INTRODUÇÃO
Sendo revestido pela característica da essencialidade, o direito à educação foi positivado na Constituição Federal como direito fundamental de todos, cuja realização é dever de Estado e da Família.
A relevância desse direito se deve ao fato de ser a educação um dos principais instrumentos a possibilitar o pleno desenvolvimento do homem, tornando-o capacitado para o trabalho e propiciando sua formação como cidadão, apto a conviver e progredir em seu meio social.
Ademais, a partir de uma análise macro sobre a questão, apura-se que a qualidade da educação está diretamente relacionada com ao grau de desenvolvimento econômico e social do Estado, uma vez a oferta de ensino ajuda a diminuir os índices de pobreza por capacitar as pessoas com o conhecimento, habilidades e a competência necessárias para modificarem o contexto social em que estão inseridas.
Ocorre que, não obstante a relevância desse direito constitucionalmente assegurado, o fato é que, na prática, a população brasileira ainda encontra remotos óbices à efetivação dessa garantia, tornando-se a sua concretude um dos maiores desafios da atualidade.
Nesse contexto, percebe-se que, em muitos casos, os maiores obstáculos derivam da omissão estatal, utilizando-se o Poder Público dos mais diversos argumentos, em especial a escassez de recursos públicos, para justificar a desídia na efetivação desse direito indispensável à dignidade da pessoa humana, os quais, porém, não podem prosperar, uma vez que, com base no próprio texto constitucional, resta indiscutível torna-se clara a exigibilidade constitucional desse fundamental direito.
Destarte, passados mais de vinte e cinco anos da promulgação da Magna Carta, a discussão sobre a efetividade do direito social à educação revela-se sobremaneira relevante e pertinente, sendo a obrigação do Estado em promover o mínimo existencial o ponto central do presente estudo, como corolário de um dos mais importantes fundamentos da república: a dignidade da pessoa humana.
Baseado no estudo de obras notáveis de Direito Constitucional, em estudos de Teoria dos Direitos Humanos e em artigos científicos sobre o direito à educação, desenvolve-se o trabalho. Por meio de uma metodologia descritiva e explicativa, realizada com pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, parte-se do princípio da dignidade da pessoa humana e da demonstração de seu aspecto basilar no constitucionalismo contemporâneo, mormente no Estado Democrático de Direito.
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
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Conceito de direitos fundamentais
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Diz-se fundamentais os direitos do homem que são reconhecidos e positivados na ordem Constitucional de um determinado ordenamento jurídico.
Corroborando com essa conceituação, Sandoval Alves da Silva (2007, p.27) dispõe que a expressão direitos fundamentais “representa os direitos positivados nos documentos constitucionais”.
No mesmo sentido lecionam Luiz Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005), que entendem que os direitos representam a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões, buscando resguardar o homem na sua liberdade, na sua necessidades e na sua preservação.
Dessa forma, é possível afirmar que os direitos fundamentais consubstanciam-se como valores supremos da ordem jurídica, atuando como garantia de liberdade e proteção do indivíduo em face da atuação Estatal e dos demais componentes da sociedade, bem como mandado de atuação dirigido ao Estado, no sentido de lhe impor o dever de, permanentemente, buscar sua concretização.
2.2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Sobre o surgimento dos direitos fundamentais, leciona Alexandre de Moraes (1999, p. 178) que “(...) surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”.
Nesse sentido, percebe-se que todos os direitos fundamentais não foram assegurados ao mesmo tempo. Isso porque, a conquista de deu de forma gradativa, com o decorrer dos anos e de acordo com o panorama social de cada época, em razão do que a doutrina tradicional costuma agrupá-los em gerações, também chamadas dimensões.
Conforme elucida Scalquette (2004, p. 34), os chamados direitos fundamentais de primeira “são os direitos de liberdade, pois são fruto do pensamento liberal burguês, de caráter fortemente individualista, aparecendo como uma esfera limitadora da atuação do Estado, isto é, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado nas liberdades do indivíduo”.
Como exemplos de direitos de primeira dimensão destacam-se o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de religião, à participação política, etc.
Já sobre direitos de segunda geração afirma Bonavides (2012, p.517) que
[...] são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.
Os direitos de terceira geração, visão de Alexandre de Moraes (2006, p. 60) são os chamados “direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos”.
Apesar de não haver consenso doutrinário acerca de qual seria o conteúdo, há estudiosos que defendem a existência dos direitos de quarta geração, que para Noberto Bobbio (1992) referem-se àqueles relacionados à engenharia genética.
Já para Paulo Bonavides (2012, p. 571-572),
[...] A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. [...] os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia.
Por fim, destaca-se que alguns autores defendem uma quinta geração de direitos fundamentais, como é o caso de Raquel Honesko (2008, p. 195-197), que elucida que
[...] em recentes debates científicos (IX Congresso Íbero-Americano e VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, realizados em Curitiba/PR, em novembro de 2006, bem como II Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza/CE, em abril de 2008), BONAVIDES fez expressa menção à possibilidade concreta de se falar, atualmente, em uma quinta geração de direitos fundamentais, onde, em face dos últimos acontecimentos (como, por exemplo, o atentado terrorista de “11 de Setembro”, em solo norte-americano), exsurgiria legítimo falar de um direito à paz. Embora em sua doutrina esse direito tenha sido alojado na esfera dos direitos de terceira dimensão, o ilustre jurista, frente ao insistente rumor de guerra que assola a humanidade, decidiu dar lugar de destaque à paz no âmbito da proteção dos direitos fundamentais.
1.3 Da divisão doutrinária dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais são gêneros, cujas espécies são os direitos individuais, direitos coletivos, direitos sociais, direitos nacionais e direitos políticos, conforme o disposto no Título II da Constituição da República de 1988.
O DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO
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Conceito de direitos sociais
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Na ilustre conceituação de André Ramos Tavares (2012) os direitos sociais são aqueles que impõem ao Poder Público uma atuação positiva, a fim de proporcionar a implementação da igualdade social aos hipossuficientes. Por esse motivo, também são conhecidos como direitos prestacionais.
Assim, enquanto os direitos individuais tem por essência garantir a liberdade do indivíduo, impondo limites ao poder estatal, os direitos sociais visam promover igualdade material entre as pessoas, buscando um nivelamento das desigualdades sociais.
O surgimento dessa espécie do gênero direito fundamental ocorreu em razão de que a igualdade formal, assegurada pelos direitos individuais da primeira geração, não obstante haver logrado êxito em limitar o arbítrio estatal frente a liberdade do particular, não foi suficiente para garantir que o desenvolvimento da sociedade ocorresse de forma homogênea, de forma que a dignidade da pessoa humana a todos fosse assegurada.
Destarte, é nesse contexto que nascem os direitos sociais visando a proteção dos desfavorecidos pelas desigualdades sociais, “assegurando-lhes situação de vantagem, direta ou indireta, a partir da realização de igualdade real [….] Visam, também, garantir a qualidade de vida das pessoas” (Uadi Lammêgo Bulos, 2011, p. 789).
Desta feita, o traço característico dos direitos sociais é sua dimensão positiva, uma vez que, conforme explica Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2006), não são meros poderes de agir, como ocorre com liberdades públicas em modo geral, mas sim poderes de exigir, ou seja, são direitos de crédito.
Na Constituição Federal de 1988, tais direitos estão previstos no art. 6º, a saber: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição.
2.2 Princípio da máxima efetividade
Na preciosa lição de Paulo Bonavides (2012, p. 582-583), os direitos sociais passaram por um “ [...] ciclo de baixa normatividade, ou, ainda, tiveram eficácia duvidosa, em razão de sua concretização exigir do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos”.
Assim, resta claro que positivar direitos e reconhecer sua relevância não são suficientes para garantir sua efetividade, devendo haver previsão dos meios adequados a assegurá-la.
Nesse sentido, a própria Constituição Federal de 1988 previu no §1º, artigo 5º, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Ou seja, a própria Lei Fundamental apresenta regra norteadora da aplicação dos direitos fundamentais.
Sobre o supracitado dispositivo, a respeitável doutrina entende que o mesmo deve ser interpretado de forma ampla, a garantir a máxima efetividade das normas às quais se destina. É Nesse sentido, o magistério de Para Luís Roberto Barroso (2011, p. 329),
O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquele que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não aplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador.
Assim, o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais representa norma de interpretação constitucional, cujo objetivo é conferir aos direitos humanos a maior eficácia possível.
Na visão de Gomes Canotilho (2003, p. 227), o princípio da máxima efetividade
[...] é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.
Destarte, a máxima eficácia ou efetividade dos direitos fundamentais consiste na adoção de medidas que visem à concretização desses direitos da maneira mais abrangente possível, a fim de garantir, a partir dos parâmetros estabelecidos na própria CF/88, a efetiva realização do direito positivado no mundo dos fatos.
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DIREITO À EDUCAÇAO
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Nas célebres palavras de José Afonso da Silva (1999, 109) a educação é um dos "[...] indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana”.
Quanto à previsão normativa, o direito à educação foi amplamente disciplinado na Constituição Federal de 1988, a qual prevê a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Em seu art. 206, a Lei Maior estabeleceu os princípios norteadores do direito à educação: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;.gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira.
EDUCAÇÃO: UM DEVER DO ESTADO
3.1 A educação como direito público subjetivo
Conforme anteriormente exposto, os direitos sociais pertencem à segunda geração de direitos fundamentais, cuja concretização impõe uma atuação positiva do Estado, conferindo ao seu titular a possibilidade de exigir-lhe sua efetivação, consubstanciando-se em verdadeiros direito de crédito (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 2009, p. 50)
Dessa forma, os direitos sociais “se realizam pela execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente” (Fábio Konder Comparato, 2010, p. 77).
Isso porque, nos dizeres de Pinho (2010, p. 96), não se mostra suficiente que o Estado apenas reconheça direitos formalmente, devendo buscar concretizá-los materialmente, ou seja, incorporá-los ao cotidiano dos cidadãos.
Sobre esse tema, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou de forma categórica, afirmando que
“ [...] quando o Poder Público se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no texto constitucional, transgride a própria Constituição Federal. A inércia estatal configura desprezo e desrespeito à Constituição e, por isso mesmo, configura comportamento juridicamente reprovável” (BRASÍLIA, Supremo Tribunal Federal, ADI 1.484/DF, Rel. Min. Celso de Mello, 2001).
Assim, é possível afirmar que é o Estado o responsável pelo atendimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão, ou seja, ele é o sujeito passivo. Nesse contexto, insere-se o direito social à educação, o qual deve ser garantido pela implementação de políticas públicas educacionais que possam efetivar o direito constitucionalmente garantido.
Na lição de Pompeu (2005, p. 89) “de um lado, se encontra a pessoa portadora do direito à educação e, do outro, a obrigação estatal de prestá-la”. Portanto, há um direito subjetivo exigível, do qual é titular o indivíduo; havendo para o Estado, o dever jurídico de dar o devido cumprimento.
A própria Carta Constitucional prevê a obrigatoriedade do Estado quanto à concretização do direito à educação, conforme disposto em seu art. 208, especialmente nos §`s 1 º e 2º, in verbis:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
[...]
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - omissis.
Assim, é possível identificar que a própria CF/88 revestiu o ensino obrigatório de características que vão muito além de uma simples norma programática, configurando verdadeiro direito subjetivo da pessoa humana, indispensável a uma vida humana digna, integrando a parcela mínima de direitos garantida a todos os indivíduos, denominada como mínimo existencial.
3.2 MÍNIMO EXISTÊNCIAL
Luis Roberto Barroso (2011, p. 202) definiu brilhantemente o conceito de mínimo existencial como o conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa, em razão do que, o mandamento constitucional estará sendo desrespeitado caso alguém não caso alguém viva abaixo daquele patamar.
Assim, é possível afirmar que o mínimo existencial é um conjunto de garantias mínimas que devem ser asseguradas ao indivíduo, para que este tenha uma vida digna. É o núcleo básico e irredutível dos direitos fundamentais, sendo vedado ao Estado atuar, ou deixar de atuar, de forma a frustrar a efetivação de quaisquer desses direitos. Caso isso aconteça, haverá flagrante violação desse dever garantidor.
Quanto a definição de quais direitos compõem esse mínimo existencial, ainda existe relativa divergência na doutrina, uma vez que a ideia de ser o conjunto de necessidades básicas é genérica demais.
Para Sarlet (2004, p.90), o mínimo existencial diz respeito não só a um conjunto de prestações suficientes apenas para assegurar a existência, ou seja, a vida humana, devendo garantir uma vida com dignidade, no sentido de vida saudável, em respeito ao postulado da dignidade da pessoa humana, que em muito ultrapassa a concepção de mínimo vital.
O mesmo autor deixa extreme de qualquer dúvida que o direito a educação integra esse núcleo indissociável da digna existência, elucidando que “ [...] o mínimo existencial abrange não apenas a garantia de sobrevivência física com dignidade, pois também abarca o que se convencionou designar de um mínimo existencial sociocultural, incluindo, assim, o direito à educação e acesso a bens culturais”.
No mesmo sentido, já se manifestou o Pretório Excelso, aduzindo que
A noção de ‘mínimo existencial’, [...] compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. (BRASÍLIA, ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, 2011).
Assim, resta claro que o direito à educação é parte integrante do mínimo existencial, em virtude de sua essencialidade à condição de vida digna.
A EFETIVIDADE DA EDUCAÇAO A LUZ DA CONSTITUIÇÃO
4.1 Efetividade dos direitos fundamentais
De início, é imperioso distinguir eficácia e efetividade dos direitos sociais. Na eminente lição de José Afonso da Silva (2007, p. 66) eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas, ou seja, a possibilidade de realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador. Quanto ao alcance dos objetivos da norma denomina-se de efetividade. Uma norma pode ter eficácia jurídica sem ser socialmente eficaz, isto é, pode estar aptas a gerar efeitos jurídicos, mas não ser efetivamente cumprida no plano social.
Para Luiz Roberto Barroso (1996, p. 83), a efetividade “simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social”
Feita a pertinente distinção entre os dois institutos, passa-se a analisar a questão da efetividade dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro, em especial, do direito à educação.
Sendo do direito à educação um direito fundamental, componente do mínimo existencial a ser garantido pelo Estado, resta indiscutível a obrigação do Poder Público atuar de forma a garantir sua efetividade, de forma permanente.
Para reforçar esse entendimento, rememore-se que as normas constitucionais referentes à educação têm eficácia plena e aplicabilidade imediata, o que significa dizer que sua efetiva concretude pode ser exigida desde logo, independentemente de integração pela legislação infraconstitucional.
Ocorre que, não obstante restar demonstrado que o direito social a educação ‘e norma de aplicabilidade imediata, constituindo-se em dever do Estado, havendo a Constituição da Republica conferido-lhe amplo tratamento normativo, a realidade fática o Brasil deixa claro existirem inúmeras falhas na prestação desse direito fundamental, caracterizando flagrante violação de direito subjetivo.
Nesse sentido, a doutrina de Evaldo Vieira (2001, p.10):
“De outra parte, poucos desses direitos estão sendo praticados ou ao menos regulamentados, quando exigem regulamentação. Porém, o mais grave é que em nenhum momento histórico da República brasileira (para só ficar nela, pois o restante consiste no Império escravista), os direitos sociais sofrem tão clara e sinceramente ataques da classe dirigente do Estado e dos donos da vida em geral, como depois de 1995”.
4.2 A RESERVA DO POSSÍVEL
Conforme será demonstrado a seguir, o princípio da reserva do possível está associado aos limites fáticos e jurídicos e às possibilidades efetivas de o Estado atender às necessidades da população, em conformidade com os direitos assegurados pela Constituição.
Isso porque, a efetivação dos direitos fundamentais realiza-se, primordialmente, pela implementação de políticas públicas, cuja concretização, na visão de Souza (2006), está intimamente ligada às escolhas do Poder Público, que determina como os recursos serão utilizados para o beneficio de seus cidadãos.
É justamente nesse momento de definir e implementar as políticas públicas necessárias que muitos governantes se valem do princípio da reserva do possível, que, segundo Olsen (2008), condiciona a efetivação e garantia de direitos fundamentais aos indivíduos pelo Estado à prévia existência de recursos financeiros.
Nesse sentido, para os que se utilizam dessa tese, a efetivação dos direitos sociais, como a educação, pelo Estado, estaria adstrita à existência de recursos públicos, ou seja, a implementação os direitos fundamentais seria inexigível em caso de limitações de natureza orçamentária, independentemente do caráter mandamental da previsão normativa.
Porém, abalizada doutrina já se posicionou de forma contrária, entendendo que esse argumento não pode servir de obstáculo `a concretização dos direitos fundamentais.
Dessa forma, posiciona-se Canotilho (2000) que não admite que se utilize como justificativa ao não cumprimento dos direitos sociais, a alegação de que a sua efetivação só se realizará se os cofres públicos assim o permitirem, defendendo o autor que os direitos fundamentais sociais consagrados no texto Constitucional dispõem de vinculação normativa e que “as normas garantidoras de direitos sociais devem servir de parâmetro de controle judicial, quando esteja em causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais ou regulamentares restritivas destes direito” (CANOTILHO, 2000, p. 481 e 482).
Corroborando com este pensamento, o ilustre professor Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 349-395), afirma:
Em suma, nem a reserva do possível nem a reserva de competência orçamentária do legislador podem ser invocados como óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e à efetivação de direitos sociais originários a prestações. Por conseguinte, insistimos, mais uma vez, na linha da posição defendida por este trabalho, que a efetividade dos direitos sociais – notadamente daqueles mais diretamente ligados à vida e à integridade física da pessoa – não pode depender da viabilidade orçamentária. [...] Nesse contexto, a reserva do possível só se justifica na medida em que o Estado garanta a existência digna de todos. Fora desse quadro, tem-se a desconstrução do Estado Constitucional de Direito, com a total frustração das legítimas expectativas da sociedade”
Reforçando esse entendimento, impende destacar que a própria CF/88 previu em seu art. 212 a obrigatoriedade de que recursos oriundos da arrecadação de impostos sejam destinados à educação. O mesmo dispositivo, em seu § 3º, define como prioridade na distribuição de recursos públicos, o atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação.
Por fim, cabe salientar o entendimento do célebre constitucionalista Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p.305), o qual elucida que “Tudo isso demonstra inequivocadamente a impertinência, no que diz com um direito subjetivo ao ensino fundamental público gratuito, também dos argumentos relativos à reserva do possível e da incompetência dos tribunais para decidir sobre a matéria”.
4.3 DOS INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL
Uma vez restar comprovado que o direito à educação configura direito público subjetivo, integrante do mínimo existencial, é possível afirmar que sempre que o mesmo for violado pelo Estado, seja por meio de conduta omissiva ou comissiva, é garantido ao seu titular valer-se dos instrumentos e controle previstos no ordenamento.
Dentre os diversos remédios processuais disponíveis, destaca-se o mandado de segurança e mandado de injunção, os quais podem facilmente ser manejados pelo legitimado que tenha seu direito `a educação violado.
Ademais, o Ministério Público pode acionar o Estado, “[...] em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais disponíveis, ou seja, deve atuar na garantia da educação” (SIFUENTES, 2009, p. 255).
Assim, percebe-se que além de prever o direito material à educação, o texto Constitucional preocupou-se em assegurar instrumentos voltados à sua efetividade.
Corroborando com essa tese, Sarlet (1998, p. 152), defende a “[..] possibilidade que tem o titular [...] de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito de ação ou ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão”.
Infelizmente, ainda que indiscutível o gradual avanço do alcance da oferta na educação, bem como em que pese a previsão normativa de instrumentos para sua defesa, a efetividade do direito a educação, no moldes previstos na CF/88 ainda não se concretizou.
Ratificado essa constatação e arrematando a questão, merece destaque o a lição da pesquisadora Adelaide Alves Dias (p. 443 e 444):
“Em termos de princípios, adjudicamos a ideia de que o direito à educação só será efetivado na medida em que todas as crianças e jovens deste país puderem ter acesso à educação básica. A universalização do ensino representa, assim, o mecanismo mediante o qual é possível garantir a igualdade de acesso à escola. Na educação formal, universalização, obrigatoriedade e gratuidade formam parte de um único processo. A obrigatoriedade e a gratuidade da educação representam, simultaneamente, a garantia da universalidade do acesso à educação, ao tempo em que asseguram o direito do homem à educação”.
CONCLUSAO
O direito fundamental à educação reveste-se de fundamentalidade, uma vez que é parte integrante do que a doutrina convencional chamar de mínimo existencial, ou seja, é um direito indissociável à vida digna vida do ser humano, em razão do que o Estado possui a obrigação de garanti-lo a todo indivíduo, da forma mais ampla possível.
Assim, uma vez que o direito à educação configura direito público subjetivo, de aplicabilidade imediata, sua violação, seja por ato comissivo ou pela inércia do Poder Público, faz nascer para o seu titular, a possibilidade de utilizar os instrumentos de controle previstos na legislação, a fim de buscar, principalmente perante o judiciário, a fruição dessa parcela do mínimo existencial.
Ademais, a tutela jurisdicional que faça valer a previsão constitucional, garantindo a efetividade prática do direito formalmente assegurado e faticamente desrespeitado, muitas vezes representa o único instrumento capaz de coagir o Poder Público a cumprir a determinação constitucional.
Por isso, irrelevantes serão os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, na tentativa de justificar o não cumprimento do referido direito, pois restou cabalmente demonstrado que o Estado não pode abster-se dessa obrigação constitucional, devendo adotar as medidas necessárias e pertinentes a proporcionar a máxima efetividade ao direito fundamental da educação, honrando com o postulado da dignidade da pessoa humana, fundamento da república
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