladrão mais hábil é o que rouba ou pilha “dentro da lei”

02/03/2016 às 11:32
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“Não entendo quem escolhe o caminho do crime, quando há tantas maneiras legais de ser desonesto” (Al Capone, gangster famoso nos EUA da primeira metade do século XX).

“Não entendo quem escolhe o caminho do crime, quando há tantas maneiras legais de ser desonesto” (Al Capone, gangster famoso nos EUA da primeira metade do século XX).

A PGR acusa Eduardo Cunha de ter arrebanhado uma enorme fortuna usando “maneiras legais” (aprovação de emendas “encomendadas”). Também é possível ser um gangster “dentro da lei”. Nos paraísos da cleptocracia, com um pouco de tolerância, pode-se até viver de pilhagens sem ser perturbado pelo Judiciário.

Estamos mais acostumados a ver histórias de malandragens e pilhagens “fora da lei” (violando-se a lei). Antonio Candido, explorando a literatura nacional, tem trabalho antológico sobre o assunto (Dialética da malandragem). Mas em um país que nasceu (1822) como Estado negreiro, como infrator (cleptocrata) nato, o mais vantajoso é “roubar” “dentro da lei” (maior garantia de impunidade).

A Constituição de 1824, violando as leis internacionais contra a pirataria, nenhuma referência fez aos escravos (ignorou-os). A elite brasileira (os donos do poder cleptocratas), mesmo sabendo que jogava fora os benefícios da Segunda Revolução Industrial (Joaquim Nabuco), primeiro implantou sua “ordem social” (injusta, desigual, patriarcal, escravagista etc.); depois é que criou a “ordem jurídica” e a Justiça para dar sustentação à prefixada ordem social.

Quem tem poder para criar a ordem social se concede algumas licenças (ilegalidades, diria Foucault), como a de pilhar (ou “roubar”) “dentro da lei”. Ao poder de mandar, nos paraísos da cleptocracia, correspondem as licenças para pilhar impunemente. Quem tem o poder de castigar tem também o poder de não castigar.

A medida provisória 656 constitui um emblemático exemplo. Foi completamente desfigurada pelos inúmeros “jabutis” a ela incorporados (assuntos distintos do texto original). A lei respectiva (13.097/15) é fruto de uma tremenda “suruba” legislativa (a expressão “suruba” é do deputado Vinicius Gurgel), que já não encontra resistência do governo lulopetista completamente desmoralizado (em troca do não impeachment tudo passou a ser válido).

A bancada da “bola” conseguiu em um “megajabuti” a renegociação das dívidas dos clubes de futebol (uma pilhagem – ainda que indireta – de quase R$ 4 bilhões), sem nenhum tipo de contrapartida em termos de melhoria da gestão e da transparência. A bancada “dos bancos” conseguiu autorização para a entrada de capital estrangeiro no setor hospitalar (valorizando algumas empresas tocadas pelo setor). Mais: inúmeros imóveis se tornaram aptos para hipoteca (o que aumenta a garantia dos bancos). Alguns empresários inescrupulosos poderão esquivar-se dos seus passivos trabalhistas e por aí vai.

A atividade parlamentar, nas democracias “roubadas” (sequestradas), está se transformando num grande escritório de despachantes dos interesses dos que financiam as campanhas eleitorais ou dos que promovem a corrupção cleptocrata (graúda). A lei (que deveria atender os interesses gerais, como imaginava Rousseau) não passa, frequentemente, de um sórdido subterfúgio para preservar interesses econômicos escusos de setores, grupos ou frações do mercado, em detrimento dos concorrentes, do capitalismo competitivo e das classes dominadas, incluindo as classes médias e as “batalhadoras” (Jessé Souza).

Há duas maneiras de se pilhar a res publica (e, em consequência, de acumular riqueza de forma ilegal ou imoral): (a) dentro da lei e (b) fora da lei.

Quando dentro da lei (esse é o caso da MP 703, 656 etc.), existe maior certeza de impunidade. Mas mesmo fora da lei, em países com instituições em frangalhos (como o nosso), a sociedade não conta com nenhuma garantia sobre a punição daqueles que se dedicam à pilhagem do erário. A Lava Jato, apesar dos esforços e resultados positivos apresentados até aqui, não passa de um pingo d’água no oceano da corrupção sistêmica brasileira.

A mais extraordinária forma de se enriquecer ilicitamente ou imoralmente é dentro do “Estado de Direito”, que cumpre dois papeis: o de garantir direitos e o de servir de instrumento para as roubalheiras dos aloprados donos do poder. Por meio da lei, leia-se, do próprio Estado de Direito (rules of law), rouba-se muito. Quando os grupos monopólicos norte-americanos impediram a extração do petróleo no Brasil, fizeram isso (a partir de 1935) por meio de uma corrupta lei (Lei de Minas[1]).

O Estado de Direito tem seu lado nobre, assim como seu lado podre. Por imposição ideológica, nas faculdades só se ensina o primeiro aspecto. O segundo fica às escuras, na sombra. O Estado de Direito é garantia de direitos, de contratos, mas também instrumento de dominação injusta, de pilhagens e de roubalheiras (dentro da lei). Há algo no Direito que precisa ficar escondido a sete chaves.

CAROS internautas: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores não do bem da nação, sim, dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda imoralmente os defende. 

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  •  Este artigo contou com a colaboração de Esdras Augusto, acadêmico da PUC-Campinas.

[1] Ver LOBATO, Monteiro. O escândalo do petróleo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

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