A assimilação local do movimento internacional denominado Justiça Ambiental.

A experiência do Programa de Reabilitação Urbana e Ambiental da Bacia da Estrada Nova (PROMABEN) – Portal da Amazônia

Exibindo página 1 de 2
08/03/2016 às 00:11
Leia nesta página:

Trata-se de uma análise da teoria da justiça ambiental à um projeto específico implantado na Amazônia.

Introdução.

Este trabalho enfoca o tema ‘Justiça Ambiental’, procurando tratar os principais aspectos de sua base teórica e utilizando a perspectiva de um caso concreto para a análise do direito, que como deve ser, necessita da análise do fenômeno social.

O objetivo é compreender a influência da desigualdade social, na exposição, da população, aos riscos e externalidades ambientais. Para tanto, historiamos o conceito de Justiça Ambiental e o seu surgimento nas lutas norte-americanas; bem como de que forma ocorreu sua assimilação, no Brasil.

Como bem pontuou Henri Acselrad, é importante “evidenciar a dimensão ambiental do projeto de construção democrática da sociedade brasileira”[1] para que a produção de desigualdade ambiental não seja o espelho da desigualdade social existente, no país[2].

Paralelamente ao estudo teórico, se faz imprescindível a análise do fenômeno social, separando o direito da discussão normativa; motivo pelo qual se elegeu analisar o Programa de Reabilitação Urbana e Ambiental da Bacia da Estrada Nova (PROMABEN) – “Portal da Amazônia”, realizado pela Prefeitura de Belém, no município de Belém, no Pará, pontuando alguns impactos sócio-culturais e econômicos do Programa, para a comunidade do bairro do Jurunas, na capital paraense; bem como verificando se e de que forma a comunidade está sendo beneficiada e/ou incluída socialmente no Programa, atendendo aos ditamos preceituados pela teoria da Justiça Ambiental. 

Por ‘Justiça Ambiental’ entenda-se o conjunto de princípios que veda a distribuição desigual dos benefícios e dos gravames ambientais, entre os diferentes grupos sociais envolvidos no processo.

Ao pensarmos em justiça/injustiça ambiental, temos em mente a existência de conflitos. Não é difícil perceber que a maior parte das formas de degradação ambiental acontece, onde vivem as populações de menor renda, comunidades negras e grupos indígenas.

Foi com esta percepção que o movimento, que ficou conhecido como “Justiça Ambiental” (Environmental Justice), surgiu nos Estados Unidos na década de 80, do século XX.

Nos dez anos anteriores, o movimento ambientalista se fortaleceu, naquele país, e foram editadas as primeiras e importantes leis de proteção ao meio ambiente (Clean Air Act e Clean Water Act). A despeito do avanço normativo, representantes de minorias raciais posicionaram-se criticamente ao movimento ambientalista e ao sistema de proteção legal instituído, denunciando-o de classista.

Essas críticas cresceram e se organizaram através de protestos, na década de 80, tendo como gatilho decisões de governos estaduais ou locais de instalar aterros de resíduos perigosos, próximos a bairros de população predominantemente negra.

Àquela época, alguns estudos já indicavam que a distribuição espacial das externalidades ambientais era desigual, conforme a raça e a situação econômica, da população[3]. Esses estudos demonstraram que a raça da população era mais correlacionada com a distribuição dos custos ambientais (localização de rejeitos tóxicos), do que o fator “baixa renda”. Diversas foram as explicações de tal fato, tais como terras mais baratas, em comunidades de minorias e suas vizinhanças; falta de oposição da população local por fraqueza organizativa e ausência de recursos políticos, falta de mobilidade espacial em razão de discriminação residencial e, por fim,  subrepresentação política das “minorias”, nas agências governamentais[4].

O embasamento teórico da “justiça ambiental” apresenta-se de forma distinta do discurso ambiental promovido através da dicotomía entre meio- ambiente X escassez, no qual o meio-ambiente tende a ser visto como uno e limitado. Ao revés, a idéia de Justiça remete a uma distribuição equânime de partes e à diferenciação qualitativa do meio ambiente.

Conforme destaca Henri Acselrad, a discussão acerca da justiça ambiental alcança a “idealização de mecanismos redistributivos, participativos e compensatórios, estabelecendo uma relação direta com a construção de uma cidadania mais justa e com a consolidação de estratégias mais inclusivas e democráticas”[5].

O principal teórico do assunto, Robert Bullard, define Justiça Ambiental como: “a busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou omissão destas políticas”[6].

A real concretização da Justiça ambiental depende de uma dimensão substantiva, no que tange à distribuição dos benefícios, riscos e gravames e de um aspecto procedimental, relacionado à participação da população afetada, nas decisões das políticas ambientais que as atingem.

No Brasil, a assimilação dos princípios da Justiça Ambiental e seu desenvolvimento teórico são ainda incipientes, ficando muitas vezes encoberto pela extrema pobreza e pelas péssimas condições gerais de vida da sociedade nacional[7].

O princípio do desenvolvimento do movimento, no Brasil, se deu com o surgimento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA, criada no Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, realizado em 2001, na Universidade Federal Fluminense, momento no qual foi desenvolvida uma Declaração de Princípios norteadores de obtenção da Justiça Ambiental [8].

A despeito do desenvolvimento destas iniciativas, em razão da vulnerabilidade das populações afetadas e do baixo grau de associativismo, escolaridade e de exercício de cidadania, as iniciativas que se dirigem para a temática da Justiça Ambiental, no Brasil, têm crescido mais através de movimentos ambientalistas, formados por uma massa mais escolarizada e informada, ao invés de movimentos de base dos cidadãos afetados[9].

É com esta constatação que necessário se faz analisar o fenômeno social em si, vez que a realidade só se torna clara quando vislumbramo-la fora do sistema, através da análise interdisciplinar.

Como caso concreto, elegemos o Programa de Reabilitação Urbana e Ambiental da Bacia da Estrada Nova[10] (PROMABEN) - “Portal da Amazônia” que foi desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Belém (PMB), no Estado do Pará, com recursos próprios e financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por meio de empréstimo contraído pela PMB.

O objetivo do projeto é uma intervenção na orla sul da cidade de Belém, com o fim de revitalizar o local, contemplando um conjunto de obras nos canais principais das sub-bacias da Bacia da Estrada Nova e melhorando as condições de vida de um ambiente tomado pela ocupação desordenada, com indicadores sanitários e epidemiológicos altíssimos e com ocupação concentrada em palafitas às margens e leitos dos rios e canais que a compõe.

O PROMABEN é um programa que engloba vários projetos; prevê a abertura da orla de Belém até a Universidade Federal do Pará, com seis pistas, de 70 metros de largura, com área de lazer, estacionamento e ciclovia.

A intervenção urbana está organizada em quatro diretrizes:

“- melhoria da drenagem urbana, o qual inclui a micro e a macrodrenagem, no sentido da construção de sistemas de drenagem de águas pluviais, proteção de cabeceiras, construção e adequação de canais, implantação de galerias e coletores pluviais, responsabilizando-se também pelo reordenamento e reassentamento de famílias através do desenvolvimento de soluções habitacionais para as pessoas que vivem nestes locais.

- infra-estrutura viária, que inclui a construção de vias ao longo dos canais de drenagem e a via do rio Guamá que receberá o tratamento urbano-paisagístico e será interligada a parques lineares.

- infra-estrutura de saneamento, o qual financiará as inversões em serviços de água potável e esgotamento sanitário das comunidades reassentadas.

- sustentabilidade social e institucional, que inclui três programas: participação comunitária, comunicação social e educação ambiental”[11].

O discurso oficial, do Poder Público, baseia-se na transformação da área em questão, com benefício direto de 200 mil famílias, observando as peculiaridades do local, bem como as necessidades da falta de saneamento e condições precárias de moradia da população.

O programa prevê a instalação de drenagem e esgoto, além da construção de ruas e calçadas urbanizadas com áreas de lazer; a construção de novas moradias e indenizações para as famílias que deverão ser realocadas.

Prevê a atenção ao aspecto sócio-ambiental com a observância da garantia de participação, autonomia, descentralização e integração de ações e controle social por parte das comunidades envolvidas.

Fora do contexto do discurso governamental, a despeito de toda a melhoria proposta pelo projeto, muitas preocupações se impõem, vez que o rearranjo social e espacial têm provocado, sem o necessário respeito aos direitos mínimos da população, alterações no seio desta comunidade, diferente do propagado pelo discurso oficial.

O PROMABEN possui diversas contradições, que vão desde a batalha judicial em torno da realização dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que somente foi realizado após a pressão da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e da mídia local, através dos moradores do bairro; até à discussão sobre o aterro utilizado na obra diferentemente do previsto no projeto original, que constava que seria utilizado aterro hídrico, retirado do fundo do próprio rio, não afetando o meio ambiente e impulsionando a economia local através do aumento da navegabilidade do rio.

Apesar de diversas contradições a que aqui se quer tratar é a desconsideração do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). O PROMABEM desconsiderou o Estudo de impacto de vizinhança, fazendo com que a população local não reproduzisse sua condição de vida de forma adequada.

Toda intervenção urbana de grande porte requer a realização de estudo de impacto de vizinhança, no qual se faz o levantamento dos elementos positivos e negativos do empreendimento, visando ao não prejuízo ou mesmo melhoria da qualidade de vida da comunidade local e de áreas próximas.

Ao se negar esta oitiva, da comunidade, se nega vigência a diversas normas sócio-ambientais, ao respeito a direitos humanos e aos próprios princípios de sustentabilidade e à teoria da justiça ambiental.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Graves violações aos direitos humanos são perpetradas quando empreendimentos/políticas públicas, aliados à vulnerabilidade social e ambiental, não obedecem a princípios basilares de relocação (reprodução da vida) da comunidade local.

Sob o enfoque da justiça ambiental, portanto, direitos humanos, meio ambiente e pobreza, se relacionam, já que condições ambientais desfavoráveis podem ser causa de violações de direitos humanos, assim como sua consequência, quando se verifica que indivíduos e grupos que dispõem de menos condições para exercer efetivamente estes direitos são as vítimas preferenciais dos riscos e custos ambientais.

É o caso do PROMABEN, que foi desenvolvido em uma área pobre da cidade, como já referido.

Direitos humanos e meio ambiente são direitos interdependentes, vez que o respeito aos direitos humanos é uma condição para o desenvolvimento sustentável, bem como a proteção ambiental é condição para o gozo efetivo dos direitos humanos.

A pobreza é um dos fatores que agrava a crise ambiental e num movimento cíclico é intensificada por ela. A ONU, em vários documentos oficiais, entre eles, nos objetivos de Desenvolvimento do Milênio, reconhece que a pobreza está no centro das violações de direitos humanos e é um obstáculo à proteção ambiental.

Nesse sentido que se torna imprescindível que a abordagem seja feita a partir de uma dimensão de justiça ambiental, evidenciando, para proteger, a vulnerabilidade ambiental dos mais pobres, a distribuição equitativa dos benefícios ambientais.

Muitos instrumentos internacionais, a despeito de não utilizarem a expressão “justiça ambiental” já trazem a percepção acerca da vulnerabilidade ambiental, ao estabelecer relações entre os direitos humanos, a pobreza e a questão ambiental.

A falta de previsão expressa da justiça ambiental, nas normas internas ou internacionais, faz com que o estabelecimento de relações entre o direito ambiental e a proteção dos direitos humanos se configure em uma estratégia para a sua realização. A aproximação destes sistemas é a base da construção teórica da justiça ambiental, sendo centrada em um conjunto de direitos socioambientais substantivos e procedimentais.

Outro ponto importante nesse debate é quanto à defesa dos direitos das populações futuras. O movimento da justiça ambiental propõe a cessação dos mecanismos de transferência dos custos ambientais para os mais pobres, já que enquanto as externalidades ambientais negativas forem repassadas para os mais pobres e distribuídas de forma não equitativa, a pressão sobre todo o ambiente não diminuirá.

Nesse contexto, se dá a união entre justiça social e proteção ambiental; entre o direito futuro e condições ambientais atuais, concluindo que o freio da degradação ambiental é a proteção dos mais fracos[12]. Diante da ausência de políticas ambientais de licenciamento e fiscalização de atividades apropriadas e sem políticas sociais e de emprego consistentes, as populações mais pobres e desorganizadas tendem à sucumbir  às vantagens do empreendimento, sem se preocupar com seus custos.

Conclusão

A noção de risco ambiental e insegurança social se torna cada vez mais entrelaçada e que se torna amplamente crescente o entendimento de que a proteção ambiental deve ser parte integrante das lutas sociais.

Os atores sociais, através de suas estratégias argumentativas e luta inovadora, devem procurar do fazer do ambiente um espaço de construção de justiça e não apenas da razão utilitária do mercado.

Jack Donnelly afirma que normalmente só se fala sobre direitos quando eles são violados. Muitos dos direitos que parecem bem “claros” e “delimitados” mesmo dentro do sistema de proteção dos Direitos Humanos, só têm seu conteúdo definido e redefinido no caso concreto. É analisando de forma interdisciplinar o direito ambiental, considerando seu viés social, que podemos avançar na concretização de seus ditames de proteção.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos