O julgamento das ações constitucionais (ADPF132 e ADI 4277) e a aplicação do principio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais de liberdade e igualdade

24/03/2016 às 12:03
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O presente artigo visa analisar o julgamento das duas ações constitucionais, levando em consideração a aplicação dos direitos e princípios fundamentais consagrados pelo ordenamento jurídico pátrio.

1. Introdução

No Brasil, embora não esteja previsto na Constituição Federal de 1988 (CF/88) e no Código Civil Brasileiro (CCB), que prevê apenas a união estável entre casais heterossexuais, ou seja, casais de sexos opostos, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (homoafetiva) está assegurado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio das ações constitucionais (ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – 132 e da ADI – Ação Direita de Inconstitucionalidade – 4277).

A decisão da Suprema Corte Brasileira (STF) se baseou nos princípios e nos direitos fundamentais basilares do ordenamento jurídico pátrio, consagrados no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CF), como o direito de liberdade, igualdade e a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, status social, condição sócio econômica e quaisquer outras formas de discriminação, previstos na Carta Magna Brasileira (Constituição).

Deste modo o presente artigo tem por escopo analisar aplicação dos direitos fundamentais frente à decisão da suprema corte a respeito da união de casais do mesmo sexo (união homoafetiva), que já era existente desde os tempos antigos, mas que não era tão visível e alvo de tantos debates no meio social como atualmente. Para tanto, procurou-se sintetizar as duas ações constitucionais, bem como a decisão da suprema corte. Posteriormente, buscou-se analisar a mudança ocorrida no vocábulo de entidade familiar, o que antes era considerado família de modo restrito, passou a se considerar também a afetividade como meio de formação de uma entidade familiar, baseado em direitos amparados pela legislação pátria, como no direito de liberdade de escolha das pessoas de formar uma família, utilizando-se, também da aplicação do direito de igualdade e do princípio da dignidade da pessoa humana.

 

2. Breve Histórico das Ações Constitucionais e da Decisão do Supremo Tribunal Federal  

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 132, proposta pelo então Governador do Estado do Rio de Janeiro, naquele ano, Sérgio Cabral, foi apresentada no STF (Supremo Tribunal Federal) em fevereiro de 2008, indicou em seu conteúdo a violação de direitos fundamentais como o direito à isonomia, o direito à liberdade, desdobrado na autonomia da vontade e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em síntese, o pedido principal da ação supracitada (ADPF), consistia em um requerimento, cuja a finalidade, fundava-se na aplicação analógica do artigo 1723 do Código Civil Brasileiro (CCB) às uniões homoafetivas, baseando-se na denominada "interpretação conforme a Constituição". Para tanto, buscava-se declarar que as decisões judiciais denegatórias de equiparação jurídica das uniões homoafetivas às uniões estáveis afrontam direitos fundamentais básicos dos seres humanos (liberdade e igualdade). Requereu-se como pedido subsidiário, o recebimento da presente ação como ADI (Ação Direita de Inconstitucionalidade), caso a Suprema Corte Brasileira entendesse pelo descabimento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), o que de fato, terminou por acontecer.

A Procuradoria Geral da República (PGR), em de julho de 2009, propôs a ADPF 178 que foi recebida pelo Presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), naquele ano, Ministro Gilmar Mendes, como a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4277. A referida ação constitucional, apresentava como objetivo principal à declaração pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, desde que preenchidos os mesmos requisitos necessários para a configuração da união estável heterossexual, previsto no artigo 1723 do Código Civil Brasileiro (CCB), e que os mesmos deveres e direitos oriundos da união estável heterossexual fossem aplicadas às uniões estáveis homoafetivas.

Por fim, em relação ao julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277, os ministros por maioria absoluta, manifestaram-se pela procedência das respectivas ações constitucionais, reconhecendo a união homoafetiva como novo modelo de  entidade familiar e aplicando à mesma o regime concernente à união estável heterossexual, disposto no art. 1.723 do Código Civil Brasileiro (CCB).  Que dispõe: “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no registro civil”.

 

3. A Ampliação do Vocábulo Família como Consequência da Decisão do Supremo Tribunal Federal

A Constituição da República Federativa de 1988 (CF/88) trouxe um avanço significativo no conceito de família, estabelecendo como entidades familiares a instituída pelo casamento (família convencional), à decorrente da união estável e a família monoparental, esta constituída por apenas um dos pais mais a prole. No entanto, com as constantes transformações decorridas do meio social, ergue-se um novo parâmetro de entidade familiar, a união homoafetiva (formada por casais do mesmo sexo). Esta por sua vez, tem tomado espaço e reconhecimento considerável no âmbito jurídico.

Assim, nos dias atuais, o conceito de família não se limita a restringir apenas à ocorrência do casamento e das demais formas de constituição familiar citadas acima (união estável e família monoparental). Pessoas que matem convivência duradoura e estável, compartilham uma vida em comum (baseado em laços de afeto e carinho), com deveres de reciprocidade, respeito e tenham como objetivo construir um lar cumprindo com suas obrigações perante a lei e a sociedade, podem e devem ser consideradas como entidade familiar.

A respeito disso, preleciona Maria Berenice Dias (União Homossexual: o Preconceito e a Justiça, 2009, p. 33)

“No passado a família era constituída e tinha como caraterística a união regida pelo casamento de homem e mulher gerando filhos, com o passar do tempo, essa entidade familiar foi se lapidando e desenvolvendo várias esferas. Atualmente, família é a união de dois seres, seja por casamento ou por união estável, seja por homem e mulher, ou por pessoas do mesmo sexo”.

Continua a autora, em relação ao tema (Manual de Direito das Famílias, 2007, p. 42):

“Nos dias de hoje, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mutuo”.

O artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) descreve que para constituir um núcleo familiar é necessária uma comunhão de vida fundada no afeto (amor carinho) e na igualdade, os quais recebem especial proteção e reconhecimento do ente estatal (Estado). Observa-se, dessa maneira, que o referido diploma legal vem em auxilio à promoção do ser humano em suas plurais complexidades e diversos anseios, materializando, por conseguinte, a realização plena e fundamentada na dignidade da pessoa humana, principio primordial do ordenamento jurídico.

Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), restou consagrada que a união homoafetiva é, sim, um modelo de entidade familiar, havendo a necessidade de repressão a todo e qualquer tipo de discriminação contra esta nova forma de família. Assim, o STF ao julgar procedente as duas ações constitucionais (ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – 132 e da ADI – Ação Direita de Inconstitucionalidade – 4277)  deu ao artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro (CCB) interpretação conforme à Constituição para separar qualquer entendimento que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo (união homoafetiva) como entidade familiar. Nessa acepção, destaco a voto do ministro Marco Aurélio:  

“Julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do 49 Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.”

4. A Aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e dos Direitos Fundamentais de Liberdade e Igualdade

4.1. Noções Gerais

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) inaugurou o Estado Democrático de Direito em seu artigo 1°, tendo por fundamento basilar o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do artigo supracitado.

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III. Dignidade da pessoa humana”.

Em seu preambulo consagrou o exercício dos direitos sociais, individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como pilares de sustentação de uma sociedade fraterna, pluralista, sem preconceitos e harmônica. Objetivos esses que estão disciplinados nos incisos do artigo 3º da Carta Magna Brasileira.

No artigo 5°, a Constituição Federal (CF) tutelou os direitos e garantias fundamentais:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

Tais direitos mencionados, norteiam ordenamento jurídico pátrio, afim de possibilitar a harmonização dos indivíduos em sociedade. Deste modo é de suma importância analisar aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos de igualdade, liberdade em relação a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), a respeito dos casais homoafetivos.

4.2. Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana tem previsão legal no artigo 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), representa um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito. Configura-se como princípio basilar dos direitos e respeito aos cidadãos, tendo por obrigação garantir o mínimo existencial para cada um em seu território, independentemente de sua origem, orientação sexual, status social, cor, raça, estado civil ou condição sócio econômica, pois segundo o artigo 5º, caput, da Constituição Federal (CF), todos devem ser tratados de forma igual perante a lei.

Salienta Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 2007, p. 59) que: “O princípio da dignidade da pessoa humana é o mais universal de todos os princípios”.

O ministro Joaquim Barbosa, concordou com o reconhecimento das duas ações (ADPF 132 e ADI 4277), embasado seu voto no princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo ele:

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“O não reconhecimento da união homoafetivas simboliza a posição do estado de que a afetividade dos homossexuais não tem valor e não merece respeito social. Aqui reside a violação do direito ao reconhecimento que é uma dimensão essencial do princípio da dignidade da pessoa humana. (...) A constituição prima pela proteção dos direitos fundamentais e veda todo e qualquer tipo de discriminação. (...) A dignidade humana é a noção de que todos tem direito a igual consideração”.

A seu turno, ressalta Luiz Fux:

“O homossexual, em regra, não pode constituir família por força de duas questões que são abominadas por nossa constituição: a intolerância e o preconceito. (...) A constituição prega uma sociedade plural, justa, sem preconceito, com valorização da dignidade da pessoa humana e destacando que todos homens são iguais perante a lei”.

Assim, observa-se, nos votos dos ministros, que o princípio da dignidade da pessoa humana vem superar e eliminar formas de preconceitos em relação a homossexuais. E qualquer ofensa a escolha sexual da pessoa configurará uma legítima afronta a este princípio e ao direito de liberdade. Sendo a dignidade um princípio fundamental incidente a todos os seres humanos, um valor que orienta todos os demais princípios, direitos, deveres e atos, tornando-se assim o princípio base de todos os direitos fundamentais do cidadão.

A respeito disso, esclarece Maria Berenice dias (Conversando sobre Homoafetividade, 2004, p. 47).

“A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, é previsto no artigo 1°, inciso III, da Constituição, e o Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção de inversões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades”.

O Ministro Marco Aurélio, utilizando-se do princípio da dignidade da pessoa humana, afirmou:

“A dignidade oferece às prestações de cunho material, reconhecendo obrigações públicas em matéria de medicamento e creche, mas não pode olvidar a dimensão existencial do princípio da dignidade da pessoa humana, pois uma vida digna não se resume à integridade física e à suficiência financeira. A dignidade da vida requer a possibilidade de concretização de metas e projetos. Daí se falar em dano existencial quando o Estado manieta o cidadão nesse aspecto. Vale dizer: ao Estado é vedado obstar que os indivíduos busquem a própria felicidade, a não ser em caso de violação ao direito de outrem, o que não ocorre na espécie. (...) Certamente, o projeto de vida daqueles que têm atração pelo mesmo sexo resultaria prejudicado com a impossibilidade absoluta de formar família. Exigir lhes a mudança na orientação sexual para que estejam aptos a alcançar tal situação jurídica demonstra menosprezo à dignidade. Esbarra ainda no óbice constitucional ao preconceito em razão da orientação sexual”.

O autor Celso Antônio Bandeiro de Melo, em sua obra Elementos de direito administrativo, (1980, p. 104), ressalta que:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.

Assim, a transgressão ao princípio da dignidade da pessoa humana revelaria à ofensa a valores fundamentais do sistema jurídico que orientam e condicionam a aplicação do direito. Nesse contexto, as condutas pejorativas que acarretam lesão ao direito dos casais homoafetivas de construírem família, implicaria violação a mandamentos jurídicos constitucionais expressos, passiveis de punições, nos termos da lei.

4.3. Liberdade e Igualdade

A igualdade e a liberdade constituem direitos fundamentais dos indivíduos, tendo como previsão legal o artigo 5º caput, da Constituição Federal (CF). O primeiro se caracteriza por ser um direito de primeira geração, se materializando sob três aspectos: como direito subjetivo, autonomia da vontade e, por fim, como prestações negativas por parte do estado. Já o direito da igualdade, consiste em um direito de segunda geração, apresentando por parte do ente estatal prestações positivas.

A respeito dos dois direitos fundamentais supracitados, afirma Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 2007, p. 183):

“O princípio norteador da Constituição, que baliza o sistema jurídico, é o que consagra o respeito à dignidade humana. O compromisso do Estado para com o cidadão sustenta-se no primado de igualdade e da liberdade, estampado já no seu preâmbulo. Ao conceder proteção a todos, veda discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

O princípio da igualdade, caracteriza-se por garantir tratamento e proteção isonômica a todos os seres humanos, inclusive no que se refere ao poder judiciário, pois as leis existem para assegurar direitos a todos conforme suas necessidades. Assim, a partir do momento em que, determinadas pessoas escolhem outras do mesmo sexo (casais homoafetivas) para compartilhar uma vida em comum, com respeito e assistência mutua, não podem ser discriminadas, no que tange ao preconceito, ao ponto de terem seus direitos restringidos. Esta minoria tem direitos e deveres como qualquer outro membro da sociedade e por isso devem ser respeitados como cidadãos. A existência dos direitos (igualdade e liberdade) é para que os cidadãos, independente de sexo, cor e idade possam viver de forma justa e igualitária, sem discriminação. Nesse sentindo, ponderou o ministro Aires Brito no julgamento das ações constitucionais (ADPF 132 e da ADI 4277).

“O sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. É como dizer: o que se tem no dispositivo constitucional aqui reproduzido em nota de rodapé (inciso IV do art 3º) é a explícita vedação de tratamento discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos. Tratamento discriminatório ou desigualitário sem causa que, se intentado pelo comum das pessoas ou pelo próprio Estado, passa a colidir frontalmente com o objetivo constitucional de promover o bem de todos”.

Nesse diapasão, é importante mencionar o artigo 3º da Constituição Federal (CF), que preve os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, dentre os quais, está o de combater o preconceito, previsto no inciso IV do artigo supracitado. Obeserva-se abaixo:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O ministro e relator do processo (ADI – Ação Direita de Inconstitucionalidade – 4277), Carlos Aires Brito embasou o seu posicionamento favorável a união homoafetiva como entidade familiar, utilizando-se dos princípios fundamentais da autonomia privada (uma das vertentes do direito à liberdade) e do direito a igualdade. Como se observa em outro trecho retirado de seu voto.

“Todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a própria natureza, qualificada pela nossa Constituição como autonomia de vontade.

Agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Entendida está, no âmbito das duas tipologias de sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independentemente de qualquer outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade”.

Ao seu turno ressaltou o ministro Cezar Peluzo:

“Ao tomar a decisão, o Supremo Tribuna Federal condenou todas as formas de discriminação, contrarias não apenas ao nosso direito constitucional, mas contraria à própria compreensão da raça humana à qual todos pertencemos com igual dignidade”.

Observou-se nos trechos acima, que os ministros embasaram suas argumentações utilizando-se do direito de igualdade como forma de abolir qualquer tipo de discriminação e preconceito existentes entre os casais homoafetivos. E do direito de liberdade como modo de escolher a própria sexualidade. 

A respeito do exposto, preleciona Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 2007, p. 61):

“A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou grande preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdade especial atenção. Os princípios da liberdade e da igualdade, no âmbito familiar, são consagrados em sede constitucional. Todos tem liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família”.

Assim, a lei deve ser interpretada em concordância com as demais normas da Constituição, principalmente em relação aos princípios da igualdade e da liberdade. Deste modo os casais homoafetivos devem ter seu direitos assegurados pela legislação. Necessitando para tanto, de uma regulamentação legal por parte do legislador. O ministro Cezar Peluso, ponderou nesse sentido. Como se verifica no trecho retirado de seu voto.

“Há uma convocação que a corte faz para o Poder Legislativo para que assuma essa tarefa a que se sentiu muito propenso a exercer: regulamentar essa equiparação.”

O propósito de ter abordado o direito de liberdade junto com o direito de igualdade, se perfaz nas precisas lições de Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros que citando Dworkin, afirma (A Constitucionalidade do Casamento Homossexual, 2008, p. 53):

“(...) a liberdade é necessária à igualdade, segundo essa concepção de igualdade, não na duvidosa e frágil hipótese de que as pessoas realmente dão mais valor às liberdades importantes do que aos outros recursos, mas por que a liberdade, quer as pessoas lhe dêem ou não mais valor do que a todo o resto, é essência a qualquer processo no qual a igualdade seja definida e garantida”.

Percebe-se, assim que a ideia de igualdade está, necessariamente interligada à noção de liberdade, entendidas conjuntamente, representam a possibilidade de reconstrução e reorganização de suas diferentes opções de vida. Aliás, é a conjunção livre desses dois princípios do ordenamento jurídico pátrio (igualdade e liberdade) que vão assegurar ao cidadão o direito de optar dentre as diferentes formas de estrutura familiar.

Por fim, é de suma importância mencionar o artigo 5º inciso, XLI, do Texto Magno, que prevê: “a lei punirá qualquer forma de discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Sendo assim, os atos atentatórios aos princípios da liberdade e igualdade constituem infrações constitucionais, devendo ser punidas.

4. Conclusão

Portanto, o presente artigo teve por escopo analisar as duas ações constitucionais julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Tal julgamento representou uma conquista importante no sentido de ampliar as garantias patrimoniais entre os casais homoafetivos que vivem em união estável. A Suprema Corte Brasileira reconheceu a união homoafetiva como nova forma de entidade familiar, se utilizando de direitos básicos do ser humano como o direito à liberdade, à igualdade e também pela incidência do princípio da dignidade da pessoa humana, que norteia todos os demais princípios do ordenamento jurídico.

Em relação ao voto dos ministros, a respeito da equiparação da união homoafetiva à união estável, observou-se que uns possuíam como fundamentação a interpretação conforme o texto magno brasileiro, constituição. Os outros ministros da suprema corte apontaram que a constitucionalidade da união homoafetiva como entidade familiar possuía sustentáculo nos direitos fundamentais, previstos no caput do artigo 5º da Constituição Federal. Por fim, todos os entendimentos, com a sua diversidade de fundamentações e argumentos, acarretaram em um mesmo resultado, a equiparação da união homoafetiva ao regime da união estável heterossexual, previsto no Código Civil (CC).

Fez-se necessário, neste artigo, repensar os conceitos atuais de família, utilizando-se como ponto basilar, os vínculos de afeto, amor e carinho, os direitos de liberdade e igualdade, e acima de tudo, o respeito à dignidade da pessoa humana. Contudo, cabe ao legislador brasileiro, superar os preconceitos, as discriminações e as barreiras existentes, promulgando normas que protejam e tutelem este novo modelo de entidade familiar reconhecido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), dando-lhe direitos e garantias que se fazem necessárias. Pois estas pessoas merecem respeito e direitos resguardados.

 

Referências

DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004

DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: O Preconceito e a Justiça. 4 ed. Ver. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro de. A Constitucionalidade do Casamento Homossexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

Voto do Ministro Ayres Britto na ADPF 132 e ADI 4277 disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277revisado.pdf.

Voto do Ministro Cezar Peluso na ADPF 132 e ADI 4277 disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/1090_ADI_4.277_-_Voto_Peluso.pdf.

Voto do Ministro Luiz Fux na ADPF 132 e ADI 4277 disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277LF.pdf.

Voto do Ministro Marco Aurélio na ADPF 132 e ADI 4277 disponível em: https://professorpaulohermano.files.wordpress.com/2011/05/stj-adi-4277-voto-marco-aurelio1.pdf.

Voto do Ministro Joaquim Barbosa na ADPF 132 e ADI 4277 disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178888.

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Sobre o autor
Olivaldo Júnior

Acadêmico de Direito da Universidade da Amazônia e estagiário da Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Pará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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