Estudo do casamento e união estável entre indivíduos do mesmo sexo à luz do Direito

10/03/2016 às 19:04
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Esta é uma análise rápida, porém não superficial, sobre a questão do casamento e da união estável entre indivíduos do mesmo sexo. Objetivamos demonstrar a evolução dos ordenamentos jurídicos, que buscam emparelhar estas normas às pretensões individuais.

O presente trabalho tem por finalidade uma análise rápida, porém não superficial, sobre a questão do casamento e da união estável entre indivíduos do mesmo sexo. Buscaremos demonstrar a evolução dos ordenamentos jurídicos, que buscam emparelhar estas normas às pretensões individuais. Estes alinhamentos buscam assegurar que tais indivíduos não tenham seus direitos constitucionais cerceados por conta de uma interpretação equivocada de nossa carta magna. Utilizamos pesquisas bibliográficas para consecução deste assunto, levando em conta também aspectos políticos e sociológicos do tema em questão.

INTRODUÇÃO

Na história da homossexualidade no Brasil, existem estudos antropológicos que apontam a prática homossexual na cultura nativa, como no caso de Levy Claude Strauss, e Gilberto Freire, em suas obras “Tristes Trópicos” e “Casa Grande e Senzala”, respectivamente. O primeiro afirma que primos da tribo Nambiquara, se chamam de “esposos”, e que as vezes se comportam como tal. Para o segundo, entre os indígenas brasileiros a bissexualidade poderia ser comum entre eles e chama a atenção, ainda, para o fato de  que  os  homossexuais,  comumente  não  eram hostilizados pelos membros do grupo, pelo contrário, eram tratados como indivíduos virtuosos e extraordinários. Podemos citar ainda outro antropólogo, Darcy Ribeiro que cita a existência do homossexualismo entre as tribos Candiueu, também estudada por Strauss. Contudo, com a chegada dos colonizadores portugueses, estes passaram a impor em todo o território brasileiro as suas regras, dentre elas, o absoluto repúdio e a consequente proibição das práticas homossexuais.

Séculos mais tarde, com a independência do Brasil, o homossexualismo deixa de ser proibido pelo Estado, porém encontramos a essa altura uma sociedade completamente esquematizada em torno da concepção de família como sendo homem, mulher e seus filhos. Como consequência, os indivíduos tinham que ocultar suas preferências sexuais, e os que não o faziam, eram completamente reprimidos e excluídos pela sociedade. Fato é, que apenas depois de muitos séculos se começou a realmente discutir racionalmente sobre o tema, o que culminou com as decisões favoráveis do STF as tutelas arguidas de reconhecimento e equiparação da união homoafetiva à união estável, e posterior resolução do conselho nacional de justiça onde é prolatado que as autoridades competentes não podem escusar-se de celebrar o casamento civil de pessoas do mesmo sexo.

CONTEXTO HISTÓRICO DO RELACIONAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO

O patriarcalismo, não somente em nossa sociedade, mas como no mundo inteiro se fixou como um regime social por longo tempo. Com isso, as maiorias das sociedades formaram-se com a ideologia da supremacia masculina em todas as instanciais sociais. O que se viu foi uma dominação masculina, de forma a exercer um comando religioso, político e doméstico. Desta forma, enquanto este sistema prevaleceu, a desigualdade e a política de hierarquia ditavam o ritmo social, ao passo que quem não se encontrava no polo ativo desta relação tinham seus direitos - quando o tinham – diminuídos e cerceados. Neste cenário, o homossexualismo foi amplamente discriminado e reprimido pela maioria das sociedades, visto que a prática não estava de acordo com os institutos religiosos da igreja, que através do clero dominava as políticas sociais na Europa.

Este panorama começa a mudar somente com a revolução francesa no século XVIII onde os campos sociais e políticos vigentes foram abalados em suas estruturas e assim começou a ser disseminada a ideia de que todos têm direitos individuais fundamentais, dentre eles a liberdade, igualdade e fraternidade. Com isso, surge o iluminismo, que vem a reforçar a ideia de que deveríamos repensar a luz da razão todas as tradições herdadas dos nossos antepassados. Kant asseverava que o iluminismo era a saída das pessoas de uma tutela que lhes é imposta, e que através da razão temos que ter o entendimento de poder ir em direção contraria a esta tutela. Já para Savater a razão é a capacidade de pactuar convenções e leis que a biologia não nos impõe, mas que são direcionadas livremente por nossa vontade, observando que vontade, diferentemente do desejo, é a nossa razão direcionada para um fim. Com isso vemos que a cada geração deveríamos nos valer de nossa razão para repensar parte de nossas convenções. Não que devesse haver uma completa banalização de nossos institutos sociais, mas sim, uma sensibilização geral de que o ser humano e a sociedade sofrem mudanças constantes, através de uma dinâmica acelerada, e que parte do que foi convencionado como o melhor para gerações passadas, pode agora, na atual geração não atender as necessidades desses indivíduos. É para isso que Savater chama a atenção, pois há uma espécie de conservadorismo que engessa o progresso da sociedade, visto que veem nas convenções uma parte imutável da realidade, sendo que ao contrário, estas foram inventadas por homens, por vezes tão distantes de nosso tempo, que não compreendemos o motivo, mas que sem sombra de dúvida, podem ser mudadas ou até revogas por um novo acordo de vontade. Mesmo após a revolução industrial, a luta pelos direitos fundamentais e a expansão do pensamento iluminista, os homossexuais continuavam vítimas de perseguições e discriminações, chegava-se até classificar o homossexualismo como doença mental.

EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL

Nossa sociedade, e consequentemente, nosso ordenamento jurídico fora construído com base no tradicionalismo judaico-cristão, isso fez com que, como já dissemos, os indivíduos homossexuais tivessem seus direitos a cerca de família cerceados. Muito anterior à nossa atual Constituição, o Código Civil de 1916 já determinava que a família fosse constituída através do casamento, entre homem e mulher, conhecida como a família tradicional, sendo esta considerada indissolúvel.

Décadas depois, à época da queda do regime militar, a sociedade clamou por uma nova constituição, que assegurasse os direitos individuais, e que demonstrasse que aquele período de barbárie em nossa história tinha chegado ao fim. É inegável que conseguimos vários avanços, porém, a época da promulgação da nossa carta magna, o movimento em favor dos direitos dos indivíduos homossexuais ainda engatinhava, e a discriminação ainda permeava grande parte da sociedade, de forma que, o legislador constituinte acabou por definir família, e também tutelar todos os direitos a ela, como homem, mulher e filhos, excluindo o latente fator social que perdura há séculos de que existem pessoas do mesmo sexo que mantém relações sócio afetivas, e que também formam uma família na prática e que necessitariam ter seus direitos como tal resguardados.

Neste momento é que temos de ter claro em nossa mente, que o direito, superficialmente, é um sistema de normas de condutas que regulam as nossas relações sociais. Porém, ele tem o papel de acompanhar a mudança social da comunidade que ele regula. Assim, quando surge uma nova necessidade no seio da sociedade, deve o direito ser ajustado, visto que este sistema de normas, nada mais é de que uma ferramenta política para solução de conflitos e manutenção do bem estar.

Não obstante, o movimento a favor do reconhecimento dos direitos relativos a relações homossexuais cresceram exponencialmente após a década de 80 e 90, assim, a união homoafetiva galgou importantes passos rumo ao reconhecimento do casamento civil, como um direito constitucional. Em determinado momento os tribunais começaram a notar a importância deste tema, a luz dos princípios de igualdade sexual e de dignidade da pessoa humana.

O primeiro tribunal a reconhecer o casamento civil entre indivíduos do mesmo sexo foi do estado de Alagoas em 6 de janeiro de 2012, quando um juiz da região decidiu que casamentos do mesmo sexo seriam realizados no estado, ao invés das uniões civis. 

O reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil como entidade familiar, fora feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 5 de maio de 2011 através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277, proposta pela Procuradoria Geral da República, e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132.

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“INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA "INTERPRETAÇÃO CONFORME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de "interpretação conforme à Constituição". Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.”

E posteriormente, em 14 de maio de 2013, o conselho nacional de justiça levando em consideração diversas decisões de vários tribunais, inclusive do STF e do STJ resolveu que:

“Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.”

Por conta destas decisões, o casamento entre indivíduos do mesmo sexo foi regularizado no Brasil, far-se-á necessário a reformulação de nosso ordenamento jurídico, afim de que este que mantem relacionamento homoafetivo possam exercer de pleno direito todas as garantias constitucionais tuteladas a família, e que assim, não haja brecha para discussão da legitimidade das decisões dos tribunais.

CONCLUSÕES

O homossexualismo sempre encontrou em todos os âmbitos da sociedade uma enorme resistência, mas nós como operadores do direito devemos garantir que quando defronte ao ordenamento jurídico, este será imparcial, e visará somente a garantia de seus direitos, principalmente os fundamentais, afinal onde estaria a igualdade se alguém por ser diferente fosse privado de um direito tão importante, quanto é o de constituir uma família. Isonomia, tratar os desiguais na medida da sua desigualdade não é sinônimo de suprimir direitos de quem é diferente, mas sim garantir que esses tenham acesso igualmente a todas as tutelas que o Estado dispõe para seus cidadãos. Com a liberação do casamento civil de pessoas do mesmo sexo, o ordenamento jurídico brasileiro não inovou tampouco incentivou tal pratica, como dizem alguns contrários ao progresso, apenas reconheceu um fato histórico e social que precisava ser urgentemente regularizado. Quebrar esse paradigma foi apenas o começo, outros virão, e nós temos de estar preparados para lidar e aceitar que as mudanças são inatas ao ser humano, e precisamos adaptarmos à elas, afinal, viver em sociedade pressupõe diversidade.

PINTO, B.C. (IC)1;

VALVASORI, W.P. (IC)2;  

1.  Acadêmico de direito - FIC.  

2.  Acadêmico de direito - FIC.  

email: [email protected] / [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SAVATER, F. Política para o meu filho. São Paulo: Editora Planeta, 2012

KANT, I. O que é Iluminismo. 1784. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf> Acesso em: 07 nov. 15

TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Direito de Família, 2010, São Paulo: Editora Método

FREYRE, Gilberto. O indígena na formação da família brasileira. In: ___. Casa Grande & Senzala. 28 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1992.

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Sobre o autor
William Paes Valvasori

Advogado, com grande experiência em Direito Administrativo, no âmbito das Licitações e Contratos Públicos, também atua no campo do Direito Privado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Estudo realizado com a finalidade de apresentação no II Simpósio de Iniciação Científica - SICFIC 2015

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