Os limites à aplicação da lei estrangeira.

Aspectos da ordem pública no Direito Internacional privado

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O trabalho tem por escopo analisar os limites à aplicação da lei estrangeira no Brasil, dando enfoque ao princípio da ordem pública como fator de restrição à livre serventia dos dispositivos de conexão frente a questões jurídicas multinacionais.

RESUMO                                      

O presente trabalho tem por escopo analisar os limites à aplicação da lei estrangeira no Brasil. Será dado enfoque ao princípio da ordem pública como fator de restrição à livre serventia dos dispositivos de conexão frente a questões jurídicas multinacionais. Abordar-se-á, preliminarmente, as características gerais da ordem pública e, em seguida, se fará breves e necessárias considerações sobre aspectos fundamentais do Direito Internacional Privado. O tópico sobre a problemática central discorrerá sobre o tema utilizando exemplos que demonstram a abrangência conceitual e a força limitadora da ordem pública. O procedimento será histórico e hermenêutico, tendo a investigação bibliográfica como técnica de pesquisa.

 

ABSTRACT


This work is to analyze the scope limits the application of foreign law in Brazil. Focus will be given to the principle of public order as a restrictive factor the free usefulness of connecting devices against multinational legal issues. Address shall be preliminarily, the general characteristics of public order and then will be brief and necessary considerations on fundamental aspects of private international law. The topic on the central issue will talk on the topic using examples that demonstrate the conceptual reach and limiting the power of public order. The procedure will be historical and hermeneutic, and the bibliographical research as a research technique.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Limitação. Direito Internacional Privado. Ordem Pública. Aspectos.

 

OS LIMITES À APLICAÇÃO DA LEI ESTRANGEIRA:  ASPECTOS DA ORDEM PÚBLICA NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

 

Sumário: 1. Introdução. 2. Breves considerações sobre o direito internacional privado. 3. O papel da ordem pública como limitador à aplicação de determinadas leis estrangeiras. 4. Conclusão. 5. Referências. 

 

1.    Introdução

 

                  A Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro (Decreto-Lei n.4.657, de 4-9-1942), estabelece, em seu art. 17, que: “As leis, atos e sentença de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. (Grifo nosso)

                 Portanto, o dispositivo indica que, não obstante a possibilidade de aplicação de norma estrangeira no território nacional, caso ela se revele incompatível com os princípios fundamentais de ordem jurídica interna, a reserva da ordem pública será imperativo como cláusula de exceção. 

                 Soberania nacional e bons costumes são princípios que integram a ideia de ordem pública. Esta, trata-se de um conceito relativo tendo em vista que aquilo que lesa a ordem jurídica de um determinado Estado pode ser aceitável em outro.

                 Isso se dá porque há distinção da ordem pública com a ordem pública no contexto internacional. A ordem pública interna só interesse ao direito internacional privado quando algum ato pela disciplina regulado demonstrar-se incompatível com ela.

                 Podem haver reservas gerais ou reservas especiais de ordem pública. As reserva gerais manifestam-se quando, a qualquer relação jurídica internacional, sejam aplicadas as regras do DIPr. No tocante a reserva especial, esta intervirá quando a problemática se relacionar apenas a matéria específica de direito.

                 De igual modo, as reservas podem ser negativas ou positivas. Conforme preceitua Beat Walter, “A reserva negativa impede a aplicação do direito estrangeiro, aplicado conforme as normas de direito internacional privado da lex fori, quando os seus pressupostos estão cumpridos no caso concreto. O termo “ordem pública positiva” não é mais usado com tanta frequência. Modernamente, a doutrina refere-se às leis de aplicação imediata quando trata da matéria.

 

2.    Breves considerações sobre o Direito Internacional Privado

 

                     Os cerca de cento e noventa Estados espalhados pelos continentes tem como característica basilar o princípio da soberania. Desse modo, cada um tem autonomia para elaborar a sua própria ordem jurídica. As relações que são reguladas pelo direito hão de ser apreciadas pelos tribunais que os compõem.

                     No entanto, a globalização, que a cada dia se torna mais evidente, impõe o estabelecimento de normas que regulem as relações que transcendem as fronteiras nacionais.

                     Nessa esteira, quando houver o conflito de leis entre dois ou mais países, o objeto preponderante do Direito Internacional Privado se manifestará a fim de que seja dada uma solução ao caso concreto.

                     O DIPr é uma disciplina jurídica autônoma. Não obstante ser imperfeita a sua denominação (é ramo do direito público interno, por isso não é internacional nem privado), o termo está consagrado. As regras da matéria estabelecerão as situações em que o direito alienígena poderá ser aplicado em território pátrio.

                     É importante observar que o DIPr não se preocupa em somente indicar a norma aplicável a um conflito de leis que possua conexão internacional. Ele também abarca questões relativas à nacionalidade, à condição jurídica do estrangeiro etc.

                    O surgimento de conflitos de leis no espaço impõe que o direito internacional privado indique em que local tal conflito deverá ser acionado, qual a lei será aplicada e, em determinadas situações, como serão executados atos e decisões estrangeiras.

                    Por fim, cumpre destacar as fontes do direito internacional privado: a) A Lei (fonte primária de consulta frente a uma relação jurídica de conexão internacional); b) O Tratado Internacional (instrumento das relações firmadas entre Estados); c) Jurisprudência (fonte tradicional do DIPr, principalmente para o preenchimento de lacunas); d) Doutrina (fonte de consulta quanto à interpretação das leis pelos juristas) e, por fim, e) Direito Costumeiro (aplicado em caso de falta ou de omissão da lei, tendo como características a continuidade, a uniformidade, a diuturnidade, a moralidade e a obrigatoriedade).

 

3.    O papel da ordem pública como limitador à aplicação de determinadas leis estrangeiras

 

                   Todos os tratados internacionais costumam trazer cláusulas que asseguram a possibilidade de o juiz utilizar da reserva de ordem pública quando alguma relação jurídica de direito privado, com conexão internacional, se demonstrar incompatível com o ordenamento interno.

                   Conforme a doutrinadora Nádia de Araújo, a ordem pública guarda também estrita ligação com os direitos fundamentais.

 

A ordem pública e as normas de caráter imperativo estão subordinadas aos critérios de proteção garantidos pelos direitos fundamentais. Sua valoração não prescinde de uma hermenêutica ligada à eficácia dos princípios, cuja positivação pode ser encontrada nas Constituições dos Estados e nos tratados internacionais de direitos humanos. Com isso se quer prevenir resultados inconstitucionais na aplicação da lei estrangeira, tal como ocorre com a aplicação das leis em geral no plano interno. As normas de DIPr também são baluartes de defesa desses princípios, agora alçados à categoria de normas-chave de todo o sistema jurídico. (ARAÚJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.)

 

                   Conforme Jacob Dolinger, “a ordem pública se afere pela mentalidade e sensibilidade médias de determinada sociedade em determinada época. Aquilo que for considerado chocante a esta média será rejeitado pela doutrina e repelido pelos tribunais. Em nenhum aspecto do direito o fenômeno social é tão determinante como na avaliação do que fere e do que não fere a ordem pública. Compatível ou incompatível com o sistema jurídico de um povo- eis a grande questão medida pela ordem pública- para cuja aferição a Justiça deverá considerar o que vai na mente e no sentimento da sociedade.”

                  A ordem pública possui como características a relatividade/instabilidade (pois varia no tempo e no espaço), a contemporaneidade (o estado da situação à época de um julgamento) e o fator exógeno (mesmo a lei sendo imperativa, o fundamento da ordem pública é exógeno, de modo que esta não é fator imanente à norma jurídica.

                  O juiz ou Tribunal exercerá importante papel na decisão daquilo que seja contrário à ordem pública.

                  Há determinados princípios que, mesmo quando, em tese, sua inobservância violaria até mesmo a ordem pública, são desaconselhados como fator de conexão. É o caso da religião. O instituto de Direito Internacional, em sessão realizada em 2005, editou Resolução que assim enuncia: “Os Estados devem evitar de utilizar a religião como critério de conexão para determinar o direito aplicável ao estatuto pessoal dos estrangeiros. Devem permitir para estes a faculdade de optar entre a lei nacional e a lei do domicílio na hipótese que o Estado da nacionalidade é diferente do Estado onde se situa o domicílio da pessoa.”

                 Uma situação que se entendeu como lesiva à ordem pública e que pode ilustrar essa problemática da religião diz respeito ao repúdio que as mulheres mulçumanas sofrem perante os tribunais ocidentais. Isso porque, o direito mulçumano, que está estritamente ligado a preceitos religiosos, dispõe que a mulher não tem sequer direito de se defender, quando repudiada pelo marido. Alguns tribunais estrangeiros, por força de tratado, reconheciam a eficácia dessa disposição. Hodiernamente há um abandono a esse posicionamento, com consequente rejeição às sentenças de repúdio. Ressalta-se que, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal sempre negou homologação de tais sentenças.

                Qualquer sentença que tiver de ser homologado no Brasil, deverá trazer sua respectiva fundamentação. Nosso Tribunais superiores tem decidido que a falta de motivação desrespeita o princípio de ordem pública. A motivação de decisões é um fundamento constitucional no Brasil, porém cumpre dispor que não se pode exigir das decisões estrangeiras formalidades que aqui são prescindíveis.

                Questão também interessante, mas agora vista de maneira diferente quanto à afronta da ordem pública, diz respeito à dívida de jogo contraída no exterior. É sabido que o ordenamento jurídico pátrio, por meio do Código Civil, isenta o pagamento de dívidas de jogo.

                No entanto, os Tribunais tem decido que não se pode invocar o princípio de ordem pública para se eximir do pagamento de dívida de jogo, quando aceito por ordenamento jurídico de outro Estado. Em trecho de ementa sobre a questão, extraída do Tribunal de Justiça do DF, o egrégio órgão assim dispôs: “Considerando a antinomia na interpenetração dos dois sistemas jurídicos, ao passo que se caracterizou uma pretensão de cobrança de dívida inexigível em nosso ordenamento, tem-se que houve enriquecimento sem causa por parte do embargante, que abusou da boa-fé da embargada, situação essa repudiada pelo nosso ordenamento, vez que atentatória à nossa ordem, no sentido que lhe dá o DIP. Destarte, referendar o enriquecimento ilícito perpetrado pelo embargante representaria afronta muito mais significativa à ordem pública do ordenamento pátrio do que admitir a cobrança de dívida de jogo.”

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               Os exemplos e considerações acima são apenas alguns dos aspectos que demonstram a utilização da ordem pública como paradigma limitador em certas decisões. Nesse sentido, enfatiza Nádia de Araújo:

 

A jurisprudência brasileira possui inúmeros exemplos de aplicação do princípio da ordem pública como limitador do método conflitual de DIPr. Seu caráter mutável aparece nos casos de concessão de exequatur pelo STF às cartas rogatórias e na homologação de sentenças estrangeiras agora de competência do STJ. Vários pedidos de homologação de divórcio realizados no exterior- que eram indeferidos no passado, por serem contrários à ordem pública brasileira de então- passaram a ser deferidos após a Lei do Divórcio. (ARAÚJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.)

 

4.    Conclusão               

       

             O direito internacional privado, assim como qualquer outro ramo da ciência jurídica, é pautado por princípios que irão coordenar, limitar, disciplinar e controlar a utilização das regras próprias. No DIPr, as regras de conexão que determinarão a lei a ser aplicável em questões jurídicas multinacionais, regem-se pelos princípios do reenvio, qualificação, ordem pública, questão prévia, fraude à lei etc.

           Mas, de todos esses fundamentos normativos do DIPr, a ordem pública se destaca pela sua abrangência e força de restrição à aplicação desponderada de diversas normas de caráter supranacional.

           Isso porque, como já dito, não obstante a possibilidade de aplicação de norma estrangeira no território nacional, caso ela se revele incompatível com os princípios fundamentais de ordem jurídica interna, a reserva da ordem pública será imperativa como cláusula de exceção. 

          A importância da ordem pública como limite à aplicação da lei estrangeira é evidente em razão da sua estreita relação com os direitos fundamentais, sendo que a sua observância é também salutar para, até mesmo prevenir resultados eivados de inconstitucionalidade. Por esse motivo, além da sua importância para o DIPr, o princípio da ordem pública está alçado à categoria de norma imprescindível ao sistema jurídica, como um todo.

 

5.    Referências

 

ARAÚJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

 

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

 

OBRA COLETIVA. Vade Mecum. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 

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Sobre os autores
Júlia Veloso dos Santos

Advogada, mestranda em Sociedade, Ambiente e Território pela UFMG/UNIMONTES, graduada em Direito pela UNIMONTES.

Jonathan Araújo Martins

Acadêmico do 10º período do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. Conselheiro Tutelar no Município de Montes Claros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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