Responsabilidade civil por dano moral coletivo gerado a população atingida por empreendimento hidrelétrico.

O caso de Itacuruba (PE), uma cidade em depressão

Leia nesta página:

A responsabilidade civil está cada vez mais presente na sociedade e inúmeros são os motivos que ensejam a indenização, seja ela material ou moral. Este estudo tem por objetivo discorrer sobre a responsabilidade civil no que tange a cidade de Itacuruba/PE.

RESUMO

A responsabilidade civil está cada vez mais presente na sociedade. Inúmeros são os motivos que ensejam a indenização, seja ela material ou moral. Este estudo tem por objetivo discorrer acerca do instituto da responsabilidade civil, mais especificamente, sobre o dano moral coletivo que tem sido instrumento para se pleitear a defesa de interesses de uma coletividade, e a possibilidade de sua incidência no caso de Itacuruba–PE. O enfoque respeita à discussão existente quanto à aplicação da teoria da responsabilidade civil subjetiva na hipótese de dano moral decorrente de empreendimentos hidrelétricos. Assim, este estudo, o qual pautou-se na doutrina e na legislação existente no país, bem como em decisões jurisprudenciais acerca do assunto, objetiva a análise de tais questões controvertidas, para que então se possa passar ao exame das consequências desta classificação, no que diz respeito à responsabilização civil da Hidrelétrica a respeito do dano coletivo causado aos cidadãos de Itacuruba/PE.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Dano moral coletivo; Reparação Civil.

1. Introdução

Este artigo tem como propósito reconhecer a ocorrência do dano moral coletivo suportado pela população do município de Itacuruba – PE, que foi completamente submerso, em 1988, devido a instalação da Usina Hidrelétrica de Itaparica.

Essa espécie de dano é derivado do dano moral individual, de natureza imaterial. Verifica-se quando existir ofensa ao sentimento coletivo, provocando sentimentos negativos a toda coletividade.

A implantação de grandes usinas hidrelétricas é uma das causas desencadeadoras dessas ofensas, pois trazem impactos transformadores, principalmente socialmente e economicamente falando, resultando em um deslocamento populacional que ocasionam intensos conflitos entre empreendedores e populações atingidas, no entanto, é levado em consideração apenas o pagamento das áreas inundadas, desconsiderando a perda dos bens incorpóreos. Este artigo apresenta-se estruturado em um breve relato a respeito do instituto da responsabilidade civil, abordando seus aspectos mais importantes. Em seguida, discutir sobre o dano e o dano moral coletivo, demonstrando todas as razões pela qual se objetiva reconhecer esse instituto no caso concreto em estudo.

2. Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro

            Mencionar a reparação de danos no direito civil brasileiro é primeiramente falar em responsabilidade civil. Isso ocorre porque toda atividade que provoca algum prejuízo traz consigo a problemática responsabilidade, não se limitando apenas na esfera jurídica, mas em todos os âmbitos da vida social.

Não deixando de se fazer presente, o nosso dicionário Aurélio traz em seu bojo a definição do que é responsabilidade, e, de acordo com ele, responsabilidade é a “obrigação quais circunstâncias uma pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido por outra pessoa e em quais condições será obrigada a repará-lo. de responder pelas ações próprias ou dos outros”. (AURÉLIO, 2011, p. 201).

Nas palavras da jurista Maria Helena Diniz:

A responsabilidade civil é, indubitavelmente, um dos temas mais palpitantes e problemáticos da atualidade jurídica, ante sua surpreendente expansão no direito moderno e seus reflexos nas atividades humanas, contratuais e extracontratuais, e no prodigioso avanço tecnológico, que impulsiona o progresso material, gerador de utilidades e de enormes perigos à integridade da vida humana. (DINIZ, 2004, p.32).

             Portanto, é um ato ou fato negativo causado por um terceiro que lesiona interesses juridicamente tutelados e se vê na obrigação da repara-los civilmente, de forma a vir indenizar o prejudicado, pelo dano do ato ou fato praticado.

    

2.1.       Conceito de Responsabilidade Civil

Desde as primeiras civilizações existe a busca pelo ressarcimento do dano, mas, é imprescindível que se desvende no que consiste a responsabilidade civil.

Nossa carta maior traz em seu inciso X, do artigo 5°, no que se refere aos danos extrapatrimoniais:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. 19 ed. São Paulo: Rideel).

É permissível retirar-se deste texto que qualquer tipo de lesão que daí advenha, pode ser objeto de indenização.

Ainda fazendo uso das palavras da ilustríssima jurista Maria Helena Diniz o instituto da responsabilidade civil é:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (DINIZ, 2005, p.55).

Já Álvaro Villaça Azevedo conceitua responsabilidade civil: “é a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial”. (AZEVEDO, 2004, p. 277).

Diante da demasiada diversidade de conceitos existentes que permeiam este instituto, é possível extrair de todos eles que o principal interesse esta no restabelecimento do equilíbrio moral ou econômico decorrente do dano sofrido, colocando o prejudicado em uma posição em que estaria anteriormente ao advento do fato danoso, ou pelo menos amenizando o grau da situação em que o prejudicado se encontra.

A legislação brasileira não somente permite como também legitima juridicamente a responsabilidade civil, inclusive, comporta a possibilidade de obrigação de reparar danos resultantes de práticas de comportamentos ilícitos ou lícitos, comissivos ou omissivos, que por casualidade resultem em trazer prejuízos a outrem de algum aspecto, sejam patrimoniais, morais, estéticos, entre outros.

O nosso Código Civil em seus artigos 927, 186 e 187, que, por conseguinte são os definidores principais de tal instituto, delibera a obrigação de reparar os danos ocasionados a outrem por meio do dever de indenizar estabelecendo que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 186, que dita: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direitos e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL. Código Civil (2002). In: Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. 19 ed. São Paulo: Rideel, 2014).

            O estudo da responsabilidade civil engloba todo o conjunto de princípios e normas que regem esta obrigação de reparar o dano, de indenizar.

Em resumo, a obrigação de indenizar aparece quando da atuação do agente, voluntária ou não, resulta em um dano. Sendo assim, se o agente tiver intenção em causar prejuízo haverá dolo. Por outro lado, não havendo esta intenção, toda via houver a ocorrência do dano por imprudência ou negligência, haverá culpa.

3. Do dano

Historicamente falando é sabido que o ser humano estava habituado a responder ao mal que lhe era cometido com o emprego de violência física, decorrente do sentimento de injustiça.

Certamente, haveria a repetição desta prática na atualidade se o ordenamento jurídico, não houvesse dado regulamentação e proteção a situações desencadeadoras de conflitos.

Vale invocar neste momento a lição do professor Sergio Cavalieri Filho que salienta “o anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça”. (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 24).

Diante dessas considerações, pode-se atestar que o dano sempre repercute negativamente, seja de forma material ou moral.

Este é tido como o principal dos elementos da responsabilidade civil. Ele é imprescindível para a caracterização de tal instituto, sem ele, este não se corporifica.

Dessa forma afirma Sílvio de Salvo Venosa:

O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima. (VENOSA, 2003, p. 28).

Este é justamente o caso de Itacuruba/PE, objeto central deste estudo e  que foi completamente submersa em 1988 em razão da instalação e operação da Usina Hidrelétrica de Itaparica. A nova cidade hoje sofre os danos sociais de cunho irreparáveis.

3.1.       Do dano coletivo

Diante do grande leque de definições que permeiam o dano moral encontra-se no livro de Yussef Said Cahali (FT), quando cita a lição Arturo Dalmartello, uma das melhores definições ao dizer que seria “mais razoável caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”. (CAHALI,1998, p. 20).

            Pode-se então caracterizar o dano moral, como uma lesão de natureza extrapatrimonial aos direitos personalíssimos de uma determinada pessoa, provocando-lhe um prejuízo insuportável podendo vir juntamente com um prejuízo de ordem material, toda via, não necessariamente. Como bem o define Carlos Roberto Gonçalves:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. (GONÇALVES, 2008, p. 359).

A reparação pelo dano moral, portanto, a partir da Magna Carta de 1988 é um direito fundamental, conforme incisos V e X, do artigo 5º:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; 

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. 19 ed. São Paulo: Rideel).

O dano moral coletivo, por sua vez, não é um instituto inédito, este adveio do dano moral individual, embora um e outro apresentem características bem distintas.

 O reconhecimento perspectiva extrapatrimonial do dano coletivo foi aprofundado a partir da edificação jurisprudencial comportando a reparação de danos morais impostos a pessoas jurídicas, especialmente na súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”.

Com isso se tem o ponta pé inicial para que devido a um dano moral, haja a possibilidade de reparação em face de toda uma coletividade, posto em vista que esta também possui valores morais merecedores de amparo jurídico, independentemente de sua despersonalização.

Desta forma, Carlos Alberto Bittar Filho brilhantemente se coloca acerca do tema:

Dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). (BITTAR, 1994, p. 45).

            Xisto Tiago Medeiros Neto também conceitua o dano moral coletivo:

O dano moral coletivo corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade (considerada em seu todo ou em qualquer de suas expressões - grupos, classes ou categorias de pessoas), os quais possuem natureza extrapatrimonial, refletindo valores e bens fundamentais para a sociedade. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 137).

            Trata-se de uma lesão que traz desvalorização moral a toda uma coletividade neste estudo mais especificamente nos aspectos de saúde e a qualidade de vida.

Os cidadãos de Itacuruba/PE sofrem de fato os danos causados pelo deslocamento populacional, que desencadearam inúmeros problemas e transformações, no campo social, econômico e político desta comunidade.

Houve grande resistência da população, que mesmo após vinte e quatro anos sofrem as consequências deste empreendimento.

Para melhor compreensão se faz necessário conhecer a velha Itacuruba-PE, aquela que hoje esta submersa as águas do São Francisco.

A população da antiga Itacuruba/PE se reconhecia como de agricultores, povo da terra, das ilhas, atualmente nada mais é que uma “cidade-memória”, onde tudo dá ensejo a lembranças da cidade submersa, tudo faz revelar feridas abertas pelo banimento a que a população foi submetida, a perda de sua cultura, de sua identidade, de suas praticas, e as marcas de mais de duas décadas de suplicio hoje se mostram em estatísticas.

Em um periódico apresentado por Olímpio J. de Arroxelas Galvão fica evidente as praticas da população da velha Itacuruba e a fertilidade que a terra possuía:

A área inundada era de 16,5 mil hectares de terras irrigadas, localizadas principalmente nas áreas ribeirinhas e nas diversas ilhas formadas pelo Rio. Essas áreas, que concentravam a maior parte da produção agrícola dos municípios atingidos e abrigavam cerca de 90% da mão-de-obra familiar rural, desenvolviam uma agricultura relativamente avançada, em bases comerciais, utilizando insumos modernos (fertilizantes e defensivos) e diversos tipos de equipamentos hidráulicos para irrigação. A cebola e o tomate industrial eram os cultivos principais, secundados pelo arroz, o feijão, a banana e o algodão herbáceo. (O projeto de reassentamento de Itaparica e sua inserção no marco das novas políticas de desenvolvimento regional para o Nordeste. Olímpio J. de Arroxelas Galvão. p. 37).

Itacuruba-PE, antes referência de agricultura, psicultura, tecelagem e salinas, se transformou na conhecida cidade dos depressivos, com o maior índice de depressão e suicídio do país, esta comunidade está dez vezes acima da média nacional, em 70% das famílias de Itacuruba-PE, alguém já atentou contra a própria vida, de acordo com pesquisas feita pelo Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE), trazido pelo Diário de Pernambuco em uma de suas reportagens[1].

Os dados sinalizam um sofrimento coletivo, que por sua vez mostram índices preocupantes de depressão e suicídio.

A psicanalista Isabela Cribari, na mesma reportagem acima mencionada, exibe um documentário para chamar atenção para o grave problema de saúde pública de Itacuruba. Afirmando que as taxas de suicídio em Itacuruba só são comparáveis com as do Japão.

Existe a consciência da gravidade que revelam os números e estatísticas em todos os habitantes da cidade e ate mesmo naqueles que não são. Esses mesmo dados alarmam e ocupam páginas inteiras de jornais.
            O Jornalista Paulo Rebêlo em reportagem feita para o Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento nos confirma os Dados do Cremepe que revelam que, enquanto Pernambuco contabiliza 4,19 suicídios para cada 100 mil habitantes (no Brasil, a média é de 4,34), em Itacuruba/PE, o número chegou a 50 suicídios, para cada 100 mil habitantes[2].

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            À medida que o estudo se desenvolve fica notável que a depressão que aterroriza a nova cidade esta intimamente ligada com a falta do que fazer, com a falta de ter o que fazer, de ter com o quê ocupar a mente e o corpo.

É como se as boas lembranças dos que viveram na velha cidade, de como era bom, de como se tinha fartura, de como se tinha o que fazer e no que se ocupar, ocupar a mente, o corpo, de alguma maneira essas lembranças aterrorizassem tanto os que desfrutaram daquela cidade, como aqueles que nunca lá estiveram, diante que a atual Itacuruba é o oposto da velha.

  1. Os efetivos danos

            Depois do remanejamento da cidade para outra localidade, devido à construção da Barragem de Itaparica, a população da região passou a enfrentar diversos problemas de adaptação. Então surgiu a sentença da identidade perdida com a submersão do velho lugar.

A barragem não inundou só a cidade, também ficaram embaixo d’água as ilhas e margens do rio conhecidas como aluviões, terras essas de grande fertilidade, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), por sua vez, não orientou da má qualidade do solo onde a nova cidade seria instalada, e quando comparadas a fertilidade das terras da antiga Itacuruba-PE se constata que são terras inférteis e pouco produtivas.

Nas palavras de Francisco Beltrão:

O município está inserido na unidade geoambiental da Depressão Sertaneja, com relevo predominantemente suave-ondulado. A vegetação é basicamente composta por Caatinga Hiperxerófila. O clima é do tipo Tropical Semiárido, com chuvas de verão.(...)Quanto aos solos: ocorrem os Planossolos, mal drenados, fertilidade natural média e problemas de sais; os Argissolos drenados e fertilidade natural média e com os Neossolos Litólicos, rasos, pedregosos e fertilidade natural média. (BELTRÃO, 2005, p. 11).

Tercina Maria Lustosa Barros Bezerra em seu trabalho de pós-graduação fortalece ainda mais essa ideia:

O município de Itacuruba perdeu muito território e quase não existem mais terras férteis, pois a maioria delas ficou embaixo das águas. As restritas áreas de solos agricultáveis que sobraram à margem de riachos não estão disponíveis ou estão ficando salinizadas. (BEZERRA, 2006 , p. 73).

O site do G1 ainda traz em uma das suas reportagens que a cidade de Itacuruba-PE está localizada em uma área que corre sérios riscos de desertificação, no qual dificulta ainda mais o plantio[3].

Alunos do curso de Biologia da UVAUNA VIDA, também relatam isso em sua pesquisa:

O Núcleo de Desertificação pernambucano abrange os municípios de Cabrobó, Belém do São Francisco, Carnaubeira da Penha, Floresta e Itacuruba (BRASIL, 2007). De acordo Novaes (2014) nos municípios nos últimos 12 anos foram perdidas mais de 20.000 hectares do bioma da caatinga. (ARAÚJO NETO, Anselmo Gomes de, et al. Áreas com potenciais riscos de desertificação no semiárido de Pernambuco. Disponível em :<http://www.encontrodemeioambiente.com.br/anais/2014/AnselmoGomes_AreasPotenciais.pdf>. Acesso em 10 de fev. de 2016).

            Para se plantar algo na nova cidade é necessária toda uma estrutura financeira, pois é necessário desmatar a área, preparar o solo, retirar as pedras, para que essas terras possam então produzir razoavelmente, o que ocorre é que poucas pessoas possuem essa estrutura, não há incentivo por parte do governo, e construção de piscigranjas e pisciculturas que foi acordado antes da transferência da cidade não foram sequer iniciadas.

Parry Scott destaca essa frustração em seu livro:

Na cidade pernambucana de Itacuruba, inundada e reconstruída em novo local, a população residente não conta, como contava antes, com áreas de produção agrícola próximas, já que os habitantes das áreas rurais ou foram reassentados em projetos especiais distantes em torno de cem quilômetros (Projeto Brígida ou Projeto Caraíbas), ou foram reassentados dentro da própria nova cidade de Itacuruba, sem acesso a terras para plantar. A combinação de influência de políticos locais e a promessa do fornecimento de uma solução técnica para o problema de terras impróprias para agricultura, através de projetos consorciados de aves, suínos e peixes" (piscigranjas) levou muitos ex-agricultores a escolher a opção de morar na cidade. O fracasso dos projetos consorciados e o decréscimo acentuado de atividades econômicas produtivas e comerciais após o reassentamento resultou numa superlotação da cidade em relação às suas possibilidades, contribuindo para o incremento de demandas para solucionar os problemas dos seus residentes, sobretudo dos "para-rurais" (designação técnica dos administradores dos projetos para moradores urbanos que viveriam de atividades agrícolas no campo). (SCOTT, 2009, pp. 139-140).

A preocupação que rodeia todos os que conhecem o caso de Itacuruba/PE está demonstrada aqui através do pedido da deputada Isabel Cristina de Oliveira, do PT, que foi à tribuna, destacar a importância de fortalecer o desenvolvimento sustentável de Itacuruba. Solicitando a atenção do Governo do Estado em relação ao município.

O periódico Terra por terra titulada na margem do lago traz em seu bojo as reivindicações feitas pelos agricultores a época da construção da barragem, no qual inúmeras e repetidas vezes fazem referência o desejo da nova localização:

Por fim, reafirmamos as nossas reivindicações: Terra por terra titulada na margem do lago, desapropriação por interesse social - em caráter de urgência, dada a expansão da grilagem nas áreas agricultáveis da região - reassentamento das famílias atingidas, conforme o Estatuto da Terra, Lei n9 4.504, de 30 de novembro de 1964. Construção de núcleos residenciais, indenização jus ta das benfeitorias - e, condições para que os trabalhadores continuem trabalhando na agricultura irrigada na nova terra. (Subniêdio São Francisco PERNAMBUCO/BAHIA. Disponível em:<http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PTETEBA071981008.pdf>. Acesso em 10 de fev. de 2016).

            A Organização Internacional do Trabalho-OIT, vinculada à Organização das Nações Unidas-ONU, aprovou a Convenção n° 169/1989, a qual o Brasil dela é signatário, ratificou pelo Decreto Legislativo n° 143/1989 do Senado Federal. Essa Convenção destinou a Parte II aos direitos de populações deslocadas e reassentadas compulsoriamente e, no que se refere às terras, o artigo 16 determina:

(...) 4. Quando o retorno não for possível, conforme for determinado por acordo ou, na ausência de tais acordos, mediante procedimento adequado, esse povos deverão receber, em todos os casos em que for possível, terras cuja qualidade e cujo estatuto jurídico sejam pelo menos iguais àqueles das terras que ocupavam anteriormente, e que lhes permitam cobrir suas necessidades e garantir seu desenvolvimento futuro (...). (BRASIL, Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm >. Acesso em 20 de fev. de 2016).

         

Enquanto outras cidades se revelam às margens de rios ou de estradas, Itacuruba-PE é a contramão a essas referências, a atual Itacuruba-PE foi reconstruída no meio ao nada, longe de tudo. O que, por conseguinte impede o crescimento e desenvolvimento econômico da cidade.

É importante mencionar aqui a trechos do depoimento de Vicente da Costa Coêlho, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais perante a comissão parlamentar de inquérito com relação à localização da futura cidade:

Assim, exigimos que os trabalhadores rurais que vão ser desalojados pelas águas represadas do Rio São Francisco, não recebam indenização pela terra, mas sim outra terra em lugar da que perderam. “Que a nova terra seja do tamanho do módulo rural estabelecido para efeito de reforma agrária e que se situe na mesma região geográfica, preferencialmente na borda do lago, para que mantenham as mesmas condições sócio-econômicas. (...) Não podemos nos esquecer que grande parte da população a ser atingida mora nas margens do rio São Francisco e que vive de cultivar terra com irrigação. Portanto, as novas terras para onde se transferirem deverão ter condições e ser instaladas com sistema de irrigação já que essa é a condição que vivem hoje. (Subniêdio São Francisco PERNAMBUCO/BAHIA. Disponível em:<http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PTETEBA071981008.pdf>. Acesso em 10 de fev. de 2016).

Ainda se faz necessário trazer a lume um trecho da tese de doutorado de Maria do Socorro Fonseca Figueiredo, publicado pela Universidade Federal de Pernambuco onde faz alusão a um plesbicito que fora frustrado:

Os mais velhos, que participaram da votação para escolha do destino da cidade, falam com indignação sobre esse episódio. É possível perceber nos depoimentos um duplo exílio: o primeiro advindo de forças vindas de fora, que determinava a saída do lugar de origem; o segundo parte de dentro, de pessoas do grupo, cuja força, contradizendo o desejo da maioria, determinava o novo espaço em que a comunidade viveria.(...)Já os jovens quando narram esse fato não fazem com o ranço da traição, trazem toda uma cidade imaginada que embora não tenha sido concretizada poderia ter existido mudando o curso de suas vidas;um lugar movimentado pelo de possibilidades. (FIGUEIREDO, 2011, p.109).

É notável o descaso que a empresa teve com a mudança da cidade de Itacuruba-PE, tudo o que eles amavam foi violentado. Perderam suas raízes.

Nas palavras de Maria do Socorro Fonseca em sua tese, após uma árdua e trabalhosa entrevista, colheu a informação que antes a mudança de cidades houve um plesbicito para a escolha do local em que seria erguida a nova cidade, onde foi acordado que seria construída na BR como primeira opção ou na margem do Rio São Francisco, esclarece, ainda, que não existe acesso a essa informação em livros, relatórios, jornais, no entanto, devido a entrevista feita por ela todos os que moraram ou até mesmo os que conhecem mais a fundo a historia afirmam e com ênfase a existência desse plebiscito, que por uma questão política fora frustrado. Hoje este carrega um peso importantíssimo, no caso especifico, tendo em vista que essa má localização trouxe tantos danos de cunho irreparáveis.

Diante disso fica evidente que as vontades deles não foram respeitadas. Era a terra o patrimônio físico realmente relevante para essas pessoas. Hoje, Itacuruba é como se fosse uma cidade perdida, pois não se passa casualmente por ela, diante de sua localização, a cidade fica localizada a doze quilômetros da BR mais próxima.

A falta de emprego, de lazer, falta do crescimento, de expansão, a terra não ser tão produtiva quanto a antiga, então a agricultura que era a maior fonte de renda e circulação econômica praticamente se extinguiu.

Não há oportunidades de emprego, a prefeitura não possui estrutura para empregar todos os habitantes e os poucos comércios que possui os empregos são divididos ente seus próprios entes familiares, então, Itacuruba/PE acabou se tornando um cemitério de vivos, onde a tristeza domina todas as casas pelas perdas sofridas.

E isso tudo são consequências desse empreendimento hidrelétrico, posto em vista que não foi levado em consideração a perda da qualidade de vida, das referências culturais, dos padrões de organização social, das relações de parentesco e amizades e das alterações de costumes.

O desenvolvimento que foi prometido, não chegou até a esta cidade, ficou perdido em meio a construção daquela barragem.

A respeito, trago à lume antigo ensinamento entabulado por Caio Mário

da Silva Pereira:

O princípio da igualdade dos ônus e dos encargos exige a reparação. Não deve um cidadão sofrer as conseqüências do dano. Se o funcionamento do serviço público, independentemente da verificação de sua qualidade, teve como conseqüência causar dano ao indivíduo, a forma democrática de distribuir por todos a respectiva conseqüência conduz à imposição à pessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo" (PEREIRA, 1961, p. 466). 

Diante deste cenário é lógico concluir que as pessoas foram retiradas de compulsoriamente de sua terra original por uma força maior.

Não houve preparação para a mudança nem tampouco capacitação para lidar com a nova realidade que devido a promessas não cumpridas ficaram muito distante da antiga. Houve a perda da capacidade de superar isso e recorreram aos remédios.

É o misto de encontro do passado com o presente preocupante em direção ao futuro, que sem reparação parece certo.

  1. Responsabilidade civil por danos morais coletivo no caso concreto

            Para demonstrar a ocorrência do dano moral coletivo no caso em estudo, foram utilizados os critérios elencados por Marco Antônio Marcondes Pereira, quais são: 

a) Agressão de Conteúdo Significante: o fato que agride o patrimônio coletivo deve ser de tal extensão que implique na sensação de repulsa coletiva a fato intolerável, como aponta a mais atual doutrina, porque o fato danoso que tem pequena repercussão na coletividade ficará excluído pelo princípio da insignificância. 

b) Sentimento de Repulsa da Coletividade: o fato intolerável deve implicar em sentimento de indignação, ou opressão, da coletividade que tem um interesse metaindividual assegurado na ordem legal violado. 

c) Fato Danoso Irreversível ou de Difícil Reparação: a ofensa à coletividade pode acarretar a impossibilidade de desfazimento do ato danoso, de tal sorte que o resultado padecido pela coletividade tenha de ser carregado com um fardo para as gerações presentes e futuras, como também pode implicar em difícil reparação, que afete o direito imediato de uso e gozo do patrimônio coletivo. 

d) Conseqüências Históricas para a Coletividade (ou comunidade): a agressão à coletividade pode implicar num rompimento do seu equilíbrio social, cultural e patrimonial, afetando a qualidade de vida futura. Os elementos indicados nas letras "a" e "b" devem estar presentes obrigatoriamente para a caracterização do dano moral coletivo, ao lado, pelo menos, de uma das situações indicadas nas letras "c" e "d". (PEREIRA, 2004, Disponível em :<http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/1334/dano_moral_contra_a_coletividade_ocorrencias_na_ordem_urbanistica>. Acesso em 10 de fev. de 2016).

É certo afirmar que o empreendimento em supramencionado considera-se uma agressão significante, tendo em vista que as águas inundaram completamente, as sedes de três municípios, núcleos urbanos e rurais. Sem deixar de mencionar à proporção que as estatísticas tomaram, estampando inúmeras paginas de jornais com números significativamente preocupantes.

Para o ilustre jurista Carlos Bittar Filho para a demonstração de danos morais coletivos é necessário:

a) Conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica;

b) Ofensa significativa e intolerável a interesses extrapatrimoniais, identificados no caso concreto, reconhecidos e inequivocamente compartilhados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas titulares de interesses protegidos pela ordem jurídica);

c) Percepção do dano causado, correspondente aos efeitos que, emergem coletivamente, traduzidos pela sensação de desvalor, de indignação, de menosprezo, de repulsa, de inferioridade, de descrédito, de desesperança, de aflição, de humilhação, de angústia, ou respeitante à qualquer outra conseqüência de apreciável conteúdo negativo.

d) Nexo Causal observado entre a conduta ofensiva e a lesão socialmente apreendida e repudiada. (BITTAR, 2004, Disponível em:<https://www.metodista.br/revistas/revistasunimep/index.php/direito/article/viewFile/145/84>.Acesso em 10 de fev. de 2016).

No caso de Itacuruba/PE, apesar de não ter havido a prática de conduta antijurídica pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco na construção da Usina de Itaparica, posto que o empreendimento ocorreu seguindo os critérios, políticos e legais vigentes a época.

Entretanto, a ausência de preceitos legais, não desconsidera a presença dos danos morais ocasionados à coletividade.

Toda via, é importante mencionar que a duração das obras foi de quase vinte anos, um período consideravelmente longo, onde a legislação sofreu alterações, estipulando condições antes não abalizadas.

            A ofensa significativa e intolerável é a lesão de caráter não suportável, diz respeito à negligência do Estado, em todas as suas capacidades, aqui mais especificamente cultural e do trabalho. No caso concreto, estas lesões não só foram constatadas como estão amplamente elucidadas neste artigo.

            O dano foi vastamente percebido através dos números estatísticos e das inúmeras bases de fundamentação deste estudo.

            É imprescindível trazer a lume jurisprudências que podem fortalecer ainda mais a tese em estudo, diante disso o Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou em conteúdo semelhante ao caso em estudo:

RECURSO DE APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSTRUÇÃO DO LAGO DA USINA HIDRELÉTRICA DE PORTO PRIMAVERA (SÉRGIO MOTA) PARA GERAR E EXPLORAR A VENDA DE ENÉRGIA ELÉTRICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. (...) 3. Diminuição da piscosidade do Rio Paraná e, consequente, diminuição da fonte de renda de pescadores profissionais. Demonstração do nexo causal entre o evento danoso e o prejuízo suportado pelos profissionais. Danos morais e materiais devidos, com aplicação de juros e correção monetária. Recurso parcialmente provido para determinar a reparação aos autores que comprovaram ser pescadores profissionais na data do evento danoso.

(TJ-SP - APL: 01016428720048260515 SP 0101642-87.2004.8.26.0515, Relator: Marcelo Berthe, Data de Julgamento: 25/11/2014,  3ª Câmara Extraordinária de Direito Público, Data de Publicação: 27/11/2014).

            Quanto a responsabilidade civil é de suma importância mencionar o parágrafo 6°, do artigo 37, da nossa Constituição Federal que diz:

As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. 19 ed. São Paulo: Rideel).       

            Ora, visto que a responsabilidade civil do Estado se funda de acordo com o preceito constitucional contido no artigo supramencionado, na teoria do risco administrativo onde a obrigação de indenizar é resultante referido dano materialmente causado desde que comprovado um nexo causal.

            O doutrinador Celso Ribeiro de Bastos traz uma brilhante constatação no que diz respeito ao dano:

Isso não quer dizer que já não houvesse uma longa teorização, antes de 1988, em torno da figura do dano moral. Já estava nas mentes dos autores que o dano não é apenas aquela agressão física, responsável por prejuízos materiais que deveriam ser indenizados. Havia um outro tipo de dano mais sutil, mas nem por isso menos agressivo e maligno, que é aquele fruto de ataques à honra, à dignidade, à reputação e mesmo aos sentimentos humanos. (BASTOS, Curso de direito constitucional. Disponível em:<http://advocatusacessoria.xpg.uol.com.br/cont/celsoribeiro.html>.Acesso em 10 de fev. de 2016).           

            Alexandre Mazza menciona em seu livro o dever e as referidas possibilidades de reparação:

A responsabilidade do Estado investiga o dever estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e extracontratuais experimentados em decorrência de ações ou omissões de agentes públicos no exercício da função administrativa. Os danos indenizáveis podem ser materiais, morais ou estéticos. (MAZZA, 2013, p.239 ).  

            Alexandre Mazza ainda acrescenta que “há situações em que a administração pública atua em conformidade com o direito e, ainda assim, causa prejuízo a particulares”. (MAZZA, 2013, p.240).

O Ministro Carlos Velloso citando L. Duguit (in Las Transformaciones Del

Derecho Público) destaca que:

a atividade do Estado se exerce no interesse de toda a coletividade; as cargas que dela resultam não devem pesar mais fortemente sobre uns menos sobre outros. Se, da intervenção do Estado, assim da atividade estatal, resulta prejuízo para alguns, a coletividade, deve repará-lo, exista ou não exista culpa por parte dos agentes públicos. É que o Estado é, de certo modo, assegurador daquilo que se denomina, frequentemente, de risco social, ou o risco resultante da atividade social traduzida pela intervenção do Estado" (RE nº 113.587/SP). 

            Diante do exposto faz se necessário a demonstração de jurisprudências em casos semelhantes ao de Itacuruba-PE:

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA. PREJUÍZO PARA A ATIVIDADE PESQUEIRA. EQUIPARAÇÃO A OUTROS PESCADORES BENEFICIADOS. ISONOMIA. REPARAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. PRAZO PRESCRICIONAL. TRATAMENTO DESIGUAL DISPENSADO DE FORMA ARBITRÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA POR ATO LÍCITO. TEORIA DO RISCO SOCIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. ARBITRAMENTO DO QUANTUM. - Os autores querem paridade com os pescadores elencados no convênio, sob o argumento da isonomia. O prazo prescricional aplicável à espécie, portanto, é o geral, decenal, previsto no art. 205 do Código Civil. A pretensão fulcrada, de outro giro, em responsabilidade civil, prescreve no prazo trienal, conforme descrito no art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. - Na medida em que o próprio Consórcio da Hidrelétrica de Aimorés admitiu os autores como pescadores, segundo rigorosos critérios estabelecidos pelo IBAMA, idênticos aos exigidos para os demais profissionais, outra não pode ser a solução judicial senão aquela pela qual resta privilegiado o postulado da isonomia. Não sendo possível vislumbrar qualquer explicação ou motivo racional para a diferença de tratamento imposta a uma mesma gama de pescadores, o comportamento desigual da ré frente aos requerentes, portanto, se evidencia arbitrário e, por isso, inconstitucional. Por tal razão, os benefícios outorgados aos demais pescadores devem ser estendidos aos autores. - A concessionária de serviço público que constrói, instala e explora usina hidrelétrica responde objetivamente pelos danos causados a terceiros, conforme dicção do art. 37, § 6º, da Carta Magna, e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981. - A teoria do risco administrativo, encampada pelo ordenamento jurídico brasileiro, preceitua que os ônus e bônus advindos da administração pública das estruturas coletivas devem ser repartidos e assumidos por todos, não sendo razoável que apenas uma pe ssoa ou um grupo específico seja onerado de forma acentuada em benefício dos demais membros do corpo social. - Comprovado nos autos que a instalação de usina hidrelétrica gerou efeitos perniciosos à qualidade da atividade pesqueira, reduzindo drasticamente a renda mensal familiar de pescadores profissionais que antes exploravam o local, deve o Estado (ou quem atue por delegação) compensar o lucro cessante havido, bem como reparar o abalo moral decorrente da aflição causada, refletida na queda brusca da capacidade de sustento familiar e incerteza quanto ao futuro. - O arbitramento econômico do dano moral deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato.

(TJ-MG - AC: 10011110027999001 MG, Relator: Cláudia Maia, Data de Julgamento: 07/08/2014,  Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/08/2014).

            Acontece que no caso especifico em estudo houve negligência da empresa prestadora de serviços públicos, visto que não se preocupou os possíveis danos em consequência a má localização e a identidade, a cultura e o sustento que foi perdido devido a infertilidade das novas terras.

            Há que se ter presente que a Carta Magna impõe ao Estado e à Sociedade o dever de garantir não somente os direitos a vida, a liberdade, associação, mas também o direito ao trabalho, à saúde e à educação, direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, etc.; ou seja, houve um abandono da ideia individualista, passando a existir uma ideia mais abrangente, de cunho social.

            Portanto, diante de todo o exposto se fortalece o entendimento de que houve, para o caso de Itacuruba-PE, consequências históricas para a coletividade.

            Diante destas evidências se verificou que houve a ocorrência de todos os requisitos apresentados por ambos autores supramencionados, juntamente com base nas atuais jurisprudências, caracterizando o dano moral coletivo. Como também se verifica a responsabilidade civil da Hidrelétrica e do Estado devido à relocação da cidade que gerou um dano coletivo diante da não condição dos residentes em conseguir uma vida digna, gerando os mais altos índices de depressão e suicídio do país.

            Assim, concluiu-se a pesquisa constatando-se a ocorrência do dano moral coletivo na referida comunidade, em razão da construção e operação da Usina Hidrelétrica de Itaparica.

Conclusão

Após a análise do problema proposto para o presente trabalho, qual seja, a viabilidade da aplicação do dano moral coletivo no caso de Itacuruba/PE, uma conclusão inarredável pode ser alcançada.

A construção de barragens hidrelétricas é originadora de inúmeros impactos, sejam eles econômicos, socioculturais e ecológicos, que podem resultar em danos materiais e imateriais. O presente artigo procurou indicar os principais danos morais gerados a cidade de Itacuruba pela construção da barragem hidrelétrica de Itaparica, indicando sua fundamentação legal bem como as formas para requerimento de sua reparação.

Foram apontados ao longo do estudo os efetivos danos causados a essa população, o dano moral se fez presente na perda da vida de relação, que é digno de reparabilidade, houve a perda da cultura, do modo de vida, das praticas antigas, bens incorpóreos estes, que foram destruídos com a construção do empreendimento hidrelétrico.

Não deixando de mencionar a lesão que foi gerada ao psíquico das pessoas atingidas, que acarretou sofrimentos, debilitação da saúde, depressão e até mesmo suicídio, estes evidenciados nas estatísticas.

Quanto às formas de realização das reparações dos danos morais, o ideal era que a Companhia Hidréletrica do São Francisco (Chesf) e o Governo do Estado de Pernambuco assumissem a responsabilidade no tratamento psiquiátrico, oferecendo serviços de assistência e acompanhamento psicológico e social para as famílias da cidade de Itacuruba-PE, bem assim que se busque alternativas de subsistência para os cidadãos desta cidade, posto em vista que não havendo a concretização disto nos próximos anos, será certo o desaparecimento de Itacuruba, já que as novas gerações não terão outra alternativa, senão buscar os grandes centros para sobreviver. Por isso, é de extrema importância que o Governo do Estado tenha como desafio prioritário o restabelecimento da cidade.

Conforme afirmou Caio Tácito, o direito não pode ficar indiferente às lesões imateriais porventura ocorridas na convivência social.

Portanto a luta dos habitantes de Itacuruba que foram atingidos pela barragem de Itaparica está na defesa de seus patrimônios morais lesados pela construção da hidrelétrica supramencionada. É necessário que seja tutelado o direito que essas pessoas possuem de serem ressarcidas. Os números alarmam de forma preocupante o que acontece naquela cidade que por negligência do Estado juntamente com a CHESF ocasionaram a toda aquela população. Considerar de outro modo seria antagônico, incompatível com o princípio da igualdade dos cidadãos e da repartição dos ônus e encargos sociais, apenas assim esta comunidade conseguirá defesa e garantias quanto sua reparação moral.

Referências

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[1] DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Documentário investiga altas taxas de suicídio em Itacuruba, no sertão do São Francisco. Disponível em: <http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2014/12/09/internas_viver,548000/documentario-investiga-altas-taxas-de-suicidio-em-itacuruba-no-sertao-de-pernambuco.shtml>. Acesso em 07 de mar. de 2016.

[2] RÊBELO, Paulo. Em PE, área de baixo IDH tem mais suicídio. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=1096>. Acesso em 07 de mar. de 2016.

[3] PORTAL G1 NOTÍCIAS. Processo de desertificação dificulta plantio em Cabrobó, PE. Disponível em: <http://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2014/04/processo-de-desertificacao-dificulta-plantio-em-cabrobo-pe.html>. Acesso em 07 de mar. de 2016.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Informações sobre o texto

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