Esboço de uma teoria de Justiça

21/03/2016 às 14:49
Leia nesta página:

Busca compilar os elementos que poderiam compor o conceito de justiça

 

 

Curiosa a distinção que o homem faz entre o natural e o artificial.

 

O artificial seria a criação por intervenção humana, ao passo que o natural decorreria diretamente da natureza.

 

Porém, até que ponto pode o homem intervir? Qual seu poder? Qual seu limite?

 

Não se deve olvidar que o próprio homem faz parte da natureza e é regido por suas leis.

 

É justamente a ignorância desse fato que faz com que as teorias existentes sobre a justiça apresentem-se deveras abstratas e dissonantes.

 

Porém, notamos ser comum no cerne dessas teorias a ideia de igualdade.

 

O que propomos, então?

 

Justiça é uma força natural de equilíbrio das relações sociais.

 

Bem próximo disso chega ALF ROSS (2003:314), segundo o qual "como princípio do direito, a justiça delimita e harmoniza os desejos, pretensões e interesses conflitantes na vida social da comunidade."

 

A justiça é força assim como a gravidade. Enquanto esta atrai os corpos, aquela age sobre as relações pressionando-as para um estado equilibrado.

 

Como as relações são diversas, os sujeitos são inúmeros e os desequilíbrios variados, teremos um número enorme de possibilidades de situações.

 

É exatamente por isso que se tem a impressão de que não é possível um conceito preciso de justiça. Normalmente se diz que "cada um tem seu conceito de justiça".

 

De fato, cada um tem seu nível de satisfação ou insatisfação. Em cada crise, a felicidade dos indivíduos envolvidos dependerá dos diversos interesses em jogo.

 

Em certas relações, notamos que a justiça pode gerar novo desequilíbrio, provocando um ciclo, mas que não é vicioso: são as hipóteses de vingança, de violência.

 

Expliquemos melhor: certas crises, em razão de seu alto nível de desequilíbrio, acumulam proporcionalmente uma enorme quantidade de força que pressiona a situação para o ponto de equilíbrio.

 

Ocorre que o excesso de força faz com que a situação não apenas chegue ao ponto de equilíbrio, mas o ultrapasse.

 

É o que ocorre, por exemplo e fazendo uma analogia, quando empurramos uma balança de playground.

 

Nota-se uma outra lei da natureza agindo: a 3.ª Lei de Newton (WIKIPEDIA, 2006):

 

Lex III Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi.

 

(A toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas.)

 

Essa nova crise, contudo, tem sua força reduzida devida a certos obstáculos, fazendo com que se repita o mesmo fenômeno, porém, cada vez mais suave, até a estabilização no ponto médio.

 

Talvez por tudo isso, quando se acabou com o absolutismo, instituiu-se, num primeiro momento, o liberalismo, para só depois o Estado voltar a intervir.

 

Da mesma forma, a Revolução Industrial provocou o crescimento desenfreado para só então haver a preocupação com o desenvolvimento sustentável.

 

Parece que quando há uma situação de crise, sua superação ocorre com uma mudança radical para uma situação oposta.

 

Aproveitando a menção feita a NEWTON, convém lembrar que tanto a ele quanto a LEIBNIZ é atribuída a descoberta do cálculo diferencial e integral. (O'CONNOR; ROBERTSON, 1998)

 

Por meio deste cálculo, entre outras coisas, pode-se descobrir pontos de máximo e de mínimo.

 

Tal cálculo foi muito utilizado na revolução industrial e continua hoje sendo aplicado para economia de materiais (mínimo), máxima eficiência etc.

 

Com tal instrumento, pode-se verificar que, na natureza, sempre se encontram situações de máximo e de mínimo (máxima resistência na casca do ovo; mínimo gasto de energia, conforme o formato das asas dos pássaros; mínima distância entre dois pontos percorridos pela luz...).

 

Porém, nos gráficos que demonstram o ponto mínimo e o ponto máximo, podemos verificar que, sob outro enfoque, esses mesmos pontos representam equilíbrio, sem o qual não seria possível alcançar o máximo ou o mínimo.

 

Nota-se, assim, uma tendência natural, uma força de atração para um estado de equilíbrio.

 

Queremos demonstrar com tudo isso que a justiça também pode ser, em tese, até mesmo matematizada, ou seja, expressa por uma fórmula.

 

Se já houvesse uma matematização da justiça, poderíamos encontrar soluções imediatas para crises, ou seja, o meio termo de ARISTÓTELES (2000, passim), sem necessidade de errarmos primeiro pelos extremos.

 

Porém, acreditamos ainda não sermos capazes de deduzir essa fórmula.

 

Para tanto, seria necessário identificar padrões nas relações sociais.

 

Isso já está sendo feito pela Teoria do Caos (TRUMPF, 1998).

 

Até que tal formulação matemática possa expressar exatamente a ideia de justiça, ficamos com uma noção vaga.

 

Entre a vagueza e a concretude, há um dilema, segundo ALF ROSS (2003:321):

 

Pelo que dissemos anteriormente fica patente que os filósofos que tentaram uma exposição mais teórica da ideia de justiça como a norma suprema para a criação do direito positivo, trabalharam sob a pressão de um dilema. Se, por um lado, caso fosse preciso conservar a ilusão de que a justiça é uma ideia a priori, seria necessário conferir ao princípio uma formulação muito abstrata, estreitamente vinculada à ideia pura de igualdade. Entretanto, quanto mais nos aproximamos dessa ideia, mais nos evidencia que o princípio carece de conteúdo. Se, por outro lado, fosse preciso dar ao princípio um conteúdo real, seria difícil preservar a ilusão de evidência. Esse dilema resultou na formulação mais ou menos tautológica ou despojada de significado do princípio, enquanto ao mesmo tempo nele são introduzidos por contrabando postulados dogmáticos ocultos, de cunho político-jurídico. Desta maneira, aquilo que carecia de significado adquiriu um conteúdo aparente e este conteúdo adquiriu uma evidência aparente.

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Notável o paralelo entre o que se acaba de afirmar e o que ALBERT EINSTEIN diz sobre a matemática: "O princípio creador reside na matemática; a sua certeza é absoluta, enquanto se trata de matemática abstrata, mas diminui na razão direta da sua concretização." (apud ROHDEN, 2003:171).

 

Seja como for, empiricamente podemos dessumir alguns padrões existentes na sociedade, sem, contudo, matematizá-los.

 

Até lá, a lei continuará a ser feita aos trancos e barrancos. Ocorre, contudo, que há um certo provérbio que merece ser lembrado, que diz mais ou menos o seguinte: "quando a lei ignora os fatos, os fatos ignoram a lei". Mas pode-se dizer que "quando a lei ignora a justiça, a justiça ignora a lei".

 

Isso nada mais é do que a demonstração de que somos regidos por algo que está acima de nosso direito positivo.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000.

 

O'CONNOR, J. J.; ROBERTSON, E. F.; Gottfried Wilhelm von Leibniz. In MacTutor History of Mathematics. October 1998. Disponível em :<http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Leibniz.html> Acesso em 14.dez.06.

 

ROHDEN, Humberto. Einstein - o enigma do universo. São Paulo: Martin Claret, 2004.

 

ROSS, Alf. Direito e justiça. [trad. Edson Bini] Bauru: Edipro, 2003.

 

TRUMP, Matthew A.. What is chaos? August 14 1998 disponível em : <http://order.ph.utexas.edu/chaos/index.html> Acesso em ago.2005.

 

WIKIPEDIA, the free encyclopedia. Stem cell. July 2005. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_de_Newton > Acesso em 06/11/2006.

 

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Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Informações sobre o texto

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