Breves considerações sobre a vitimologia

22/03/2016 às 16:32
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O presente trabalho tem como objetivo estudar a vitimologia, as classificações de vítimas segundo diversos autores e os níveis de vitimização.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de vitimologia. 3. Fases da vitimologia. 3.2 Fase da neutralização. 3.3 Fase do redescobrimento. 4. Classificações de vítimas. 4.1 Segundo Mendelsohn. 4.2 Segundo Gullota. 5. Níveis de vitimização. 5.1 Vitimização primária. 5.2 Vitimização secundária. 5.3 Vitimização secundária. 6. Conclusão. Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo estudar a vitimologia, as classificações de vítimas segundo diversos autores e os níveis de vitimização.

É sabido que o raciocínio abstrato próprio do direito penal (dogmática jurídico penal) é o único capaz de garantir a segura e isonômica aplicação da lei ao caso concreto e, por isso, persiste indispensável. Assim, ainda é necessário o direito penal para dar garantias à sociedade. No entanto, o raciocínio abstrato não traz diagnóstico ou prognóstico sobre o problema criminal, tampouco das vítimas.

A resposta ao crime deve ser jurídica, mas a reação diante da violência do crime deve ser global. A criminologia e, consequentemente, a vitimologia, colaboram na avaliação da eficácia e do custo social dos meios escolhidos.


2. CONCEITO DE VITIMOLOGIA

Diversos autores buscam conceituar vitimologia. Aqui, ficaremos com duas definições.

Para Banjamim Mendelsohn “A vitimologia é a ciência que se ocupa da vítima e da vitimização, cujo objetivo é a existência de menos vítimas na sociedade, quando esta estiver real interesse nisso”.1

Já para Paul Z. Saprovic “Vítima é qualquer pessoa física ou moral, que sofre com o resultado de um desapiedado desígnio, incidental ou acidentalmente”.


3. FASES DA VITIMOLOGIA

3.1 Fase de Ouro

Compreendida desde os primórdios até o fim da idade alta idade média. Nessa fase, a vítima é protagonista, comandando o sistema de vingança privada. A vítima (ou a família da vítima) ditava a punição do agressor.

Com a adoção do processo penal inquisitivo, a vítima perdeu seu papel de protagonista do processo, passando a ter uma função acessória. 2

3.2 Fase da neutralização

Nessa fase a vítima é marginalizada, deixando de ter o poder de reação ao fato delituoso, que é assumido pelo poder público. A pena passa a ser uma garantia de ordem coletiva e mão vitimaria.

O professor Cristiano Menezes explica, em poucas palavras, essa fase. Vejamos:

“A ideia de neutralização da vítima entende que a resposta ao crime deve ser imparcial, desapaixonada, despersonalizando a rivalidade. O problema daí decorrente é que a linguagem simbólica do direito e formalismo transformaram vítimas concretas em abstrações. Observe-se, ainda, que a punição serviria como prevenção geral. Pouca preocupação havia com a reparação”.3

Ainda hoje a vítima, muitas vezes, permanece marginalizada. Molina, juntamente com Luiz Flávio Gomes tratam do assunto:

O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na Política Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o campo da Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm denunciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo – advertem – acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito da previsão social e do Direto civil material e processual”.4

3.3 Fase do redescobrimento

Essa fase inicia-se com o fim da segunda guerra mundial, onde ocorre a revalorização do papel da vítima. Ou seja, na segunda metade do século XX a vítima é novamente descoberta sob um prisma humanista.


4. CLASSIFICAÇÕES DE VÍTIMAS

4.1 Segundo Mendelsohn

a) Vítima completamente inocente – também chamada de vítima ideal: é aquela que não tem nenhuma participação no evento criminoso.

b) Vítima menos culpada que o delinquente – também chamada de vítima por ignorância: é aquela que contribui, de alguma forma, para o resultado danoso, ora frequentando lugares reconhecidamente perigosos, ora deixa seus objetos de valor sem a devida vigilância.

c) vítima tão culpada quanto o delinquente – é aquela cuja a participação ativa é imprescindível para a participação do crime (ex. estelionato onde a vítima também age com má-fé – torpeza bilateral). Nelson Hungria, aliás, diz que no caso da torpeza bilateral, não deveria existir o estelionato, porque o direito penal não deveria tutelar alguém que age de má-fé (não é o que prevalece).

d) vítima mais culpada que o delinquente – também chamada de vítima provocadora: ex. homicídio privilegiado, cometendo o agente dominado por violenta emoção logo após injusta provocação

e) vítima exclusivamente culpada – exemplos apontados são: indivíduo embriagado que atravessa avenida movimentada vindo a falecer, vítima de roleta-russa, de suicídio, etc.

4.2 Segundo Gullota

a) vítima falsa simulada: é aquela que atua conscientemente ao provocar o movimento da máquina judiciária, com o desejo de gerar um erro judiciário.

b) vítima falsa imaginária: é aquela que erroneamente crê, por razões psicopatológicas ou imaturidade psíquica, haver sido objeto de crime, mas não foi.

c) Vítimas reais fungíveis – também chamada de vítimas ideais, o fato delitivo não se desencadeia com base em sua intervenção, consciente ou inconsciente.

c.1 - acidentais: são colocadas por azar no caminho dos delinquentes (ex. pessoa A está num banco no momento de um assalto)

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c.2 – indiscriminadas: elas não apresentam qualquer vínculo com o infrator (ex. vítimas de atentados terroristas).

d) vítimas reais não fungíveis – desempenha certo papel na origem do delito. Daí serem consideradas insubstituíveis na dinâmica criminal.

d.1 – imprudente – omitem as precauções mais elementares, facilitando o crime.

d.2 – alternativa – deliberadamente se colocam em posição de ser vítima (ex. pessoas que combinam duelo)

d.3 – provocadora – fazer surgir o delito, precisamente como represália ou vingança pela prévia intervenção da vítima (ex. homicídio emocional em razão de injusta provocação da vítima).

d.4 – voluntária – delito resultado da instigação da própria vítima (ex. eutanásia)


5. NÍVEIS DE VITIMIZAÇÃO

5.1 Vitimização primária

Vitimização primária é aquela decorrente diretamente do delito. Ensina Nestor Penteado filho que essa escala é:

“Normalmente entendida como aquela provocada pelo cometimento do crime, pela conduta violador dos direitos da vítima. Pode causar danos variados, materiais, físicos, psicológicos, de acordo com a natureza da infração, a personalidade da vítima, sua relação com o agente violador, a extensão do dano, etc. Então, é aquela que corresponde aos danos à vítima decorrentes do crime”.5

Assim, podemos observar que aqui a vítima sofre diretamente com as consequências do fato.

5.2. Vitimização Secundária

Aqui a vítima sofre com a série de consequências negativas advindas das reações formais e informais do fato criminoso. É o Estado vitimizando ainda mais a vítima.

Novamente, ensina Nestor Penteado Filho:

“Entende-se ser aquela causada pelas instâncias formais de controle social, no decorrer do processo de registro e apuração do crime, com o sofrimento adicional causado pela dinâmica do sistema de justiça criminal (inquérito policial e processo penal)”.6

Dessa maneira, pode-se concluir que são as consequências advindas das ações falhas do estado para com a vítima.

5.3. Vitimização Secundária

Trata do descaso do Estado após o processo e a falta de receptividade social. Esse sofrimento advém das consequências ilegítimas do processo, como castigo, torturas, etc.

Sobre a vitimização terciária explica Beristain:

“A respeito da vitimização terciária, limitamo-nos a recordar que, às vezes, emerge como resultado das vivências e dos processos de atribuição e rotulação, como consequência ou ‘valor acrescentado’ das vitimizações primária e secundária precedentes. Quando alguém, por exemplo, consciente de sua vitimização primária ou secundária, avoca um resultado, em certo sentido, paradoxalmente bem-sucedido (fama nos meios de comunicação, aplauso de grupos extremistas, etc.), deduz que lhe convém aceitar essa nova imagem de si mesmo (a), e decide, por meio desse papel, vingar-se das injustiças sofridas e de seus vitimadores (legais às vezes). Para vingar-se, se autodefine e atua como delinquente, como viciado em drogas, como prostituta”.7


CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo estudar alguns pontos sobre a vitimologia e suas classificações.

Com o ganhar corpo da criminologia, a vitimologia ganhou um tratamento especial, sendo pesquisada por diversos estudiosos da área e transformando a vítima em um dos pilares da criminologia.

Pode-se extrair desse artigo que hoje a vítima, ainda muitas vezes marginalizada pela sociedade e pelo Estado, começa a ganhar muita força e ter papel de protagonista dentro do processo penal e das políticas públicas criminais.


Bibliografia

https://www.doraci.com.br/files/criminologia.pdf

BERISTAIN, Antônio. Nova Criminologia à Luz do Direito Penal e da Vitimologia. Editora UnB.

GOMES, Luiz Flávio & GARCÍA PABLOS DE MOLINA, Antônio. Criminologia, 3. ed. ver, at. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000

MENDELSOHN, Benjamim. In PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012.


Notas

1 MENDELSOHN, Benjamim. In PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 104

2 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. Revista dos tribunais, 2004, p. 50

3 https://www.doraci.com.br/files/criminologia.pdf

4 GOMES, Luiz Flávio & GARCÍA PABLOS DE MOLINA, Antônio. Criminologia, 3. ed. ver, at. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000

5 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 124

6 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 124

7 BERISTAIN, Antônio. Nova Criminologia à Luz do Direito Penal e da Vitimologia. Editora UnB. P. 109

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