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Impeachment ou golpe? Uma breve abordagem jurídica e histórica

23/03/2016 às 12:10
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As diferenças entre impeachment e "golpe" no sistema jurídico brasileiro e os limites da lei ao poder de governar.

Nas últimas semanas, as conversas partidárias vem se inflamando diante da abertura do processo de impeachment contra a Presidente Dilma Roussef, onde até mesmo esta e seus militantes continuam a dispor que o referido processo de impeachment instaurado seria um “golpe” da oposição.

Entretanto, para distinguir os termos usados, a diferença entre os dois institutos devem ser analisados, tanto de forma histórica, legal e atual, para uma interpretação correta do que ocorre no país.

Golpe é uma ruptura institucional repentina, onde, ilegalmente, seja através de uma maioria ou até mesmo de uma minoria, é tomado o poder de forma, em regra, forçada, de autoridade legalmente soberana e legítima, onde não existiu cometimento de nenhum abuso por parte da autoridade contra a administração pública ou ao povo, com apoio, na maioria das vezes, das Forças Armadas, o que chamamos aqui de intervenção militar.

De sobremaneira, vários golpes foram efetivados na história mundial com o nome de revoluções, onde, em diversos casos, foram feitos pela maioria daquela nação, em função do descontentamento com o legítimo soberano, descontentamento este não baseado em abusos da autoridade, mas em questões puramente ideológicas, étnicas etc.

Porém, na história, também existiram autoridades soberanas que cometiam crimes contra a administração do bem público e ao seu povo, onde nada ocorria, diante da ausência de normas contra as autoridades que gerenciavam as nações, como reis, presidentes e ministros, sendo impossível a sua retirada, somente com “golpe”,algo bastante difícil diante do poder da autoridade estatal. Viu-se aí, a necessidade da criação de normas jurídicas para coibir anomalias dos referidos soberanos, chefes de Estado e de Governo, limitando os seus atos aos direitos fundamentais da população e a busca da legalidade na administração do bem público.

“O fortalecimento do impeachment na Inglaterra foi possível com a viabilização do parlamentarismo, que dentro do contexto da Revolução Liberal possibilitou um sistema de defesa dos interesses públicos não verificados no cenário absolutista, por exemplo, o princípio do “the king can do not wrong” (teoria da irresponsabilidade), segundo a qual somente os ministros poderiam sofrer impeachment, sendo o Rei isento de qualquer responsabilidade, ou seja, quando ficou a cargo do congresso governar, o impeachment tornou-se a principal ferramenta de controle popular”.

(O IMPEACHMENT NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, Márcio Eduardo Pedrosa Morais, Doutorando e Mestre em Teoria do Direito - PUC MG. Especialista em Ciências Criminais. Professor no Curso de Direito da Faculdade de Pará de Minas – FAPAM. Advogado).

Com isto, depois da Revolução Francesa e de toda criação da filosofia e da Ciência Política, aprimorou-se a limitação estatal e a defesa da população governada, espalhando nas Constituições dos países as responsabilidades e sanções contra Chefes de Estado e de Governo, assim, nos dias atuais, nem todo processo de deposição de um governo ou regime é necessariamente um golpe: há, por exemplo, os referendos de revogação de mandato (callback, em inglês) e as votações parlamentares de impedimento de um governante (impeachment), previstas constitucionalmente em vários países, não só no Brasil.

O impeachment sempre teve por finalidade impedir o mau exercício de um cargo ou função, sobretudo de natureza política, com vistas a salvaguardar o Estado contra a ruína do seu governo e a deterioração da sua governabilidade (Sobre o conceito de governabilidade, ver: BARROS, Sérgio Resende de.Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 449).

Em análise às nossas Constituições o impeachment tem disposição desde a Constituição de 1824, sendo que depois da República, na Constituição de 1891, é que tornou-se mais evidente, como a regulação do seu procedimento e contra o Presidente, e não somente Ministros.

Na nossa Constituição Federal vigente, de 1988, o instituto do impeachment encontra regulação no seu art. 85:

“Seção III

Da Responsabilidade do Presidente da República

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”.

Para sintetizar a hermenêutica, utilizaremos apenas os artigos e incisos propulsores para instauração de processos de impeachment nos dias atuais contra a Presidente em exercício, sublinhando os itens em questionamento.

No item II, assevera-se que os poderes da União são independentes e harmônicos entre si, de modo que, qualquer interferência do Presidente da República que impossibilite o livre exercício destes poderes e dos outros que a norma descreve, configura crime de responsabilidade.

A lei 1079/50, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República, dispõem seu art. 6° com relação ao item II do art.85 da CRFB que:

“Art. 6º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:

1 - tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras;

2 - usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagí-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção;

3 - violar as imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados, da Câmara dos Vereadores do Distrito Federal e das Câmaras Municipais;

4 - permitir que força estrangeira transite pelo território do país ou nele permaneça quando a isso se oponha o Congresso Nacional;

5 - opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças;

6 - usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício;

7 - praticar contra os poderes estaduais ou municipais ato definido como crime neste artigo;

8 - intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais.

No que tange ao termo de posse utilizado pela Presidente para o Lula quando esse necessitasse (supostamente para não ser preso pela Polícia Federal) pegando foro privilegiado, interfere claramente no livre exercício do Poder Judiciário, fato este mais que comprovado pela Justiça Federal e visto por toda a população nos noticiários, e ainda, a delação premiada do Senador Delcídio do Amaral homologada pelo Supremo Tribunal Federal com relação ao tráfico de influência que a Presidente e seus subordinados estavam realizando para com Ministros do Poder Judiciário, tanto do STF quanto do STJ, para manobras, julgamentos e investigações, com o fim de se esquivar de julgamentos e condenações.

Dois fatos inseridos no art. 6°, 5 da Lei 1079/50 C/C art. 85, II da CRFB/88, portanto, causas para o processo de impeachment.

Outro ponto seria também a delação premiada do Senador Delcídio do Amaral, que expõe com detalhes, um, que o Ministro Aloísio Mercadante estava coagindo-o a calar-se sobre as tratativas do planalto no que tange a operação lava-jato, este inserido no art. 6°, 2 da Lei 1079/50 C/C art. 85, II da CRFB/88.

A base para o impeachment atual em trâmite no Congresso Nacional está no art. 85 da CRFB, inciso VI - a lei orçamentária, onde a Lei 1079/50, em seus arts. 10 e 11, especifica os casos em que deve-se instaurar o processo de impeachment, in verbis:

“Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:

1- Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa;

2 - Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento;

3 - Realizar o estorno de verbas;

4 - Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.

5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal;

6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;

7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;

8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;

9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;

10) captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido;

11) ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou;

12) realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei.

Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos:

1 - ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observânciadas prescrições legais relativas às mesmas;

2 - Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais;

3 - Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal;

4 - alienar imóveis nacionais ou empenhar rendas públicas sem autorização legal;

5 - negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional”.

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As pedaladas fiscais, de acordo com os juristas do caso, estão inseridas nestes itens acima. Coaduno ainda a ideia de que, recai ainda a instauração do processo de impeachment pela negligência total da Presidência com relação a conservação do patrimônio nacional, no que concerne à Petrobrás, posto que seu desfazimento é notório, onde foi noticiado o prejuízo de 36 bilhões de reais no último trimestre do ano de 2015, prejuízos estes de desvalorização das ações que começaram com o escândalo de corrupção em Pasadena – EUA, onde a então atual Presidente da República era Conselheira na época, e era obrigada, por lei, a saber, recaindo, portanto, em negligencia da conservação do patrimônio nacional.

Por fim, dispõe o inc. VII do art. 85 da Constituição, dando mais ênfase no que tange ao termo de posse enviado a Lula para “fugir” de prisão judicial e tornando-o Ministro para adquirir foro privilegiado, que também se insere no inc. II, como já visto, que diz:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.

E a Lei 1079/50, em seu art. 12, é clara:

“Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias:

1 - impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário;

2 - Recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo;

3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral;

4 - Impedir ou frustrar pagamento determinado por sentença judiciária”.

Conclui-se, portanto, em primeiro lugar, que golpe é diferente de impeachment, este foi adquirido pelo próprio clamor popular durante séculos de violações de autoridades públicas à res pública e aos direitos fundamentais dos cidadãos, limitando os abusos, sendo inserido o referido instituto do impeachment em diversos diplomas constitucionais de vários países, um ganho histórico inexorável e imprescindível para a proteção do povo e do bem público.

No caso do Brasil, ao falar de golpe, penso que não o é, posto que a inserção dos dispositivos legais acima aos fatos notórios e sendo investigados são, claramente, uma afronta a Constituição Federal, a lei, e principalmente, ao povo, que tem o direito de impedir, LEGALMENTE, abusos de quaisquer autoridades públicas, mesmo legitimamente soberanas, que não obedeçam a lei maior, diferentemente do que ocorria no passado onde não existiam limitações legais ao poder de governar.

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Sobre o autor
Alan Rodrigues da Motta

Advogado, com pós graduações em Direito Bancário e Direito Ambiental, e MBA em Gestão de Investimentos, www.alandamottaadvogados.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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