O consumidor frente à publicidade enganosa e/ou abusiva: a importância da tutela jurídica

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02/03/2016 às 22:58
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A publicidade é um instrumento utilizado pelo mercado para atrair a atenção dos consumidores. Numa sociedade onde as inovações ocorrem a todo momento, ela atua como uma propulsora da circulação de bens de consumo.

Resumo:

A publicidade é um instrumento utilizado pelo mercado para atrair a atenção dos consumidores. Numa sociedade onde as inovações ocorrem a todo momento, ela atua como uma propulsora da circulação de bens de consumo. 

O intuito do presente estudo não é rechaçar ou coibir a publicidade, mas sim mostrar a necessidade de um controle rígido sobre ela, a fim de que de o estímulo provocado nas pessoas aconteça da forma mais saudável possível, sem abusos ou induções errôneas.

A fim de proteger o consumidor, parte vulnerável da relação de consumo, o fenômeno publicitário deve ser observado pelo Direito para não se afastar dos padrões éticos aceitos pela sociedade, nem infringir a legislação.

INTRODUÇÃO:

Ao analisarmos a história, percebemos que o homem é um ser que vive em constante progresso.  A sua trajetória é marcada pela superação, em qualquer nível, seja social, cultural ou tecnológica.   Desde os primórdios dos tempos passamos por diversas fases, até chegarmos a um sistema capitalista, onde a produção em massa ganha importância vital para o desenvolvimento da sociedade.  

A Revolução Industrial inglesa teve o condão de despertar no homem uma nova visão, onde a produção de bens deixa de ser um processo simples e artesanal, para ter em si uma complexidade de valores agregados. 

Até então, a publicidade era feita diretamente entre comprador e vendedor, pois esses eram velhos conhecidos.  A industrialização trouxe a massificação do consumo gerando a despersonalização do mercado, e a relação entre o comprador e o vendedor tornou-se impessoal, já que eles não se conheciam mais.  A publicidade se transforma de individual a coletiva. 

A crescente demanda impulsionou a produção em série, ocasionando uma corrida desenfreada pelo aumento de produtividade.  Essa situação trouxe benefícios para a sociedade ao promover o crescimento da indústria e do comércio e o desenvolvimento tecnológico, mas também teve o seu lado sombrio ao resultar em desrespeito ao ser humano, pois muitos proprietários dos meios de produção se colocaram em uma situação de imperadores da relação de consumo, restando ao consumidor apenas se curvar às vontades impostas por eles.

A necessidade da criação de regras frente às intempéries de muitas relações de consumo se fez urgente, com o intuito de proteger não só o consumidor, mas o sistema como um todo.  Dessa forma, no Brasil, a Lei nº. 8.078/1990, se fez um marco do exercício de cidadania no nosso país, tornando-se esse o pioneiro da codificação do Direito do Consumidor em todo o mundo[1].  Desde então, a sociedade de consumo vem sendo remodelada, e as relações existentes entre fornecedor e consumidor tomando novo direcionamento. 

A busca por uma relação de consumo equilibrada é um desafio latente e representa um dos temas mais atuais do direito mundial.  Esse resultado seria alcançado, principalmente, através do controle da publicidade enganosa e/ou abusiva, pois estas já trazem dentro de si uma intenção natural de quebra desse tão sonhado equilíbrio.

  1. O Código de Defesa do Consumidor[2]:

Um dos problemas encontrados no Direito do Consumidor é que não estamos realmente habituados aos fenômenos da sociedade de consumo, pois não fomos educados para entendê-los.  Além disso, por ser uma legislação relativamente nova, o direito consumerista sofre com a interpretação de muitos juristas, relativamente às suas regras, que se diferenciam do Direito Civil.   Por anos o Código Civil foi aplicado nas relações de consumo, visto que não havia uma legislação específica para isso.  Porém, muitos aspectos do direito privado não são encontrados no Código de Defesa do Consumidor - CDC, por incompatibilidade natural, como, por exemplo, o pacta sunt servanda, onde se prima pelo respeito ao que foi pactuado. Outro exemplo seria a presunção civilista de que as partes estejam em igualdade de condições ao fechar um contrato, o que não acontece na relação de consumo, visto que o consumidor ocupa flagrantemente o lado frágil. 

Aqueles que guardam dentro de si esses parâmetros do Direito Civil têm grande dificuldade para entender a importância de se resguardar a sociedade de massa em que vivemos atualmente, a partir da proteção e defesa do consumidor.  Conforme nos mostra Rizzatto Nunes[3], o CDC inaugurou um novo modelo jurídico dentro do Sistema Constitucional Brasileiro, que ainda era pouco explorado pela Teoria do Direito.

A nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XXXII, diz que entre os deveres do Estado Brasileiro está o de promover a defesa do consumidor.  Essa inserção dentro dos direitos fundamentais colocou o consumidor na categoria de portador de direitos constitucionais fundamentais. Dada importância é também explicitada ao se analisar o artigo170, da Constituição Federal-CF, sobre a ordem econômica e financeira[4], onde a defesa do consumidor aparece como um dos princípios gerais da atividade econômica.  Ainda no corpo da Constituição Federal, no artigo 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, o Congresso Nacional tinha um prazo de cento e vinte dias da promulgação da Constituição para elaborar o Código de Defesa do Consumidor.  A Lei nº. 8.078 foi sancionada em 11 de setembro de 1990 e entrou em vigor em 12 de março de1991.

O CDC é uma lei principiológica[5], de ordem pública e de interesse social, com preceitos inderrogáveis pela relação de consumo em si, compondo um sistema autônomo dentro do quadro constitucional brasileiro. Todas as suas regras estão submetidas aos parâmetros da Constituição Federal, sendo que, quando se tratar de relação de consumo, o CDC se sobrepõe ao Código Civil em casos de contrariedade ou lacuna daquele, por ser uma Lei especial.

O direito do consumidor busca não só apresentar um conjunto de normas e princípios, mas sim, implementar ferramentas que torne efetiva a proteção aos consumidores.  É um verdadeiro microssistema jurídico norteado por princípios que lhe são peculiares, tendo como características a interdisciplinaridade, por se relacionar com vários ramos do direito como constitucional, penal, civil; e a multidisciplinaridade, por ter em seu bojo normas de caráter também variado, como civis, administrativas, processuais, dentre outras[6].

O CDC tem por objeto a defesa do consumidor, o que acarreta a proteção do sistema econômico como um todo.  Não é correto, entretanto, imaginar que ele seja o tutor do mau consumidor, ou que seja o instrumento para a prática de abusos, como descrito por Augusto Zenun que diz que “o tal Código de Defesa do Consumidor (...) ‘canoniza’ o consumidor, enquanto manda os fornecedores para o 8º círculo do inferno, descrito por Dante[7]”.

A proteção ao consumidor se faz necessária porque ele, evidentemente, é a parte mais frágil da relação de consumo, já que existe uma desproporção entre o seu poder de barganha e o dos fornecedores dos produtos.  Essa vulnerabilidade se apresenta não só no aspecto econômico, mas também no técnico, já que é o fornecedor o detentor das informações necessárias à utilização e eficiência do produto.   Conforme Gerard Cas, o “legislador procura proteger os mais fracos contra os mais poderosos, o leigo contra o melhor informado; os contratantes devem sempre curvar-se diante do que os juristas modernos chamam de ordem pública econômica[8]”.  Dessa forma, a atuação do Estado se faz indispensável na regulação, disciplina e fiscalização concernentes às relações consumeristas, a fim de se alcançar algum equilíbrio, seja reforçando a posição do consumidor, seja proibindo ou impondo limites a certas práticas de mercado.

  1. Conceitos:

O Código de Defesa do Consumidor incide sobre todas as relações de consumo, ou seja, sempre que em uma transação de produtos e serviços puder se identificar em um pólo o consumidor e, no outro, o fornecedor. 

O legislador optou por definir conceitos em vez de deixar essa tarefa para os doutrinadores e a jurisprudência.  Os clássicos desaconselhavam a conceituação em leis ou códigos, por não fazer parte das atribuições do direito material positivo[9].   Como veremos, o CDC ao trazer essas definições facilitou bastante a tarefa dos intérpretes do direito, mas não ficou imune à criticas.  A dificuldade é se alcançar um conceito na medida certa, que não restrinja e nem abranja demais o objeto.    

2.1. Consumidor:

Consumidor pode ser pessoa física ou jurídica, independente de idade ou sexo, basta que adquira o produto ou serviço como destinatário final, ou seja, para uso próprio sem a finalidade de criação de outros produtos ou serviços.  Assim, se uma pessoa adquire algo não como destinatário final, mas como um intermediário do meio de produção, não será considerado consumidor.

O conceito de consumidor[10] é exposto no artigo 2º, com uma visão individual e mais concreta.   Para se atingir um entendimento melhor, deve ser aliado aos artigos 17 e 29, que têm uma visão mais geral e abstrata, à medida que trata de pessoas que possam ser determináveis ou não.

Quanto à pessoa jurídica, o código não fez distinção, tratando de maneira ampla, podendo ser, então, uma microempresa, uma multinacional, uma fundação, uma associação, ou qualquer outra forma assumida.

  2.2. Fornecedor:

Fornecedor é aquele que exerce atividade econômica profissionalmente, de forma regular.  É o fabricante, o vendedor ou o prestador de serviço.   O artigo 3º, em seu caput[11], diz que pode ser pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, como também os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção, montagem, transformação, construção, criação, importação, exportação, comercialização ou distribuição de produtos ou serviços.  O próprio Estado está sujeito ao CDC, através de suas autarquias, fundações, empresas públicas, quando fornecedor do produto ou do serviço.

  1. Produto:

O conceito de produto[12] se refere a bens que detêm tutela jurídica e valor patrimonial.  É qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final[13].

  1. Serviços:

Conforme observa Philip Kotler[14], os serviços podem ser considerados como atividades, benefícios ou satisfações que são oferecidos à venda.  Em termos práticos, são utilidades prestadas pelo fornecedor que visam suprir as necessidades dos indivíduos.

O CDC[15] conceituou serviço de forma ampla, englobando, também, os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.   Mesmo com a clareza do dispositivo, surgiram indagações sobre o setor bancário prestar serviços ou não aos consumidores.   Como resposta ao impasse, foi editada súmula[16] pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, trazendo de forma expressa a aplicabilidade do código às instituições financeiras, a fim de pacificar a questão.

 Recentemente os consumidores tiveram outra grande vitória ao ser julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADIn nº. 2591, pelo Supremo Tribunal Federal- STF, ajuizada pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif).  Nesse julgamento o STF considerou constitucional o parágrafo 2º do artigo 3º do CDC, ou seja, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitárias devem ser incluídas no conceito de serviço, ficando as relações entre os bancos e seus clientes amparadas pelo referido código.

  1. Publicidade:

A publicidade tomou nova roupagem devido às mudanças no meio industrial.  Com a massificação da produção, ela deixou de ser restrita a poucos indivíduos e se transformou em um meio de atingir a maior quantidade possível de pessoas.  Com isso aparecem também os problemas, pois os detentores dos meios de produção perceberam o quão eficiente é a publicidade e, por atos escusos, passou a usá-la de forma indiscriminada.

No Brasil, a publicidade começou a ser controlada com a criação do “Código de Ética dos Profissionais de Propaganda”, quando os publicitários fizeram o seu primeiro congresso nacional, em 1957, seguindo as diretrizes do Código Internacional da Prática Publicitária-CIPP[17].  Alguns anos mais tarde, em 1978, motivados pelas pressões estatais de um país dominado pela censura da ditadura militar, os publicitários criaram um novo código de ética com o claro objetivo de impedir a interferência do Estado na seara publicitária[18].  Finalmente, em 1990, foi publicada a Lei nº. 8.078, ou Código de Defesa do Consumidor, determinando o controle da publicidade por parte do Estado.   No mesmo ano também surgiu a Lei nº. 8.137, tipificando vários crimes contra as relações de consumo, mais precisamente, contra o mau uso da publicidade.  A função do controle é zelar pela regularidade dos atos publicitários, atuando para que as lesões sejam sanadas, evitando dano maior aos consumidores e buscando a reparação daqueles que já foram lesados.

O publicitário Caio A. Domingues[19] define publicidade de acordo com a sua visão mercadológica:

a publicidade, na concepção mercadológica, é uma arte com laivos de técnica, um braço estendido da argumentação de vendas; (...) é notícia de caráter comercial que pode ter uma variedade de objetivos, entre os quais o mais comum é estimular o consumidor potencial a procurar um produto ou serviço com a intenção de adquiri-lo (...); não representa perigo à sociedade porque não a conduz, ao contrário, é conduzida pela sociedade.

A visão jurídica sobre a publicidade é, porém, mais rígida, pois se sabe que algumas mensagens transmitidas são perniciosas, e o consumidor é vulnerável a elas.  No mundo jurídico o que se leva em consideração é que a publicidade tem o poder de direcionar a sociedade, criando expectativas e alterando os hábitos e os costumes.  Isso provoca um aumento no consumo, mas atinge pessoas não identificadas, de nível sócio-econômico desconhecido, que podem não ter condição de saciar o desejo que foi estimulado pela publicidade.  O resultado é a geração de atrito entre as classes sociais, ao se querer vender algo a alguém que não pode comprar.

O que percebemos é que a publicidade assume a forma de um instrumento extremamente eficaz na circulação de bens de consumo, sendo uma importante aliada do mundo capitalista. Dessa forma, é de vital importância que o seu alvo principal, o consumidor, seja protegido dos malefícios causados por ela, já que não existe sociedade de consumo sem publicidade.  

Para Guido Alpa[20], “a publicidade pode, de fato, ser considerada o símbolo próprio e verdadeiro da sociedade moderna”. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin[21] completa, dizendo que “há como uma indissolubilidade do binômio ‘sociedade de consumo-publicidade ’”.

O fornecedor não tem o dever legal de anunciar; isso é uma faculdade que ele poderá ou não exercitar.  O que existe, de acordo com o artigo 31, é a imposição de informar, de maneira correta e precisa, todas as características e riscos que o produto oferece à saúde e à segurança dos consumidores; o que pode ser feito por outras vias que não a publicitária[22].   

Sendo a publicidade, então, um direito, os fornecedores e/ou anunciantes arcam com os riscos que ela oferece.  Somente em duas situações o CDC impõe o dever de anunciar: quando o fornecedor toma conhecimento da periculosidade ou nocividade após introduzir o produto ou serviço no mercado (art. 10, § § 1º e 2º)[23]; e quando há a imposição de contrapropaganda como sanção administrativa pela infração de alguma norma de defesa do consumidor, como nos casos de publicidade enganosa e/ou abusiva (arts. 56, XII e 60)[24].   Portanto, quem opta por usar a publicidade atrai para si a responsabilidade de fazê-la respeitando as diretrizes legais. 

A publicidade não pode violar os princípios regidos pela nossa Constituição Federal, devendo sempre estar atrelada à moralidade, ética e à verdade.  Ela não deve trazer mentiras sobre o que anuncia, seja por afirmação ou omissão, como também fazer manipulações a fim de confundir o consumidor.

Essas limitações impostas à publicidade são necessárias e, como mostra Nelson Nery Júnior[25], “o controle legal da publicidade não é forma inconstitucional de censura, mas eficaz para evitar-se o abuso que possa ser cometido em detrimento dos direitos do consumidor”.

Atualmente, somos bombardeados por publicidade a todo o momento.  É comum, ao assistirmos televisão, por exemplo, que ela vá invadindo o nosso lar e alterando a nossa rotina, incutindo em nós um desejo de consumo que antes não existia. O mesmo acontece ao folhearmos jornais, revistas ou informativos; ou ainda, quando andamos pelas ruas e avistamos outdoors ou recebemos panfletos. Em nenhum lugar estamos a salvo, pois a publicidade nos persegue aonde quer que a gente vá. 

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3.1. Publicidade ou propaganda? A distinção entre os termos:

Os termos publicidade e propaganda são usados diariamente como se sinônimos fossem, o que de certo modo não deixa de ser verdade.   A própria Constituição Federal, não distingue os termos, falando em ‘propaganda’ (art. 220, § 3º, II)[26], ‘propaganda comercial’ (arts. 22, XXIX, e 220, § 4º)[27] e ‘publicidade’ (art. 37, caput e § 1º)[28].  O CDC foi mais técnico ao adotar o vocábulo ‘publicidade’ em praticamente todo o seu corpo[29], mas não ficou imune ao vício e fez referência também à propaganda - mais especificamente contrapropaganda[30].

Wilson Carlos Rodycz[31], em seu artigo “O Controle da Publicidade”, diferencia de forma objetiva os vocábulos dizendo que “embora na linguagem vulgar e comercial, e mesmo legal, sejam utilizadas indiferentemente, as palavras publicidade e propaganda têm significação própria.  Publicidade é sempre de natureza comercial.  Já a propaganda tem natureza ideológica e não comercial”.

No mesmo sentido, Mário A. L. Guerreiro[32] comenta que:

a propaganda é uma atividade voltada para a difusão de uma idéia (a propaganda política é o mais conhecido exemplo), ao passo que a publicidade é uma atividade voltada para a difusão de uma mercadoria específica (publicidade desta marca de cigarro ou daquela marca de sabão em pó).

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

A diferença entre publicidade e propaganda está no objetivo de cada uma, conforme posicionamento de Valéria Falcão Chaise[33].  Para ela, “a propaganda visa a influenciar ou modificar a opinião alheia a respeito de determinada ideologia; a publicidade, a captar a atenção do público para o consumo de determinados bens ou para a utilização de certos serviços”.

Nessa linha de pensamento, Dorothy Cohen[34] define a publicidade como sendo:

(...) uma atividade comercial controlada, que utiliza técnicas criativas para desenhar comunicações identificáveis e persuasivas dos meios de comunicação em massa, a fim de desenvolver a demanda de um produto e criar uma imagem da empresa em harmonia com a realização dos gostos do consumidor e o desenvolvimento do bem-estar social e econômico.

Dessa forma, a diferença mais evidente entre a publicidade e a propaganda é que a primeira tem finalidade econômica, com o intuito primordial de auferir lucro, criando necessidades de consumo; a segunda, no entanto, não se sustenta nessa intenção, querendo, tão somente, a adesão das pessoas a determinada ideologia, seja ela política, religiosa, moral, social ou artística, a partir de um caráter informativo ou cultural.

3.2. Princípios da Proteção Publicitária do Consumidor:

Antes de falarmos sobre as ilicitudes da publicidade, é válido discorrer sobre alguns princípios que a norteiam, e que são adotados pelos doutrinadores em geral.

3.2.1. Princípio da Identificação da Publicidade:

O consumidor deve identificar facilmente a publicidade, pois, caso contrário, ele estará sendo enganado.  Dessa forma, existirá também a ofensa à lei, porque a falta de identificação possibilita a quebra de regras.  Enquadra-se aqui a publicidade simulada, onde o seu conteúdo é disfarçado, não permitindo ao consumidor perceber a característica mercantil do anúncio.  Quanto a isso, o artigo 36 dispõe que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal (...)”.  

Adalberto Pasqualotto[35] entende que, se respeitados os limites da abusividade e da enganosidade, é admissível que a mensagem publicitária tenha apelos emotivos, afetivos, irônicos e cômicos.  Como a mensagem é persuasiva, ela deve ser identificada desde o início, para que o destinatário se previna, cedendo ou não aos argumentos, conforme queira. “Em outras palavras, a lei admite o assédio honesto e declarado ao consumidor, rechaçando a clandestinidade”.

3.2.2. Princípio da Veiculação Contratual da Publicidade:

Pela leitura dos artigos 30 e 35, percebemos que as informações e a publicidade, sobre serviços ou produtos, obrigam o fornecedor, fazendo parte do contrato.  O consumidor tem à sua disposição algumas alternativas caso não seja honrada a oferta, como exigir o seu cumprimento, transacionar a substituição por outro produto ou serviço e rescindir o contrato, com a devida devolução do valor despendido[36].

Para Cláudia Lima Marques[37], “a publicidade foi valorizada como ato de vontade idôneo para criar vínculos obrigacionais (com ou sem contrato) entre fornecedores e consumidores”.   Com isso, no momento em que o consumidor toda conhecimento da oferta publicitária, é criado um vínculo, e no instante em que ele aceita o produto surge o contrato.  “Quando a mensagem publicitária é veiculadora de oferta, pode ser assemelhada a uma declaração unilateral de vontade, porque a lei obrigou o ofertante ao cumprimento[38].”

3.2.3. Princípio da Veracidade da Publicidade[39]:

Esse é o princípio basilar da publicidade, e determina que as informações veiculadas pelo ofertante sejam verdadeiras. Com isso, não é permitido informações publicitárias falsas, por ação ou por omissão, que leve o consumidor a erro sobre qualquer condição do produto, conforme o artigo 37, § 1º.   Não é necessário que o consumidor seja realmente lesado, pois a simples indução ao erro já tipifica a publicidade como enganosa. 

3.2.4. Princípio da Não Abusividade[40]:

Esse princípio é ligado ao anterior (veracidade da publicidade), pois também tem o cunho de reprimir desvios publicitários que prejudiquem os consumidores, de acordo com o § 2º, do artigo 37.   O foco dado aqui é mais ligado a valores e comportamentos prejudiciais que o consumidor pode assumir devido à publicidade.

3.2.5. Princípio da Inversão do Ônus da Prova:

A inversão do ônus prova é um reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor que, sendo a parte mais fraca, tem dificuldades em provar a falsidade, a omissão ou a ofensa do fornecedor.  Essa inversão é obrigatória, conforme o artigo 38, pois “o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”.

Benjamin[41] frisa que ao se fazer prova exoneratória quanto ao caráter enganoso ou abusivo da sua comunicação publicitária, independe o fato do fornecedor ter agido de boa-fé, pois isso é irrelevante na sua responsabilidade civil.

3.2.6. Princípio da Transparência da Fundamentação da Publicidade:

A publicidade deve conter todas as informações suficientes para possibilitar o discernimento do consumidor.  O fornecedor tem liberdade para anunciar seus produtos e serviços, porém, deve se basear em elementos fáticos e científicos, de acordo com o artigo 36, em seu parágrafo único[42].

O princípio da transparência se liga à informações claras e verdadeiras sobre o produto ou serviço a ser vendido.  É o espelho da lealdade e do respeito do fornecedor perante os seus consumidores, mesmo na fase anterior à realização da venda.

3.2.7. Princípio da Correção do Desvio Publicitário:

São penalidades administrativas, civis ou penais, impostas ao fornecedor que comete alguma infração contra as normas de defesa do consumidor.  A intenção é que o erro seja corrigido a fim de que não exista o impacto, ou para que ele seja o mais brando possível.  É como revela o inciso XII, do artigo 56, onde as sanções são feitas, dentre outras formas, através de contrapropaganda[43].

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

3.3. Publicidade Enganosa e/ou Abusiva:

O Código de Defesa do Consumidor não se limitou a proteger a relação de consumo somente no momento da celebração do contrato.  Por entender que essa relação se divide em três fases, ou seja, a pré-contratual, a contratual e a pós-contratual, é que a Lei consumerista tratou de proteger a relação como um todo, englobando aí, os acontecimentos anteriores ao fechamento do negócio em si.  Portanto, o fornecedor tem a sua responsabilidade ampliada, se vinculando a todas as fases da relação de consumo.  Isso se dá porque o CDC reconhece que existem técnicas que estimulem o consumidor antes mesmo de se concretizar a venda, em um momento que há apenas uma mera expectativa de consumo.  É nessa fase que a publicidade se apresenta como a principal arma para que essa expectativa se transforme em consumo real.  Devido a sua importância, é que o CDC dispensou à publicidade uma atenção especial, com o objetivo de que ela não ultrapasse a barreira da moral e da ética.

3.3.1. Publicidade Enganosa:

Para garantir que o consumidor não seja enganado, o CDC foi amplo ao conceituar a publicidade enganosa, conforme se percebe pelo artigo 37, §§ 1º e 3º:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

A publicidade enganosa, então, tem o condão de induzir o consumidor a acreditar em algo que não corresponda ao que o produto ou serviço oferece.  Isso pode acontecer através de frases de efeito, impacto visual, afirmações inverídicas, dentre outras artimanhas para alcançar o resultado esperado, o que causa uma distorção no processo decisório do indivíduo, que talvez não adquirisse o produto se fosse corretamente informado. O consumidor, nesse caso, efetua a compra acreditando em determinado resultado, mas na realidade o efeito será outro, e a conseqüência é a sua frustração atrelada ao sentimento de ter sido enganado, em uma situação onde o fornecedor utilizou meio ilícito para alcançar o seu objetivo de venda.

Existem dois tipos de publicidade enganosa: por comissão (§ 1º, art. 37) e por omissão (§ 3º, art. 37).   Na primeira, o fornecer apresenta algo que não é, diz que o produto tem atributos que não possui, induzindo o consumidor a errar.   Já na segunda, o fornecedor não diz algo essencial sobre o que está ofertando, induzindo, da mesma forma, o consumidor a errar.  A mensagem pode ser enganosa tanto pelo que diz, quanto pelo que não diz.  O que configura a omissão não é o não fornecimento de todas as características e riscos do produto, mas sim não dizer algo que seja tão importante que induza a decisão do consumidor. 

 A publicidade tem o objetivo de mostrar a utilidade do produto ou serviço, fazendo com que o consumidor se interesse por ele.  É uma ficção onde se apresentam momentos envolventes, com pessoas belas, felizes e saudáveis.  São situações que nos emocionam e que, de certa forma, nos deixam contentes.   Nada disso é proibido, pois são anúncios que agradam a todos de forma geral, realçando por via indireta a qualidade do produto ou serviço.  O que não se pode esquecer é que o publicitário/fornecedor tem a liberdade de mostrar e de dizer o que quiser, já que se trata de um ato unilateral, se responsabilizando, então, por todos os resultados que dali vier.   A criatividade é aceita e bem-vinda, desde que não esbarre no que determina a lei, para que não cause dano, seja direto ou indireto, aos consumidores.

Uma forma bastante utilizada para atrair os consumidores é a publicidade que se utiliza de uma “isca” ou “chamariz”.   Essa situação não se caracteriza por uma mentira sobre o produto em si, mas usa de meio ardiloso para fazer com que o consumidor vá até à loja.    Isso é percebido quando, por exemplo, o fornecedor anuncia um produto com grande desconto, porém, quando o consumidor vai até o local o item já se esgotou, e ele acaba comprando outras coisas para não perder tempo.  O mesmo acontece quando se oferece um brinde para determinado número de compradores que chegarem primeiro à loja.   Nesse caso, por mais que o consumidor se apresse para chegar logo, na realidade ele quase nunca conseguirá chegar a tempo, pois aquilo era só uma forma de arrastá-lo para o local.  Igualmente ao exemplo anterior, o consumidor acabará comprando algo.  Nesses, ou em outros casos, o objetivo do fornecedor estará cumprido, pois conseguiu aumentar as suas vendas, mesmo utilizando métodos reprováveis.

Um aspecto importante a ser frisado é que não se exige prova da enganosidade em si, pois basta que exista a indução em erro, ou seja, a potencialidade lesiva da mensagem publicitária[44].  Não é necessário que o consumidor tenha sido concretamente enganado.   Independente de a enganosidade ser de parte do anúncio ou de todo ele, o que importa não são os efeitos reais, mas sim a sua capacidade de interferir na decisão de compra.  Não é levada em consideração a boa-fé do fornecedor; é irrelevante a intenção dolosa ou culposa que ele tenha, já que a enganosidade é apurada de forma objetiva.   O dolo só terá importância na esfera penal.  Portanto, a publicidade poderá ser enganosa mesmo sem qualquer intenção de enganar.

Para Rizzatto Nunes[45], “se ao ler o texto, assistir à imagem, ouvir a mensagem falada, restar possível mais de uma interpretação e uma delas levar à enganosidade, o anúncio já será enganoso”.  Ele completa o pensamento citando uma decisão da 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo[46], onde uma loja veiculou um anúncio nos jornais ofertando um aparelho de som, da marca Gradiente, por determinado preço e condição de pagamento; porém, a fotografia usada foi a de outro aparelho de melhor qualidade e, portanto, de preço superior.  O anúncio era ambíguo, pois usava a foto de um produto com a sigla de outro.  A decisão foi favorável ao consumidor e determinou que a loja o indenizasse ou vendesse o aparelho mais caro pelo preço anunciado.

Benjamin[47] distingue a publicidade falsa da enganosa, dizendo que aquela não passa de um tipo desta.  E completa o raciocínio com as palavras de Ulf Bernitz & John Draper:

Uma publicidade pode, por exemplo, ser correta e ainda assim ser enganosa, seja porque informação importante foi deixada de fora, seja porque o seu esquema é tal que vem a fazer com que o consumidor entenda mal aquilo que se está, realmente, dizendo.  É, em síntese, o conceito de enganosidade, e não o de falsidade, que é essencial aqui.

A grande dificuldade é que nem sempre é evidente a falsidade em uma publicidade enganosa.  Não é tarefa fácil desmascarar uma mentira em um meio tão criativo como o publicitário, que se utiliza de persuasão em situações dúbias, que nem sempre são completamente falsas ou verdadeiras.

3.3.2. Publicidade Abusiva:

O legislador também previu hipóteses de publicidade abusiva, apresentando um rol exemplificativo no § 2º, do artigo 37:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

(...)

§ 2° É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Como se vê a publicidade abusiva ataca valores da nossa sociedade como, por exemplo, se aproveitar da deficiência de julgamento e inexperiência da criança; explorar o medo e superstição; incitar a violência; discriminar; desrespeitar os valores ambientais e induzir o consumidor a se comportar se maneira perigosa ou prejudicial à sua saúde ou segurança.  A publicidade abusiva não tem, necessariamente, a característica de causar prejuízo econômico ao consumidor, mas sim, ir contra valores que a sociedade defina como vitais, seja contra a ordem pública, à moral, ou aos bons costumes, sendo prejudicial aos interesses do consumidor ou do meio em que ele vive.  A abusividade nem sempre tem relação direta com o produto ou serviço anunciado, mas sim com os efeitos que essa mensagem possa ter sobre o consumidor.   Esse tipo de publicidade se mostra de difícil identificação, mas não poderia deixar de ser protegida pelo CDC.

A igualdade, por exemplo, é um direito garantido em nossa Constituição Federal, e isso é devido a um anseio da sociedade.   A publicidade, então, não poderá promover idéias preconceituosas, sejam relativas à condição social, raça, cor, sexo, religião, ou qualquer outra dessa natureza.  Da mesma forma, a mensagem não poderá conter estímulo à violência, seja qual nível for.

O mercado infantil é muito promissor, se tornando bastante atraente para a indústria.  Quando a publicidade for dirigida às crianças, se observa uma série de cuidados que o anunciante deve ter para que não se aproveite do pouco discernimento conferido a elas.   Esse tipo de publicidade não pode violar as características das crianças, seja encorajando-as a se portar de modo não compatível com a sua idade, ou colocando-as em situações de risco.  Não podem também abalar a confiança que elas depositam em seus pais, professores, parentes.  A violência não deve ser estimulada, nem se pode mostrar como aceitável um comportamento que contrarie regras gerais[48].  Como se percebe, a exposição de crianças a ações condenáveis se revela como uma forma de se aproveitar da pouca experiência que elas têm, estimulando com isso, a deturpação de valores sociais.

A publicidade dirigida à criança é uma preocupação tão grande para a nossa sociedade que o próprio Conselho Nacional de Auto- Regulação Publicitária – CONAR, elaborou normas mais rígidas para mudar o foco desses anúncios, que entrarão em vigor em 1º de setembro de 2.006.   O Conselho proibiu que o consumo fosse associado à auto-estima das crianças, não as expondo à situações de constrangimento.  O que se percebe é que as novas regras visam incentivar valores morais, tentando fazer com que a publicidade atue como uma incentivadora na formação de consumidores conscientes[49].

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin[50] faz uma distinção entre vulnerabilidade e hipossuficiência, dizendo que vulnerável é todo consumidor e, hipossuficiente, são certos consumidores ou categorias, como as crianças, idosos, doentes, rurícolas, moradores da periferia. Diz ainda, que a hipossuficiência é um plus à vulnerabilidade, onde esta é aferida objetivamente, já que o CDC[51] a reconhece como característica comum a todos os consumidores; aquela, no entanto, é subjetiva, por resultar em um tratamento especial conferido a determinadas pessoas ou grupos.

Em uma sentença inédita[52], proferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios- TJDFT, em face de uma ação civil pública, promovida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios- MPDFT, a fabricante de cigarros Souza Cruz S/A, a agência de publicidade Standart Ogilvy & Mather Ltda e a Conspiração Filmes Entretenimento S/A, foram condenadas pela veiculação de publicidade de cigarros.   No ano de 2.000, a Souza Cruz exibiu o comercial “Artista Plástico II”, que associava o cigarro ao sucesso.  Foram realizados laudos no Instituto Médico Legal- IML, onde foi constatada a presença de estimulação subliminar, que não pôde ser percebida pelo consumidor em um nível normal de consciência, não lhe dando a opção de aceitar ou não a mensagem transmitida.  A abusividade também foi detectada no direcionamento da publicidade, com estímulos nitidamente voltados ao público jovem.  As rés foram condenadas ao pagamento de indenização pelos danos morais difusos, no valor de R$ 14.000.000,00 (catorze milhões de reais), em favor do fundo de que trata a Lei nº. 7347/1985, em seu artigo 13, além de veicular publicidade educativa sobre os riscos do consumo de cigarro.

Assim como na publicidade enganosa, na abusiva também não é necessário que o fato ocorra concretamente, bastando que exista a potencialidade de ocorrer o dano, violação ou ofensa.  O que se verifica aqui é que o melhor controle é a prevenção, por isso, o anúncio pode ser abusivo antes de atingir qualquer consumidor, bastando a sua veiculação.

3.3.3. A Força da Publicidade no Imaginário do Consumidor:

Pelo que vimos não é prudente tratar a publicidade como se ela fosse apenas uma simples informação.   O seu principal objetivo não é informar, mas sim induzir o consumidor a comprar, através da persuasão.   O anunciante não tem a intenção de informar ao seu público sobre o seu produto ou serviço; o que ele deseja realmente é vender.  A publicidade cria na pessoa a necessidade de consumir, mesmo que esse sentimento não seja tão real assim.

A produção de sistemas imaginários atua, de certa forma, como um ‘feitiço’ que tenta forjar uma falsa realidade, impedindo uma avaliação racional e objetiva do fato.  É como se de repente fosse criada uma nova dimensão onde as relações intra e interpessoais dependessem de algo material para se concretizar.  A publicidade enganosa e/ou abusiva pode indicar a aquisição de determinado bem para que a pessoa se sinta protegida, mas isso é uma falsa segurança incutida no imaginário do consumidor, que vislumbra a criação de um modelo ideal para a sua vida.  O mercado precisa ser convincente em suas promessas, pois é das vendas que ele se sustenta.

Faz-se mister lembrar que a busca por status e respeitabilidade; a consagração de um patamar econômico-social; o desejo de proteção pessoal e familiar; a admiração vinda do círculo de amigos, assim como outras necessidades, são anseios íntimos de quase todos os indivíduos.  A criação de expectativas frustradas é algo que pode alterar profundamente a vida de uma pessoa.  É nesse ponto que a publicidade deve ser honesta o suficiente para não se aproveitar das inseguranças que acometem os seres humanos, já que nem todos conseguem quebrar racionalmente esse feitiço imposto por ela.

Philip Kotler[53], ao analisar o comportamento humano frente ao mercado de consumo, posicionou-se de forma interessante, dizendo:

O que o homem realmente precisa?  Ele precisa de algumas centenas de gramas de comida todos os dias, aquecimento e abrigo, dois metros para se deitar e alguma forma de trabalho que lhe proporcionará uma sensação de realização.  E isso é tudo, sob o aspecto material. Todos sabemos disso. Mas recebemos uma lavagem cerebral de nosso sistema econômico, até que terminemos numa tumba, debaixo de uma pirâmide de prestações, hipotecas, utensílios absurdos, brinquedos que desviam nossa atenção de tudo isso.

Como vemos, é inegável a força que a publicidade exerce sobre as pessoas.  Para Ricardo Ramos[54], ela tem como aliada uma fórmula chamada “AIDA, ou seja, Atenção, Interesse, Desejo e Ação”, como base sólida capaz de mexer no imaginário de qualquer pessoa.  O primeiro objetivo é despertar a atenção, não passar despercebido, fazer algo para que o consumidor atenda ao primeiro chamado da publicidade.  O segundo passo é despertar o interesse, já que somente chamar a atenção pouco importa, se o consumidor não se voltar para a mensagem.  O que se busca aqui é sensibilizar o consumidor, para que ele tenha a vontade de conhecer a mensagem imediatamente.  A partir disso acontece a terceira etapa, ou seja, o despertar do desejo de compra ou o desejo de posse.  Ricardo Ramos diz que “o desejo é despertado com o que o ser humano tem de mais profundo, ou seja, a ânsia de viver, a atração pelo sexo oposto, a ânsia de paz e segurança, a importância pessoal, o prazer, e assim por diante”.   Depois de despertado esse desejo de posse, é importante criar a convicção de que somente o produto anunciado, e não o concorrente, é capaz de suprir todas as necessidades incutidas no consumidor, caso contrário, ele poderá adquirir o similar, e a mensagem estará fracassada.   A quarta fase é motivar a ação; é fazer com que o consumidor não só deseje, mas também aja positivamente adquirindo o produto.  “Se o leitor não for induzido a comprar logo, logo, cinco minutos depois terá esquecido a mensagem”.

Toda essa criação imaginária é o que se espera de uma publicidade dita “inofensiva”.  Imaginemos, então, o poder de uma publicidade enganosa e/ou abusiva que, além de despertar emoções, o faz de forma patológica, com vícios que tenham o seu poder de influência multiplicado de forma deturpadora.

Como já dito anteriormente, um dos problemas associados à publicidade é que ela é universal, aberta a todos, e não somente ao seu público alvo, ou seja, aquele economicamente capaz de adquirir o que é ofertado. Ao atingir os demais extratos da sociedade, geram-se desejos e necessidades em quem não pode satisfazê-los.  Menna Barreto[55] analisa essa situação discorrendo que:

Isso dito na Suécia não causa maiores problemas –ou causa problemas diferentes- por força das instituições do país.  Já num pardieiro brasileiro, isso dito para um adolescente socialmente encurralado, psicologicamente ressentido e predisposto a riscos fatais, ou a um gesto desesperado de ganância, constitui convites perenes e sedutores a que ele saia na vida com um revólver debaixo da camisa.  Vai à procura de sua forma de ter.

Essa questão é muito preocupante, e nos mostra a grande responsabilidade social que as partes envolvidas têm na elaboração das campanhas publicitárias, justamente por serem dotadas de poder de indução.  Com isso, podemos observar que os publicitários tentam atingir o imaginário dos consumidores e modelar comportamentos; como exemplo, no caso Grendene, narrado por Júlio Roberto[56]:

Essas sandálias plásticas eram consideradas pelas consumidoras como de segunda linha.  O problema não estava no produto.   Não adiantava mudar as cores, baixar o preço ou trocar a modelagem.  O problema estava na imagem que as pessoas faziam de si mesmas como usuárias de sapatos plásticos.  A moda funcionou como uma espécie de habeas corpus.   Passada, porém, a vigência desta, o sapato voltou a ter a imagem de sapato de pobre.  Em vez de mudar o produto, nossa única possibilidade de recuperação estava em mudar a imagem do usuário de sandália plástica.   Propus fazer duas coisas: criar uma imagem internacional para o plástico e colocar a sandália Melissa nos pés de mulheres importantes e famosas.  O cliente aceitou a proposta e fizemos um contrato com a TV Globo, que permitiu que as suas estrelas passassem nas novelas a usar e a dizer como era internacional calçar sandálias plásticas.   Fizemos comerciais em Hollywood, Las Vegas, Jamaica.  (...)culminou com a inclusão da sandália de plástico na coleção dos mais importantes costureiros franceses, em lançamentos simultâneos no Brasil e Europa.

Conclusão:

A publicidade é um recurso essencial ao mercado capitalista.   Sem ela a demanda por produtos seria, sem dúvida, bem menor e, com isso, a oferta de empregos também.   Percebemos que ela é importante para a geração de riquezas, desempenhando uma função social e econômica.  A partir dessa visão, se constata que a publicidade não é um mal em si, mas sim algo necessário ao mercado de consumo.   O que não se deve perder de vista é que ela pode se transformar de algo ‘inofensivo’, em um ‘monstro invisível’ capaz de gerar situações não desejadas pela sociedade, através de subterfúgios de enganosidade e abusividade.  

Ao se contaminar por ilicitudes - como induzir o consumidor a erro, prejudicar a concorrência, agredir os indivíduos em seus valores, abusar da inexperiência dos hipossuficientes ou expor as pessoas a perigo - a publicidade deixa de ser um fato social saudável, e passa a ser algo repugnado, não só no âmbito moral, mas também no jurídico, fazendo necessária a tutela do Estado frente a qualquer indício de vício.

No mundo moderno, onde muitas pessoas se preocupam demasiadamente com valores materiais, é fácil criar uma necessidade no imaginário de alguém através da publicidade.  Ela também é capaz de criar modas, gostos, preferências, vendendo status e poder ao indivíduo, que adquire junto com a mensagem, sensações agradáveis de diversos tipos de prazer.  Nesse contexto percebemos produtos que são vendidos junto com a idéia de virilidade; outros como característica de poder; alguns em forma de aventura, inteligência ou aceitação em determinado grupo; enfim, são inúmeras as possibilidades de realização que uma mensagem publicitária pode passar ao consumidor.  O importante é que ela respeite os limites impostos pela lei, se despindo de artifícios enganosos ou abusivos, para que não tenha o condão de provocar no indivíduo a frustração de se sentir enganado, a necessidade de ter sensações impossíveis de se realizar, ou colocá-lo em circunstâncias de exposição ao perigo.

Referências:

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SCHIRATO, Maria Aparecida Rhein.  O Feitiço das Organizações: Sistemas Imaginários.  São Paulo: Atlas, 2000.

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Sobre a autora
Simone Maria Silva Magalhães

Advogada especializada em Direito do Consumidor. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, seção Distrito Federal-OAB/DF. Pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios-FESMPDFT. Membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/DF. Associada ao Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor/Brasilcon. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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